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Processo n.º 466/09
2ª Secção
Relator: Conselheiro João Cura Mariano
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
Relatório
Os arguidos A. e B. recorreram para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão do
Tribunal da Relação de Guimarães, confirmativo da decisão da 1ª instância que
condenara cada um dos arguidos como co-autor de um crime de tráfico de
estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22
de Janeiro, na pena 5 anos de prisão o primeiro e 6 anos de prisão a segunda.
Por despacho do Desembargador Relator os recursos interpostos pelos arguidos não
foram admitidos, com o fundamento que não é recorrível o acórdão da Relação que
confirmou a decisão da 1ª instância e aplicou penas não superiores a 8 anos de
prisão, face ao disposto no artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP, na redacção
introduzida pela Lei n.º 48/2007, de 29/08.
Inconformados com o assim decidido apresentaram os recorrentes reclamação para
o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, tendo a mesma sido indeferida.
Os recorrentes apresentaram então recurso para o Tribunal Constitucional, nos
termos do artigo 70.º, n.º 1, b), da LTC, por considerarem inconstitucional,
“por violação do artigo 32º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, a
interpretação feita em tal aresto das regras dos artigos 399.º e 400.º, do
Código de Processo Penal”.
O Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça não admitiu este recurso, com
os seguintes fundamentos:
Face ao disposto no n.º 2 do art. 72º da LTC, o recurso previsto na alínea b) do
n.º 1 do art. 70º da LTC só pode ser interposto pela parte que haja suscitado a
questão da inconstitucionalidade “de modo processualmente adequado perante o
tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a
dela conhecer”.
Ora, os recorrentes na reclamação apresentada não identificaram nenhuma norma
como sendo inconstitucional, apenas referiram que a interpretação plasmada no
despacho proferido pelo Ex.mo Desembargador Relator que não admitiu os recursos
interpostos era inconstitucional, por violação do art. 32.º, n.º 1, da CRP.
No Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 421/2001 – DR, II Série de 14.11.2001
entendeu-se “... que uma questão de constitucionalidade normativa só se pode
considerar suscitada de modo processualmente adequado quando o recorrente
identifica a norma que considera inconstitucional, indica o principio ou a norma
constitucional que considera violados e apresenta uma fundamentação, ainda que
sucinta, da inconstitucionalidade arguida. Não se considera assim suscitada uma
questão de constitucionalidade normativa quando o recorrente se limita a
afirmar, em abstracto, que uma dada interpretação é inconstitucional, sem
indicar a norma que enferma desse vício, ou quando imputa a
inconstitucionalidade a uma decisão ou a um acto administrativo”.
Segundo estes ensinamentos, não se considera suscitada qualquer questão de
inconstitucionalidade.
Pelo exposto, não se admite o recurso interposto para o Tribunal Constitucional.
Os recorrentes reclamaram desta decisão para o Tribunal Constitucional, com a
seguinte argumentação:
1. Salvo o devido e merecido respeito, cremos não assistir razão ao Ex.mo Juiz
Conselheiro Relator quando decide não admitir o recurso interposto pelos ora
reclamantes para esse Tribunal Constitucional.
2. Considera o despacho que decidiu não admitir o recurso interposto que não é
suscitada a questão de qualquer norma, limitando-se os recorrentes a afirmar, em
abstracto, que a interpretação feita pelo Ex.mo Desembargador Relator e plasmada
no despacho que não admitiu os recursos interpostos era inconstitucional, por
violação do disposto no artigo 32º, nº 1 da CRP.
3. Ora, do texto da reclamação apresentada resulta, admitindo nós que ainda de
forma algo temerária, que as normas cuja inconstitucionalidade se suscita são os
artigos 399º e 400º, ambos do Código de Processo Penal, sendo as mesmas
identificadas claramente no referido aresto.
Assim, e sempre salvaguardando o devido e merecido respeito por entendimento
diverso, foi a questão da inconstitucionalidade suscitada de modo
processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em
termos de este estar obrigado a dela conhecer.
3. Destarte, deverá o recurso interposto pelos ora reclamantes para o Tribunal
Constitucional ser admitido, com todas as devidas e legais consequências.”
O Ministério Público emitiu parecer no sentido de ser indeferida a reclamação
apresentada, com os seguintes fundamentos:
“O arguido, na reclamação para o Senhor Presidente do Supremo Tribunal de
Justiça – a peça onde, segundo ele, suscitou a questão – após referir a sucessão
de leis no tempo no que toca à admissibilidade do recurso e entender que lhe
deve ser aplicada a versão do Código de Processo Penal, anterior às alterações
introduzidas pela Lei nº 48/2007, de 29 de Agosto, conclui dizendo que a
interpretação plasmada no despacho de não admissão do recurso, era
inconstitucional.
Ora, seguramente, que desta forma não estamos perante a suscitação de uma
questão de inconstitucionalidade normativa.
O que é confirmado pelo teor do próprio requerimento de interposição do recurso
para este Tribunal.”
Os recorrentes responderam nos seguintes termos:
“1. Reafirmam aqui os reclamantes tudo o constante da reclamação deduzida.
2. Com efeito, no recurso interposto é referida uma inconstitucionalidade
normativa, uma vez que o que se suscita é a inconstitucionalidade dos artigos
399º e 400º do Código de Processo Penal, quando interpretados no sentido em que
o faz o Ex.mo Sr. Dr. Juiz Desembargador Relator junto do Tribunal da Relação de
Guimarães e que resulta na decisão de não admitir o recurso interposto para o
Supremo Tribunal de Justiça.
3. Ao contrário do que defende o Ministério Público, esse facto encontra-se bem
patente no Recurso interposto para esse Tribunal, onde se pode ler “Por
considerar inconstitucional, por violação do artigo 32º, nº 1, da Constituição
da Republica Portuguesa, a interpretação feita em tal aresto das regras dos
artigos 399º e 400º, do Código de Processo Penal”.
4. Destarte, e na sequência do constante da reclamação apresentada, deve a mesma
ser julgada procedente, com todas as devidas e legais consequências.”
Fundamentação
No sistema português de fiscalização concreta de constitucionalidade, a
competência atribuída ao Tribunal Constitucional cinge‑se ao controlo da
inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões de desconformidade
constitucional imputada a normas jurídicas ou a interpretações normativas, e já
não das questões de inconstitucionalidade imputadas directamente a decisões
judiciais, em si mesmas consideradas.
A distinção entre os casos em que a inconstitucionalidade é imputada a
interpretação normativa daqueles em que é imputada directamente a decisão
judicial radica em que na primeira hipótese é discernível na decisão recorrida
a adopção de um critério normativo (ao qual depois se subsume o caso concreto
em apreço), com carácter de generalidade, e, por isso, susceptível de
aplicação a outras situações, enquanto na segunda hipótese está em causa a
aplicação dos critérios normativos tidos por relevantes às particularidades do
caso concreto.
No requerimento de interposição de recurso, por imposição do n.º 1, do artigo
75.º - A, da LTC, tem o recorrente a obrigação de indicar a norma cuja
constitucionalidade pretende ver apreciada e, no caso de se tratar duma
interpretação normativa sustentada na decisão recorrida, enunciar, com clareza e
precisão, qual o sentido da interpretação que reputa inconstitucional.
Não basta dizer, como fizeram os recorrentes, que se recorre da interpretação
que o tribunal recorrido fez de determinados preceitos, sendo necessário indica
expressamente qual foi a interpretação que entendem ser inconstitucional, pois,
só assim, é possível conhecer o objecto do recurso.
Por isso revela-se correcta a decisão de não admissão do recurso, devendo ser
indeferida a reclamação apresentada.
*
Decisão
Pelo exposto, indefere-se a reclamação apresentada por A. e B., do despacho do
Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça proferido nestes autos em
11-5-2009, que não admitiu o recurso para o Tribunal Constitucional
*
Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta,
ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º
303/98, de 7 de Outubro (artigo 7.º, do mesmo diploma).
Lisboa, 1 de Julho de 2009
João Cura Mariano
Mário Torres
Rui Manuel Moura Ramos