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Processo n.º 172/09
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Mário Torres
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
1. A. apresentou reclamação para a conferência, ao
abrigo do n.º 3 do artigo 78.º‑A da Lei de Organização, Funcionamento e
Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de
Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro
(LTC), contra a decisão sumária do relator, de 23 de Março de 2009, que
decidiu, no uso da faculdade conferida pelo n.º 1 desse preceito, não
conhecer do objecto do recurso de constitucionalidade por ela interposto.
1.1. A referida decisão sumária tem a seguinte
fundamentação:
“1. A. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo
da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da [LTC], contra os despachos de 14 (por
lapso, refere 17) de Novembro de 2008 e de 12 (por lapso, refere 16) de
Fevereiro de 2009 do Presidente do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS),
referindo no requerimento de interposição de recurso que «quer na reclamação
para o Ex.mo Senhor Presidente do Tribunal Central Administrativo Sul, quer no
recurso ampliado de revista, com vista a uniformização de jurisprudência, foram
levantadas as inconstitucionalidades dos artigos 5.º da Lei n.º 15/2002, de 22
de Fevereiro, 685.º do Código de Processo Civil, 102.º e 105.º da LPTA, por
violarem os princípios da proporcionalidade e o direito de acesso aos
tribunais, previstos, respectivamente, nos artigos 18.º e 20.º, n.ºs 1 e 2, da
Constituição da República Portuguesa, que não foram apreciados pelo Ex.mo
Senhor Presidente do Tribunal Central Administrativo Sul e pelo Senhor Doutor
Juiz Relator nesse mesmo tribunal», «devendo também declarar‑se a
inconstitucionalidade dos artigos 732.º‑A e 732.º‑B do CPC, por violarem o
princípio da proporcionalidade, previsto no artigo 18.º da Constituição da
República Portuguesa».
O recurso foi admitido pelo Presidente do TCAS, decisão que, como é
sabido, não vincula o Tribunal Constitucional (artigo 76.º, n.º 3, da LTC) e, de
facto, entende‑se que o recurso em causa é inadmissível, o que possibilita a
prolação de decisão sumária de não conhecimento, ao abrigo do disposto no n.º
1 do artigo 78.º‑A da LTC.
2. A admissibilidade dos recursos interpostos ao abrigo da alínea b)
do n.º 1 do artigo 70.º da LTC depende da verificação cumulativa dos requisitos
de a questão de inconstitucionalidade haver sido suscitada «durante o
processo», «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu
a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (n.º 2
do artigo 72.º da LTC), e de a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua
ratio decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionais pelo
recorrente.
2.1. No presente caso, a reclamação endereçada ao Presidente do
TCAS, ao abrigo dos artigos 144.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais
Administrativos (CPTA) e 688.º do Código de Processo Civil (CPC), contra o
despacho de 16 de Maio de 2008 da Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal
(TAF) de Lisboa, que, por intempestividade, não admitiu recurso interposto pela
ora recorrente para o TCAS contra o despacho saneador‑sentença de 28 de Janeiro
de 2008, desenvolveu a seguinte argumentação:
«1.º – É verdade que em 28 de Janeiro de 2008 foi proferido o
saneador‑sentença de fls. 270 e seguintes, o qual foi notificado à ilustre
mandatária da autora.
2.º – Porém, em 3 de Março de 2008 o actual mandatário da autora
enviou por correio o recurso de fls. 305 e seguintes do saneador, por si
subscrito.
Que,
3.º – como refere o despacho da Meritíssima Dr.ª Juíza a quo, deu
entrada em tribunal a 4 de Março de 2008.
4.º – No que toca a este aspecto, far‑se‑á o seguinte reparo ao
despacho: o recurso foi apresentado nos Correios a 3 de Março de 2008 e enviado
sob registo para o tribunal,
5.º – sendo certo que nessa data (3 de Março de 2008) se deverá ter
como entregue o recurso no Tribunal, não havendo necessidade de falar na data de
chegada do recurso em tribunal, ou seja, a 4 de Março de 2008.
Pois,
6.º – assim determina o disposto no artigo 150.º, n.º l, alínea b),
que valerá ‘como data da prática do acto processual o da efectivação do
respectivo registo postal’.
7.º – Quanto à arguição, por parte do réu B., da intempestividade
do recurso interposto pela autora, fá‑lo de forma inconsistente, porquanto não
invoca as razões de facto e de direito pelo qual o recurso se há‑de ter por
intempestivo.
8.º – Prossegue o douto despacho dizendo que ‘O recurso da decisão
sub judice deveria ter sido apresentado no prazo de 10 dias após a notificação
da decisão à ilustre mandatária da autora (cf. artigos 102.º a 105.º da LPTA e
144.º, 253.º, 254.º e 687.º, n.º 3, do CPC e 685.º, n.º 1. do CPC)’.
9.º – Nesta parte o recurso merece‑nos também sério reparos:
Aplica uma lei (LPTA) que há muito se encontrava revogada (artigo
6.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, que entrou em vigor em
1 de Janeiro de 2004).
Não vislumbra que, com a entrada em vigor, a 1 de Janeiro de 2008,
do CPC, o prazo para interposição do recurso, também aqui, passou a ser de 30
dias (artigo 685.º, n.º 1, do CPC, que por sinal é referido pelo despacho).
10.º – Face a uma situação de sucessão e aplicação de leis no tempo
recomenda a doutrina que, ‘Em relação às decisões que venham a ser proferidas
no (futuro) em acções pendentes, a nova lei é imediatamente aplicável, quer
admita recurso onde anteriormente o não havia, quer negue o recurso em relação a
decisões anteriormente recorríveis. As expectativas criadas pelas partes ao
abrigo da legislação anterior já não tinham razão de ser na altura capital em
que a decisão foi proferida e, por isso, já não justificam o retardamento da
aplicação da nova lei» (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in
Manual de Processo Civil, pág. 57, 2.ª edição, Porto Editora).
11.º – Do exposto resulta que mal andou a Meritíssima Juiz a quo, ao
não aplicar ao caso sub judice os artigos 140.º e 144.º do Código de Processo
nos Tribunais Administrativos.
12.º – Não existe qualquer justificação ou fundamento para a não
aplicação imediata do prazo previsto no artigo 144.º do Código de Processo nos
Tribunais Administrativos e no artigo 685.º, n.º 1, do CPC ao presente caso.
13.º – Não restando dúvidas que o prazo para reagir à decisão
proferida é de 30 dias,
14.º – que se deverá contar a partir da notificação à ilustre
mandatária da autora.
15.º – Assim sendo, a notificação é feita a 28 de Janeiro de 2008, a
seguir correm os três dias de dilação,
Pelo que,
16.º – o primeiro dia da contagem do prazo é a 1 de Fevereiro de
2008 e o 30.º dia do fim do prazo ocorre num sábado (data em que os tribunais
estão encerrados).
17.º – Transferindo‑se a prática do acto processual para o primeiro
dia útil, que é a 3 de Março de 2008.
18.º – Face ao aqui expendido, não existem dúvidas que o recurso foi
apresentado em tempo.
19.º – Devendo o recurso ser mandado subir, a fim de sobre o mesmo
se pronunciar o Tribunal Central Administrativo de Lisboa.
20.º – É de assacar ao despacho o vício de falta de fundamentação,
na medida em que não refere as razões porque aplica uma lei revogada, violando
o disposto no artigo 158.º do CPC.
21.º – Por outro lado, quando aplica as disposições do Código de
Processo Civil, não se sabe se está a aplicar as disposições deste código com
as alterações que lhe foram introduzidas pelo Decreto‑Lei n.º 303/2007, de 24 de
Agosto, ou as disposições anteriores àquele Decreto‑Lei.
22.º – Tudo o resto a que o despacho se refere relativamente às
várias nomeações de patronos à autora no processo é despiciendo e irrelevante
para a apreciação da tempestividade do recurso que esta apresentou.
23.º – Em conclusão:
– O douto despacho labora num erro grave ao aplicar os artigos 102.º
a 105.º da LPTA, quando esta lei, desde 1 de Janeiro de 2004, data da entrada do
Código de Processo nos Tribunais Administrativos, se encontrava revogada.
– O prazo de interposição do recurso não é de 10 dias, mas de 30
dias, como dispõe o artigo 144.º do Código de Processo nos Tribunais
Administrativos.
– Não existe nenhuma razão ou fundamento para não aplicar ao caso
sub judice a lei nova (Código de Processo nos Tribunais Administrativos),
Uma vez que,
– as expectativas criadas pelas partes ao abrigo da legislação
anterior (LPTA, então revogada) já não tinham razão de ser no momento em que a
decisão é proferida, não se justificando o retardamento da aplicação da lei
nova.
– Terá que se aplicar a este caso o prazo de 30 dias estipulado no
disposto do artigo 144.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
– Prazo esse que se contará de 28 de Janeiro de 2008, data em que a
autora é notificada e que termina a 3 de Março de 2008, momento em que esta
apresenta em tribunal o seu recurso.
– Valendo, quando a entrega se faça por correio, sob registo, como
foi o caso da autora, como data da prática do acto processual o da efectivação
do respectivo registo postal (artigo 150.º, n.º 2, alínea b), do CPC).
– O despacho também não refere as razões de facto e de direito
porque aplica os artigos 102.º a 105.º da LPTA, lei que na altura em que a
decisão é proferida se encontrava revogada.
– Não se sabe ao certo se a entidade recorrida, quando se refere aos
preceitos do Código de Processo Civil, se reporta ao anterior código ou às
disposições com a redacção que lhes foi dada pelo Decreto‑Lei n.º 303/2007, de
24 de Agosto.
– Devendo o Tribunal, face ao exposto, declarar a
inconstitucionalidade do artigo 158.º do CPC, por violar o disposto no artigo
205.º da Constituição da República Portuguesa.»
2.2. A reclamação foi desatendida por despacho do Presidente do
TCAS, de 14 de Novembro de 2008, – primeiro despacho recorrido no presente
recurso – com a seguinte fundamentação:
«Com interesse para a decisão, mostra‑se assente que:
1 – O processo n.º 141/03/A deu entrada, em tribunal, no ano de
2003;
2 – Em 28 de Janeiro de 2008 foi proferido o saneador‑sentença;
3 – Deste despacho foi a reclamante notificada, por ofício, datado
de 28 de Janeiro de 2008, devendo, por isso, considerar‑se que a notificação
ocorreu em 1 de Fevereiro de 2008;
4 – A reclamante apresentou recurso deste despacho em 3 de Março de
2008;
5 – Veio, então, a M.ma Juiz a quo a proferir a seguinte decisão,
datada de 26 de Maio de 2008, objecto da presente reclamação:
‘Em 28 de Janeiro de 2008 foi proferido o saneador‑sentença de fls.
270 e seguintes, que foi notificado à ilustre mandatária da autora, a Sr.ª Dr.ª
C., para a morada do seu escritório, pelo ofício de fls. 297, datado de 28 de
Janeiro de 2008 (cf. docs. de fls. 201, 205 e 265 a 267).
Em 3 de Março de 2008, o Sr. Dr. D. enviou por correio o recurso de
fls. 305 e seguintes do saneador‑sentença, recurso por si subscrito e que deu
entrada em tribunal em 4 de Março de 2008 (cf. carimbo sob o articulado de
recurso e o envelope de fls. 305 a 316).
Em 3 de Março de 2008, foi recebido pela Ordem dos Advogados o
pedido de escusa formulado pela Sr.ª Dr.ª C., conforme ofício de fls. 335.
Em 5 de Março de 2008, o Sr. Dr. D. foi nomeado pela Ordem dos
Advogados em substituição da Sr.ª Dr.ª C. (cf. oficio de fls. 323, 324 e 335).
Por articulado de fls. 317, o réu B. vem arguir a intempestividade
do recurso interposto.
O recurso da decisão sub judice deveria ter sido apresentado no
prazo de 10 dias após a notificação da decisão à ilustre mandatária da autora
(cf. artigos 102.º a 105.º da LPTA e 144.º, 253.º, 254.º e 687.º, n.º 3, do CPC,
e 685.º, n.º 1, do CPC).
Nos termos dos artigos 25.º, n.ºs 4 e 5, e 35.º, n.ºs 1 e 2, da Lei
n.º 30‑E/2000, de 20 de Dezembro, se o patrono nomeado pedisse escusa,
interrompia‑se o prazo de recurso com a junção aos autos do documento
comprovativo da apresentação de tal pedido de escusa.
Ora, não foi junto a estes autos qualquer documento comprovativo da
apresentação do pedido de escusa. Após pedido de informação à Ordem dos
Advogados (cf. ofício de fls. 335), ficou assente que o pedido de escusa foi
apresentado cerca de 30 dias depois da notificação da decisão. Logo, já muito
depois do terminus do prazo de recurso, não havendo, portanto, nenhum prazo a
interromper.
O recurso enviado em 3 de Março de 2008 pelo Sr. Dr. D., na data
desse envio era já claramente intempestivo.
Pelo exposto, por intempestivo rejeito o recurso interposto pela
autora a fls. 305 e seguintes.
Sem custas por a autora gozar de benefício de apoio judiciário.
Notifique.’
Cumpre decidir:
A questão a decidir é a de saber se aos processos que se
encontravam pendentes, à data de entrada em vigor do novo CPTA, se devem ou
não aplicar os prazos para interposição de recurso previstos nesse diploma ou
se, pelo contrário, os prazos continuam a ser os previstos na lei processual
civil, por força da LPTA.
Ora, o artigo 5.º da Lei n.º 15/2002, de 2 de Fevereiro, que aprova
o CPTA, dispõe no seu n.º 1 que: ‘As disposições do Código de Processo nos
Tribunais Administrativos não se aplicam aos processos que se encontrem
pendentes à data da sua entrada em vigor’.
Acrescenta no seu n.º 3: ‘Não são aplicáveis aos processos
pendentes as disposições que excluem recursos que eram admitidos na vigência da
legislação anterior, tal como também não o são as disposições que introduzem
novos recursos que não eram admitidos na vigência da legislação anterior’.
Perante estas disposições, entendemos que a reclamante não tem
razão.
Pois do texto legal resulta, de forma clara e inequívoca, que as
disposições do CPTA não se aplicam aos processos que se encontrem pendentes à
data da sua entrada em vigor.
O legislador pretendeu, de forma expressa, impor a aplicação da lei
antiga, mesmo nos casos em que a lei nova exclui ou cria um novo recurso,
relativamente a decisões proferidas, em processos pendentes, à data da entrada
em vigor do CPTA.
Tendo em conta a lógica do sistema e o princípio da unidade do
sistema, de acordo com o qual se deve aplicar, integralmente, o regime
consagrado, não faz sentido, em nosso entender, que o legislador tenha, por um
lado, afastado do âmbito de aplicação da nova lei os processos pendentes, e, por
outro lado, no que diz respeitos aos prazos de interposição, processamento e
julgamento dos recursos, viesse a permitir a aplicação do CPTA.
Alias, se dúvidas houvesse, já o STA, sobre esta matéria, se
pronunciou, afirmando que, com a norma transitória contida no artigo 5.º da Lei
n.º 15/2002, de 22/2, o legislador terá pretendido que as disposições do CPTA,
com a excepção dos casos enunciados nos seus n.º 2 e 4, não são aplicáveis aos
processos pendentes.
Assim, em face desta norma, quanto aos processos pendentes à data de
entrada em vigor do CPTA, continuam a ser admitidos recursos que já eram
admitidos, na vigência da legislação anterior, aplicando‑se‑lhes o regime nela
previsto, não sendo, por outro lado, admitidos novos recursos, que não eram
permitidos na vigência da legislação anterior.
Portanto, tendo sido notificada a sentença recorrida à reclamante em
1 de Fevereiro de 2008, e a apresentação do recurso tendo ocorrido em 3 de Março
de 2008, não há dúvida que foi efectuada muito para além dos dez dias
consagrados na lei aplicável ao caso sub judice.
Impõe‑se, por isso, a sua rejeição por intempestividade.
Assim, vai desatendida a presente reclamação, confirmando‑se, na
íntegra, o despacho reclamado.»
2.3. Notificada deste despacho, a reclamante, através de
requerimento apresentado no TCAS, endereçado ao Presidente do Supremo Tribunal
Administrativo (STA), veio interpor, «nos termos dos artigos 678.º, 732.º‑A e
732.º‑B, todos do CPC», «recurso ampliado de revista», formulando, a final, as
seguintes conclusões:
«– O recurso ora apresentado está em tempo.
– A decisão aqui posta em causa, visto apoiar‑se em dois acórdãos
do STA que se encontram em nítida contradição a outro acórdão do STJ, que por
sua vez se apoia na doutrina, torna admissível o presente recurso, nos termos
dos artigos 678.º, 732.º‑A e 732.º‑B, todos do CPC.
– Questão que se traduz no facto de uma mesma norma jurídica (artigo
5.º da Lei n.º 15/2002, de 22 de Fevereiro) ser interpretada e aplicada de forma
divergente em três decisões (duas do STA e outra do STJ) numa questão de facto
nuclearmente semelhante.
– Sendo certo que, observadas estas situações nos seus traços
fundamentais, devessem merecer o mesmo tratamento.
– O acórdão do STJ, de 23 de Março de 1991, e a doutrina são
unânimes em considerar que, em relação às decisões que venham a ser proferidas
no (futuro) em acções pendentes, a nova lei é imediatamente aplicável (…).
– Tendo em vista os princípios da certeza e segurança jurídica, que
perpassam e norteiam todo o Direito e para que no futuro os particulares
conheçam de forma segura e clara as orientações dos tribunais, quer
administrativos, quer outros, nesta matéria, deverá em julgamento pelas secções
cíveis reunidas, uniformizar‑se a jurisprudência sobre a questão aqui dirimida
(sucessão de leis no tempo).
– Deverão declarar‑se inconstitucionais a norma do artigo 5.º da Lei
n.º 15/2002, de 22 de Fevereiro, artigo 685.º do CPC e artigos 102.º e 105.º da
LPTA, por estabelecerem medidas gravosas e cerceadoras de direitos
fundamentais, designadamente o princípio da proporcionalidade e o direito de
acesso aos tribunais, previstos, respectivamente, nos artigos 18.º e 20.º, n.ºs
1 e 2, da Constituição da República Portuguesa.
– A norma do artigo 5.º da referida lei e o artigo 685.º do CPC e os
artigos 102.º e 105.º da LPTA cerceiam direitos e garantias da recorrente, de
forma desproporcional e injustificada, não aferindo que, na ponderação de
interesses em confronto, não existem outros que se sobreponham ao seu direito
de recorrer de uma sentença da 1.ª instância, que ignora por completo os factos
e o documento que os comprova, constantes da sua petição inicial.»
2.4. Remetido o referido requerimento ao STA, aí o respectivo
Conselheiro Relator, considerando que o objecto do «recurso de revista» era o
despacho do Presidente do TCAS, de 14 de Novembro de 2008, mas que não fora
proferido despacho de admissão de tal recurso, pelo autor da decisão recorrida,
ordenou a remessa dos autos ao TCAS para esse efeito.
Em 12 de Fevereiro de 2009, o Presidente do TCAS proferiu o seguinte
despacho – segundo despacho recorrido no presente recurso –:
«Tendo em conta o douto despacho de fls. 168, a decisão do
presidente não pode ser impugnada (artigo 689.º, n.º 2, do CPC).
Daí, não haver recurso da mesma.»
2.5. Do precedente relato resulta evidente a inadmissibilidade do
presente recurso.
Na verdade, na reclamação endereçada ao Presidente do TCAS, a única
referência feita à Constituição consiste na afirmação de que o tribunal deve
«declarar a inconstitucionalidade do artigo 158.º do CPC por violar o disposto
no artigo 205.º da Constituição da República Portuguesa». Ora, para além de
essa não ser forma adequada de suscitar uma questão de inconstitucionalidade
normativa, já que não se indicam as razões pelas quais se entende ser a apontada
norma violadora do artigo 205.º da CRP, o certo é que a mesma norma nem sequer
integra o objecto do presente recurso, definido no respectivo requerimento de
interposição.
E, relativamente ao requerimento de interposição de recurso de
revista, a sua não admissão, pelo despacho de 12 de Fevereiro de 2009, assentou
exclusivamente na norma do artigo 689.º, n.º 2, do CPC, que também não integra
o objecto do presente recurso.
Em suma: os despachos recorridos não fizeram aplicação, como ratio
decidendi, de normas cuja inconstitucionalidade tivesse sido suscitada pela
recorrente antes da respectiva prolação, o que torna o presente recurso
inadmissível, determinando o não conhecimento do seu objecto.”
1.2. Os fundamentos da reclamação apresentada pela
recorrente foram por ela sintetizados nas seguintes conclusões:
“– A decisão do Sr. Dr. Juiz Conselheiro Relator falseia e deturpa
as conclusões da reclamante na reclamação ao Sr. Presidente do TCAS,
Quando,
– diz que a única referência feita à Constituição consiste na
afirmação de que o tribunal deve «declarar a inconstitucionalidade do artigo
158.º do CPC por violar o disposto no artigo 205.º da Constituição da República
Portuguesa».
– Nada mais falso, pois a reclamante na sua reclamação ao Sr.
Presidente do TCAS alega nas suas conclusões, a propósito da
inconstitucionalidade do artigo 158.º do CPC,
Que,
1 – O despacho da Meritíssima Dr.ª Juiz da 1.ª instância não refere
as razões de facto e de direito, porque aplica os artigos 102.º a 105.º da LPTA,
lei que na altura em que a decisão é proferida se encontrava revogada.
2 – Não se sabe ao certo se a entidade recorrida, quando se refere
aos preceitos do Código de Processo Civil, se reporta ao anterior código ou às
disposições com a redacção que lhes foi dada pelo Decreto‑Lei n.º 303/2007, de
24 de Agosto.
E conclui:
3 – Devendo o Tribunal, face ao exposto, declarar a
inconstitucionalidade do artigo 158.º do CPC, por violar o disposto no artigo
205.º da Constituição da República Portuguesa.
– O Sr. Dr. Juiz Relator, ao decidir, omite estas questões alegadas,
acerca da inconstitucionalidade do artigo 158.º
– As restantes inconstitucionalidades constantes do requerimento de
recurso (artigos 5.º da Lei n.º 15/2002, de 22 de Fevereiro, 685.º do CPC e
102.º e 105.º da LPTA) foram suscitadas no decorrer do processo, onde se alegam
os fundamentos de facto e de direito para que sejam declaradas as
inconstitucionalidades dessas normas.
– Sobre tais pedidos de declaração de inconstitucionalidade não
houve qualquer apreciação ou pronúncia, por parte dos magistrados chamados a
fazê‑lo, violando o disposto no artigo 668.º, n.º 1, alínea d), do CPC e o
princípio da proporcionalidade previsto no artigo 18.º da CRP.
– Normas cujas inconstitucionalidades foram atempadamente arguidas.
– A decisão sumária não descortina que, se dúvidas existiam (por
serem obscuros ou ininteligíveis os fundamentos invocados para a declaração das
suscitadas inconstitucionalidades), os senhores magistrados que deviam conhecer
das mesmas deveriam ter proferido um despacho convite, em homenagem ao princípio
da cooperação (artigo 265.º, n.ºs 1 e 2, do CPC).
– Não o fazendo, se presumirá que entenderam o que lhes era pedido.
– Estando obrigados os senhores magistrados a conhecer dessas
inconstitucionalidades, não o fazendo, como lhes competia, violam o princípio
da cooperação, previsto no artigo 265.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, e o princípio da
proporcionalidade, previsto no artigo 18.º, n.º 2, da CRP, pois não atenderam
ao fim para o qual o artigo 265.º, n.ºs l e 2, do CPC foi criado.
– O Sr. Dr. Juiz Conselheiro Relator, ao entender que as
inconstitucionalidades das normas suscitadas não tinha sido feito da forma
adequada,
Deveria,
– revogar as decisões proferidas e ordenar que o Sr. Presidente do
TCAS e o Sr. Dr. Juiz que não admitiu o recurso ampliado de revista proferissem
um despacho convite à reclamante,
A fim,
– de a reclamante corrigir a sua reclamação e recurso ampliado de
revista e não pura e simplesmente indeferir o recurso ora apresentado.
– Até porque existiam medidas aqui expendidas e previstas na lei,
menos gravosas para a reclamante, e não cercear liminarmente o direito ao
recurso da reclamante.
– O facto de a reclamante não integrar, por lapso, a norma do artigo
158.º no seu requerimento de recurso não é razão suficiente para indeferir desde
logo o recurso da reclamante, impede esse desiderato o artigo 75.º‑A, n.º 5, da
Lei do Tribunal Constitucional.
– Estabelecendo, o referido preceito, medida menos gravosa que a
tomada na decisão sumária.
– Ou seja, antes desta decisão arbitrária, deveria o Sr. magistrado
em causa ter proferido um despacho convite para que a reclamante corrigisse a
sua minuta de recurso, dizendo quais as normas e princípios constitucionais que
estavam a ser violados.
– Não adoptando a conduta prescrita na lei, a decisão sumária violou
o artigo 75.º, n.º 5, da Lei do Tribunal Constitucional e o princípio da
proporcionalidade (artigo 18.º, n.º 2, da CRP), dado que o fim para o qual
aquele preceito (artigo 75.º‑A, n.º 5, da Lei do Tribunal Constitucional) foi
criado não foi observado por quem proferiu aquela decisão.
– Foram igualmente, além da inconstitucionalidade do artigo 158.º do
CPC, levantadas outras inconstitucionalidades que foram objecto do recurso
(artigos 5.º da Lei n.º 15/2002, de 22 de Fevereiro, 685.º do CPC e 102.º e
105.º da LPTA), por violarem o princípio da proporcionalidade e o direito de
acesso aos tribunais, sobre as quais não se pronunciou a decisão sumária
(violando o disposto no artigo 668.º, n.º l, alínea d), do CPC).
– Diz a decisão sumária que o despacho de não admissão do recurso de
revista assentou exclusivamente na norma do artigo 689.º, n.º 2, que não
integra o objecto do presente recurso,
Se,
– tal acto por parte [da] reclamante, o trazer para o objecto do
recurso interposto para o Tribunal Constitucional o artigo 689.º, n.º 2, do
CPC, era importante, como entendeu o senhor magistrado de cuja decisão ora se
reclama, estaria oficiosamente obrigado a providenciar pelo suprimento da falta
de pressupostos processuais susceptíveis de sanação.
– Ao não fazer como lhe é imposto pelo artigo 75.º-A, n.ºs 2 e 5, da
Lei do Tribunal Constitucional, viola de forma clamorosa o princípio da
cooperação (artigo 265.º, n.ºs 1 e 2, do CPC),
Bem como,
– o princípio da proporcionalidade (artigo 18.º, n.º 2, da CRP), uma
vez que tal decisão não tem em consideração o fim para o qual o artigo 75.º‑A,
n.ºs 2 e 5, da Lei do Tribunal Constitucional foi criado.
– Fim esse ali previsto, despacho convite, menos gravoso que a
precipitada decisão sumária.
– A decisão sumária não descortina que ela, o Sr. Presidente do STJ
e o Sr. Dr. Juiz Relator do TCAS, ao não conhecerem o recurso ampliado de
revista, previsto nos artigos 732.º‑A e 732.º‑B, nos quais é estabelecida uma
autêntica garantia das partes,
Cerceiam abruptamente,
– a possibilidade de estas intervirem no processo de uniformização
de jurisprudência, violando o direito de acesso ao direito e aos tribunais,
previsto no artigo 20.º, n.ºs 1 e 2, da CRP.
– Simultaneamente, tais decisões violam o princípio da
proporcionalidade (artigo 18.º, n.º 2, da CRP), pois não atingem o fim para o
qual os artigos 732.º‑A e 732.º‑B foram criados.
– Pelo que se deverá declarar a inconstitucionalidade dos artigos
732.º‑A e 732.º‑B por violarem o direito de acesso ao direito e aos tribunais e
o princípio da proporcionalidade (artigos 20.º, n.ºs l e 2, e 18.º, n.º 2, da
CRP).
– Face ao expendido, supra à pág. desta reclamação, deverá também
declarar‑se a inconstitucionalidade do artigo 75.º, n.º 5, da Lei do Tribunal
Constitucional e do artigo 265.º, n.ºs l e 2, do CPC – cujo fim que assiste a
estes dois preceitos legais foi completamente ignorado pela decisão – que
violam o princípio da proporcionalidade (artigo 18.º, n.º 2, da CRP).
– A decisão sumária, ao indeferir o recurso da reclamante, opta por
uma medida mais gravosa para a reclamante, quando outra menos gravosa (despacho
convite) naqueles dois preceitos legais era sugerida.”
1.3. Notificados os recorridos da apresentação da
precedente reclamação, responderam o representante do Ministério Público neste
Tribunal e o recorrido B..
O primeiro referiu que “o arrazoado que consubstancia a
presente reclamação é manifestamente destituído de sentido e fundamento, apenas
revelando que o seu subscritor não tem minimamente presentes, quer a matéria dos
pressupostos de admissibilidade do recurso de constitucionalidade que interpôs e
do objecto normativo do recurso, quer o âmbito dos poderes cognitivos do
Tribunal Constitucional”, “confundindo, de forma inadmissível, pressupostos do
recurso com requisitos formais do respectivo requerimento de interposição”.
Por seu turno, o segundo recorrido considera a
reclamação “manifestamente improcedente, quer por falta de razão quanto ao fundo
da questão (não há qualquer inconstitucionalidade de qualquer das normas
aplicadas na decisão recorrida), quer por inobservância dos requisitos
procedimentais (não foi adequadamente suscitada durante o processo qualquer
inconstitucionalidade), consubstanciando apenas mera, e já totalmente
inaceitável, dilação, apenas viabilizada pelo regime de apoio judiciário que à
reclamante foi propiciado”.
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
2. A decisão sumária ora reclamada assentou o não
conhecimento do recurso na constatação de que os despachos recorridos não
fizeram aplicação, como ratio decidendi, de normas cuja inconstitucionalidade
tivesse sido suscitada pela recorrente antes da respectiva prolação.
O objecto da presente reclamação cinge‑se
necessariamente à reapreciação da correcção dessa constatação.
2.1. Quanto ao recurso do despacho de 14 de Novembro de
2008, a afirmação da decisão sumária de que, na reclamação decidida por tal
despacho, “a única referência à Constituição consiste na afirmação de que o
tribunal deve «declarar a inconstitucionalidade do artigo 158.º do CPC por
violar o disposto no artigo 205.º da Constituição da República Portuguesa»”,
corresponde rigorosamente ao que dessa peça processual consta, raiando a
litigância de má fé a acusação, feita pela recorrente, de que a decisão sumária
“falseia e deturpa as conclusões da reclamante na reclamação ao Sr. Presidente
do TCAS”. Pelo contrário, a subsequente citação, feita pela recorrente, do que
teria alegado nessa reclamação apenas confirma a inexistência de qualquer outra
referência à Constituição para além da reportada na decisão sumária reclamada.
Reafirma‑se, pois, que, nessa peça processual, a
recorrente limitou‑se a suscitar a inconstitucionalidade do artigo 158.º do CPC.
E fê‑lo, aliás, de forma manifestamente inadequada, pois nem refere as razões
porque reputa violadora do artigo 205.º da CRP a estatuição contida nesse
preceito legal (“1. As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido
ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas. 2. A
justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no
requerimento ou na oposição.”), nem identifica nenhuma interpretação normativa,
dotada de generalidade e abstracção, extraída desse preceito, que reputasse
inconstitucional, pelo que, em rigor, o que parece suscitar é a
inconstitucionalidade da própria decisão judicial, em si mesma considerada,
que, ao não estar, na perspectiva da recorrente, suficientemente fundamentada,
violaria directamente o artigo 205.º da CRP.
Ora, não tendo a recorrente incluído essa norma – única
a propósito da qual referira a violação da Constituição – no objecto do recurso
de constitucionalidade, é patente que, na parte em que impugna o primeiro
despacho recorrido, o presente recurso surge como inadmissível.
2.2. Quanto ao recurso tendo por objecto o despacho de
12 de Fevereiro de 2009, a decisão sumária demonstrou que a norma aplicada, como
ratio decidendi, nessa decisão, foi exclusivamente a constante do artigo 689.º,
n.º 2, do CPC, que proclama a inimpugnabilidade dos despachos dos presidentes
dos tribunais superiores que julguem reclamações contra indeferimento ou
retenção de recursos.
Não tendo tal norma sido incluída pela recorrente no
objecto do presente recurso, também nesta parte o recurso interposto surge como
inadmissível.
2.3. O objecto do recurso de constitucionalidade deve
ser definido no respectivo requerimento de interposição e, uma vez assim
definido, é insusceptível de ser modificado ou ampliado posteriormente, só
podendo vir a ser restringido.
Por seu turno, a previsão de convite ao aperfeiçoamento
do requerimento de interposição de recurso só pode ter por objecto deficiências
formais do mesmo requerimento, designadamente por falta de menções obrigatórias,
sendo inadmissível que, por essa via, se opere alteração do objecto do recurso
inicialmente definido. E, de qualquer forma, nunca o aperfeiçoamento do
requerimento de interposição de recurso seria idóneo a suprir falta de
requisitos substanciais de admissibilidade do recurso, que deveriam ter‑se
verificado em fases processuais anteriores, como são os da suscitação da questão
de inconstitucionalidade antes de proferida a decisão recorrida e o da aplicação
nessa decisão das normas previamente arguidas de inconstitucionais.
3. Termos em que acordam em indeferir a presente
reclamação, confirmando a decisão sumária reclamada.
Custas pela recorrente, fixando‑se a taxa de justiça em
20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 12 de Maio de 2009.
Mário José de Araújo Torres
João Cura Mariano
Rui Manuel Moura Ramos