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Processo n.º 800/08
2ª Secção
Relator: Conselheiro João Cura Mariano
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
A. veio interpor recurso para o Tribunal Constitucional do acórdão proferido
pelo Tribunal da Relação de Guimarães, através de requerimento por ele
subscrito.
Foi proferido despacho em 9-12-2008, determinando a notificação do recorrente
para, no prazo de 10 dias, constituir advogado sob pena de, não o fazendo, ser
julgado extinto o recurso interposto.
Em cumprimento deste despacho foi enviada em 15-12-2008 carta registada com
aviso de recepção para a morada indicada pelo recorrente – um apartado em Viana
do Castelo – notificando-o do teor daquele despacho.
Essa carta foi devolvida ao Tribunal em 30-12-2008 com a menção de que não tinha
sido reclamado o seu levantamento, apesar do aviso deixado em 16-12-2008.
Por despacho proferido em 6-1-2009 considerou-se o recorrente notificado, nos
termos dos artigos 255º, n.º 1, e 254º, n.º 1 e 3, do C.P.C., e julgou-se
extinto o recurso, nos termos do artigo 33.º, do C.P.C..
Notificado deste despacho por carta expedida em 12-1-2009, o recorrente
apresentou um requerimento em 27-1-09, com o seguinte conteúdo:
“1. No Despacho sub judicio é referida uma carta expedida para a morada do
signatário em 15-12-2008, com mandado para este «constituir advogado», a qual
«veio devolvida, com menção de “não reclamada”». Efectivamente,
2. o signatário encontra-se doente (devendo ser sujeito a uma intervenção
cirúrgica dentro de menos de 48 horas), com dificuldades para desenvolver um
trabalho intelectual exigente, já desde antes do dia 12 de Dezembro – conforme
se alcançará do anexo Doc. A –, e – conforme se alcançará do anexo Doc. B –,
continuando embora nesse estado, teve em 5 deste mês autorização para sair de
casa Assim,
3. porque não tem pessoal ao seu serviço, não lhe foi possível receber a aludida
carta registada,
4. consequentemente requerendo lhe seja reconhecido o seu justo impedimento no
caso, com todos os devidos e legais efeitos: designadamente,
5. sendo-lhe reendereçada aquela carta, com cópia do «oficio que antecede da
Ordem dos Advogados» aludido, a fim de, como será seu direito, se pronunciar
sobre o teor do mesmo.”
Juntou certificados (CIT) emitidos pelo Centro de Saúde de Viana do Castelo de
incapacidade para a sua actividade profissional, devido a doença natural, desde
8-11-2008 até 7-12-2008, e de 7-1-2009 até 5-2-2009, sendo ambos certificados de
prorrogação da verificação da situação de incapacidade.
Consta do primeiro destes certificados que o doente só se encontrava autorizado
a ausentar-se do domicílio para tratamento, enquanto do segundo consta a menção
que foi autorizado a sair de casa das 11h às 15h. e das 16h. às 21h.
Este requerimento do recorrente foi indeferido por despacho do Relator proferido
em 3-3-2009, com os seguintes fundamentos:
“Pretende o recorrente que lhe seja reconhecida a existência de justo
impedimento na recepção da carta que lhe foi expedida em 15-12-2008.
Dispõe o artigo 254.º, do C.P.C., nos seus números 2, 3 e 4, aplicável às partes
que não tenham mandatário constituído por força do disposto no artigo 255º, do
C.P.C.:
“... 2 – A notificação pessoal presume-se feita só no terceiro dia posterior ao
do registo, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja.
3 – A notificação não deixa de produzir efeito pelo facto de o expediente ser
devolvido, desde que a remessa tenha sido feita para o escritório do mandatário
ou para o domicílio por ele escolhido
4 – As presunções estabelecidas nos números anteriores só podem ser ilididas
pelos notificados provando que a notificação não foi efectuada ou ocorreu em
data anterior à presumida, por razões que lhe não sejam imputáveis”.
A pretensão do recorrente ver neutralizado o efeito da devolução da carta de
notificação previsto no transcrito n.º 3, não tem acolhimento legal na figura
processual do justo impedimento prevista no artigo 146º, mas sim no disposto no
nº 4 acima transcrito.
Daqui resulta que cabia ao recorrente demonstrar que não recebeu a carta que lhe
foi dirigida para notificação por razões que lhe não sejam imputáveis, para
neutralizar os efeitos da devolução daquela carta previstos no nº 3, do artigo
224.º, do C.P.C..
O facto do recorrente se encontrar doente no seu domicílio e receber a
correspondência num apartado não satisfaz aquele ónus probatório, uma vez que
não estando demonstrada a incapacidade do recorrente solicitar a outrem a
verificação da existência de correspondência no apartado, o incumprimento deste
dever de diligência pelo recorrente não permite dizer que não lhe seja imputável
a não recepção da carta de notificação.
Além disso, o recorrente não fez sequer prova que entre o dia 16-12-2008 (data
em foi colocado no apartado aviso da existência da carta) e o dia 30-12-2008
(data da devolução da carta) se encontrasse doente no seu domicílio, uma vez que
os certificados juntos apenas atestam que o recorrente esteve doente nos
períodos entre 8-11-2008 até 7-12-2008, e de 7-1-2009 até 5-2-2009.
Por isso deve ser indeferida a pretensão do recorrente.”
O recorrente reclamou para a conferência, invocando os seguintes argumentos:
“1) De facto, o signatário não curou de demonstrar que lhe não seria em absoluto
possível pedir a outrem para verificar a existência de correspondência,
designadamente correspondência registada, no seu apartado postal,
2) pois, além de, porventura, irreal, tal impossibilidade seria sobretudo
irrelevante: o interessado poderia eventualmente pedir a alguém que verificasse
in loco a existência de correio registado a si dirigido, mas, não se tratando de
pessoa autorizada perante os serviços dos Correios, o enviado apenas poderia
apurar a existência, se fosse o caso, de tal correspondência (fosse quem fosse o
remetente, nunca pré-identificado),
3) mas não poderia, de modo algum, recebê-la! Portanto, só para ficar a saber
que tinha correio registado no seu apartado, sem poder tomar posição em relação
ao mesmo, nenhum interesse haveria em pedir a alguém para deslocar-se à estação
em causa. Ora,
4) o signatário declarou, consabidamente, que «não tem pessoal ao seu serviço»,
o que não pode deixar de ser entendido, se bem se julga, no sentido de que
ninguém senão a sua pessoa detém autorização para recolher a correspondência
registada remetida para o seu apartado dos Correios,
5) pelo que – 1ª conclusão – o Recorrente nenhum dever de diligência infringiu.
6) Já quanto à alegada dúvida sobre se a sua pessoa se encontrava «doente no seu
domicílio» na segunda quinzena de Dezembro último, é também questão de todo
insubsistente: com efeito,
7) o segundo certificado de incapacidade apresentado regista nitidamente a
indicação de tratar-se de uma «prorrogação», a qual, tendo, tal como a registada
no primeiro desses certificados, a duração de 30 dias, só poderá consistir,
regulamentarmente, na prorrogação do período de incapacidade intercalar, com a
mesma duração de 30 dias, ocorrente entre 8-12-2008 e 6-1-2009. E,
8) para terminar, sempre se dirá que, estando formalmente atestada incapacidade
para o trabalho, mesmo que no espaço de tempo controvertido – entre 16 e 30 de
Dezembro – o aqui Recorrente tivesse autorização para sair de casa, tal seria
(até pelo horário concedido) para fins de alimentação e cuidados médicos, não
para trabalhar, inclusive, portanto, para tratar – pessoalmente, como atestou –
da sua correspondência oficial.”
*
Fundamentação
O recorrente, através da invocação da figura do justo impedimento, pretende ver
neutralizado o efeito conferido à devolução da carta de notificação que lhe foi
enviada para constituir mandatário, no prazo de 10 dias, sob pena do recurso por
ele interposto para o Tribunal Constitucional ficar sem efeito.
Esse efeito, que se encontra previsto no n.º 3 do artigo 254.º do C.P.C., pode
ser neutralizado através da demonstração pelo notificando que a notificação não
foi efectuada, por razões que lhe não sejam imputáveis, atento o disposto no n.º
4, do mesmo artigo.
Daqui resulta que cabia ao recorrente demonstrar que não recebeu a carta que lhe
foi dirigida para notificação por razões que lhe não sejam imputáveis.
O recorrente alegou que a carta de notificação foi enviada para um apartado (a
morada por si indicada no processo), mas que não recebeu esta carta porque se
encontrava doente em casa, não tendo pessoal ao seu serviço.
Para prova destes factos limitou-se a juntar dois certificados emitidos pelo
Centro de Saúde de Viana do Castelo de prorrogação da verificação da situação de
incapacidade para a sua actividade profissional, devido a doença natural, desde
8-11-2008 até 7-12-2008, e de 7-1-2009 até 5-2-2009, constando do primeiro
destes certificados que o doente só se encontrava autorizado a ausentar-se do
domicílio para tratamento, enquanto do segundo consta a menção que foi
autorizado a sair de casa das 11h às 15h. e das 16h. às 21h.
Em primeiro lugar, tal como se explicou na decisão reclamada, a factualidade
alegada, independentemente da sua prova, não era suficiente para se concluir que
o recorrente não recebeu a carta de notificação por motivo que não lhe seja
imputável.
Sendo a morada do recorrente um apartado, segundo as regras dos C.T.T., o
correio que lhe é enviado não é entregue na sua casa, mas sim colocado no
receptáculo do apartado sito numa Estação de Correios. O correio registado, como
sucede com a carta de notificação em causa, não é colocado nesse receptáculo,
sendo aí deixado apenas um aviso da existência de correio registado, a fim do
seu destinatário o levantar no balcão da Estação de Correios. O acesso àquele
receptáculo pode ser feito por qualquer portador da chave do apartado, mas o
correio registado só pode ser levantado pelo seu titular, pelas pessoas
autorizadas na requisição do apartado e ainda pelos portadores de credencial
emitida por aquele titular.
Apesar do recorrente ter alegado que não tinha pessoal ao seu serviço, isso não
o impedia de solicitar a qualquer pessoa das suas relações que, com alguma
regularidade, verificasse a existência de correio no apartado e, na hipótese de
aí se encontrar um aviso da existência de correio registado, emitir uma
credencial que habilitasse essa pessoa a proceder ao levantamento dessa
correspondência.
Não tendo alegado qualquer facto impeditivo da adopção destes cuidados não se
pode dizer que da mencionada alegação resulte a demonstração que a não recepção
da carta de notificação não lhe é imputável.
Mas além disso, dos meios de prova documentais juntos pelo recorrente não
resulta que no período em que o recorrente poderia ter levantado a carta de
notificação na Estação de Correios, este se encontrasse impedido de o fazer
pessoalmente, por se encontrar retido em casa, por doença.
Na verdade esse período situa-se entre 16-12-2008 e 30-12-2008 e os certificados
juntos apenas atestam que o recorrente esteve doente para o exercício da sua
profissão entre 8-11-2008 e 7-12-2008, e entre 7-1-2009 até 5-2-2009.
Alega o recorrente que sendo o segundo destes certificados de prorrogação de
outro anteriormente emitido, pode concluir-se que também se encontrava doente no
referido período situado entre 16-12-2008 e 30-12-2008.
Contudo, como o recorrente não juntou qualquer certificado referente ao período
entre 7-12-2008 e 7-1-2009, não é possível constatar se o mesmo abrangia o
referido período situado entre 16-12-2008 e 30-12-2008 e se era dada autorização
para o recorrente sair de casa, tal como consta do certificado relativo ao
período de doença iniciado em 7-1-2009.
Por isso, mesmo que se considerasse que a alegação do recorrente era suficiente
para neutralizar o efeito estabelecido no n.º 3 do artigo 254.º do C.P.C.,
sempre se teria que concluir que os meios de prova oferecidos pelo recorrente
não demonstravam a situação fáctica invocada.
Por estas razões, deve ser indeferida a reclamação apresentada.
*
Decisão
Pelo exposto, indefere-se a reclamação apresentada por A., do despacho proferido
nestes autos em 3-3-2009.
*
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 7 unidades de conta,
ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º
303/98, de 7 de Outubro (artigo 7.º do mesmo diploma).
Lisboa, 30 de Abril de 2009
João Cura Mariano
Mário José de Araújo Torres
Rui Manuel Moura Ramos