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Processo n.º 409/09
2ª Secção
Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro
Acordam, em conferência, na 2ª secção do Tribunal Constitucional
1. Nos presentes autos de reclamação, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, A.,
notificado do despacho daquele Tribunal que não admitiu o recurso, por si
interposto, para o Tribunal Constitucional, apresentou requerimento com o
seguinte teor:
«A., Recorrente nos autos à margem identificados, vem, ao abrigo do n.° 3 do
art. 700.° do Cód. Proc. Civil (CPC), requerer que sobre a matéria do despacho
do Mmo Juiz Relator que decidiu não admitir Recurso para o Tribunal
Constitucional recaia douto Acórdão do STJ.
Fá-lo nos seguintes termos:
I- DO DOUTO DESPACHO DO Mmo RELATOR
1°
O douto despacho reclamado indefere o Requerimento de interposição do Recurso
para o Tribunal Constitucional por entender que o Recorrente deveria ter
reclamado para a Conferência do despacho que não admitira o recurso para o STJ
(vide fls...).
II- DO ART. 700.°-3 DO CPC
2°
Dispõe o próprio n.° 3 do art. 700.° Cód. Proc. Civil que o regime que postula
não é aplicável nos casos de indeferimento ou retenção do recurso — “Salvo o
disposto no artigo 688.°...”, diz o referido preceito legal.
III- DO ART. 688.° DO CPC
3°
Ao caso de não admissão (ou retenção) do recurso aplica-se o regime do art.
688.° CPC, segundo o qual cabe Reclamação para o Presidente do Tribunal
competente para conhecer do Recurso.
4º
No caso dos autos, o Recorrente já deduzira Reclamação para o Exmo Presidente do
STJ (vide fls...) do despacho do Exmo Relator que na Relação não admitira o
Recurso.
5º
Pela própria natureza do Recurso interposto para o Tribunal Constitucional,
entende o Recorrente que, agora, não cabe Reclamação para o Exmo Presidente
desse Tribunal do despacho que não admitiu a Revista.
6º
Foi com base no entendimento de que não cabia Reclamação para o Presidente do
Tribunal Constitucional nem Reclamação para a Conferência que o Recorrente
recorreu para o Tribunal Constitucional.
7º
Ou seja, o Recorrente cumpriu o art. 688.° CPC — por ser exactamente ele que
regula o caso de indeferimento ou não admissão do recurso.
8°
E ao cumpri-lo, por entender (pelos fundamentos explanados no Artigo 5.°) não
haver lugar a Reclamação para o Presidente do Tribunal Constitucional, interpôs
recurso.
IV - DO no s DO ART. 688.° DO CPC - RECLAMAÇÃO
9°
Dispõe o n.° 5 do art. 688.° do CPC que, se for interposto recurso em vez de
reclamação, mandar-se-ão seguir os termos da reclamação.
10º
Pelo que, uma vez que o douto despacho sub judice entende não caber Recurso mas
Reclamação, deveria não indeferir o Requerimento mas mandar seguir os termos
próprios da Reclamação.
V - DO DESPACHO DE 18.FEV.2009
11º
A fls... foi em 18.Fev.2009 proferido o douto despacho já referido pelo qual o
Exmo Relator decide não tomar conhecimento do recurso de Revista.
12°
Como também já se disse, desse despacho recorreu o Recorrente para o Tribunal
Constitucional.
13°
Esse despacho, porque dele foi interposto recurso, não transitou em julgado.
14°
Pelo que, independentemente e sem prejuízo do atrás alegado, o Recorrente está
em tempo de requerer que sobre ele recaia Acórdão do STJ.
15º
Ou seja, no caso de o Tribunal entender ser aplicável o art. 700.º-3 do CPC o
Recorrente requer que sobre a matéria do mesmo seja proferido Acórdão.
VI- AINDA DESSE DESPACHO DE 18.FEV.2009
16°
Esse douto despacho de 18.Fev.2009 decide que “...o sentido normativo cuja
constitucionalidade vem impugnada não viola os invocados princípios e preceitos
constitucionais” — isto porque o Recorrente invocara a inconstitucionalidade dos
arts 305.° a 309.° e 678.°, n.º 1, do CPC, na interpretação que nesse despacho
lhe foi dada (nos termos melhor invocados e melhor explicitados na pronúncia em
resposta ao convite do Exmo Relator).
17º
Inconstitucionalidade que também aqui, da mesma forma e com os mesmos
fundamentos, se invoca.
Termos em que se requer que seja submetida à Conferência a matéria do despacho
de 12.Março.2009 do Exmo Relator que indefere o Requerimento de Recurso para o
Tribunal Constitucional.
Mais se quer que seja submetida à Conferência a matéria do despacho de
18.Fev.2009 do Exmo Relator que decidiu não tomar conhecimento do recurso de
Revista.»
2. O representante do Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se nos
seguintes termos:
«Na sequência do decidido pelo Exm.º Senhor Vice-Presidente do Supremo Tribunal
de Justiça (fls. 607 e 608), o recurso do Acórdão da Relação (fls.576 a 588) foi
admitido por despacho do Exm.º Senhor Desembargador Relator (fls. 611).
Já no Supremo Tribunal de Justiça, o Senhor Conselheiro Relator pôs a hipótese
da não admissibilidade do recurso, tendo notificado as partes para se
pronunciarem sobre essa eventualidade (fls. 654 e 655).
Após aquele pronunciamento foi, pelo Senhor Conselheiro Relator, proferida
decisão de não admissão do recurso (fls. 663 a 670).
Desse despacho veio o reclamante interpor recurso para o Tribunal Constitucional
(fls. 672 e 673).
Esse recurso não foi admitido porque, cabendo reclamação para a conferência
daquele despacho (artigo 700.º, n.º 3, do Código de Processo Civil), não se
encontravam esgotados os recursos ordinários que, no caso, cabiam, sendo certo
que aquelas reclamações eram equiparadas a recursos (fls.675).
Desse despacho foi deduzida reclamação para a conferência, nos termos do n.º 3
do artigo 700.º do Código do Processo Civil (fls.679 a 684).
Sobre essa reclamação incidiu despacho do Senhor Conselheiro Relator. Esse
despacho é composto de duas partes: a primeira que considera aquela reclamação
como do despacho de não admissão do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça
(fls. 663 a 670) – apesar de o reclamante dizer expressamente que reclama do
despacho de não admissão do recurso de constitucionalidade – e foi indeferida
liminarmente porque apresentada para lá do prazo legal; a segunda, porque
considera aquela reclamação para a conferência uma reclamação para o Tribunal
Constitucional do despacho de não admissão do recurso de constitucionalidade,
manda remeter o processo a este Tribunal.
Perante esta tramitação processual diremos o seguinte:
A forma processualmente correcta de impugnar um despacho de não admissão de
recurso interposto para o Tribunal Constitucional é a reclamação para o próprio
Tribunal (artigos 76.º e 77.º da Lei do Tribunal Constitucional). Tendo o
reclamante no Supremo Tribunal de Justiça, utilizado um meio processual
inadequado, parece-nos que não se deverá, sequer, conhecer dessa reclamação.
Por outro lado, mesmo que se entendesse aquela reclamação como uma reclamação
para o Tribunal Constitucional, sempre seria de indeferir. Na verdade, o recurso
de fiscalização concreta nunca poderia ser suportado numa decisão singular do
relator, mas antes no acórdão da conferência, proferido na sequência da
reclamação deduzida nos termos do n.º 3 do artigo 700.º do Código de Processo
Civil – que o ora reclamante estava obrigado a esgotar, como condição de
admissibilidade do recurso para este Tribunal (cfr. v.g., Acórdão n.º 413/2008).
Dir-se-á, ainda, que durante o processo não foi suscitada de forma
processualmente adequada, numa questão da inconstitucionalidade normativa.
No momento oportuno para tal – quando foi notificado para se pronunciar sobre a
eventualidade de não se conhecer do recurso – o reclamante limitou-se a dizer
que os preceitos legais (seriam os artigos 305.º, 309.º e 678.º, todos do Código
de Processo Civil), interpretados no sentido e com o alcance referido no
despacho, eram inconstitucionais, por violação dos artigos 20.º e 202.º da
Constituição (fls. 661). O recorrente tem o ónus de especificar com clareza qual
é essa interpretação, sendo certo ainda que, no caso dos autos, da decisão
recorrida não resulta nem expressa, uma clara, nem inequivocamente qual a
dimensão normativa efectivamente em causa.
Mas se tivermos em atenção a interpretação adiantada no requerimento de
interposição do recurso para este Tribunal (fls. 672), então teremos de concluir
que a norma não foi aplicada naquele sentido. Segundo a decisão recorrida, as
prestações vincendas não podiam ser consideradas para determinação do valor da
acção porque, tendo em atenção o objecto dessa acção, o artigo n.º 309.º do
Código do Processo Civil, não era sequer aplicável. Portanto, questão diferente
da colocada pelo reclamante, na interpretação que pretendia ver apreciada pelo
Tribunal Constitucional.»
3. Dos autos emergem os seguintes elementos relevantes para a presente decisão:
− Por despacho do Relator no Supremo Tribunal de Justiça, de 18.02.2009, foi
decidido não tomar conhecimento do recurso de revista, interposto por A., do
acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que julgou improcedente o recurso de
apelação e confirmou a sentença da primeira instância (fls. 663/670 dos autos);
− A. interpôs recurso deste despacho para o Tribunal Constitucional, ao abrigo
da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC (fls. 672/673);
− Este recurso não foi admitido por despacho do Relator no Supremo Tribunal de
Justiça, de 12.03.2009, com fundamento no seguinte: «(…) não tendo o recorrente
reclamado do despacho do juiz relator para a conferência, nos termos do artigo
700.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, aqui aplicável, não cabe recurso do
mesmo para o Tribunal Constitucional (…)» (fls. 675);
− Contra este despacho de não admissão do recurso, o recorrente apresentou o
requerimento acima transcrito, interposto ao abrigo do artigo 700.º, n.º 3, do
CPC (fls. 679/680v.);
− Sobre este requerimento recaiu despacho do Relator no Supremo Tribunal de
Justiça, com o seguinte teor:
«Reclamação para a conferência do despacho de 18 de Fevereiro de 2009:
Indefere-se, liminarmente, o requerido, já que a reclamação foi apresentada fora
do prazo legal, ou seja, para além do prazo de dez dias subsequente à
notificação do despacho reclamado, achando-se esgotado o poder jurisdicional
deste Tribunal.
(…)
*
Remetam-se os autos ao Tribunal Constitucional para conhecer da reclamação
deduzida quanto ao despacho que indeferiu o requerimento de recurso para aquele
Tribunal, nos termos do estipulado nos artigos 76.º, n.º 4, e 77.º da Lei n.º
28/82, de 15 de Novembro. (…)»
4. O requerimento que deu origem à presente reclamação, acima
transcrito, não pode ser entendido como uma reclamação para o Tribunal
Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 76.º, n.º 4, da Lei do Tribunal
Constitucional.
Tal requerimento foi apresentado, pelo ora reclamante, como
reclamação para a conferência do Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do
artigo 700.º, n.º 3, do CPC. Nesse requerimento, endereçado ao Supremo Tribunal
de Justiça, pede-se que sobre o despacho que decidiu não admitir o recurso para
o Tribunal Constitucional “recaia acórdão do STJ”. Em momento algum se requer a
pronúncia do Tribunal Constitucional ou se faz alusão às pertinentes normas da
Lei do Tribunal Constitucional.
Como salienta o Ministério Público, tal significa que o reclamante não utilizou
o meio próprio de reacção contra o despacho de não admissão do recurso de
constitucionalidade, ou seja, a reclamação para o Tribunal Constitucional, nos
termos dos artigos 76.º e 77.º da LTC.
Não pode, assim, conhecer-se da presente reclamação.
Sem prejuízo, ainda se dirá que, mesmo que assim não fosse, sempre
seria de julgar improcedente a reclamação. Pois, pelas razões avançadas na
resposta do Ministério Público, não se mostrariam reunidos os pressupostos
necessários ao conhecimento do recurso de constitucionalidade. Nomeadamente,
porque o ora reclamante não suscitou, no decurso do processo, de forma
processualmente adequada, uma questão de constitucionalidade.
5. Pelo exposto, decide-se não conhecer da presente reclamação.
Sem custas, uma vez que, quanto ao requerimento aqui em apreciação, o reclamante
já foi condenado em custas no citado despacho de fls. 693.
Lisboa, 22 de Junho de 2009
Joaquim de Sousa Ribeiro
Benjamim Rodrigues
Rui Manuel Moura Ramos