Imprimir acórdão
Processo n.º 856/07
1ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira
ACORDAM NA 1ª SECÇÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
1. Por sentença de 15 de Junho de 2007, o Tribunal Administrativo e
Fiscal de Lisboa decidiu conceder ao impugnante A. apoio judiciário na
modalidade por ele requerida de dispensa total do pagamento de taxa de justiça e
demais encargos com o processo, desaplicando, no caso concreto, “as normas
constantes do Anexo que integra a Lei n.º 34/2004, em conjugação com os artigos
6.º a 10.º da Portaria n.º 1085-A/2004 por inconstitucionalidade (violação dos
artigos 1.º, 59.º n.º 2, alínea a) e 63.º n.º 1 e 3 e 20.º n.º 1 da Constituição
da República Portuguesa)”.
2. Desta sentença recorreu o Ministério Público, ao abrigo da alínea a) do nº 1
do artigos 70º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal
Constitucional (Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro – LTC), invocando que nela se
haviam julgado “inconstitucionais as normas contidas no Anexo que integra a lei
34/2004, de 29 de Julho, em conjugação com os artigos 6º e 10º da Portaria
1085-A/2004, por violação dos artigos 1º, 59º nº 2, al. a) e 63º nºs 1 e 3 e 20º
da Constituição”.
Admitido o recurso, o recorrente alegou e concluiu:
'[...] Nestes termos e pelo exposto, conclui-se:
1º – As normas constantes do anexo à Lei nº 34/04, conjugado com os artigos 6º a
10º da Portaria 1085-A/2004, enquanto impõem que o rendimento relevante para
efeitos de concessão do beneficio de apoio judiciário seja determinado a partir
do rendimento do agregado familiar (incluindo quem convive com o requerente de
protecção jurídica em união de facto), independentemente de este fruir tal
rendimento ou de existir uma obrigação do titular do rendimento em custear as
despesas dos pleitos em que o requerente está envolvido, viola o direito de
acesso à justiça e aos tribunais.
2º – Termos em que deverá, nesta medida, confirmar-se o juízo de
inconstitucionalidade formulado pela decisão recorrida.[…]'
O recorrido não apresentou alegação.
3. O relator ouviu o recorrente sobre questão impeditiva do conhecimento do
recurso, à qual o Ministério Público respondeu requerendo o julgamento do
respectivo objecto.
Cumpre começar por essa questão, que assume carácter prévio.
Constitui pressuposto do presente recurso – interposto ao abrigo da alínea a) do
artigo 70.º da LTC – a recusa, pelo tribunal recorrido, de aplicação de norma
jurídica com fundamento na sua inconstitucionalidade. O recurso começou por ser
interposto apenas com menção dos preceitos legais que contêm as normas
desaplicadas, as constantes do Anexo que integra a Lei n.º 34/2004, em
conjugação com os artigos 6.º a 10.º da Portaria n.º 1085-A/2004. Na sua
alegação, o recorrente precisou o sentido normativo sindicado, requerendo a
apreciação das “normas constantes do anexo à Lei nº 34/04, conjugado com os
artigos 6º a 10º da Portaria 1085-A/2004, enquanto impõem que o rendimento
relevante para efeitos de concessão do beneficio de apoio judiciário seja
determinado a partir do rendimento do agregado familiar (incluindo quem convive
com o requerente de protecção jurídica em união de facto), independentemente de
este fruir tal rendimento ou de existir uma obrigação do titular do rendimento
em custear as despesas dos pleitos em que o requerente está envolvido”. No
entender do Ministério Público, a recusa de aplicação da norma não teria
assentado unicamente na circunstância de o rendimento global auferido ser l67,86
por três pessoas, mas também no facto de um dos beneficiários de tal rendimento
ser uma pessoa que vive em economia comum com o requerente e na verificação de
que o rendimento relevante para efeito de apuramento do beneficio de apoio
judiciário é feito “também a partir dos rendimentos de pessoas que vivam em
economia comum com o requerente de protecção jurídica”.
E, na verdade, está implícito na decisão recorrida o juízo de desconformidade
constitucional da norma que resulta do Anexo à Lei nº 34/04 de 29 de Julho,
conjugado com os artigos 6º a 10º da Portaria nº 1085-A/04 de 31 de Agosto, na
parte em que impõe que sejam considerados – para efeitos do cálculo do
rendimento relevante do requerente de benefício do apoio judiciário –
rendimentos de pessoas que vivam em economia comum com o requerente da protecção
jurídica.
4. Assim delineado o objecto do presente recurso, apura-se que a questão em
juízo é idêntica àquela que foi apreciada no Acórdão n.º 654/06 (publicado no
DR, II série, de 19 de Janeiro de 2007) que julgou inconstitucional por violação
do nº 1 do artigo 20º da Constituição da República Portuguesa, o Anexo à Lei nº
34/2004, de 29 de Julho, conjugado com os artigos 6º a 10º da Portaria nº
1085-A/04, de 31 de Agosto, na parte em que impõe que o rendimento relevante
para efeitos de concessão do benefício do apoio judiciário seja necessariamente
determinado a partir do rendimento do agregado familiar, independentemente de o
requerente de protecção jurídica fruir tal rendimento.
Não havendo razão para o Tribunal se afastar deste entendimento, cumprirá aderir
aos fundamentos desse julgamento.
Tal como então se concluiu, 'a aplicação conjugada deste Anexo e destes artigos
não garante o acesso ao direito e aos tribunais, consentindo a possibilidade de
ser denegado este acesso por insuficiência de meios económicos, na medida em que
o rendimento relevante para efeitos de concessão de apoio judiciário é
determinado a partir do rendimento do agregado familiar, independentemente de o
requerente fruir o rendimento do terceiro que integra a economia comum. Devendo
destacar-se que facilmente se poderá verificar a hipótese de o requerente de
protecção jurídica não fruir, de facto, o rendimento do terceiro que integra a
economia comum. Para além de poder haver interesses conflituantes entre os
membros da economia comum, designadamente quanto ao objecto do processo, e de o
requerente de protecção jurídica poder querer exercer o direito de reserva sobre
a defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, o terceiro em
causa pode não estar juridicamente obrigado a contribuir para as despesas do
requerente de apoio judiciário.'
Em suma, as normas em causa violam o disposto no artigo 20º n.º 1 da
Constituição.
5. Pelo exposto, decide-se:
a) Julgar inconstitucional, por violação do nº 1 do artigo 20º da Constituição,
o Anexo à Lei nº 34/2004 de 29 de Julho, conjugado com os artigos 6º a 10º da
Portaria nº 1085-A/04 de 31 de Agosto, na parte em que impõe que o rendimento
relevante para efeitos de concessão do benefício do apoio judiciário seja
necessariamente determinado a partir do rendimento do agregado familiar,
independentemente de o requerente de protecção jurídica fruir tal rendimento;
b) Negar provimento ao recurso, confirmando o juízo de inconstitucionalidade
formulado na decisão recorrida.
Sem custas.
Lisboa, 24 de Junho de 2009
Carlos Pamplona de Oliveira
Gil Galvão
José Borges Soeiro
Maria João Antunes
Rui Manuel Moura Ramos