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Processo nº 277/2009
3ª Secção
Relatora: Conselheira Maria Lúcia Amaral
Acordam, em Conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. A., Lda, reclama para o Tribunal Constitucional, ao abrigo dos artigos 69º e
76º, nº 4 da Lei nº 28/82, do Despacho proferido pelo juiz relator no Supremo
Tribunal de Justiça, que, nos termos dos nºs 1 e 2 do referido artigo, lhe não
admitiu o recurso de constitucionalidade que a reclamante interpusera do Acórdão
do Supremo Tribunal de fls. 526 dos autos.
2. O Despacho reclamado (fls. 569) fundou a decisão de não admissão do recurso
de constitucionalidade em duas ordens de argumentos. Disse-se, em primeiro
lugar, que a recorrente não definira a norma cuja inconstitucionalidade
pretendia que o Tribunal apreciasse, limitando-se a dizer que “o despacho e o
acórdão recorrido interpretam de forma inconstitucional e ilegal a norma do
artigo 667º/2/2ª parte do CPC.”. Disse-se, em segundo lugar, que durante o
processo nunca fora suscitada qualquer questão de constitucionalidade normativa,
nos termos do nº 2 do artigo 72º da Lei do Tribunal Constitucional, o que,
configurando a falta de um pressuposto de admissibilidade do recurso de
constitucionalidade, tornava inútil o convite de aperfeiçoamento previsto no nº
5 do artigo 71º da mesma Lei. Ambos os argumentos foram antecedidos de uma
explicação quanto à natureza do recurso de constitucionalidade em direito
português, recurso esse que incide sobre normas ou sobre interpretações
normativas que tenham sido aplicadas (ou desaplicadas) pela decisão de que se
recorre. Mais se sublinhou que, no caso de decisões de aplicação de normas – de
que se pode recorrer ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do
Tribunal Constitucional – se pressuporia sempre que a inconstitucionalidade da
norma tivesse sido suscitada durante o processo.
In casu, a reclamante interpusera o recurso, justamente, ao abrigo da alínea b)
do nº 1 do artigo 70º.
3. A fundamentar a sua reclamação, sustenta a A., Lda. que “ [o] Despacho em
crise é o exemplo acabado do refrão démodé que distingue normas e interpretações
normativas das decisões propriamente ditas, com o acréscimo do apêndice
invariavelmente aditado: a questão de constitucionalidade/ilegalidade deve ser
suscitada de forma clara e perceptível, com indicação do sentido/interpretação
de uma certa interpretação de determinada norma legal, que terá de ser enunciada
na decisão a proferir, para que todos saibam qual o sentido da norma
incompatível com a Lei Fundamental.” (fls. 577 dos autos). Sustenta em seguida,
inter alia, que tal “refrão + apêndice” será de per si manifestamente
inconstitucional; e – invocando o disposto no artigo 204º da Constituição –
alega que a obrigação de não aplicar normas inconstitucionais valerá também para
o próprio Tribunal Constitucional “como consequência directa do princípio da
subordinação à lei Fundamental”. E acrescenta: (…) embora a Constituição não
tenha instituído um recurso de amparo contra os actos judiciais, nada impede o
legislador ordinário de configurar uma acção ou recurso constitucional de defesa
com esta finalidade” (fls. 582 dos autos).
4. Pronunciou-se o representante do Ministério Público no Tribunal
Constitucional no sentido do indeferimento da reclamação, por ser evidente a não
verificação dos pressupostos de interposição do recurso de constitucionalidade e
por o “arrazoado apresentado pela reclamante em nada abala[r] os fundamentos da
decisão reclamada” (fls. 615, verso).
5. Como se disse já, o recurso foi interposto ao abrigo do disposto na alínea
b) do nº 1 do artigo 70º da LTC, pelo que apenas está em causa uma questão de
constitucionalidade. Ora, quanto a ela, é de confirmar inteiramente o teor do
Despacho reclamado. Com efeito, e compulsados os autos, verifica-se a ausência
dos pressupostos essenciais de interposição do recurso que vêm identificados na
alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional: não foi, na
decisão recorrida, aplicada norma cuja inconstitucionalidade tenha sido
suscitada durante o processo. Nestes termos, incumpriu-se também o disposto no
nº 2 do artigo 72º da Lei do Tribunal Constitucional.
É a Constituição, e não a lei ordinária, que determina que, em direito
português, seja o Tribunal Constitucional competente para conhecer da
constitucionalidade de normas e não de decisões (judiciais ou outras). Tal
decorre desde logo do disposto no nº 1 do artigo 277º, bem como dos artigos
278º, 279º, 280º e 281º da CRP. A alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do
Tribunal Constitucional – bem como o nº 2 do seu artigo 72º – apenas
concretizam, no que diz respeito à fiscalização concreta da constitucionalidade
de normas que sejam aplicadas pelas decisões de que se interpõe recurso, a
escolha feita pelo modelo constitucional.
6. Nestes termos, o Tribunal decide indeferir a reclamação e confirmar a
decisão reclamada.
Custas pela reclamante, fixadas em 20 ucs da taxa de justiça.
Lisboa, 5 de Maio de 2009.
Maria Lúcia Amaral
Carlos Fernandes Cadilha
Gil Galvão