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Processo n.º 15/09
2.ª Secção
Relator: Conselheiro João Cura Mariano
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
Relatório
Em 11 de Setembro de 2008, a sociedade A., S.A., requereu junto do Centro
Distrital de Segurança Social de Vila Real que lhe fosse concedido o benefício
do apoio judiciário nas modalidades de dispensa de pagamento de taxa de justiça
e demais encargos com o processo e de nomeação e pagamento da compensação de
patrono, para efeito de dedução de oposição a procedimento cautelar, então
pendente contra si no 3.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real,
sob o n.º 1480/08.1 TBVRL, com o valor processual de € 36.052,31.
Tal pedido foi objecto de decisão de indeferimento liminar e a requerente
deduziu impugnação judicial da mesma.
Em 13 de Novembro de 2008, no âmbito do procedimento que correu os seus termos
no aludido Tribunal e por apenso ao referido processo, sob o n.º 1480/08.1
TBVRL-A, foi proferida sentença que confirmou a decisão de indeferimento do
pedido de concessão do apoio judiciário
Para tanto, o Tribunal adoptou a seguinte fundamentação:
“A., S.A.”, sociedade comercial, com sede em Vila Real, veio interpor recurso da
decisão proferida pelo Centro Distrital de Segurança Social de Vila Real, de
indeferimento liminar do seu pedido de apoio judiciário na modalidade de
nomeação e pagamento de honorários a patrono, alegando, em síntese, a
inconstitucionalidade do art. 7º nº 3 da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, na
redacção introduzida pela Lei 47/2007, de 28 de Agosto.
Cumpre apreciar.
Nos termos do n.º 3 do art. 7º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, na redacção
introduzida pela Lei 47/2007, de 28 de Agosto, as pessoas colectivas com fins
lucrativos e os estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada não
têm direito a protecção jurídica.
No caso em análise, sendo a recorrente uma sociedade comercial, com fins
lucrativos, por força da supra citada disposição legal, não beneficia de
protecção jurídica.
Será esta norma violadora dos princípios constitucionais da igualdade e do
acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva consagrados nos arts. 13º e
20º da Constituição, como defende a recorrente?
Entendemos que não.
Com efeito, dos artigos 20º, n.ºs 1 e 2, e 13º da Constituição não decorre que
as pessoas colectivas com fins lucrativos devam ser equiparadas às pessoas
singulares no que concerne ao direito ao patrocínio judiciário.
Se atentarmos na consagração do próprio princípio da universalidade constatamos,
desde logo, que o legislador constitucional introduz uma ressalva quanto às
pessoas colectivas em geral, determinando que estas gozam dos direitos e estão
sujeitas aos deveres “compatíveis com a sua natureza” - vd. art. 12º, n.º 2 da
CRP.
A diferenciação de tratamento não se revela desproporcionada ou excessiva,
justificando-se igualmente por razões de interesse público, nomeadamente, por
“critérios racionais de gestão do interesse colectivo e de repartição dos
encargos públicos, ao dar prioridade e especial protecção no acesso à Justiça às
pessoas e entidades sem fim lucrativo e ao exigir que as entidades com fim
lucrativo suportem - ou criem mecanismos para isso adequados - os custos da
actividade económica de que são beneficiários” - vd. Acórdão do Tribunal
Constitucional n.º 97/99, de 10/02/1999.
Atento o expendido supra, julgo improcedente o presente recurso e, em
consequência, mantenho a decisão proferida pelo Centro Distrital de Segurança
Social de Vila Real.”
A requerente interpôs então recurso desta última decisão, ao abrigo do disposto
na alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da Lei da Organização, Funcionamento e
Processo do Tribunal Constitucional (LTC), requerendo a fiscalização concreta da
constitucionalidade da norma constante do n.º 3, do artigo 7.º, da Lei n.º
34/2004, de 29 de Julho, com a redacção introduzida pela Lei n.º 47/2007, de 28
de Agosto, com fundamento na alegada violação do disposto nos artigos 12.º, 13.º
e 20.º da Constituição da República Portuguesa.
A recorrente apresentou as seguintes alegações:
“A decisão sob recurso fundamentou-se no número 4, do artigo 7°, da mencionada
Lei número 34/2004, na redacção que a tal número 4 foi dada pela Lei número
47/2007, de 28 de Agosto, disposição legal essa, segundo a qual as pessoas
colectivas com fins lucrativos (entre as quais as sociedades comerciais, como a
recorrente é, se incluem), não têm direito a protecção jurídica.
Só que tal nova redacção, dada ao mencionada número 4, do artigo 7°, da Lei
número 34/2004, impossibilitando, como impossibilita, as pessoas colectivas com
fins lucrativos, e, portanto, as sociedades comerciais, de obterem protecção
jurídica, nomeadamente apoio judiciário, designadamente nas modalidades da
dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e da nomeação e
pagamento da compensação de patrono, se tem que ter por inconstitucional, por
flagrante violação dos artigos 13° e 20°, ambos da Constituição da República
(C.R.P.)
E isto, na medida em que tal redacção, se vigorasse na ordem jurídica
Portuguesa, não só estabeleceria uma marcada diferença, entre, por um lado, as
pessoas colectivas com fins lucrativos (incluindo as sociedades comerciais), e,
por outro lado, as pessoas colectivas sem fins lucrativos e as pessoas
singulares, contrariando assim o princípio da igualdade, insito no artigo 13°,
da C.R.P..
Como também impossibilitaria às pessoas colectivas com fins lucrativos
(incluindo as sociedades comerciais), mas com insuficiência de meios
económicos, o acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva, consagrado
no artigo 20º, da C.R.P., denegando assim a justiça a tais entidades.
Sendo ainda certo que a palavra “todos”, várias vezes mencionada no citado
artigo 20°, da C.R.P., não pode ter outro significado que não seja naturalmente
o de todos aqueles que sejam susceptíveis de ser parte numa causa judicial, isto
é, todos aqueles que têm personalidade judiciária.
Abrangendo, naturalmente por igual, pessoas singulares e pessoas colectivas, com
ou sem fins lucrativos (incluindo sociedades comerciais).
Inconstitucionalidade essa que aqui e agora se invoca, e que terá
necessariamente que acarretar a repristinação da anterior redacção do
mencionado número 4, do artigo 7°, da Lei número 34/2004.
Redacção anterior essa que permite, também às pessoas colectivas com fins
lucrativos (incluindo sociedades comerciais), beneficiar da protecção jurídica,
obtendo, nomeadamente, a dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o
processo e a nomeação e pagamento da compensação de patrono, naturalmente caso
se verifiquem os restantes pressupostos, para isso, para todos (pessoas
singulares e pessoas colectivas, com e sem fins lucrativos) sem distinção,
fixados na Lei número 34/2004.
O número 4, do artigo 7º, da Lei número 34/2004, na redacção que a tal número 4
foi dada pela Lei número 47/2007, padece do vício da inconstitucionalidade, por
violação dos artigos 13º e 20º, ambos da C.R.P..
Devendo pois tal norma legal ser por V. Exas. julgada inconstitucional,
baixando os autos ao Tribunal a quo, para aí ser reformulada a sentença, a que
se alude no número 1 anterior, de harmonia com o juízo de inconstitucionalidade
atrás referido.”
Não foram apresentadas contra-alegações.
Fundamentação
1. A delimitação do objecto do recurso
Antes do mais, impõe-se uma restrição do objecto do recurso de
constitucionalidade configurado pela recorrente.
A recorrente pretende a fiscalização da constitucionalidade da norma constante
do n.º 3 do art. 7.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, com a redacção
introduzida pela Lei n.º 47/2007, de 28 de Agosto, o qual dispõe que “as
pessoas colectivas com fins lucrativos e os estabelecimentos individuais de
responsabilidade limitada não têm direito a protecção jurídica”.
A decisão recorrida entendeu, mercê da referida disposição legal, que as
sociedades comerciais não têm direito a protecção jurídica e, consequentemente,
indeferiu o pedido de concessão do benefício de apoio judiciário deduzido pela
recorrente.
Atenta a natureza instrumental do recurso de constitucionalidade, importa
excluir do âmbito deste recurso de constitucionalidade a dimensão normativa do
n.º 3, do artigo 7.º, da Lei n.º 34/2004, respeitante aos estabelecimentos
individuais de responsabilidade limitada, enquanto entidades também não
beneficiárias de protecção jurídica, que não foram objecto de qualquer
apreciação pela decisão recorrida.
Assim sendo, apenas se cuidará de apreciar da constitucionalidade da norma
constante do n.º 3, do artigo 7.º, da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, com a
redacção introduzida pela Lei n.º 47/2007, de 28 de Agosto, no segmento
respeitante às pessoas colectivas com fins lucrativos.
2. O direito fundamental de acesso ao Direito e aos tribunais e as pessoas
colectivas
O n.º 1 do art. 20.º da Constituição, na redacção introduzida pela Revisão
Constitucional de 1997, dispõe que “a todos é assegurado o acesso ao Direito e
aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos,
não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos”,
acrescentando o n.º 2 que “todos têm direito, nos termos da lei, à informação e
consulta jurídicas, ao patrocínio judiciário e a fazer-se acompanhar por
advogado perante qualquer autoridade”.
A garantia fundamental do acesso aos tribunais é uma concretização do princípio
do Estado de Direito que apresenta uma dimensão prestacional na parte em que
impõe ao Estado o dever de assegurar meios tendentes a evitar a denegação de
justiça por insuficiência de meios económicos.
Em texto que mantém toda a actualidade, a Comissão Constitucional, com
referência à versão originária da Constituição, afirmou no Parecer n.º 8/78, de
23 de Fevereiro (in Pareceres da Comissão Constitucional, 5.º volume, p. 3), a
tal propósito:
“Ao assegurar o «acesso aos tribunais, para defesa dos seus direitos», a
primeira parte do n.º 1 do artigo 20.º da Constituição consagra a garantia
fundamental que se traduz em confiar a tutela dos direitos individuais àqueles
órgãos de soberania a quem compete administrar a justiça em nome do povo (artigo
205.º). A defesa dos direitos e dos interesses legalmente protegidos dos
cidadãos integra expressamente o conteúdo da função jurisdicional, tal como ela
se acha definida no artigo 206.º da lei fundamental.
Do mesmo passo, ao assegurar a todos o acesso aos tribunais para defesa dos seus
direitos, o legislador constitucional reafirma o princípio geral da igualdade
consignado no n.º 1 do artigo 13.º
Mas indo além do mero reconhecimento de uma igualdade formal no acesso aos
tribunais, o n.º 1 do artigo 20.º, na sua parte final, propõe-se afastar neste
domínio a desigualdade real nascida da insuficiência de meios económicos,
determinando expressamente que tal insuficiência não pode constituir motivo de
denegação da justiça.
Está assim o legislador constitucional a consagrar uma aplicação concreta do
princípio sancionado no n.º 2 do artigo 13.º, segundo o qual «ninguém pode ser
(…) privado de qualquer direito (…) em razão de (…) situação económica».
Não se dirá, todavia, que do n.º 1 do artigo 20.º da Constituição decorre o
imperativo de uma justiça gratuita.
O sentido do preceito, na sua parte final, será antes o de garantir uma
igualdade de oportunidades no acesso à justiça, independentemente da situação
económica dos interessados. E tal igualdade pode assegurar-se por diferentes
vias, que variarão consoante o condicionalismo jurídico-económico definido para
o acesso aos tribunais. Entre os meios tradicionalmente dispostos em ordem a
atingir esse objectivo conta-se, como é sabido, o instituto de assistência
judiciária, mas, ao lado deste, outros institutos podem apontar-se ou vir a ser
reconhecidos por lei.
Será assim de concluir que haverá violação da parte final do n.º 1 do artigo
20.º da Constituição se e na medida em que na ordem jurídica portuguesa, tendo
em vista o sistema jurídico-económico aí em vigor para o acesso aos tribunais,
puder o cidadão, por falta de medidas legislativas adequadas, ver frustrado o
seu direito à justiça, devido a insuficiência de meios económicos.”
Para evitar a denegação de justiça por insuficiência de meios económicos, a Lei
n.º 34/2004, de 29 de Julho, com a redacção introduzida pela Lei n.º 47/2007, de
28 de Agosto, consagrou um sistema de acesso ao direito e aos tribunais que
assenta essencialmente na concessão da protecção jurídica na modalidade de apoio
judiciário.
Nos termos do referido diploma legal, o acesso ao direito e aos tribunais
compreende a informação jurídica e a protecção jurídica (artigo 2.º, n.º 2).
Por seu turno, a protecção jurídica reveste as modalidades de consulta jurídica
e de apoio judiciário (artigo 6.º, n.º 1).
A consulta jurídica consiste no esclarecimento técnico sobre o direito
aplicável a questões ou casos concretos nos quais avultam interesses pessoais
legítimos ou direitos próprios lesados ou ameaçados de lesão (artigo 14.º, n.º
1).
O apoio judiciário compreende as seguintes modalidades: a) dispensa de taxa de
justiça e demais encargos com o processo; b) nomeação e pagamento da compensação
de patrono; c) pagamento da compensação de defensor oficioso; d) pagamento
faseado da taxa de justiça e demais encargos com o processo; e) nomeação e
pagamento faseado da compensação de patrono; f) pagamento faseado da compensação
de defensor oficioso (artigo 16.º, n.º 1).
Nos termos do n.º 1, do artigo 7.º, da Lei n.º 34/2004, “têm direito a
protecção jurídica (...) os cidadãos nacionais e da União Europeia, bem como os
estrangeiros e os apátridas com título de residência válido num Estado membro da
União Europeia, que demonstrem estar em situação de insuficiência económica.”
O n.º 3, do artigo 7.º, da referida lei, nega, contudo, o direito à protecção
jurídica em qualquer das suas modalidades às pessoas colectivas com fins
lucrativos.
Mas a mesma lei confere o direito à protecção jurídica na modalidade de apoio
judiciário às pessoas colectivas sem fins lucrativos (artigo 7.º, n.º 4).
O regime jurídico infraconstitucional do sistema de acesso ao direito e aos
tribunais acabado de enunciar estabelece uma distinção relevante entre as
pessoas singulares e as pessoas colectivas e, dentro destas últimas, ainda
distingue aquelas que prosseguem fins lucrativos das demais pessoas colectivas
sem fins lucrativos.
As pessoas singulares – pelo menos, os cidadãos nacionais e da União Europeia –
que demonstrem estar em situação de insuficiência económica gozam plenamente do
direito à protecção jurídica em qualquer das suas modalidades.
As pessoas colectivas sem fins lucrativos que comprovem estar na mesma situação
têm direito a protecção jurídica na modalidade de apoio judiciário.
Mas as pessoas colectivas com fins lucrativos não têm direito a protecção
jurídica em qualquer das suas modalidades.
Importa aferir em que medida esta discriminação negativa em matéria de
atribuição do direito a protecção jurídica às pessoas colectivas com fins
lucrativos viola algum parâmetro constitucional.
O legislador constitucional português consagrou as pessoas colectivas de direito
privado como sujeitos titulares de direitos (e deveres) fundamentais.
Efectivamente, o direito fundamental dos cidadãos constituírem associações e
sociedades seria desprovido de eficácia se as novas entidades jurídicas assim
criadas não fossem também constitucionalmente tuteladas no plano dos direitos
fundamentais.
Por isso, nos termos do n.º 2, do artigo 12.º da Constituição, “as pessoas
colectivas gozam dos direitos e estão sujeitas aos deveres compatíveis com a sua
natureza”.
De acordo com esta norma constitucional, as pessoas colectivas não são
equiparadas às pessoas singulares.
Na verdade, «as pessoas colectivas só têm os direitos compatíveis com a sua
natureza, ao passo que as pessoas singulares têm todos os direitos, salvo os
especificamente concedidos apenas a pessoas colectivas (v.g., o direito de
antena). E tem de reconhecer-se que, ainda quando certo direito fundamental seja
compatível com essa natureza e, portanto, susceptível de titularidade
“colectiva” (hoc sensu), daí não se segue que a sua aplicabilidade nesse domínio
vá operar exactamente nos mesmos termos e com a mesma amplitude com que decorre
relativamente às pessoas singulares (Cfr. JORGE MIRANDA/RUI MEDEIROS,
Constituição Portuguesa Anotada, tomo I, pág. 113, da edição de 2005, da Coimbra
Editora).
No que respeita à capacidade jurídica, as pessoas colectivas em geral são
titulares dos direitos conducentes à prossecução dos fins para que existam.
A Constituição atribui às pessoas colectivas alguns dos direitos fundamentais
reconhecidos às pessoas físicas que sejam necessários ao exercício daqueles
direitos desde que compatíveis com a sua natureza.
Entre esses direitos encontra-se a possibilidade de fazer valer os seus direitos
e interesses legítimos perante os tribunais em iguais condições e com os mesmos
meios de defesa que as pessoas físicas (vidé ÁNGEL GÓMEZ MONTORO, em “La
titularidad de derechos fundamentales por personas jurídica: un intento de
fundamentácion”, in Revista Espanola de Derecho Constitucional, Ano 22, n.º 65,
2002, pp. 100-101).
Na verdade, como a susceptibilidade de demandar e ser demandado judicialmente
não exige um suporte puramente humano, impõe-se entender que o direito
fundamental de acesso ao Direito e aos tribunais é perfeitamente compatível com
a natureza das pessoas colectivas.
Numa sociedade caracterizada pela proibição de autodefesa e pela garantia de
acesso aos tribunais, as pessoas colectivas, tal como sucede com as pessoas
singulares, têm necessidade de demandar judicialmente outras entidades para
efectivação dos seus direitos (v.g., direitos de crédito), assim como têm
necessidade de deduzir a sua defesa nas acções em que sejam demandadas por
terceiros (v.g., acções de responsabilidade civil contratual ou extracontratual,
incluindo os pertinentes procedimentos cautelares).
Seja qual for a posição processual ocupada na lide, as pessoas colectivas podem
encontrar-se numa situação de insuficiência económica que não lhes permita
suportar pontualmente os custos de um processo, incluindo o pagamento da
compensação devida ao patrono.
Importa ter presente que, por exemplo, no âmbito do processo civil, o valor das
custas cíveis é, por regra, calculada proporcionalmente por referência ao valor
do pedido inicial (artigo 5.º, n.º 3, do Código das Custas Judiciais de 1997).
Sucede que a falta de pagamento da taxa de justiça devida é acompanhada de
consequências processuais negativas como, por exemplo, a recusa da petição
inicial e o desentranhamento da contestação no âmbito do processo civil (artigos
474.º, alínea f), e 486.º, n.º 6, do Código de Processo Civil, na redacção
introduzida pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro).
Acresce a isso, ainda no âmbito do processo civil, que a constituição de
advogado é legalmente obrigatória, sob pena de absolvição da instância ou de
ineficácia da contestação: a) nas causas de competência de tribunais com
alçada, em que seja admissível recurso ordinário; b) nas causas em que seja
sempre admissível recurso, independentemente do valor; c) e nos recursos e nas
causas propostas nos tribunais superiores (artigos 32.º, n.º 1, e 33.º, do
Código de Processo Civil).
E mesmo os honorários dos advogados fixados no âmbito da protecção jurídica
podem ascender a 126 UR por referência à intervenção num processo civil sob a
forma de processo ordinário (Anexo da Portaria n.º 1386/2004, de 10 de
Novembro).
Isto é, as pessoas colectivas em situação de insuficiência económica podem
efectivamente não conseguir defender os seus direitos e interesses legalmente
protegidos em virtude de não poderem beneficiar da concessão do direito a
protecção jurídica.
Já se viu que este problema apenas se coloca relativamente às pessoas colectivas
com fins lucrativos, uma vez que a Lei n.º 34/20047 confere às pessoas
colectivas sem fins lucrativos o direito a protecção jurídica na modalidade de
apoio judiciário.
Assim sendo, importa apenas apreciar a validade jurídico-constitucional do
actual sistema de protecção jurídica relativamente às pessoas colectivas com
fins lucrativos.
3. A evolução legal do sistema de protecção jurídica das pessoas colectivas com
fins lucrativos e a jurisprudência constitucional
Como se verá, após o início da vigência da Constituição de 1976, o legislador
ordinário nunca foi tão restritivo, como na lei actualmente vigente, em matéria
de concessão do direito a protecção jurídica às pessoas colectivas com fins
lucrativos.
Deixando agora de lado a análise do instituto da assistência judiciária vindo do
período do Estado Novo, importa recuar ao Decreto-Lei n.º 387-B/87, de 29 de
Dezembro, cujo artigo 7.º, n.º 4, na redacção originária, dispunha que as
pessoas colectivas e as sociedades em geral tinham direito a apoio judiciário,
nas modalidades de dispensa do pagamento de custas e de dispensa do pagamento
dos serviços do advogado, quando demonstrassem não dispor de meios económicos
bastantes para suportar os honorários dos profissionais forenses e para custear
os encargos normais de uma causa judicial (artigos 7.º, n.º 1, e 15.º, n.º 1).
Cerca de uma década depois, a posição do legislador ordinário relativamente a
esta matéria registou uma inflexão que conduziria a médio prazo à situação
actualmente consagrada na Lei n.º 34/2004.
Na exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 52/VII (publicada no Diário da
Assembleia da República, II Série-A, suplemento n.º 54, de 3 de Julho de 1996),
o Governo de então justificou assim as alterações pretendidas em matéria de
protecção jurídica respeitante às pessoas colectivas com fins lucrativos:
“Nem a Constituição da República Portuguesa, nem qualquer dos instrumentos
internacionais a que Portugal está vinculado garante às sociedades civis e
comerciais a concessão de apoio judiciário.
A esmagadora maioria das soluções de direito comparado, incluindo aquelas que
revelam maior afinidade com a portuguesa, também não consagra para as sociedades
o aludido benefício.
O regime português de recuperação das empresas estabelece para as sociedades
referidas o pertinente e necessário benefício em matéria de custas.
A natureza e o escopo finalístico das organizações económicas em causa não
justificam que lhes seja concedido apoio judiciário.
Esse facto e a necessidade de equilíbrio entre os recursos financeiros
disponíveis e a garantia de acesso ao direito e aos tribunais dos cidadãos em
geral, justificam que às sociedades civis e comerciais não seja concedido o
benefício de apoio judiciário.
Excepcionam-se, porém, deste princípio os casos em que as possibilidades
económicas das sociedades sejam consideravelmente inferiores ao valor dos
preparos e das custas – mas nunca, note-se, para efeitos de concessão de
patrocínio judiciário por se afigurar que, nestes casos residuais, não se torna
chocante a concessão daquele benefício.
Em nome do princípio da igualdade, porém, tal regime deve ser estendido aos
comerciantes em nome individual nas causas relativas ao exercício do comércio e
aos estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada.”
Em conformidade com esta proposta de lei, a Lei n.º 46/96, de 3 de Setembro,
introduziu alterações no artigo 7.º, do DL n.º 387-B/87, que se saldaram
essencialmente no seguinte
- por um lado, as sociedades e demais entidades que exercem o comércio mantinham
o direito à dispensa de pagamento de preparos e de custas mas deixavam de
beneficiar do direito à dispensa de pagamento dos honorários dos profissionais
do foro;
- por outro lado, as referidas sociedades e demais entidades que exercem o
comércio passaram a estar sujeitas a pressupostos específicos mais exigentes em
matéria de avaliação da alegada insuficiência económica para efeito de concessão
do benefício do direito à dispensa de pagamento de preparos e de custas.
Esta eliminação do direito ao patrocínio judiciário gratuito por referência às
pessoas colectivas com fins lucrativos foi objecto de várias decisões tomadas
por diferentes secções do Tribunal Constitucional.
Numa primeira fase, com a prolação do acórdão n.º 97/99 (publicado em “Acórdãos
do Tribunal Constitucional, 42.º vol., pág. 421), obteve vencimento, por
maioria, a tese que julgou não inconstitucional a referida restrição em matéria
de protecção jurídica introduzida pela Lei n.º 46/96 – tendo esta jurisprudência
sido posteriormente sustentada nos acórdãos do Tribunal Constitucional n.º
98/99, 167/99, 368/99, 428/99 e 90/2000 (todos disponíveis em
www.tribunalconstitucional.pt).
A referida jurisprudência, parcialmente inspirada nas alegações então produzidas
pelo Ministério Público junto do Tribunal Constitucional (vide a reprodução
destas alegações na Revista do Ministério Público, Ano 19.º, n.º 73, pp. 135 e
ss.), assenta essencialmente nos seguintes fundamentos:
1.º) Não decorre da Constituição que as entidades com fins lucrativos sejam
equiparáveis às pessoas singulares e às pessoas colectivas com fins não
lucrativos para efeito de promoção pelo Estado do acesso à justiça através da
concessão generalizada do patrocínio judiciário gratuito em casos de
insuficiência económica.
A existência de litígios decorrentes da própria vida comercial normal das
empresas é inelutável.
O escopo lucrativo das empresas postula que os custos com os profissionais do
foro sejam ab initio integrados na planificação da actividade normal da empresa
e ulteriormente repercutidos no consumidor final dos bens e serviços.
A impossibilidade de suportar esses custos sinaliza a inviabilidade económica
da empresa e, no limite, determinará a respectiva falência em prol dos credores
e do desenvolvimento saudável da economia de mercado.
2.º) A restrição do direito ao patrocínio judiciário gratuito não esvazia o
direito de acesso ao Direito e aos tribunais da sua substância na medida em que
as pessoas colectivas com fins lucrativos continuam a beneficiar da concessão de
apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de custas em caso de
insuficiência económica.
3.º) A restrição em questão é justificada pela diversidade de condições
existentes e, sobretudo, pela necessidade do Estado promover prioritariamente o
acesso à justiça das pessoas singulares e entidades sem fins lucrativos em claro
detrimento da opção de financiamento público dos custos inerentes à actividade
normal e lucrativa das empresas.
Esta fundamentação jurídica já tinha sido adoptada, no essencial, pelo Tribunal
Constitucional espanhol na Sentencia n.º 117/1998, de 2 de Junho (publicada no
BOE, Suplemento n.º 158, de 3 de Julho) a respeito da legislação que regulava a
assistência jurídica gratuita (Ley n.º 1/1996).
A jurisprudência constitucional espanhola mostrou-se sensível ao argumento
adicional das sociedades comerciais de capitais desenvolverem uma actividade com
riscos previamente calculados em que os sócios não respondem pelas obrigações da
sociedade.
O regime de acesso ao direito e aos tribunais conheceu novos desenvolvimentos
com a entrada em vigor da Lei n.º 30-E/2000, de 20 de Dezembro, havendo a
registar a inovadora atribuição da apreciação dos pedidos de concessão de apoio
judiciário aos serviços da segurança social.
Para o efeito que ora interessa, a lei nova não introduziu alterações
relevantes à lei antiga em matéria de protecção jurídica conferida às pessoas
colectivas com fins lucrativos, limitando-se, nesta matéria, a adaptar o texto
legal à nova nomenclatura entretanto adoptada em sede de legislação de custas
judiciais (v.g., taxa de justiça em substituição de preparos).
Contudo, alguns anos mais tarde, a jurisprudência constitucional registaria uma
inflexão em matéria de protecção jurídica conferida às pessoas colectivas com
fins lucrativos.
Efectivamente, com a prolação do acórdão do Tribunal Constitucional n.º 106/2004
(publicado no DR, II Série, de 24 de Março de 2004), obteve vencimento, por
maioria, a tese que julga inconstitucional, por violação do artigo 20.º, n.º 1,
parte final, e n.º 2, da Constituição, a norma ínsita no n.º 5, do artigo 7.º,
do Decreto-Lei n.º 387-B/87, de 29 de Dezembro, na redacção introduzida pela Lei
n.º 46/96, de 3 de Setembro, na interpretação segundo a qual veda a concessão de
patrocínio judiciário gratuito às sociedades, ainda que provem que os seus
custos são consideravelmente superiores às suas possibilidades económicas e que
se trata de acções alheias à sua actividade económica normal.
A nova posição jurisprudencial assentou essencialmente nos seguintes
fundamentos, retomando um voto de vencido aposto em acórdão anterior:
“Contemplando o sistema de acesso ao direito e aos tribunais, distinguem‑se
duas vertentes, de informação jurídica e protecção jurídica, das quais a segunda
reveste duas modalidades – consulta jurídica e apoio judiciário (artigo 6º do
referido Decreto-Lei n.º 387‑B/87). Existem, por sua vez, duas formas de apoio
judiciário: dispensa de despesas judiciais e pagamento dos serviços do advogado
ou solicitador (artigo 15º, n.º 1, do citado diploma). Os beneficiários do
direito à protecção jurídica estão enumerados no referido artigo 7º do
Decreto-Lei n.º 387-B/87, resultando, na interpretação do n.º 5, em questão, que
as sociedades – civis ou comerciais –, bem como os comerciantes em nome
individual nas causas relativas ao exercício do comércio e os estabelecimentos
individuais de responsabilidade limitada, não têm direito a patrocínio
judiciário gratuito, mas apenas ‘à dispensa, total ou parcial, de preparos e do
pagamento de custas ou ao seu diferimento’, e se demonstrarem que o respectivo
montante é ‘consideravelmente superior às [suas] possibilidades económicas’,
‘aferidas designadamente em função do volume de negócios, do valor do capital ou
do património e do número de trabalhadores ao seu serviço’.
Como se vê, esta limitação não só não inclui todas as pessoas colectivas como
não é sequer específica de pessoas colectivas. Aplica-se, igualmente, a pessoas
singulares, e, mesmo, a entes não personalizados, como são os estabelecimentos
individuais de responsabilidade limitada. Assim, a questão de
constitucionalidade não se põe no confronto com o artigo 12º, n.º 2, da
Constituição. A norma em questão funda-se, antes, na circunstância, comum aos
seus destinatários, de estes exercerem uma actividade económica com intuitos
lucrativos, sendo (conforme salienta o Ministério Público nas suas alegações, já
publicadas, aliás, na Revista do Ministério Público, 1998, n.º 73, págs. 135 e
segs.) os titulares de empresas que são (pelo menos, de forma tendencial)
visados pela norma.
Ora, não podem negar-se certas especificidades destas entidades. Os custos de
litigância serão normalmente inerentes ao próprio exercício da sua actividade,
justificando-se, nas acções que resultem do ‘giro comercial’ da empresa, a
exclusão da dispensa ou redução de custas ou preparos – o que se traduz no
citado artigo 7º, n.º 5, embora sempre admitindo a demonstração de que o
montante das custas é consideravelmente superior às possibilidades económicas
da empresa, aferidas em função dos factores descritos. Todavia, estas
especificidades não bastam para fundamentar a privação, para essas entidades,
em qualquer caso e sem admissão desta demonstração, do direito a patrocínio
judiciário gratuito – que é o que está em causa no presente recurso.
2. Na verdade, a Constituição da República Portuguesa garantiu no seu artigo
20º, o acesso ao direito e aos tribunais, com proibição da denegação de justiça
por insuficiência de meios económicos, sendo o direito ao patrocínio judiciário
verdadeiro elemento essencial daquela garantia. Na expressão do Acórdão do
Tribunal Constitucional n.º 962/96 (Diário da República, I série-A, de 15 de
Outubro de 1996), os mandados desse artigo 20º ‘constituem mesmo a estrutura
central da ordem constitucional democrática’, assegurando a todos o acesso ao
direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente
protegidos. Como se salientou no Acórdão n.º 316/95 (publicado no Diário da
República, II série, de 31 de Outubro de 1995), ‘torna-se claro que o
assinalado asseguramento de acesso aos tribunais, a par da proibição de
denegação de justiça por insuficiência de meios económicos, sabido que é que, em
muitos casos, para naqueles se pleitear se torna necessária a constituição de
advogado, há-de implicar, nas hipóteses daquela insuficiência, que se confira o
direito ao «patrocínio judiciário». Significa isto, em consequência, que, muito
embora o exercício e as formas do «direito ao patrocínio judiciário» seja, pelo
n.º 2 do artigo 20º da Constituição, relegado para a lei, o que é certo é que,
dada a implicação a que acima se fez referência, a lei ordinária não poderá
estabelecer condicionantes ou requisitos tais que dificultem ou tornem por
demais difícil o exercício daquele direito ou, ainda acentuadamente, restrinjam
o respectivo conteúdo, sob pena de aqueloutro direito de acesso aos tribunais
«não passar de um ‘direito fundamental formal’» (nas palavras de Gomes
Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 3ª ed.,
Coimbra, pág. 163)’. (ver, ainda, por exemplo, os Acórdãos n.ºs 415/94, 317/95,
339/95 e 340/95, estes últimos publicados no Diário da República, II série,
respectivamente de 1 de Agosto e de 2 de Novembro de 1995).
E, além desta essencialidade, salientou-se a universalidade do reconhecimento
do direito ao patrocínio judiciário no citado Acórdão n.º 339/95, segundo o qual
‘o direito de acesso aos tribunais, de que é componente essencial o patrocínio
judiciário, é assegurado pela Constituição «a todos» (artigo 20º), o que logo
inculca a universalidade do respectivo reconhecimento (...).
3. Nestes termos, penso que a garantia de acesso aos tribunais, resultante do
artigo 20º da Constituição, resulta violada por uma norma que exclui
genericamente o direito ao patrocínio judiciário gratuito para as entidades que
exploram empresas com intuitos lucrativos, ainda que estas provem a sua
insuficiência económica para suportar os respectivos custos, que estes são
consideravelmente superiores às suas possibilidades, ou, mesmo, que o pleito é
totalmente alheio à sua actividade económica normal. Não se trata, aqui, tão-só
de uma restrição ao direito a patrocínio judiciário gratuito, ou de o sujeitar,
nos termos da lei, a determinadas condições, mas de uma sua exclusão geral e em
abstracto, que tem como resultado que, quanto às entidades em causa, a justiça
possa ser ‘denegada por insuficiência de meios económicos’.
Tal exclusão de plano do direito ao patrocínio judiciário gratuito não se
justifica, aliás, como referi, com a especificidade das entidades com intuitos
lucrativos, pois não é permitida a prova de que a acção, naquele caso concreto,
é alheia à actividade económica da empresa (podendo perfeitamente tratar-se, por
exemplo, de uma vultuosa acção de indemnização, em que aquela é lesada) – ou,
pelo menos (como se faz no próprio artigo 7º, n.º 5, para as custas e preparos),
a demonstração de que os custos da acção excedem consideravelmente as
possibilidades económicas da pessoa em questão, avaliadas em função de factores
objectivos.
Não se pode sequer afirmar, em abstracto, que as sociedades, civis ou
comerciais, os comerciantes em nome individual ou os titulares de
estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada sempre terão meios
para suportar as despesas de patrocínio judiciário disponível no ‘mercado’ da
prestação de serviços jurídicos. Assim, desde logo, sabe-se, por exemplo, que,
apesar da proibição da quota litis, o valor da causa não é despiciendo para a
fixação dos honorários dos profissionais do foro, até por se reflectir sobre a
importância do serviço prestado e sobre os resultados obtidos (artigo 65º, n.º
1, do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 84/84, de
16 de Março). Nem me posso dar por satisfeito com a remissão de tais entidades
para ‘mecanismos de seguro e prevenção’ dos custos judiciários. Essa remissão
(a qual, aliás, não provaria apenas para as entidades em questão), bem como a
exigência de, na impossibilidade de pagamento aos profissionais do foro,
recorrer, ou aos próprios sócios para suprimento da insuficiência financeira,
ou a um processo de recuperação de empresa ou de falência, por manifesta
inviabilidade da empresa (e suposto que se verificariam sempre os pressupostos
destes processos, existindo, designadamente, uma situação de insolvência),
representa, a meu ver, a própria admissão da possibilidade de denegação de
justiça por falta de meios para custear o patrocínio judiciário. Exigir a
submissão a um processo de falência ou de recuperação da empresa (com eventual
consequência da extinção), ou o recurso aos sócios para custear despesas
judiciárias, significa que a pessoa colectiva (obviamente, enquanto entidade
distinta dos sócios) não poderá recorrer aos tribunais por falta de meios
económicos, retirando, sob este prisma, consistência ao seu direito de acesso
aos tribunais.
Não é, pois, de excluir que a acção em questão seja inteiramente alheia à
actividade económica da sociedade, estando, todavia, sempre excluída a
possibilidade de as entidades referidas no artigo 7º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º
387-B/87 obterem patrocínio judiciário gratuito. A meu ver, este resultado
ofende, pois, a garantia de que a ninguém pode ser denegada justiça por
insuficiência de meios económicos (artigo 20º, n.º 1, 2ª parte, da
Constituição). E creio que se viola do mesmo passo o princípio da igualdade, na
medida em que – embora sem negar as especificidades das entidades em questão –
resulta justamente desse artigo 20º, n.º 1, 2ª parte, que a insuficiência de
meios económicos não é nunca de considerar, à luz daquele princípio, fundamento
razoável para a discriminação no acesso aos tribunais, como a que resultaria,
neste caso, da privação da possibilidade de obter patrocínio judiciário
gratuito”.
Entende-se que esta fundamentação, na medida em que se reporta ao artigo 20º,
n.º 1, 2ª parte, da Constituição da República, é procedente, não sendo, por
outro lado, infirmada pelos argumentos invocados nos arestos citados, que se
debruçaram sobre a questão de constitucionalidade em causa no presente recurso.
Designadamente, não resulta da transcrita fundamentação qualquer dever de
equiparação dos termos em que é concedido apoio judiciário a pessoas singulares
e a pessoas colectivas, ou a entidades com e sem fim lucrativo – entendendo-se,
antes, que ela é compatível com as diferenciações que a boa gestão dos recursos
imponham –, mas apenas a impossibilidade de uma exclusão geral e em abstracto,
sem possibilidade de prova de que os custos em causa são consideravelmente
superiores às possibilidades económicas do concreto sujeito em questão e de que
se trata de acções alheias à sua actividade económica normal.
Esta última delimitação contraria, também, o argumento de que poderão estar em
causa custos da actividade económica normal, e de que a própria preservação das
condições de concorrência impediria a concessão de tal patrocínio judiciário
(argumento, este, que, aliás, e como é evidente, provaria demasiado, por também
ser aplicável a outras formas de apoio judiciário).
Tal exclusão de plano do direito ao patrocínio judiciário gratuito, para uma
categoria de sujeitos definida em abstracto, e sem lhes possibilitar a referida
prova de que os custos são consideravelmente superiores às possibilidades
económicas e de que a acção é alheia à sua actividade económica normal, não pode
deixar de ter como resultado que, quanto às entidades em causa, a justiça possa
vir a ser “denegada por insuficiência de meios económicos” (como, aliás, não
deixa de admitir-se quando se afirma que a alternativa ao pleito poderá ser a
insolvência).
No presente caso, é isto mesmo que está em causa, pois a recorrente impugna a
norma na dimensão segundo a qual as sociedades não têm direito a patrocínio
judiciário gratuito ainda “que demonstrem que não têm meios económicos para
suportar os encargos de uma causa judicial ou que o pleito é alheio à sua
actividade económica normal”.
Entende-se, assim, que esta norma é inconstitucional, concedendo-se provimento
ao recurso […]»
A propósito da mesma dimensão normativa, ainda que por referência ao n.º 5, do
artigo 7.º, da aludida Lei n.º 30-E/2000 – que, ressalvada a adaptação à nova
nomenclatura introduzida pelo Código das Custas Judiciais de 1996, apresentava a
mesma redacção que o n.º 5, do artigo 7.º, do revogado Decreto-Lei n.º 387-B/87,
na redacção dada pela Lei n.º 46/96 – os acórdãos n.º 399/2004 e 191/2005
(disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt), mantiveram a posição assumida no
referido acórdão n.º 97/99, enquanto o acórdão n.º 560/2004 (publicado em
“Acórdãos do Tribunal Constitucional”, 60.º vol., pág. 391), adoptou a posição
fixada pelo referido acórdão n.º 106/2004.
Esta divergência jurisprudencial deixou de ter razão para existir a partir da
entrada em vigor do novo regime de acesso ao direito e aos tribunais aprovado
pela Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, uma vez que o legislador ordinário
regressou à solução normativa constante da versão originária do Decreto-Lei n.º
387-B/87, isto é, as pessoas colectivas em geral, sem qualquer distinção em
virtude do escopo lucrativo, que demonstrassem estar em situação de
insuficiência económica passaram a ter direito à protecção jurídica na
modalidade de apoio judiciário, incluindo a dispensa de taxa de justiça e demais
encargos com o processo e a nomeação e pagamento de honorários de patrono.
A nova legislação foi severamente criticada nesta parte por alguns autores que
alegadamente não vislumbravam no Direito Comparado de âmbito europeu um regime
de protecção jurídica tão favorável às pessoas colectivas com fins lucrativos
como aquele que fora aprovado pela Lei n.º 34/2004 (vide SALVADOR DA COSTA, em
“Apoio judiciário”, pág. 52-53, da 5.ª ed. da Almedina).
No início de Setembro de 2006, o Conselho de Ministros do XVII Governo
Constitucional aprovou a Resolução n.º 122/2006, dando conta da pretensão de
apresentação de “um vasto conjunto de propostas que contribuam para aprofundar a
eficiência do sistema judiciário e os direitos fundamentais dos cidadãos e das
empresas, em áreas como as (...) do regime do acesso ao direito (...) mediante o
reforço efectivo deste direito fundamental, que se considera estar
excessivamente restringido (...)” ( DR, 1.ª Série, de 25 de Setembro).
No ano seguinte, o Governo e também o Bloco de Esquerda (BE) apresentaram
iniciativas legislativas na Assembleia da República para efeito de alteração do
regime de acesso ao direito e aos tribunais, correspondentes, respectivamente, à
Proposta de Lei n.º 121/X e ao Projecto de Lei n.º 287/X (disponíveis em
www.parlamento.pt).
A iniciativa legislativa governativa pugnava pela eliminação da concessão do
apoio judiciário a pessoas colectivas com fins lucrativos sem que fosse avançada
qualquer explicação a esse respeito na respectiva exposição de motivos.
A iniciativa legislativa do BE pretendia a exclusão das pessoas colectivas da
concessão do apoio judiciário gratuito, sob a argumentação de que não se
justificava a atribuição daquele benefício a entidades que dispõem de uma
estrutura organizada e que o requerem em quantidade pouco expressiva.
A ulterior discussão na generalidade permitiu apenas saber que o Partido
Socialista encarava a referida iniciativa legislativa governativa, na parte
respeitante às pessoas colectivas com fins lucrativos, “numa lógica de
moralização do actual sistema” (DAR, Série I, de 4 de Maio de 2007, p. 68).
Este procedimento legislativo culminaria na aprovação da Lei n.º 47/2007, de 28
de Agosto, a qual se traduziu, inter alia, numa nova redacção dos nos 3 e 4, do
artigo 7.º, da Lei n.º 34/2004, nos termos já acima enunciados, isto é,
traduziu-se na recusa de qualquer protecção jurídica às pessoas colectivas com
fins lucrativos.
4. A inconstitucionalidade material do novo regime de protecção jurídica das
pessoas colectivas com fins lucrativos
Num contexto em que a justiça não é gratuita, a solução legal de negação
absoluta do direito a protecção jurídica às pessoas colectivas com fins
lucrativos em situação de comprovada insuficiência económica consubstancia uma
grave restrição ao direito fundamental de acesso ao direito e aos tribunais na
medida em que permite a efectiva denegação de justiça por insuficiência de
meios económicos sem cobertura em nenhum argumento jurídico-constitucional
relevante.
Quando se agitam os argumentos do escopo social lucrativo e da possibilidade de
previsão e repercussão dos custos dos serviços de justiça no consumidor final de
bens e serviços, para assim negar à partida, por desnecessidade, qualquer
protecção jurídica às pessoas colectivas com fins lucrativos, está-se a
obnubilar e a desvalorizar a situação financeira concreta da empresa que pode
ser de verdadeira insuficiência económica no momento em que requer o benefício
da protecção jurídica.
Acresce que estes argumentos não apresentam nenhuma originalidade relativamente
à situação do empresário em nome individual e, acima de tudo, não explicam a
diferença de tratamento jurídico que lhes foi concedido pela Lei n.º 47/2007.
Mais, o escopo lucrativo das sociedades comerciais revela-se totalmente inócuo
para efeito de negação de qualquer modalidade de protecção jurídica quando os
litígios que aquelas têm de enfrentar são imprevisíveis ou não se relacionam
directamente com a actividade social normalmente desenvolvida (v.g. acções
fundadas em responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito).
O argumento da possibilidade alternativa de enquadramento falimentar das
sociedades comerciais sem meios económicos suficientes para suportar os
encargos de uma lide, incluindo os honorários do patrono, também não assume a
relevância pretendida pelos seus partidários.
Na verdade, todas as pessoas singulares, quer sejam ou não titulares de
empresas, estão sob a incidência do regime da insolvência e não se mostram, por
isso, genericamente excluídas da protecção jurídica prevista na Lei n.º 34/2004
(artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 240.º do Código da Insolvência e da
Recuperação de Empresas).
Por outro lado, no limite, uma sociedade comercial, sobretudo em tempos de crise
económica, pode estar em situação económica difícil, sem apresentar
propriamente um passivo muito relevante ou mesmo sequer algum passivo
conducente à declaração de insolvência, mas, contudo, necessitar da concessão de
apoio judiciário para efectivar e executar os seus créditos sobre os seus
devedores.
A ideia de que a norma jurídica sob apreciação consubstancia uma restrição
constitucionalmente admissível de um direito fundamental, na medida em que não
deixaria de assegurar a preservação da substância do direito fundamental de
acesso ao direito e aos tribunais, não pode ser minimamente sustentada neste
caso porque o legislador ordinário não confere qualquer espécie de protecção
jurídica às pessoas colectivas com fins lucrativos.
Resta o argumento da limitação dos recursos financeiros públicos e da
necessidade de estabelecer prioridades.
É um argumento de natureza eminentemente política – e nem por isso totalmente
despiciendo – com óbvia incidência no direito fundamental prestacional que
obriga o Estado a garantir a acesso de todos ao Direito e aos tribunais
independentemente da sua situação económica.
A resposta do legislador ordinário a estes constrangimentos de ordem financeira
não pode ser, sob pena de inconstitucionalidade por acção, a exclusão absoluta
das pessoas colectivas com fins lucrativos do benefício da protecção jurídica
anteriormente atribuído em qualquer das suas modalidades.
Para prevenir e combater os abusos na concessão da protecção jurídica, o
legislador ordinário deve antes criar condições para que o benefício da
protecção jurídica seja apenas concedido às pessoas colectivas com fins
lucrativos que se encontram em situação de efectiva insuficiência económica
conforme tão-só exige a Constituição – sendo certo que o legislador ordinário
não deixa de gozar de uma margem de liberdade de conformação na definição do
conceito de insuficiência económica adequado à realidade societária em presença
e no estabelecimento dos procedimentos probatórios adequados à respectiva
avaliação.
Aliás, por causa da escassez de recursos financeiros públicos e da necessidade
de existência de rigor na atribuição da protecção jurídica a qualquer
beneficiário, o legislador ordinário já assegurou a criminalização da fraude na
obtenção da protecção jurídica e a possibilidade de cobrança das importâncias
despendidas pelo Estado em caso de aquisição superveniente de meios económicos
suficientes pelo beneficiário da protecção jurídica (art. 13.º da Lei n.º
34/2004).
Nestes termos pode dizer-se que a Lei n.º 47/2007 ao negar radicalmente qualquer
tipo de apoio às pessoas colectivas com fim lucrativa deixou inclusive de ter a
cobertura da argumentação da tese que anteriormente fez vencimento nos acórdãos
acima referidos n.º 97/99, 339/2004 e 191/2005 deste Tribunal.
Aqui chegados, é possível concluir que a norma constante do n.º 3, do artigo
7.º, da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, com a redacção introduzida pela Lei n.º
47/2007, de 28 de Agosto, na parte respeitante às pessoas colectivas com fins
lucrativos, se encontra ferida de inconstitucionalidade material por violação
do disposto na parte final do n.º 1, do artigo, 20.º da Constituição, pelo que o
recurso deve ser julgado procedente.
*
Decisão
Pelo exposto:
a) julga-se inconstitucional, por violação do disposto no artigo 20.º, n.º 1,
parte final, da Constituição, a norma constante do n.º 3, do artigo 7.º, da Lei
n.º 34/2004, de 29 de Julho, com a redacção introduzida pela Lei n.º 47/2007, de
28 de Agosto, no segmento em que nega protecção jurídica às pessoas colectivas
com fins lucrativos;
b) e, consequentemente, concede-se provimento ao recurso, determinando a
reformulação da sentença recorrida em conformidade com o presente juízo de
inconstitucionalidade.
*
Sem custas.
Lisboa, 27 de Maio de 2009
João Cura Mariano
Mário José de Araújo Torres
Joaquim de Sousa Ribeiro (com declaração)
Benjamim Rodrigues (vencido de acordo com
declaração anexa)
Rui Manuel Moura Ramos
DECLARAÇÃO DE VOTO
Votei favoravelmente o acórdão, por concordar com a tese central da sua
fundamentação: a de que o direito a apoio judiciário é um direito compatível com
a natureza das pessoas colectivas com fim lucrativo, pelo que lhes deve ser
extensível.
Mas, como a doutrina e a jurisprudência constitucionais têm sublinhado, esta
aplicabilidade, de princípio, de um direito fundamental a uma pessoa colectiva,
não significa que, neste âmbito, não possa ser tida em conta a particular
natureza do sujeito, para justificar um menor grau ou extensão da tutela.
No caso, comportando o apoio judiciário várias componentes, o que merece censura
constitucional é a denegação de todos elas às sociedades comerciais, a absoluta
postergação do direito à protecção jurídica, de plano, em todas as suas
modalidades e seja qual for o circunstancialismo, atinente, designadamente, ao
objecto do processo.
É nessa medida, e apenas nessa medida, que considero inadmissível
constitucionalmente o regime impugnado.
Joaquim de Sousa Ribeiro
DECLARAÇÃO DE VOTO
1. Votei vencido, por não poder acompanhar a decisão e a
fundamentação em que a mesma se abona.
2. Continuo a entender que a boa solução é aquela que foi seguida
pela jurisprudência constitucional, largamente maioritária, dos Acórdãos n.ºs
98/99, 167/99, 368/99, 428/99 e 90/99, 399/04, 191/05. Em sentido contrário
existem apenas os Acórdãos 106/04 e 560/04.
3. Não vou reescrever o que já foi dito nos Acórdãos a que me
arrimo. Deixarei, por isso, registadas, apenas, algumas notas
distintivas. Em primeiro lugar, há que anotar que, em rectas contas, a tese que
aqui fez vencimento se apoia, essencialmente, numa concepção tributária do
princípio da igualdade no direito fundamental de acesso aos tribunais,
inferindo-o, desde logo do texto do artigo 20.º da Constituição, quando usa o
termo “todos” (cf. os seus n.ºs 1, 2 e 4).
Todavia, pode, desde logo, objectar-se que ao referir-se a “todos” a
Constituição está a referir-se às pessoas, aos cidadãos, pois, como bem diz
Maria Lúcia Amaral (in O Cidadão, O provedor de Justiça e as Entidades
Administrativas Independentes, pp. 65 e segs.),'A imagem de homem que a
Constituição consagra é a do ser concreto, imerso nas necessidades, urgências e
contingências da sua condição existencial, e não a do cidadão (abstracto)
totalmente identificado com os deveres da virtude republicana. É à pessoa
concreta que o estado deve assistência e cuidado [art.º 9.º, d) e h)]; é à
pessoa concreta que se confere o direito à segurança social (art. 63.º), o
direito à habitação art.º 65.º) ou o direito à cultura (art.º 73.º), como ainda
por causa dela que se determina a inviolabilidade da liberdade de consciência
(art.º 41.º)”.
O radical dos direitos fundamentais é o homem com a sua dignidade
humana (cf. José Carlos Vieira de Andrade, Os direitos fundamentais na
Constituição Portuguesa de 1976, 2.ª edição, págs. 96 e segs.).
A inserção, naqueles “todos” constante do artigo 20.º da
Constituição, das pessoas colectivas, apenas, pode ser efectuada a coberto da
norma do artigo 12.º, n.º 2, da mesma Lei Fundamental ou seja, quando reclamada
pela “sua natureza”.
Ora, o direito fundamental de acesso aos tribunais, que o regime de
apoio judiciário intenta efectivar, encontra, no tocante às pessoas ou aos
cidadãos, o seu fundamento axiológico-político no princípio da dignidade da
pessoa humana, assumido como princípio estruturante da República Portuguesa
(artigo 1.º da Constituição).
Nesta expressão, o direito de acesso aos tribunais tem a dimensão de
um direito universal reconhecido no artigo 10.º da Declaração Universal dos
Direitos do Homem e igualmente acolhido no artigo 6.º da Convenção Europeia para
a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, apenas para as
pessoas humanas.
Não sendo pessoas humanas, mas apenas organizações criadas pelo
Direito para prosseguir ou realizar os interesses das pessoas ou da comunidade
(mais ou menos alargada), as pessoas colectivas não comungam do eixo
antropológico reclamante da dignidade da pessoa humana e dos consequentes
postulados jurídicos.
Nestes termos, a convocação de qualquer refracção do princípio da
igualdade para aferir os direitos e deveres das pessoas colectivas por
referência aos das pessoas singulares “sabe” a um mero argumento formal.
Deste modo, a questão devolve-se em saber se o direito de acesso aos
tribunais, na dimensão do direito à concessão de apoio judiciário, é reclamado
pela “natureza” da pessoa colectiva e, no caso, mais especificamente se ele é
exigido pela natureza das pessoas colectivas com fins lucrativos (art.º 12.º,
n.º 2, da Constituição).
É que, na verdade, não poderá equacionar-se a questão nos mesmos
termos para as pessoas colectivas com fins lucrativos e para as pessoas sem fins
lucrativos, pois quanto a estas poderá ver-se aí uma muito próxima conexão com o
princípio da dignidade humanas, pelos fins imediatos que prosseguem de
satisfação das necessidades humanas consideradas essenciais.
Ao invés, as pessoas colectivas com fins lucrativos são configuradas
pela ordem jurídica precisamente para obterem lucros nas actividades económicas
que prosseguem.
Nesta perspectiva, a sua existência só tem sentido e utilidade para
a comunidade quando dão lucro à sociedade e não quando absorvem proveitos
gerados pela comunidade.
Os termos em que são modeladas juridicamente e está sujeita a sua
actividade económica são totalmente diferentes dos que são reclamados pela
dignidade humana das pessoas.
Desde logo, porque, estando todo o regime dessas pessoas colectivas
enformado fiscalmente de modo a que possam exercer a sua actividade com lucro,
não faz qualquer sentido prestar-lhe apoio jurídico ou judiciário, que não seja
segundo uma mera óptica de concessão de apoio à sua actividade económica.
Porém, a problemática do apoio judiciário que é colocada pelo artigo
20.º da Constituição não tem nada a ver com a concessão de incentivos ou
auxílios económicos ou fiscais à actividade económica.
Na mesma linha não pode deixar de notar-se que a definição do que
deve ter-se como proveitos ou como despesas releváveis está sujeita a regras
próprias, completamente diferentes das pessoas singulares.
Basta ver o regime do imposto sobre o rendimento das pessoas
singulares e do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas para concluir
pela abissal diferença em que a questão da carência económica se coloca.
É que relativamente às pessoas singulares a perspectiva tributária
não pode ignorar a satisfação das necessidades próprias da pessoa humana: a
garantia do mínimo para a existência humana, as despesas de saúde, de educação,
etc.
Ao invés, no que concerne à pessoa colectiva com fins lucrativos, o
que releva é permitir-se-lhe a continuidade da sua actividade económica com
lucro, segundo o interesse social e enquanto o mesmo existir, sendo tributada
pelo saldo da diferença entre os proveitos e custos económicos e financeiros.
Atente-se, a título de mero exemplo, nas especificidades de a pessoa
colectiva poder constituir provisões para a cobertura dos riscos do exercício da
sua actividade (cf. artigos 34.º e segs. do CIRC) e de as mesmas serem
dedutíveis ao rendimento, pagando imposto apenas pelo lucro, enquanto as pessoas
singulares o não podem fazer e pagam imposto por um rendimento apurado em termos
absolutamente diferentes.
Benjamim Rodrigues