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Processo n.º 693/09
3.ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional
1. O relator proferiu, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.-A da Lei n.º
28/82, de 15 de Novembro (LTC), a seguinte “decisão sumária”:
“1. A. recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º
1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC), do acórdão do
Tribunal da Relação de Lisboa de 14 de Julho de 2009 que negou provimento ao
recurso de um despacho, proferido pelo juiz de instrução criminal no âmbito do
incidente de reexame dos pressupostos da prisão preventiva, que indeferiu o
pedido de inquirição de testemunhas formulado pelo arguido em ordem a demonstrar
a inexistência de perigo de fuga.
2. O requerimento de interposição do recurso é do seguinte teor:
“O recurso é interposto ao abrigo 70-1- b) da Lei do Tribunal Constitucional.
O recurso tem em vista apreciar as seguintes questões:
A fundamentação e a motivação das decisões judiciais constituem pressuposto
fundamental da sua eficácia uma vez que só assim os destinatários das mesmas e a
comunidade jurídica em geral poderão ficar ou ser “convencidos” da sua justiça.
A fundamentação / critica da prova e documentos que a alicerçam constitui uma
garantia de controle democrático do poder judicial em face do cidadão comum e do
Estado de Direito.
A garantia constitucional do DEVER DE FUNDAMENTAÇÂO ocupa lugar cimeiro no
sistema de valores da nossa Lei Fundamental - art. 205 da C.R.P.
Uma Decisão como a recorrida cuja fundamentação não é explícita, - na
interpretação dada ao art. 374 - 2 C.P.P. e é inconstitucional por violação dos
arts 32 - 1 e 205 da Lei Fundamental.
OS ARTS 61-1-F, 97-5, 204 E 213 DO CPP VIOLAM OS ARTS. 20, 32 E 205 DA LEI
FUNDAMENTAL QUANDO ENTENDIDOS, COMO O FORAM PELO T.R.L. E PELO TRIBUNAL DA
LOURINHÃ, QUE O ARGUIDO NÃO PODE INDICAR PROVA TESTEMNHAL PARA AFASTAR O PERIGO
DE FUGA, O QUE INVERTE O ÓNUS DA PROVA E IMPEDE A DEFESA DE CONTRADITAR UMA MERA
ALEGAÇÃO GENÉRICA DE “PERIGO DE FUGA” SEM QUALQUER FUNDAMENTO CONCRETO
As decisões assentam em provas concretas e se a defesa está impedida de com base
em provas concretas - depoimentos de testemunhas - afastar a presunção do perigo
de fuga - então só se pode concluir pela derrocada do Estado de Direito e que
vigora uma mera FICÇÂO na aplicação das Leis …”
3. O recurso é interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da
LTC e visa fazer apreciar pelo Tribunal Constitucional duas questões:
1.ª - Saber se uma decisão como a recorrida, cuja fundamentação não é
explícita na interpretação dada ao artigo 374.º, n.º2, do Código de Processo
Penal, é inconstitucional por violação dos artigos 32.º, n.º 1 e 205.º da
Constituição;
2.ª - Se os artigos 61.º, n.º1, alínea f), 97.º, n.º 5, 204.º e 213.º do
Código de Processo Penal violam os artigos 20.º, 32.º e 205.º da Constituição
“quando interpretados como o foram pelo T.R.L. e pelo Tribunal da Lourinhã, que
o arguido não pode indicar prova testemunhal para afastar o perigo de fuga, o
que inverte o ónus da prova e impede a defesa de contraditar uma mera alegação
genérica de perigo de fuga sem qualquer fundamento concreto”.
Nenhuma destas questões pode ser apreciada no presente recurso, como passa a
demonstrar-se sumariamente (n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC)
3.1. Quanto à primeira questão, é evidente que ela não cabe no âmbito
possível do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade que o
sistema jurídico português proporciona. Nos termos do artigo 280.º da
Constituição e do artigo 70.º da LTC, ao Tribunal Constitucional apenas cabe
apreciar se as normas aplicadas (ou a que tenha sido recusada aplicação) pela
decisão recorrida são conformes à Constituição. Não lhe compete censurar as
decisões judiciais, consideradas em si mesmas, ainda que por violação de normas
ou princípios constitucionais.
Assim, como a questão que o recorrente enuncia contraria frontalmente esta
“natureza normativa” uniformemente atribuída do recurso de constitucionalidade,
não pode dela conhecer-se.
3.2. Quanto à segunda questão, também não pode dela conhecer-se, uma vez que
não há correspondência entre o sentido normativo que o recorrente quer ver
fiscalizado e aquele que o acórdão recorrido efectivamente extraiu das
disposições legais em causa para decidir como decidiu.
Em primeiro lugar, não se vislumbra a que propósito são incluídos na
definição do objecto do recurso os artigos 61.º, n.º1, alínea f) e 97.º, n.º 5,
que tratam, respectivamente, do direito do arguido a ser assistido por defensor
e comunicar com ele e da fundamentação dos actos decisórios. Trata-se de
preceitos e que a decisão recorrida não fez aplicação para resolver a questão do
direito à produção de prova testemunhal no âmbito dos incidentes de revogação
das medidas de coacção que apreciou.
As únicas disposições pertinentes seriam as do artigo 204.º e 213.º do Código
de Processo Penal. Mas o primeiro apenas lateralmente e na limitada medida em
que na respectiva alínea a) se estabelece o requisito geral das da medidas de
coacção relativamente ao qual o requerente se propunha produzir prova: o perigo
de fuga.
O que verdadeiramente releva é o artigo 213.º do Código de Processo Penal.
Sucede que a decisão recorrida – que é o acórdão da Relação e não a decisão do
juiz de instrução que aí se apreciou – não extraiu desse preceito o sentido
normativo que o recorrente indica.
Em primeiro lugar – e este é o aspecto determinante – o acórdão recorrido não
considerou que o arguido não podia “indicar prova” relativamente aos
pressupostos de aplicação da prisão preventiva, designadamente para contrariar a
justificação do receito de “perigo de fuga”. O que considerou foi que não
competia ao juiz de instrução proceder à audição de testemunhas. Não porque se
recuse ao arguido a faculdade de requerer e obter tal audição, mas porque se
entendeu que se trata de “acto cuja execução cai no âmbito de competência
genérica do Ministério Público no inquérito, cabendo-lhe decidir se a diligência
deve ser feita e, na afirmativa, proceder directamente à inquirição ou
conferi-la a órgão de polícia criminal”. São coisas diversas não poder produzir
prova para contrariar o juízo sobre o perigo de fuga e não poder pedir ao juiz
que, no inquérito, ouça ou dirija ele mesmo a audição das testemunhas.
Além disso – mas este seria aspecto não decisivo, porque a questão poderia ficar
reduzida à primeira parte se efectivamente correspondesse ao decidido –, não
pode considerar-se que esteja em causa a aplicação de uma tal norma em situação
em que o juízo sobre o perigo de fuga se baseie numa mera alegação genérica sem
qualquer fundamento concreto. O receio do “perigo de fuga” fundou-se no facto de
o arguido não ter, neste momento, vínculo laboral efectivo e ter duas filhas que
residem em França e na Alemanha, com as quais manterá contacto. Fora estas
circunstâncias que fizeram “pressupor que existe perigo de fuga por parte do
arguido uma vez que o mesmo terá apoio familiar caso decida abandonar o país”.
Deste modo, porque a norma sujeita pelo recorrente ao pedido de fiscalização
concreta de constitucionalidade não corresponde ao sentido normativo
efectivamente aplicado pelo acórdão recorrido (alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º
da LTC), o recurso não pode prosseguir.
3. Decisão
Pelo exposto, ao abrigo n.º 1 do artigo 70.º da LTC, decide-se não tomar
conhecimento do objecto do recurso e condenar o recorrente nas custas, fixando a
taxa de justiça em 7 (sete) UCs”.
2. O recorrente reclama para a conferência, ao abrigo do n.º 3 do
citado art.º78.-A da LTC, nos seguintes termos:
Uma das razões pelas quais os Portugueses não acreditam na Justiça Portuguesa é,
a par do elevado custo das alcavalas e taxas e da morosidade, a incompreensão ou
não alcance de Decisões contra o mesmo Povo, pelo qual e para o qual, os
Senhores Juízes julgam:
“ em nome do Povo....” dixit art. 202 - 1 da Lei Fundamental
Dado que o arguido “não pode indicar nem ver apreciada a prova testemunhal para
infirmar o perigo de fuga ao abrigo dos arts. 61, 97-5, 204 e 213 do CPP - que
violam os arts. 20, 32 e 205 das Lei Fundamental”.... RECLAMA da Decisão que
viola o princípio da Presunção de Inocência e a defesa…
Na verdade, “alegado” pelo Ministério Público e Sr J I C que “há perigo de fuga”
relativamente ao arguido Alexandre que foi VOLUNTARIAMENTE à PSP narrou os
factos.... não se compreende que continui preso numa jaula de 5 m2,
impossibilitado de apresentar prova testemunhal… e ver rejeitados os recursos
…aliás,
Está provado cientificamente que quem se apresenta VOLUNTARIAMENTE na PSP
Peniche a contar que prevaricou, oferece perigo de fuga conforme versão
actualizadíssima do artigo 204 do CPP....na região Oeste....
(Por certo, se o arguido pertencesse ao G.A.D.U., fosse Presidente de uma
Autarquia e se se ausentasse para o Brasil, sabendo previamente que haviam sido
emitidos Mandados de Detenção....e passado um ano regressasse a Portugal… já não
haveria perigo de fuga...” conforme diria Monsieur de La Palisse...”)
Daí a Reclamação para Vossas Excelências na última esperança de que contrariem a
Lição de Padre António Vieira:
“....as injustiças da Terra são as que abrem a porta à Justiça do Céu... “-
Sermões, 1 - Ed. Sá de Castro,. 90
fazendo JUSTIÇA agora....
3. O Ministério Público responde à reclamação, lembrando as razões e
os termos da decisão de sujeição do recorrente à medida de prisão preventiva bem
como as vicissitudes do processo nesta matéria, salientando os fundamentos da
decisão recorrida em que se alicerça a “decisão sumária” e concluindo pela
manifesta improcedência da reclamação, uma vez que nela “não são adiantados
quaisquer argumentos que possam abalar o teor da decisão sumária proferida,
limitando-se o reclamante a renovar argumentação por si anteriormente utilizada
– aliás, erradamente - nos diversos recursos que interpôs ao longo do inquérito
em curso”.
4. A decisão reclamada assenta em fundamentação clara: a primeira
das questões enunciadas não coloca uma questão de constitucionalidade normativa
e a segunda não corresponde ao sentido normativo efectivamente aplicado pelo
acórdão recorrido.
Ora, o reclamante limita-se a um protesto genérico contra a
injustiça que entende ser-lhe feita ao continuar sujeito a prisão preventiva,
impossibilitado de apresentar prova testemunhal e vendo rejeitados os recursos.
Nenhum argumento aduz contra os fundamentos específicos da decisão reclamada
para rejeitar o recurso. Esses fundamentos correspondem a jurisprudência
corrente do Tribunal quanto à natureza do recurso, são inteiramente pertinentes
face à realidade processual e, por isso, são aqui reiterados.
Consequentemente, nada havendo que possa abalar os fundamentos da decisão
sumária, a reclamação tem de ser julgada improcedente.
Entrelinhei: “ do recurso”.
5. Decisão
Pelo exposto decide-se indeferir a reclamação e condenar o recorrente nas
custas, fixando a taxa de justiça em 20 (vinte) UCs.
Lx. 28/8/2009
Vítor Gomes
Ana Maria Guerra Martins
Gil Galvão