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Processo n.º 201/09
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Mário Torres
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
1. Relatório
A. interpõe recurso para o Tribunal Constitucional, ao
abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização,
Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º
28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26
de Fevereiro (LTC), contra o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
(TCAS), de 5 de Fevereiro de 2009, que negou provimento ao recurso
jurisdicional interposto da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de
Lisboa, de 27 de Fevereiro de 2007, que, por seu turno, negara provimento ao
recurso contencioso de anulação por ele deduzido contra o despacho da Direcção
da Caixa Geral de Aposentações, de 18 de Junho de 2002, que lhe reconhecera o
direito à aposentação voluntária, mas lhe comunicara ser devedor da quantia de
€ 24 464,73, por pretensa dívida resultante da contagem de tempo para a
aposentação.
No requerimento de interposição de recurso refere o
recorrente pretender ver apreciada a inconstitucionalidade das normas dos
artigos 1.º e 6.º do Decreto‑Lei n.º 278/82, de 20 de Julho, com a interpretação
com que foram aplicadas na decisão recorrida, inconstitucionalidade essa que
por ele teria sido suscitada nas alegações do recurso jurisdicional.
As alegações apresentadas pelo recorrente no aludido
recurso jurisdicional foram sintetizadas nas seguintes conclusões:
“1.ª – O regime do artigo 6.º do Decreto‑Lei n.º 278/82, de 20 de
Julho, deve também ser aplicado aos subscritores que, como o recorrente, tendo
trabalhado em instituições de previdência, ingressaram na função pública antes
da entrada em vigor daquele diploma;
2.ª – A sentença recorrida, ao perfilhar o entendimento de que o
referido normativo não é aplicável ao recorrente, faz do mesmo uma
interpretação meramente literal, ao total arrepio do estatuído n.º 1 do artigo
9.º do Código Civil;
3.ª – Outrossim, tal interpretação jurídica restringe‑se a um
conceptualismo formalista, desprezando as consequências práticas que dele
advêm;
4.ª – Sendo que a desaplicação da referida norma ao requerente
acarreta a este prejuízos relevantes, injustificáveis a todas as luzes;
5.ª – Outrossim, a interpretação de que o regime do referido artigo
6.º do Decreto‑Lei n.º 278/82 não é aplicável ao recorrente viola o princípio da
igualdade consagrado na Constituição;
6.ª – O recorrente transitou de uma instituição de previdência para
a função pública sem que tenha ocorrido qualquer hiato entre essas duas
situações profissionais;
7.ª – Tendo‑lhe sido contado todo o tempo de serviço prestado no CNP
para o efeito de concessão de diuturnidades;
8.ª – Nenhuma diferença relevante existe entre a situação do
recorrente e a dos restantes trabalhadores que só ingressaram na função pública
após a publicação do referido diploma;
9.ª – Com efeito, esses trabalhadores ingressaram na função pública,
voluntariamente, e não compulsivamente, como se sugere na sentença recorrida;
10.ª – Sendo assim, o tratamento desigual que, em matéria de
aposentação, é dado a essas duas situações é gritantemente inconstitucional, na
medida em que se trata de uma desigualdade de tratamento sem qualquer fundamento
razoável e sem qualquer justificação objectiva e racional.
Mostram‑se, assim, violados os artigos 13.º da Constituição, 9.º do
Código Civil e 6.º do Decreto‑Lei n.º 278/82, de 20 de Julho, pelo que deve a
douta sentença recorrida ser revogada com as consequências legais.”
O acórdão do TCAS, de 5 de Fevereiro de 2009, ora
recorrido, fundamentou o improvimento do recurso jurisdicional nas seguintes
considerações:
“2.2. O recorrente interpôs, no TAC, recurso contencioso de anulação
do acto, de 18 de Junho de 2002, da Direcção da Caixa Geral de Aposentações,
pelo qual lhe foi reconhecido o direito à aposentação, imputando‑lhe, no
entanto, uma dívida de € 24 464,73, de contagem de tempo relativa ao período
compreendido entre 26 de Setembro de 1964 a 30 de Setembro de 1979.
A sentença recorrida apreciou os vícios de violação de lei imputados
a esse acto (violação do princípio da igualdade e infracção dos artigos 34.º,
n.º 2, do Estatuto da Aposentação e 1.º e 6.º do Decreto‑Lei n.º 278/82, de 20
de Julho) e, considerando que eles não se verificavam, negou provimento ao
recurso contencioso.
No presente recurso jurisdicional, o recorrente não contesta o
entendimento da sentença quanto à violação do artigo 34.º, n.º 2, do Estatuto
da Aposentação, mas continua a sustentar a alegada infracção do princípio da
igualdade e dos artigos 1.º e 6.º do Decreto‑Lei n.º 278/82.
Vejamos se lhe assiste razão.
O artigo 1.º do Decreto‑Lei n.º 278/82 estabelece o seguinte:
«1 – O pessoal dos centros regionais de segurança social e do Centro
Nacional de Pensões oriundo das instituições de previdência de inscrição
obrigatória e suas federações e o pessoal da Comissão de Equipamentos Colectivos
da Segurança Social e da Federação das Caixas de Previdência e Abono de Família
fica abrangido pelo regime jurídico dos funcionários e agentes da Administração
Pública.
2 – Exceptuam‑se do disposto no número anterior os agentes que
expressamente declarem que desejam manter o seu regime de trabalho.
3 – (…)
4 – Se à data da entrada em vigor algum agente se encontrar na
situação de licença sem vencimento ou de impedimento prolongado ou equiparado,
o prazo referido no número anterior conta‑se a partir do momento em que
reinicie funções.»
Por sua vez, o artigo 6.º do mesmo diploma legal dispõe que:
«1 – O pessoal sujeito, nos termos do presente diploma, ao regime
jurídico da função pública fica abrangido pelos Estatutos da Aposentação e da
Pensão de Sobrevivência.
2 – O Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social assumirá a
responsabilidade pelo encargo com a parcela da aposentação e da pensão de
sobrevivência resultante da consideração do tempo de serviço prestado nas
instituições de previdência, bem como das diuturnidades que do mesmo resultem.
3 – O regime decorrente do disposto no Decreto Regulamentar n.º
30/80, de 25 de Julho, à excepção do seu artigo 8.º, é aplicável às
aposentações e pensões de sobrevivência previstas neste artigo.»
O recorrente, reconhecendo que apenas exerceu funções na ex‑Caixa
Nacional de Pensões num período – entre 26 de Setembro de 1964 e 30 de Setembro
de 1979 – em que as relações laborais eram regidas pelas disposições aplicáveis
ao sector privado, sustenta que o regime dos transcritos preceitos lhe deve ser
aplicável, por ter ingressado na função pública antes da sua entrada em vigor.
Porém, o Decreto‑Lei n.º 278/82 não veio considerar como sendo
prestado na função pública todo o trabalho que antes da entrada em vigor desse
diploma tivesse sido prestado às instituições de previdência.
Como nota o digno Magistrado do Ministério Público, esta tese, em
última análise, poderia levar à aplicação retroactiva da lei por forma a
abranger os próprios funcionários já aposentados, com consequências financeiras
que imporiam uma clara explicitação da lei quanto ao momento da sua eficácia, se
houvesse intenção do legislador em lhe atribuir efeitos retroactivos.
Ora, se a lei nada estabelece quanto à sua aplicação no tempo,
vigora o princípio da não retroactividade (cf. artigo 12.º, n.º 1, do Código
Civil), devendo entender‑se que quando dispõe directamente sobre o conteúdo de
certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, abrange
as próprias relações já constituídas que subsistam à data da sua entrada em
vigor (cf. n.º 2 do referido artigo 12.º).
Assim, atento ao disposto no citado artigo 12.º, ao facto de o
Decreto‑Lei n.º 278/82 não conter quaisquer disposições transitórias sobre a sua
aplicação no tempo, bem como ao teor dos n.ºs 1, 2 e 4 do transcrito artigo 1.º,
afigura‑se‑nos indubitável que aquele diploma não é aplicável a quem, como o
recorrente, já não faz parte do «pessoal» a que alude este preceito.
Portanto, a sentença recorrida, ao julgar improcedente a violação
dos artigos 1.º e 6.º do Decreto‑Lei n.º 278/82, não merece a censura que lhe é
dirigida pelo recorrente.
Quanto à inconstitucionalidade desta interpretação, o recorrente
invoca‑a com fundamento na violação do princípio da igualdade, por não existir
qualquer fundamento razoável para a desigualdade de tratamento entre a sua
situação e a dos restantes trabalhadores que só ingressaram na função pública
após a publicação do Decreto‑Lei n.º 278/82.
Como se escreveu no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 39/88 (in
Boletim do Ministério da Justiça, n.º 374, págs. 114 e seguintes), «o princípio
da igualdade não proíbe, pois, que a lei estabeleça distinções. Proíbe, isso
sim, o arbítrio; ou seja, proíbe as diferenciações de tratamento sem fundamento
material bastante, que o mesmo é dizer sem qualquer justificação razoável,
segundo critérios de valor objectivo constitucionalmente relevantes».
Porém, o Tribunal Constitucional também tem afirmado que só poderá
haver violação do princípio da igualdade quando da fixação do tempo de
aplicação de uma norma decorrerem tratamentos desiguais para situações iguais e
sincrónicas, ou seja, que o princípio da igualdade não opera diacronicamente
(cf. Acórdãos n.º 34/86, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 7.º, tomo
I, pág. 42, n.º 43/88, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 374, pág. 168, e
n.º 309/93, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 426, pág. 70).
Assim, porque não se está perante situações sincrónicas, não pode a
situação referida pelo recorrente ser violadora do princípio da igualdade.
Portanto, improcedem todas as conclusões da alegação do recorrente,
devendo, em consequência, julgar‑se improcedente o presente recurso
jurisdicional.
3. Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando
a sentença recorrida.”
O recorrente apresentou alegações neste Tribunal,
sintetizando a respectiva fundamentação nas seguintes conclusões:
“1.ª – O regime do artigo 6.º do Decreto‑Lei n.º 278/82, de 20 de Julho, deve
também ser aplicado aos subscritores que, como o recorrente, tendo trabalhado
em instituições de previdência, ingressaram na função pública antes da entrada
em vigor daquele diploma;
2.ª – O recorrente transitou de uma instituição de previdência para a função
pública sem que tenha ocorrido qualquer hiato entre essas duas situações
profissionais;
3.ª – Tendo‑lhe sido contado todo o tempo de serviço prestado na CNP para o
efeito de concessão de diuturnidades;
4.ª – A desaplicação da referida norma ao requerente acarreta a este prejuízos
relevantes, injustificáveis a todas as luzes;
5.ª – O acórdão recorrido, ao perfilhar o entendimento de que o referido
normativo não é aplicável ao recorrente, faz do mesmo uma interpretação
meramente literal, ao total arrepio do estatuído n.º 1 do artigo 9.º do Código
Civil;
6.ª – Tal interpretação jurídica restringe‑se a um conceptualismo formalista,
desprezando as consequências práticas que dele advêm e desinserindo a norma do
contexto;
7.ª – A interpretação de que o regime do referido artigo 6.º do Decreto‑Lei n.º
278/82 não é aplicável ao recorrente viola o princípio da igualdade consagrado
na Constituição;
8.ª – O princípio da igualdade acolhido no artigo 13.º, n.º 1, da Lei
Fundamental impõe que se trate como igual o que for essencialmente igual;
9.ª – Nenhuma diferença relevante existe entre a situação do recorrente e a dos
restantes trabalhadores da previdência que só transitaram para a função pública
após a publicação do Decreto‑Lei n.º 278/82, sendo o único elemento distintivo a
simples fronteira no tempo, aleatoriamente traçada;
10.ª – A interpretação contida no acórdão recorrido perfila‑se como
injustificadamente discriminatória, não lhe assistindo fundamento material
bastante.
Deve, assim, julgar‑se materialmente inconstitucional a norma
constante do artigo 6.º do Decreto‑Lei n.º 278/82, de 20 de Julho, quando
interpretada e aplicada nos termos constantes do acórdão recorrido, fazendo‑se
assim Justiça!”
A recorrida Caixa Geral de Aposentações apresentou
contra‑alegações, formulando a final as seguintes conclusões:
“1.ª – O Decreto‑Lei n.º 278/82 não veio considerar como serviço
prestado na função pública todo o trabalho que antes da entrada em vigor desse
diploma tivesse sido prestado a instituições de previdência. Aliás, tal tese
levaria, em última análise, à aplicação retroactiva da lei por forma a abranger
os próprios funcionários já aposentados, com consequências financeiras que
imporiam uma clara explicitação da lei quanto ao momento da sua eficácia, se
houvesse intenção do legislador em lhe atribuir efeitos retroactivos.
2.ª – A interpretação do Decreto‑Lei n.º 278/82, no sentido de que o
estabelecido nos seus artigos 4.º, n.º 1, e 6.º, n.ºs 1 e 2, não é aplicável ao
recorrente, não consubstancia qualquer violação do princípio da igualdade, na
medida em que a desigualdade resultante da sua aplicação ao pessoal que se
encontrava em exercício de funções nas instituições de previdência na altura em
que o tal diploma entrou em vigor e a sua não aplicação ao pessoal que tinha
exercido funções nessas instituições, mas que, na data de entrada em vigor desse
diploma, já aí não exercia funções e que, entretanto, foi admitido na função
pública, assenta em diferentes situações de facto.
3.ª – Os artigos 4.º, n.º 1, e 6.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto‑Lei n.º
278/82 não se aplicam à generalidade dos trabalhadores que tinham exercido
funções nas instituições de previdência, mas que, na data de entrada em vigor
desse diploma legal, já aí não exerciam funções, pelo que, igualmente por esse
motivo, tal interpretação não pode ser considerada como violadora do princípio
da igualdade.
4.ª – O período em causa apenas podia ser considerado para o regime
da CGA nos termos em que o foi, ou seja, por acréscimo ao tempo de subscritor,
nos termos do artigo 25.º do Estatuto da Aposentação, o que implicou o
apuramento da consequente dívida de quotas.
5.ª – Como se escreveu no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º
39/88 (in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 374, págs. 114 e seguintes), «o
princípio da igualdade não proíbe, pois, que a lei estabeleça distinções.
Proíbe, isso sim, o arbítrio, ou seja, proíbe as diferenciações de tratamento
sem fundamento material bastante, que o mesmo é dizer sem justificação razoável,
segundo critérios de valor objectivo constitucionalmente relevantes». Porém, a
jurisprudência do TC tem decidido que só pode haver violação do princípio da
igualdade quando da fixação do tempo de aplicação de uma norma decorrerem
tratamentos desiguais para situações iguais e sincrónicas, ou seja que o
princípio da igualdade não opera diacronicamente (cf. Acórdãos n.º 34/86, in
Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 7.º, tomo I, pág. 42, n.º 43/88, in
Boletim do Ministério da Justiça, n.º 374, pág. 168, e n.º 309/93, in Boletim do
Ministério da Justiça, n.º 426, pág. 70).
6.ª – O que não é o caso, uma vez que não se está perante situações
sincrónicas, não pode a situação referida pelo recorrente ser violadora do
princípio da igualdade.”
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
2. Fundamentação
Apesar de o recorrente dedicar parte substancial das
suas alegações à tentativa de demonstração de que a interpretação mais correcta
do direito ordinário em causa seria a que considerasse o regime do artigo 6.º do
Decreto‑Lei n.º 278/82 também aplicável aos subscritores que, como ele, tendo
trabalhado em instituições de previdência, ingressaram na função pública antes
da entrada em vigor desse diploma, cumpre registar que não compete ao Tribunal
Constitucional pronunciar‑se sobre a correcção da interpretação e aplicação do
direito ordinário efectuado pelas instâncias, mas tão‑só, tomando o critério
normativo efectivamente aplicado como um dado da questão de
constitucionalidade, apreciar se tal critério viola, ou não, as normas ou
princípios constitucionais invocados (no caso, se viola o princípio da
igualdade). Esse critério normativo foi o de que o regime do artigo 6.º, n.ºs 1
e 2, do Decreto‑Lei n.º 278/82 só se aplica ao pessoal que se encontrava em
exercício de funções nas instituições de previdência à data em que esse diploma
entrou em vigor, e já não ao pessoal que cessara o exercício de funções nessas
instituições antes de tal data, designadamente por ter ingressado na função
pública (como ocorrera com o recorrente); quanto a este último universo de
pessoal o tempo de serviço prestado nas instituições de previdência apenas podia
relevar para a aposentação, nos termos do artigo 25.º do respectivo Estatuto,
como “acréscimo ao tempo de subscritor”, o que implicava o apuramento da
correspondente dívida de quotas. É este critério normativo que vem acusado de
violador do princípio da igualdade.
Ora, a respeito de pretensas violações do princípio da
igualdade derivadas da sucessão de regimes legais, o Tribunal Constitucional tem
sistematicamente sustentado que “a sucessão de leis no tempo, e concretamente a
existência passada ou futura de regimes mais favoráveis, não acarretavam ofensa
do princípio da igualdade, pela circunstância de originarem regimes diversos,
decorrentes dessa sucessão temporal de leis” (Acórdão n.º 99/2004).
Como já se afirmara no Acórdão n.º 580/99:
“(...) o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da
Constituição, impede que uma dada solução normativa confira tratamento
substancialmente diferente a situações no essencial semelhantes. No plano
formal, a igualdade impõe um princípio de acção segundo o qual as situações
pertencentes à mesma categoria essencial devem ser tratadas da mesma maneira.
No plano substancial, a igualdade traduz‑se na especificação dos elementos
constitutivos de cada categoria essencial. A igualdade só proíbe, pois,
diferenciações destituídas de fundamentação racional, à luz dos próprios
critérios axiológicos constitucionais (…).
(…) importa ter presente que o legislador tem uma ampla liberdade no
que respeita à alteração do quadro normativo vigente num dado momento
histórico. Na verdade, o legislador, de acordo com opções de política
legislativa tomadas dentro de uma ampla zona de autonomia, pode proceder às
alterações da lei que se lhe afigurarem mais adequadas e razoáveis, tendo
presente, naturalmente, os interesses em causa e os valores ínsitos na ordem
jurídica.
Uma alteração legislativa pode operar, consequentemente, uma
modificação do tratamento normativo conferido a uma dada categoria de
situações. Com efeito, as situações abrangidas pelo regime revogado são objecto
de uma valoração diferente daquela que incidirá sobre as situações às quais se
aplica a lei nova. Nesse sentido, haverá situações substancialmente iguais que
terão soluções diferentes.
Contudo, não se pode falar neste tipo de casos de uma diferenciação
verdadeiramente incompatível com a Constituição. A diferença de tratamento,
decorre, como resulta do que se disse, da possibilidade que o legislador tem de
modificar (revogar) um quadro legal vigente num determinado período. A intenção
de conferir um diferente tratamento legal à categoria de situações em causa é
afinal a razão de ser da própria alteração legislativa.
O entendimento propugnado pela recorrente levaria à imutabilidade
dos regimes legais, pois qualquer alteração geraria sempre uma desigualdade.
Ora, tal posição não é reclamável pelo princípio da igualdade no quadro
constitucional vigente.”
Na verdade, como se sublinhou no citado Acórdão n.º
99/2004, quando estão em causa as diferenças de regime decorrentes da normal
sucessão de leis, há que reconhecer ao legislador uma apreciável margem de
liberdade no estabelecimento do marco temporal relevante para aplicação do novo
e do velho regime. Aliás, numa outra decisão (Acórdão n.º 467/2003), este
Tribunal, referindo‑se igualmente a uma situação de comparação de regimes de
aposentação de um ponto de vista dinâmico da sucessão no tempo, vistos – tal
como aqui sucede – na perspectiva do princípio da igualdade, considerou não
funcionar este princípio, enquanto exigência do texto constitucional, “em termos
diacrónicos”.
Retomando o discurso do Acórdão n.º 99/2004, há que
reconhecer que, também no caso ora em análise, “a determinação da fronteira
entre os dois regimes ocorreu, na interpretação da decisão recorrida, por
referência a um critério geral, previamente definido no artigo 12.º, n.º 1, do
Código Civil (e como tal perfeitamente previsível), segundo o qual a lei só
dispõe para o futuro, quando lhe não seja atribuída eficácia retroactiva pelo
legislador”, prosseguindo:
“Não se verificando neste domínio normativo qualquer exigência
constitucional de retroactividade da lei nova, a opção pela disposição só para
o futuro – que confirma o entendimento intuitivo de «que em todo o preceito
jurídico está implícito um ‘de ora avante’, um ‘daqui para o futuro’» (J.
Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Coimbra,
1983, pág. 225) – apresenta‑se como uma solução racional e, de qualquer forma,
situada dentro da margem de liberdade concedida ao legislador.”
Conclui‑se, assim, que não viola o princípio da
igualdade, antes se insere na liberdade de conformação do legislador, a opção
deste de passar a ficar abrangido pelo regime jurídico da função pública apenas
o pessoal que, sendo oriundo das instituições de previdência de inscrição
obrigatória, estivesse a exercer funções em centros regionais de segurança
social ou no Centro Nacional de Pensões à data da publicação do Decreto‑Lei n.º
278/82, não contemplando idêntica solução para aqueles que, em data anterior,
houvessem cessado o exercício dessas específicas funções. Quanto a estes, mesmo
que, como o ora recorrente, houvessem passado a integrar a função pública, o
período em que exerceram funções nas instituições de previdência, só poderia
relevar para efeitos de aposentação, por acréscimo ao tempo de subscritor, nos
termos do artigo 25.º do Estatuto da Aposentação, o que implicou o apuramento da
consequente dívida de quotas – como o entendeu a Administração e as instâncias o
confirmaram. A natureza mais desfavorável deste regime não determina
necessariamente que se dê por verificada a violação do princípio da igualdade. A
sucessão de regimes legais determina, em regra, variações no carácter mais ou
menos favorável dos mesmos na perspectiva dos interessados, mas a não
desconformidade constitucional desse resultado deriva, desde logo, da
diversidade das situações de facto contempladas, e, depois, da inexigibilidade
de atribuição de eficácia retroactiva a todas as alterações que o legislador
decida empreender. Repete‑se: o princípio da igualdade não opera
diacronicamente.
Não colhendo a argumentação do recorrente, resta
confirmar a decisão impugnada.
3. Decisão
Em face do exposto, acordam em:
a) Não julgar inconstitucionais as normas dos artigos
1.º e 6.º do Decreto‑Lei n.º 278/82, de 20 de Julho, interpretados no sentido de
que o estabelecido no artigo 6.º, n.ºs 1 e 2, apenas abrange o pessoal que se
encontrava em exercício de funções nas instituições de previdência à data em que
esse diploma entrou em vigor; e, consequentemente,
b) Negar provimento ao recurso, confirmando o acórdão
recorrido, na parte impugnada.
Custas pelo recorrente, fixando‑se a taxa de justiça em
25 (vinte e cinco) unidades de conta).
Lisboa, 22 de Junho de 2009.
Mário José de Araújo Torres
Joaquim de Sousa Ribeiro
João Cura Mariano
Benjamim Silva Rodrigues
Rui Manuel Moura Ramos