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Processo n.º 917/08
1.ª Secção
Relator – Conselheiro José Borges Soeiro
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório
1. O Ministério Público interpôs o presente recurso de constitucionalidade, ao
abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea a), da Lei do Tribunal Constitucional, do
despacho de 11 de Abril de 2008, do Tribunal Criminal de Lisboa, no qual foi
decidido o seguinte:
“A) Recusa-se por inconstitucional, a interpretação dada aos artigos 119.º
alínea f) e 391.º-D do Código de Processo Penal e a sua subsequente aplicação,
no sentido de que a inviabilidade da realização do julgamento no prazo de 90
dias a contar da dedução da acusação constitui uma nulidade insanável, porquanto
tal conduz à alteração da forma de processo abreviado para a forma de processo
comum, e assim, de forma mediata, à alteração das regras prévias e expressas que
fixam a competência dos tribunais, neste caso, do Tribunal de Pequena Instância
Criminal e dos Juízos Criminais de Lisboa, em violação dos artigos 22.º, 23.º
100.º 102.º n.º 1 da Lei n.º 3/99 de 13de Janeiro, artigo 119.º alínea e) do
Código de Processo Penal, e artigo 32.º, n.º 9 da Constituição da República
Portuguesa.
B) Em consequência, declara-se este tribunal incompetente para a realização do
julgamento e recusa-se o recebimento destes autos.”
Neste Tribunal, o Ministério Público alegou e concluiu que “[T]endo em conta que
a fundamentação que subjaz ao despacho recorrido se abriga na violação de normas
legais ordinárias, relativas à aplicação da lei no tempo quanto aos requisitos
da forma especial de processo, há que concluir, assim, não se estar perante uma
verdadeira questão de inconstitucionalidade normativa, pelo que não deve
tomar-se conhecimento do recurso.” As alegações assim concluídas assentaram na
seguinte fundamentação:
“1. Como bem resulta dos Autos, o que ressalta sem dúvida alguma, é uma
divergência, entre dois juízes, sobre a interpretação a conferir a uma lei nova
e as consequências que daí podem advir dessas interpretações.
2. Com efeito, enquanto que o Juiz a quo (Tribunal Criminal) entende que a lei
nova não afecta a forma de processo que se iniciou antes da entrada em vigor
desta, já o juiz do TPJC não o entendeu assim, considerando que a ‘nova fórmula’
quanto à possibilidade de uso da forma de processo abreviado se aplicava desde
logo, retroagindo o efeito dessa lei nova.
3. O Juiz do TPIC, no fundo, considera que uma alteração legal superveniente
determina, ipso facto, ‘erro’ na forma de processo! E o Juiz do Tribunal
Criminal entende que não!
4. Assim sendo, o fundamento (essencial) para a decisão tomada pelo Juiz a quo,
e por este invocada expressamente, é o da violação de comandos legais relativos
quer à competência dos Tribunais (v.g. artigos 22°, 23°, 100° e 102°, n° 1 da
Lei 3/99 de 13/1) quer à ‘qualificação’ de eventuais ‘irregularidades’ ou
‘ilegalidades’ (v.g. artigo 119°, al. e) do CPP).
5. Decorre ainda que o que é logicamente anterior, no pressuposto interpretativo
que subjaz a ambos os Tribunais, é tão-somente (mas crucial), a perspectiva
legal sobre a aplicação da lei no tempo quanto às novas normas relativas ao
Processo Abreviado.
6. Ora, e se assim é, não estamos perante uma verdadeira questão de
‘inconstitucionalidade normativa’ mas sim de dirimição ordinária entre duas
decisões judiciais (como se aponta, aliás, no ponto n° 7, em 1), quanto a um
verdadeiro conflito negativo de competências. (Registe-se, aliás, que caso
tivesse transitado em julgado o despacho a quo, e seria esse o mecanismo que
deveria usar-se para uma tal dirimição).
7. Este Tribunal tem vindo a solidificar uma jurisprudência no sentido de que,
nesses casos, não estamos perante uma ‘questão de constitucionalidade
normativa’. Com efeito, e para além de outros (vide Acórdãos n° 489/04, n°
710/04 e n° 128/05, todos deste Tribunal Constitucional) (…).”
O Recorrente A. não contra-alegou.
2. Os elementos processuais relevantes para a apreciação da questão sub judicio
são os seguintes:
a) Em 6 de Julho de 2007, o Ministério Público acusou o arguido, nos Juízos de
pequena Instância Criminal de Lisboa, em processo abreviado, pela prática de um
crime de condução em estado de embriaguez.
b) Em 4 de Janeiro de 2008, o Tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa,
invocando as alterações do Código de Processo Penal decorrentes da Lei n.º
48/2007, de 29 de Agosto, em especial o disposto no artigo 391.º-D desse Código,
decidiu (fls. 52 e segs.) que “a audiência de julgamento não pôde ter o seu
início no prazo de 90 (noventa) dias contados sobre a dedução da acusação, pelo
que não poderá o processo ser tramitado na forma especial abreviada,
determinando que se julgue nulo o processado, salvaguardando os seus termos até
à acusação, nos termos do disposto nos artigos 391.º-D e 119.º, alínea f) do
Código de Processo Penal.”
c) Na sequência desta decisão, o Ministério Público deduziu nova acusação em
processo comum e os autos foram remetidos ao Tribunal Criminal da Comarca de
Lisboa.
d) Distribuído o processo ao 6.º Juízo Criminal, foi proferida a decisão
recorrida, com a seguinte fundamentação (despacho de 11 de Abril de 2008, fls.
69 e segs.):
“Questão Prévia: da inconstitucionalidade da interpretação dada à norma contida
no actual art. 391°-D do Código de Processo Penal, no sentido de que a
inviabilidade da realização do julgamento no prazo de 90 dias constitui uma
nulidade insanável.
(…)
Cumpre apreciar e decidir.
Deixamos desde já consignado que não se pode concordar com a posição assumida no
aliás douto despacho do Mm° Juiz Titular do Tribunal de Pequena Instância de
Lisboa, que declarou existir uma nulidade insanável por emprego de forma de
processo especial fora dos casos previstos na lei (art. 119°, al. f) do Código
de Processo Penal).
Com efeito, a acusação deduzida nestes autos, respeitou na íntegra o disposto no
art. 391°-A e 391°-B, do Código de Processo Penal, que, salvo melhor opinião,
fixam de forma definitiva, quando o uso do processo abreviado deve ter lugar.
Note-se, antes do mais, que na recente alteração legislativa em causa, não foi
alterado o disposto no art. 119°, al. f) do Código de Processo Penal, que prevê
a existência de nulidade insanável, em caso de emprego de forma de processo
especial fora dos casos expressamente previstos na lei.
Por outro lado, é um facto que a actual lei, devido às alterações introduzidas
pela Lei 48/2007, introduziu um preceito novo, o art. 391°-D do Código de
Processo Penal, e é certo que tal dispositivo legal dispõe que, ‘A audiência de
julgamento em processo abreviado tem início no prazo de 90 dias a contar da
dedução da acusação. ‘
Contudo, o desrespeito do prazo previsto em tal normativo inovador, apenas pode
consubstanciar uma irregularidade sujeita ao regime do art. 123° do Código de
Processo Penal, conforme, aliás, se expressa o Venerando Conselheiro Maia
Gonçalves no Código de Processo Penal anotado, na última edição.
Com efeito, escreve aquele mui douto autor, ‘O início da audiência para além de
90 dias a contar da dedução da acusação constitui irregularidade, sujeita ao
regime do art. 123°.’ (Maia Gonçalves, Código de Processo Penal anotado,
Coimbra: Almedina, 2007, p. 824),
Quanto a nós tal conclusão resulta à evidência, desde logo, com vista a
salvaguardar as regras da competência que são, diríamos nós sagradas em termos
jurídico-criminais, e por isso merecedoras da mais alta tutela, ou seja,
Constitucional, pelo preceituado no art. 32°, n°9 da Constituição da República
Portuguesa, onde se dispõe: ‘Nenhuma causa pode ser subtraída ao tribunal cuja
competência esteja fixada em lei anterior.’
Desta norma Constitucional emana o princípio do juiz natural ou do juiz legal,
que é uma garantia do processo criminal.
Neste âmbito, não pode ser assim descurado o facto de que na Comarca de Lisboa,
a competência para o julgamento dos processos abreviados está expressamente
atribuída ao Tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa (art. 102°, n°1 da
LOFTJ).
Com efeito, dispõe tal normativo, ‘1 - Compete aos juízos de pequena instância
criminal preparar e julgar as causas a que corresponda a forma de processo
sumário, abreviado e sumaríssimo.’
Tal regra de competência, numa interpretação de acordo com a Constituição não
pode ser, de forma alguma violada.
Recorde-se que a norma constitucional em referência (art. 32°, n°9 da CRP), tem
outros reflexos na legislação ordinária.
Neste âmbito, destacam-se os arts. 22° e 23° da LOFTJ (Lei 3/99 de 13/0 1), onde
se prevê:
(…)
A consequência mediata da declaração de nulidade insanável do processado, por
emprego de processo especial fora dos casos expressamente previstos na lei, é a
alteração do tribunal competente para proceder ao julgamento da causa, porquanto
passando o processo a seguir a forma comum, na comarca de Lisboa (e todas as
outras comarcas onde se encontram instalados tribunais de pequena instância
criminal), o tribunal competente para o julgamento passa a ser um Juízo Criminal
(art. 100.º da LOFTJ).
Assim sendo, seguindo um entendimento onde a declaração de nulidade do
processado anterior conduz a uma alteração da forma do processo e, em
consequência, a uma alteração de competência do tribunal, neste caso, para o
julgamento do processo abreviado, fixada expressamente no já aludido art. 102°,
n°1 da Lei 3/99 de 13/01, afigura-se que tal despacho provoca um desaforamento
que não está especialmente previsto na lei, em violação expressa do art. 23° da
LOTFJ e do próprio princípio do juiz natural ou legal, constitucionalmente
consagrado no art. 32°, n°9 da CRP.
O princípio do juiz natural ou legal, conforme nos recordam J.J. Gomes Canotilho
e Vital Moreira, in CRP anotada, Vol. 1., 4 edição revista, Coimbra Editora:
2007, p. 525, comporta várias dimensões fundamentais, a saber:
‘... (a) exigência de determinabilidade, o que implica que o juiz (ou juízes)
chamado(s) a proferir decisões num caso concreto estejam previamente
individualizados através de leis gerais, de uma forma o mais possível
inequívoca; (b) princípio da fixação de competência, o que obriga à observância
das competências decisórias legalmente atribuídas ao juiz e à aplicação dos
preceitos que de forma mediata ou imediata são decisivos para a determinação do
juiz da causa; (c) observância das determinações de procedimento referentes à
divisão funcional interna (distribuição de processos), o que aponta para a
fixação de um plano de distribuição de processos…’
Resulta pois da exposta doutrina, que a lei que fixa a competência deve estar
individualizada através de uma lei geral, de uma forma o mais possível
inequívoca, devendo tais regras ser respeitadas quer de forma mediata quer de
forma imediata, com tutela mesmo ao nível do plano de distribuição dos
processos.
Ora, a interpretação que o despacho em causa realiza do disposto nos arts.
391°-D e 119.º al. f) do Código de Processo Penal, põe em causa, conforme
resulta da presente exposição, de forma mediata mas evidente, as regras da
competência expressamente consagradas no art. 102°, n°1 da LOFTJ.
Sufragando a interpretação do despacho em causa, a forma do processo e, de forma
mediata, a competência para o julgamento dos processos, fica, além do mais,
dependente das contingências particulares da vida humana, pois será a agenda do
juiz, o tempo na distribuição e conclusão do processo pela Secção de processos,
eventuais atrasos dos CTT, baixas por doença dos titulares do respectivo
tribunal, licenças de maternidade ou paternidade, que determinarão ou não a
possibilidade da realização do julgamento no prazo de 90 dias a contar da
dedução da acusação, conforme actualmente previsto no art. 391°-D do Código de
Processo Penal, e assim o emprego da forma especial do processo e a competência
do Tribunal de Pequena Instância Criminal para o julgamento.
Ora, deste modo a competência do tribunal fica sujeito a uma evidente
indeterminabilidade e a regra da competência pré-fixada na lei a uma notória
subjectividade, em clara violação do art. 32°, n.º 9 da CRP.
Neste âmbito, recorde-se o que os doutos constitucionalistas citados referem a
este respeito, ‘A escolha do tribunal competente deve resultar de critérios
objectivos predeterminados e não de critérios subjectivos.’ (ibidem). A Lei é
geral e abstracta, e tais pressupostos, em matéria de competência fazem-se
sentir no mais elevado dos planos jurídicos, o Constitucional.
Devido à importância da generalidade e abstracção na fixação das regras da
competência, donde emana o já invocado princípio do juiz natural ou legal, o
Código de Processo Penal não podia deixar de enquadrar violações a tais regras
nos mais intensos vícios processuais, ou seja, nos que consubstanciam nulidades
insanáveis, em concreto previsto no art. 119° al. e) do Código de Processo
Penal.
Nem se diga, contra a interpretação que aqui se expõe, que a alteração da forma
do processo e, em consequência, da competência dos tribunais, vem reforçar os
direitos dos arguidos inicialmente submetidos ao julgamento em processo
abreviado, porquanto, actualmente, devido às alterações introduzidas pela Lei
48/2007 de 29/08, esta forma de processo deixou de prever o debate instrutório,
anteriormente previsto para esta forma do processo no art. 391°-C, n°2 do Código
de Processo Penal, sendo certo que com a passagem à forma do processo comum, o
arguido volta a ter direito à Instrução.
Tal argumento, desde logo enferma de um vício de lógica, porquanto, no caso
concreto, tendo sido o arguido notificado do despacho de acusação, deduzido sob
a forma abreviada, foi-o ao abrigo da lei antiga, ou seja, quando tinha o
direito de requerer debate instrutório, não tendo o arguido usado de tal
faculdade.
Entendemos pois, que o despacho em causa, além de violar as normas da LOFTJ e a
norma da CRP já cima citados, viola ainda o princípio da aplicação da lei
processual no tempo, que dispõe que a lei processual penal não deve ser aplicada
aos processos iniciados anteriormente à sua vigência, quando da sua
aplicabilidade imediata possa resultar quebra da harmonia e unidade dos vários
actos do processo, sendo certo que ao abrigo da anterior lei não resultava
qualquer agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do
arguido, nomeadamente a limitação dos seus direitos de defesa (art. 5°, n°2 al.
a) e b) do Código de Processo Penal).
Em suma, o despacho proferido pelo Mm° Juiz, salvo melhor entendimento, mais não
faz do que pronunciar-se através da declaração da nulidade do emprego do
processo abreviado, de forma mediata e inconstitucional, sobre as regras da
competência dos tribunais comuns, anteriormente fixadas pelo legislador,
violando diversas normas da legislação ordinária que mais não visam do que dar
corpo ao princípio constitucional do juiz legal, consagrado no art. 32°, n°9 da
Constituição.
Neste contexto, a interpretação dada à norma contida no actual art. 391°-D do
Código de Processo Penal, no sentido de que a inviabilidade da realização do
julgamento no prazo de 90 dias constitui uma nulidade insanável, que conduz, por
sua vez, à alteração da competência dos tribunais, neste caso, do Tribunal de
Pequena Instância Criminal e dos Juízos Criminais de Lisboa, é, salvo melhor
entendimento, inconstitucional, por violar o disposto no art. 32°, n°9 da
Constituição.
Assim sendo, aceitar a aplicação das normas contidas nos arts. 119° al. f) e
391°-D do Código de Processo Penal, na interpretação que lhes foi dada no
despacho em causa, e aceitando assim, em consequência, a competência para o
julgamento dos presentes autos, constitui, quanto a nós, uma
inconstitucionalidade, que nos é vedada pelo mais elevado dever do juiz de
respeito à Constituição da República Portuguesa.
Terá de ser pelo estabelecido nos arts. 391°-A e 391-B, que se considera fixada
a possibilidade do uso do processo especial abreviado e, em consequência, terá
de ser pela verificação dos pressupostos aí previstos que se considera fixada a
competência do Tribunal de Pequena Instância Criminal e Juízos Criminais de
Lisboa, em respeito pelas normas de competência previstas nos arts. 100°, 102°,
n°1, 22° e 23° da LOFTJ.
Recorde-se, para terminar, que aqueles dispositivos do Código de Processo Penal
dispõem:
(…)
A forma do processo e, consequentemente, a competência do Tribunal de Pequena
Instância Criminal e Juízos Criminais de Lisboa fixa-se pois de acordo com estes
dispositivos e não de acordo com o preceituado no art. 391°-D do mesmo diploma.
Pelo exposto e decidindo:
A) Recusa-se por inconstitucional, a interpretação dada aos arts. 119° al. f) e
391°-D do Código de Processo Penal e a sua subsequente aplicação, no sentido de
que a inviabilidade da realização do julgamento no prazo de 90 dias a contar da
dedução da acusação constitui uma nulidade insanável, porquanto tal conduz à
alteração da forma de processo abreviado para a forma de processo comum, e
assim, de forma mediata, à alteração das regras prévias e expressas que fixam a
competência dos tribunais, neste caso, do Tribunal de Pequena Instância Criminal
e dos Juízos Criminais de Lisboa, em violação dos arts. 22°, 23°, 100°, 102°,
n°1 da Lei 3/99 de 13/01, art. 119°, al. e) do Código de Processo Penal, e art.
32°, n°9 da Constituição da República Portuguesa.
B) Em consequência, declara-se este tribunal incompetente para a realização do
julgamento e recusa-se o recebimento destes autos.”
e) Desta decisão foi interposto o presente recurso (requerimento de 30 de Abril
de 2008), por a mesma “julgar inconstitucional a aplicação da norma constante do
artigo 391.º-D em conjugação com disposto no artigo119.º – f) do Código de
Processo Penal (na interpretação dada no despacho de fls. 57 a 63)” [despacho do
Tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa].
f) Foi interposto (e motivado) recurso do mesmo despacho para o Tribunal da
Relação, tendo o Ministério Público, em simultâneo, declarado desistir do
recurso interposto para o Tribunal Constitucional
g) Por despacho de 16 de Junho de 2008, foi decidido: (a) admitir o recurso para
o Tribunal Constitucional; (b) não aceitar a desistência desse recurso de
constitucionalidade, por se tratar de recurso obrigatório; (c) não admitir o
recurso ordinário interposto, considerando o disposto no artigo 75.º da LTC, sem
prejuízo de eventual recurso a interposição após a descida dos autos do Tribunal
Constitucional.
h) O Ministério Público reclamou deste despacho para o Presidente do Tribunal da
Relação de Lisboa;
i) A reclamação foi indeferida por despacho de 13 de Outubro de 2008, tendo-se
considerado que “uma vez que a instância de recurso para o Tribunal
Constitucional se mantém pendente e válida, é extemporâneo o recurso interposto
para esta Relação.”
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
3. Ora, foi proferido recentemente o Acórdão n.º 153/2009 (disponível em
www.tribunalconstitucional.pt) sobre situação em tudo idêntica à que se oferece
nos presentes autos. Entendeu-se, então, que existia um impedimento processual
que obstaria ao conhecimento do objecto do processo relativo à pluralidade de
fundamentos em que assentou a decisão recorrida. Como se refere naquele aresto,
“No plano da interpretação do direito ordinário, o despacho recorrido faz uma
opção clara e um[a] sustentada defesa do entendimento de que a inobservância do
prazo de 90 dias a que se refere o artigo 391.º-D constitui uma mera
irregularidade que não impede o prosseguimento do caso na forma de processo
abreviado. E, igualmente de modo claro e sustentado, repudia a aplicabilidade da
lei nova nas circunstâncias do caso. O despacho expressa o entendimento de que o
despacho do primitivo juiz do processo, que está na origem da sua remessa aos
juízos criminais, errou na aplicação imediata da lei processual nova, na
interpretação das normas de orgânica judiciária perante alterações do direito
posteriores à fixação da competência e na interpretação das novas normas
processuais relativas ao uso da forma de processo abreviado. Na lógica do
despacho recorrido, qualquer destes fundamentos, cuja análise o tribunal a quo
entende compreender-se no âmbito da determinação da própria competência, é
susceptível de alicerçar a declinação dessa competência.
Posto isto, constatada a existência de fundamentos alternativos da decisão, isto
é, de pluralidade de fundamentos, um ou vários dos quais estranhos ao objecto do
recurso de constitucionalidade e por si só suficientes para assegurar o sentido
da decisão recorrida ainda que esta viesse a ser revogada na parte respeitante à
questão da inconstitucionalidade, não deve conhecer-se do objecto do recurso. O
eventual provimento do recurso de constitucionalidade eliminaria um dos
fundamentos da decisão, mas não seria de molde a repercutir-se no sentido desta,
que sempre subsistiria com base na interpretação do direito ordinário que a
decisão professa.”
Pelo que é de manter a tese que fez vencimento no aludido aresto, sendo a mesma
de transpor, nos seus precisos termos, para os presentes autos.
III – Decisão
4. Nestes termos, acordam, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional, em não
tomar conhecimento do objecto do recurso.
Sem custas.
Lisboa, 12 de Maio de 2009
José Borges Soeiro
Maria João Antunes
Gil Galvão
Carlos Pamplona de Oliveira – voto a
decisão com fundamento na circunstância de o recurso não ter sido validamente
interposto uma vez que o M.º P.º recorrente desistiu do mesmo. Ultrapassado este
obstáculo, voto o fundamento do presente aresto.
Rui Manuel Moura Ramos. Vencido. Tomei
conhecimento do recurso pelas razões constantes dos acórdãos n.ºs 162/29009 e
163/2009, da 2.ª Secção, que subscrevi.