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Processo n.º 306/09
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
A – Relatório
1 – A., melhor identificada nos autos, reclama para o Tribunal
Constitucional ao abrigo do disposto no artigo 76.º, n.º 4, da Lei n.º 28/82, de
15 de Novembro, na sua actual redacção (LTC), do despacho proferido pelo Juiz
Conselheiro relator no Supremo Tribunal de Justiça que não admitiu o recurso de
constitucionalidade interposto pela ora reclamante.
2 – A reclamação tem o seguinte teor:
“(...)
1. A ré interpôs recurso de constitucionalidade da decisão do Supremo Tribunal
de Justiça que indeferira um seu pedido de suprimento de nulidades (vd. req.
apresentado com data de 10.11.2008).
O indeferimento foi assim justificado: “Do simples enunciado da questão se vê
que a requerente continua a discutir a questão já decidida. O que é
extemporâneo, não tendo, pois, este requerimento qualquer cabimento processual
nesta fase dos autos” (ut ac. de 22 de Janeiro do ano em curso).
O recurso (interposto a fls. 332) o Exmo. Conselheiro Relator não o admitiu, com
a seguinte argumentação: “Não admito o recurso interposto a fls. 332, dado que a
invocação de inconstitucionalidade é posterior ao momento em que se pretendeu a
aplicação de preceito, cuja interpretação se apoda (julgamos ser este o vocábulo
grafado), agora, de inconstitucional” (vd. douto desp. de fls. 336).
É justamente desta última decisão que se reclama para este Venerando Tribunal.
Vejamos.
2. Diz-se então que a invocação de inconstitucionalidade é posterior ao momento
em que se pretendeu a aplicação do preceito que agora se classifica de
inconstitucional.
Mas de acordo com o requerimento de interposição do recurso, a recorrente, o que
disse, foi que se devia julgar inconstitucional, por violação do artigo 20°, nº
1, da Constituição, a interpretação dos artigos 668°, nº 1, alínea d), 669°, nº
1, alínea a), e 670°, nº 3, estes últimos do Código de Processo Civil, de acordo
com a qual, a parte que suscite a aclaração de uma decisão, não poderá mais
tarde vir arguir nulidades, por ser extemporâneo e por não ter cabimento nessa
fase processual.
Clarificando um pouco melhor a questão, a interpretação que o Supremo faz das
normas indicadas e, logo, das disposições que permitem que a parte que requereu
aclaração da decisão, possa arguir ou aduzir o suprimento de nulidades, é que
tal não é possível, é que tal não tem cabimento, mesmo por ser extemporâneo.
Mas a questão que agora se discute e percute nem é essa.
O que está agora em causa e que subjaz à presente reclamação, é o facto de se
postular que a “(...) a invocação de inconstitucionalidade é posterior ao
momento em que se pretendeu a aplicação do preceito, cujo interpretação se apoda
(?), agora, de inconstitucional” (cit. desp. de fls. 336).
Será que se quis aludir, com a relação predicativa acima, à questão da
oportunidade do recurso de constitucionalidade, uma questão que apenas se pode
suscitar durante o processo e a tempo, portanto, de o tribunal recorrido a poder
decidir, ou seja, antes de ser proferida decisão sobre a matéria a que respeita
a inconstitucionalidade?
Terá sido esse o sentido que emana da proposição em causa? Terá sido isso que o
Exmo. Juiz Conselheiro Relator quis dizer e significar com a mencionada
sentença?
Mas, se foi isso e sempre salvo o devido respeito, não parece que seja como diz,
conforme se passa rapidamente a demonstrar.
3. A questão de constitucionalidade não é aduzida de forma correcta, se for
suscitada, por exemplo, no pedido de arguição de nulidades da sentença ou no
requerimento de interposição do recurso.
Trata-se, ao que é possível saber, ou até onde é possível intuir, de orientação
pacífica deste Colendo Tribunal.
Mas é igualmente pacífico que a orientação, a regra funcional que se acabou de
referir, não será de aplicar em determinadas situações excepcionais, nas
situações em que o recorrente não disponha de oportunidade processual para o
fazer durante o processo e antes de esgotado o poder jurisdicional do tribunal.
Se isso assim acontecer, não parece que seja de negar a possibilidade, o direito
da parte poder suscitar a questão de constitucionalidade no próprio requerimento
de interposição do recurso, por outra oportunidade não dispor para o efeito.
Volvendo ao caso concretamente decidendo, o que se verifica é que a ré, a
recorrente, quando quis arguir o suprimento de uma nulidade, o Tribunal a quo
indeferiu-lhe o requerimento, por extemporaneidade e falta de cabimento.
Tratou-se, não haja dúvida, de uma aplicação insólita e inesperada das normas
que prevêem que, depois de um pedido de aclaração de sentença, a parte que nisso
estiver interessada e que tenha o direito de o fazer, pode suscitar a questão de
constitucionalidade no próprio requerimento de interposição do recurso de
constitucionalidade.
Que outro momento disporia para tanto?!
Não se pode, por isso, sustentar que a ré houvesse suscitado a questão de
constitucionalidade em momento posterior àquele em que pretendeu a aplicação do
preceito ou preceitos, cuja interpretação, se diz ser agora inconstitucional
(são as palavras utilizadas no douto despacho).
Então a ré poderia levantar a questão de constitucionalidade apresentada (no
requerimento de interposição do recurso), antes de conhecer a posição do Supremo
quanto às disposições que permitem o pedido de suprimento de nulidades, após
pedido de aclaração de sentença?! Antes de ser notificada do despacho de
indeferimento do recurso, também ele denominado de constitucionalidade?!
4. A interpretação das reditas normas pelo Tribunal a quo foi absolutamente
inesperada, imprevista, insólita mesmo deverá dizer-se, a ré jamais concebeu que
tal pudesse acontecer.
Daí o ter feito o que fez, na única oportunidade de que dispôs. Antes disso
nunca...
É ponto de fé que o fez no momento azado, na altura certa!
Não lhe era exigível colocar previamente tal questão.
Assiste à ré o direito ao suprimento de nulidades, depois do pedido de aclaração
que fez, uma garantia que está prevista na lei e que não pode ser por via
interpretativa restringida ou truncada naqueles aspectos que materializam o
exercício do direito constitucionalmente garantido.
A limitação da utilização dos meios processuais em causa, como se refere no
douto Acórdão (Ac. N° 485/00, de 22 de Novembro de 2000) citado no requerimento
de interposição do recurso, atentará contra o direito de acesso aos tribunais
constitucionalmente consagrado.
Podemos, por isso, concluir que a questão de constitucionalidade foi interposta
durante o processo, e no único momento processual possível”.
3 – Conduzidos os autos à vista do representante do Ministério Público junto
deste Tribunal, o mesmo pugnou pelo indeferimento da reclamação com base nos
seguintes argumentos:
“Em primeiro lugar convém dizer que, apesar do reclamante não a identificar
expressamente, resulta do teor do requerimento de interposição do recurso e de
reclamação que a decisão recorrida é a proferida a fls. 325, preferida na
sequência do requerimento de fls. 320.
O reclamante pretende ver apreciada a inconstitucionalidade dos mesmos artigos
668º, nº 1, alínea d), 669º, nº 1, alínea a) e 670º, nº 3 do Código de Processo
Civil na interpretação segundo a qual, apresentado requerimento de aclaração do
acórdão, não pode a mesma parte arguir a respectiva nulidade, por extemporânea e
descabida, porquanto a apresentação daquele requerimento permite concluir que a
parte, o que quer, é voltar a discutir a mesma questão.
Ora, o Supremo Tribunal de Justiça não aplicou a norma na dimensão questionada.
Na verdade, o que aquele Tribunal afirmou foi que a questão de tratar uma
invocada nulidade como com erro de julgamento, já estava decidida. Até porque
essa nulidade cometida pelo Supremo seria a mesma da cometida pela Relação e já
apreciada no acórdão que negou a revista.
O Supremo Tribunal de Justiça não o diz, nem resulta dos autos, que a nulidade
invocada não foi apreciada porque anteriormente havia sido feito um pedido de
aclaração.
Pelo exposto, deve indeferir-se a reclamação”.
4 – Notificada do teor desse parecer, alegou a reclamante:
“(...)
1. No ponto 2 do aliás douto Acórdão proferido pelo Supremo, em 26.06.08,
escreveu-se o seguinte: “Alega a recorrente que a Relação tratou de uma nulidade
diferente daquela que arguiu. Se o fez, trata-se de um erro de julgamento e não
de uma omissão de pronúncia. Ou seja, tratou, eventualmente mal, na perspectiva
da ré, das conclusões, mas de qualquer modo, tratou-as. Logo, não se verifica a
nulidade em causa”
A recorrente ficou com dúvidas sobre o segmento textual acabado de transcrever e
pediu a sua aclaração, no ponto em que o Supremo asseverou que a Relação havia
tratado das conclusões por si apontadas, mas que lhe parecia a ela que não, que
a 2ª instância não o havia feito, que não havia suprido a aduzida nulidade de
sentença, e que em vista ou em razão disso, inclinava-se mais a favor da omissão
de pronúncia.
A traço grosso, o que lhe parecia era que a Relação não havia julgado a nulidade
arguida, não havia feito uma errada ponderação ou valoração, mas que pura e
simplesmente não havia suprido a nulidade em causa.
E como reagiu o Supremo?!
Em nossa opinião, o dito Órgão Supremo como tergiversou ou efabulou à volta do
assunto.
Deveria porventura esclarecer, porventura clarificar?!... Sem dúvida! O Supremo
(como qualquer Tribunal a quem a parte suscita um esclarecimento), devia ter
esclarecido uma questão que, PARA A RECORRENTE (Não para ele, STJ, já se deixa
ver...) era-lhe dúbia, não lhe era clara, era-lhe pelo menos ambígua e pouco
compreensível.
2. Decerto que quando algum interveniente processual diz não entender
determinada questão, nunca, mas mesmo nunca o visado órgão admite qualquer falta
de clareza, qualquer ambiguidade, muito menos ainda qualquer
ininteligibilidade/incompreensibilidade seja de que despacho for.
Mas isso, como observa (e bem!) PAULA COSTA E SILVA (Acto e Processo, Coimbra
Editora, 2003, págs. 408/411), deve-se à desconfiança com que de ordinário os
pedidos de aclaração são vistos e sentidos – como meros expedientes puramente
dilatórios!
O problema, como teve o cuidado de referir, é que muitas vezes, senão todas,
paga o justo pelo pecador!
A produção de um texto deve sempre envolver a necessidade de prevenir eventuais
dificuldades de interpretação.
Ou na formulação de CHAROLLES (1988:4), L’ activité de production textuelle
exige par conséquent d’autres habilités que celles qui consistent uniquement à
aligner des “propositions” en rapport avec un thème.
Há todo um trabalho de organização conscientemente orientado em função do
leitor, antecipando e nessa medida prevenindo, eventuais dificuldades de
interpretação (MARIA ANTÓNIA COUTINHO, Texto (s) E Competência Textual, Edição
da Fundação Calouste Gulbenkian – Fundação para a Ciência e tecnologia, Março de
2003, págs. 168/169).
Sem esse esforço, sem essa preocupação, as relações entre objectos ou estados de
coisas ficariam obscuras ou ambíguas (MARIA. A. COUTINHO, ob. e loc. cits., e
ainda a pág. 180 e passim).
Há que ter em vista outrossim que quando a parte decide fazer tal pedido, é
porque, para ela, exclusivamente para ela, a questão não é clara, sendo que
normalmente o que se diz, o que os tribunais dizem, é que a questão é (sempre!)
clara, mas clara na perspectiva do próprio órgão que proferiu a decisão.
Denota-se aqui, segundo refere a mesma Autora, um erro de perspectiva na forma
de analisar tais pedidos.
“Disse Deus uma palavra – duas eu ouvi” (Salmo 62).
Portanto, como se dizia, a ré pediu que o Supremo esclarecesse a sobredita
questão, ao que o mesmo Órgão redarguiu que nada havia que esclarecer e que
desse modo improcedia o pedido. Naturalmente que a ré não deu morras.
Que fez então?
Visto que a Relação não suprira a nulidade, visto que o Supremo, decidindo como
decidiu, também acabara cometendo a nulidade da omissão de pronúncia, a
recorrente arguiu a dita nulidade, esperando que este último Tribunal a
suprisse.
Mas a verdade é que o não fez. O que disse foi que a requerente continuava a
discutir uma questão já decidida. Por essa razão, concluiu, a sua pretensão era
extemporânea, não tendo o menor cabimento processual naquela fase dos autos.
Que dizer?!
3. Decerto que a Relação, como também o Supremo, devem resolver todas as
questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, sob pena de nulidade
dos respectivos acórdãos (Cód. Proc. Civ., art°s 660°, nº 2, 668°, nº 1, alínea
d), 713°, n°2, 716°, nº 1, e 732°).
Adregue-se com JOSÉ LEBRE DE FREITAS, e OUTROS, que a ininteligibilidade
subsistente após a aclaração da sentença, a rejeição do pedido de aclaração, de
entre o mais, podem gerar nulidades, são fundamentos de nulidade (Cód. Proc.
Civ. Anotado, Vol. 2°, Coimbra Editora 2001, pág. 668, in fine).
O juiz, segundo preconizam os mesmos doutrinadores, deve conhecer de todas as
questões que lhe são submetidas, de todos os pedidos deduzidos, e o facto de não
os conhecer, constitui nulidade (LEBRE e OUTROS, ob. cit., pág. 670).
Para a recorrente, o facto de a Relação não conhecer de uma nulidade traduzia e
determinava a prática de uma nulidade – a omissão de pronúncia – e não erro de
julgamento.
Mas quis ter ou ficar com a certeza do facto.
Se a Relação, devendo suprir, não supriu a nulidade, a mesma ficou por suprir.
Se tratou de outra, cometeu dupla nulidade, para utilizar a expressão do
Professor REIS! Se o Supremo diz que a Relação tratou, eventualmente mal, mas
tratou – QUANDO NÃO TRATOU – somos levados a concluir que, nessa ordem de
ideias, também o Supremo incorreu na nulidade de omissão de pronúncia.
Porquê?! Porque não supriu a nulidade que a Relação havia praticado. Foi por
isso e para isso que a recorrente arguiu tal questão numa das conclusões da sua
alegação.
Mas não. Quando veio arguir a nulidade, o Supremo diz que ela quer discutir a
questão já resolvida.
É caso para perguntar: que questão?!
A circunstância do Supremo dizer que o eventual não tratamento da nulidade
correcta alicerçava erro de julgamento e não omissão de pronúncia, significaria
isso que desse modo a questão havia ficado resolvida, ou seja, o suprimento da
nulidade?!
Seguramente que não!...
A ré não estava a fazer, nessa fase, qualquer discrime dogmático-processual
entre erro de julgamento e omissão de pronúncia, pois que o que pretendia era
arguir para ver suprida a nulidade aduzida.
Portanto, não tinha razão o Supremo.
O facto do Supremo ter desvalorizado e subestimado daquela maneira a questão
invocada (isto sempre sine ira et studio,..), fez com que o conhecimento da
mesma tivesse ficasse pelo caminho, tivesse sido preterido, postergado, com ter
sido neutralizado e rejeitado o suprimento de nulidades, como se viu.
Por ser extemporâneo, segundo se justificou, e por não ter cabimento nessa ou
naquela fase da tramitação processual – o suprimento de nulidades, após o pedido
de aclaração do acórdão.
Repete-se porque o ponto é decisivo: quando o Supremo postula que a arguição de
nulidades não tem cabimento processual na referida fase, ou na fase em questão,
ou até melhor, “nesta fase dos autos ou que os autos atravessam”, a fase em
apreço só pode ser a do suprimento de nulidades, com vir na sequência de um
pedido de aclaração.
Ora, se depois de um pedido de aclaração, a recorrente veio arguir uma nulidade,
e o Supremo Tribunal de Justiça diz que essa pretensão é extemporânea e que não
tem cabimento processual nessa fase (leia-se, na fase em que a parte, depois de
ser notificada da decisão que se pronunciou sobre um pedido de aclaração da
sentença, vem arguir nulidades, nos termos do nº 3 do artigo 670º do CPC),
parece manifesto que o mesmo Altíssimo Órgão Decisor ou Decidente criou, desse
modo, uma norma de preclusão processual que contende com o princípio basilar de
direito constitucional, previsto no artigo 20º da Lei Fundamental, segundo o
qual, a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos
seus direitos e interesses legalmente protegidos.
Foi essa de resto a problemática que levou a recorrente a interpor o recurso de
constitucionalidade.
Vejamos agora o que vem referido no mui douto parecer do Ministério Público.
4. O recurso não foi recebido no STJ com a seguinte argumentação: “Não admito o
recurso interposto a fls. 332, dado que a invocação de inconstitucionalidade é
posterior ao momento em que se pretendeu a aplicação do preceito, cuja
interpretação se apoda, agora, de inconstitucional.”.
A recorrente reclamou, conforme requerimento dirigido ao Tribunal
Constitucional, com data de 4.03.2009.
E reclamou como?
Argumentando que, face à interpretação que lhe era permitido ou lícito fazer do
despacho de não recebimento do recurso, o que se lhe afigurava era que o Supremo
se referira à tempestividade da adução/formulação da questão de
constitucionalidade.
A ser verdadeira ou verosímil a interpretação que havia feito (há-de convir-se
que a terminologia do despacho não é muito clara...), não se lhe afigurava que o
mesmo despacho houvesse analisado acertadamente tal questão.
Se não, vejamos.
5. Lendo com alguma cautela e rigor o despacho de não recebimento, o que no
mesmo se diz é que a invocação da inconstitucionalidade é posterior ao momento
em que se pretendeu a aplicação do preceito, que também se não diz qual seja.
Porém, fazendo o mesmo ao douto parecer emitido pelo Ministério Público, já se
verifica que, afinal, ele não se pronunciou sobre a
tempestivídade/extemporaneidade do recurso (afigura-se ter sido esse o
argumento-força invocado peto Exmo. Conselheiro), mas sobre o próprio objecto do
recurso, quando se sabe que o julgamento da reclamação do despacho que indefira
o requerimento do recurso cabe à conferência a que se refere o nº 3 do artigo
78°-A.
Foi por se lhe afigurar inconstitucional a interpretação feita pelo Supremo
sobre as normas que regulam o pedido de aclaração e arguição de nulidades, que a
demandada interpôs o presente recurso de constitucionalidade.
É claro que o Supremo não diz, evidentemente que não diz, que a nulidade
invocada não foi apreciada porque antes fora feito um pedido de aclaração. Claro
que não! Ou que não é possível arguir nulidades depois de um pedido de
aclaração.
Mas é isso que é possível extrair do despacho de indeferimento, que se louvou na
redita interpretação, na redita dimensão interpretativa, quando o mesmo órgão
diz que o requerimento era extemporâneo e que não tinha cabimento processual
nessa fase.
Não se pode esquecer que a questão de constitucionalidade colocada visa saber,
visa apurar se a norma, dimensão, sentido ou interpretação obtidos contrariam ou
não, na sua génese, o princípio da legalidade, e em concreto a exigência de lex
certa que lhe é ínsita (vd. Ac. nº 205/99, e ainda os Acórdãos nºs 285/99 e
122/00, publicados no Diário da República, II Série, de 21 de Outubro de 1999 e
de 6 de Junho de 2000, respectivamente).
E que uma coisa é a bondade da interpretação, outra, muito diferente, é a
contrariedade à Constituição dessa mesma norma.
E o que está em causa é claramente esta última vertente.
O Supremo atentou contra o direito de acesso aos tribunais constitucionalmente
consagrado, uma vez que impediu a recorrente de requerer o suprimento de
nulidades após o pedido de aclaração que fez.
Dizendo que a recorrente, com o seu requerimento, continuava a discutir a
questão, não há dúvida de que o mesmo Órgão Jurisdicional coarctou o direito da
requerente ao suprimento de uma nulidade – que é uma questão absolutamente
autónoma relativamente à aclaração, que foi pura e simplesmente rejeitada,
indeferida.
5 – Cumpre relatar igualmente que o recurso de constitucionalidade fora
interposto, na sequência da decisão do Supremo Tribunal de Justiça que indeferiu
a arguição de nulidade arguida pela reclamante (Acórdão de 30 de Outubro de
2008), ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC, e
pretendia ver sindicada a norma do artigos 668.º, n.º 1, alínea d), 669.º,
alínea a), e 670.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, na interpretação segundo
a qual, apresentado requerimento de aclaração do acórdão, não pode a mesma parte
arguir a respectiva nulidade, por extemporânea e descabida, porquanto a
apresentação daquele requerimento permite concluir que a parte, o que quer é
voltar a discutir a mesma questão ou a questão já decidida, não tendo sido
admitido no tribunal a quo por aí se entender que “a invocação da
inconstitucionalidade é posterior ao momento em que se pretendeu a aplicação do
preceito, cuja interpretação se apoda, agora, de inconstitucional”.
Cumpre agora julgar.
B – Fundamentação
6 – Nos termos do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC, é possível
recorrer para o Tribunal Constitucional, em sede de fiscalização concreta, de
decisões que apliquem norma cuja constitucionalidade tenha sido suscitada
durante o processo.
Como é consabido, constitui requisito do recurso interposto ao abrigo do
disposto em tal norma que a questão de inconstitucionalidade tenha sido
suscitada durante o processo e que tal norma seja efectivamente aplicada como
ratio decidendi da decisão recorrida ou que tenha constituído o fundamento
normativo do aí decidido (cfr., entre muitos, os Acórdãos deste Tribunal n.os
674/99, 155/2000, 157/2000 e 232/2002, publicados no Diário da República, II
Série, respectivamente, de 25 de Fevereiro de 2000, 9 de Outubro de 2000, 9 de
Outubro de 2000 e 15 de Julho de 2002).
O sentido da primeira exigência tem sido esclarecido, por várias vezes, por
este Tribunal Constitucional. Assim, por exemplo, no Acórdão n.º 352/94,
publicado no Diário da República II Série, de 6 de Setembro de 1994, disse-se
que esse requisito deve ser entendido “não num sentido meramente formal (tal que
a inconstitucionalidade pudesse ser suscitada até à extinção da instância)”, mas
“num sentido funcional”, de tal modo que essa invocação haverá de ter sido feita
em momento em que o tribunal a quo ainda pudesse conhecer da questão, “antes de
esgotado o poder jurisdicional do juiz sobre a matéria a que (a mesma questão de
constitucionalidade) respeita”.
Já o segundo critério implica que a norma controvertida perante o
tribunal recorrido tenha sido, efectivamente, aplicada in casu com a
interpretação que se considerou inconstitucional (e que tenha constituído a
ratio decidendi do juízo proferido) – cf., nesse sentido, entre outros, o
Acórdão n.º 139/95, publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 30.º
volume, 1995, o Acórdão n.º 197/97, publicado no Diário da República II Série,
n.º 299, de 29 de Dezembro de 1998 e, mais recentemente, o Acórdão n.º 214/03,
disponível em www.tribunalconstitucional.pt.
Está, pois, aqui em causa um pressuposto específico do recurso de
constitucionalidade, cuja exigência resulta da natureza instrumental (e
incidental) do recurso de constitucionalidade tal como o mesmo se encontra
desenhado no nosso sistema constitucional, de controlo difuso da
constitucionalidade de normas jurídicas pelos vários tribunais, bem como da
natureza da própria função jurisdicional constitucional (cf. cf. José Manuel
Cardoso da Costa, A jurisdição constitucional em Portugal, 3ª edição, Coimbra,
2007, pp. 76 e ss., e, entre outros, os Acórdãos n.º 352/94, publicado no Diário
da República II Série, de 6 de Setembro de 1994, n.º 560/94, publicado no mesmo
jornal oficial, de 10 de Janeiro de 1995 e, ainda na mesma linha de pensamento,
o Acórdão n.º 155/95, publicado no Diário da República II Série, de 20 de Junho
de 1995, e, aceitando os termos dos arestos acabados de citar, o Acórdão n.º
192/2000, publicado no mesmo jornal oficial, de 30 de Outubro de 2000), razão
pela qual a intervenção do Tribunal Constitucional apenas pode justificar-se
naqueles casos em que a resolução da questão de constitucionalidade possa,
efectivamente, reflectir-se na decisão recorrida, implicando a sua reforma, no
caso de o recurso obter provimento, o que só é possível quando a norma cuja
constitucionalidade se suscitou tenha efectivamente constituído a ratio
decidendi da decisão recorrida, ou seja, o fundamento normativo que a
justifique.
Passando a verter estes critérios no caso sub judicio, importa começar por
considerar que a exigência de suscitação prévia da questão de
constitucionalidade comporta algumas restrições de aplicação como sucede em
situações excepcionais ou anómalas, nas quais o interessado não dispôs de
oportunidade processual para suscitar a questão de constitucionalidade antes
proferida ou não era exigível que o fizesse, designadamente por o tribunal a quo
ter efectuado uma aplicação de todo insólita e imprevisível.
Aliás, como resulta do teor da reclamação, foi esse o derradeiro sustentáculo da
argumentação que motivou a discordância perante o despacho que não admitiu o
recurso, na qual se sustentou precisamente que “a interpretação das reditas
normas pelo Tribunal a quo foi absolutamente inesperada, imprevista, insólita
(...)”.
Todavia, independentemente dessa realidade, cumprirá ainda apurar se os demais
requisitos de admissibilidade do recurso se encontram preenchidos, dado que, em
face do disposto no artigo 77.º, n.º 4, da LTC, a decisão que revogar o despacho
de indeferimento faz caso julgado quanto à admissibilidade do recurso.
E, para a cumprimento desse desiderato, há efectivamente que analisar, ratione
prima, se a norma sindicanda foi efectivamente aplicada como fundamento
normativo intrínseco do juízo recorrido, sendo para tal apropriado refazer o
historial do processo na parte aqui relevante.
Vejamos.
No recurso para o Supremo Tribunal de Justiça a reclamante considerou que o
acórdão da Relação padecia de nulidade por omissão de pronúncia.
O Supremo equacionou expressamente essa problemática dizendo que “a decisão em
apreço tratou expressamente” a matéria em causa e respondeu à reclamante nos
seguintes termos: “Alega a recorrente que a Relação tratou de nulidade diferente
daquela que arguiu. Se o fez trata-se de um erro de julgamento e não de uma
omissão de pronúncia”.
É em face desta decisão que a reclamante alega perante o Supremo que “existindo
e persistindo a nulidade que o Supremo não supriu mas devia ter suprido (…) é
manifesto que o mesmo Tribunal também cometeu a nulidade prevista na alínea d),
primeira parte, do n.º 1 do artigo 668.º do Código de Processo Civil”.
Tal requerimento foi indeferido por se ter considerado que “do simples enunciado
da questão se vê que a recorrente continua a discutir a questão decidida. O que
é extemporâneo, não tendo, pois, este requerimento qualquer cabimento processual
nesta fase dos autos”.
Ora, a decisão do Supremo Tribunal de Justiça não deixa margem para qualquer
dúvida quanto ao facto de não ter aplicado os critérios legais questionados no
segmento normativo segundo o qual “apresentado requerimento de aclaração do
acórdão, não pode a mesma parte arquir a respectiva nulidade”.
Na verdade, o que resulta do acórdão de 22 de Janeiro de 2009, supra transcrito,
é que no requerimento que determinou a prolação desse aresto apenas se
controvertia o julgado anterior, não se encontrando aí consubstanciado, como tal
e em face do teor dessa decisão, uma autêntica questão de nulidade.
Nesses termos, o Supremo não indefere o pedido de nulidade considerando-o
prejudicado pela pretérita aclaração, indefere-o por considerar que, com ele, a
requerente continua a pretender discutir a questão já decidida”, ou seja, que o
problema aí equacionado não traduz uma questão de nulidade procedente,
redundando, outrossim, na mera discordância da decisão impugnada que julgara
improcedente a apodada nulidade do aresto da relação, sendo esse o motivo pelo
qual se reteve por descabida e extemporânea essa pretensão que manifestamente
exorbita dos casos de natureza excepcional em que não se considera esgotado o
poder jurisdicional do tribunal com a prolação da decisão de mérito.
É, assim, manifesto que o fundamento decisório do acórdão recorrido se refere à
pretensão da reclamante de ver alterado o juízo de mérito da decisão
controvertida, levando pressuposto a inidoneidade do meio processual convocado
para o efeito e, bem assim, como decorrência dessa realidade, o facto desse
pedido não importar da esfera cognitiva limitada às nulidades da decisão, com a
consequente improcedência do requerido.
O que vale por dizer que a decisão recorrida não fez aplicação da norma
sindicanda, o que, só por si, determina a impossibilidade do conhecimento do
objecto do recurso de constitucionalidade que se pretendia ver admitido.
C – Decisão
7 – Destarte, atento o exposto, o Tribunal Constitucional decide
indeferir a presente reclamação.
Custas pela reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 20
(vinte) UCs.
Lisboa, 16/06/2009
Benjamim Rodrigues
Joaquim de Sousa Ribeiro
Rui Manuel Moura Ramos