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Processo n.º 92/09
3ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. O relator proferiu a seguinte decisão, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A da
Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro:
“1. A. deduziu acusação particular contra B. (advogado), imputando-lhe a prática
de diversos crimes de difamação, previstos e punidos pelo artigo 180.º, com a
agravação prevista no artigo 183.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal,
alegadamente cometidos em peças processuais.
Foi proferida decisão de não pronúncia pelo Tribunal Judicial da Comarca de
Loures.
O assistente interpôs recurso dessa decisão, tendo afirmado na conclusão 8.ª o
seguinte:
“8ª A interpretação conferida na decisão instrutória recorrida às normas dos
artºs. 180.º, n.ºs 1, 2 e 4, e 183.º n.º 1, em ambas as alíneas, e do artº 308º,
n.º 1, do Código de Processo Penal, violam os imperativos dos artº 20º, nº 1, 4
e 5, 26º, nº 1, 32º, nºs 1 e 7, 202º, nº 2 e 203º da Constituição da República
Portuguesa, o que expressamente aqui se deixa arguido para todos os efeitos
legais, considerando-se correcta a interpretação que subjaz nas presentes
conclusões, enquanto corolário de toda a motivação que antecede e se considera
fazer parte integrante desta conclusão, para estes específicos efeitos, e da
invocada e transcrita doutrina e jurisprudência sobre a matéria, para além do
mais.”
Por acórdão de 18 de Dezembro de 2008, o Tribunal da Relação de Lisboa negou
provimento ao recurso.
2. O assistente interpôs recurso desta decisão, ao abrigo da alínea b) do n.º 1
do artigo 70.º da LTC, mediante requerimento do seguinte teor:
“Vem o presente recurso apresentado para apreciação da inconstitucionalidade
interpretativa das normas contidas nos artigos 180º, nºs 1, 2 e 4, e 183.º n.º
1, este em ambas as alíneas, e, correlativamente, no artigo 308.º, n.º 1, todos
do Código de Processo Penal, na interpretação que ambas as instâncias recorridas
delas fazem nos seus arestos - a Relação por simples e absoluta adesão à decisão
de lª instância - e que, resumidamente, se encerra em que a um arguido, mesmo se
advogado, é lícito imputar ao seu acusador penal atributos de, em súmula, pessoa
sem ocupação, ou pelo menos sem trabalho ou emprego conhecido, com
personalidade, no mínimo, complexa, excêntrica e/ou desviada, que se revela
exímio em procurar e desencadear problemas, criando situações que lhe permitam
dar largas à sua intrínseca e conhecida natureza conflituosa, com sentimentos e
atitudes de revolta, de desespero, de retaliação, de vingança e que faz dos
processos quase um modus vivendi, numa quase obsessão desmedida, usando de
mentira, ousadia e contradição, se contém no direito de “(..)reafirmar,
articular, alegar, convencer.”, sem intenção de injuriar e por isso, tais
imputações e juízos não comportam virtualidades indiciárias suficientes da
prática do crime de difamação, logo incapazes de conduzir à legal pronúncia para
submissão a julgamento.
Esta interpretação das sobreditas normas legais, assim sumariada, viola
capitalmente os princípios imperativos plasmados nos artigos 20.º, n.º 1, 4 e 5,
26.º, n.º 1, 32.º, n.ºs 1 e 7, 202.º, n.º 2 e 203.º da Constituição da República
Portuguesa.
Tendo a questão de inconstitucionalidade interpretativa sido expressa,
cautelarmente, na conclusão 8ª do recurso apresentado ao julgamento do Tribunal
a quo onde se deixou aduzido que a solução jurídica tida por correcta será, na
óptica do Recorrente, a sucintamente explanada nas conclusões 1ª a 7ª desse
mesmo recurso, razões que se deixam aqui reiteradas e tidas por reproduzidas
para estes efeitos mas que se resumem a que a todas as expressões e juízos de
valor formulados pelo arguido, mesmo se advogando em causa própria, são
excessivas para a utilidade da defesa criminal pretendida e são, objectiva e
subjectivamente, ofensivas da honra, bom nome, reputação e consideração de um
qualquer abstracto cidadão, maxime o aqui Recorrente, constituindo matéria
bastante para consubstanciar crimes de difamação, agravada pelo meio de produção
e conhecimento da sua falsidade, sustentados que estão em prova material
inequívoca de escrito autêntico com força indiciária suficiente para a submissão
a julgamento com muito provável possibilidade de condenação, donde a
imperatividade da pronúncia.”
3. Não estando este Tribunal vinculado pelo despacho que o admitiu (n.º 3 do
artigo 76.º da LTC), entende-se que o recurso não deve prosseguir pelas
seguintes razões:
A) Não suscitação da questão de constitucionalidade de modo processualmente
adequado
O recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC tem como
pressuposto que o recorrente tenha suscitado a questão de constitucionalidade
que quer ver apreciada pelo Tribunal Constitucional, de modo processualmente
adequado, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este
obrigado a dela conhecer (artigo 70.º, n.º 1, alínea b) e artigo 72.º, n.º 2, da
LTC).
Ora, não é modo processualmente adequado de colocar o tribunal da causa perante
uma questão de constitucionalidade normativa a mera afirmação de que a
interpretação conferida pela decisão que então se impugnava a um conjunto de
normas – umas que respeitam à pretendida qualificação penal dos factos e outra
que versa sobre a apreciação dos indícios para efeito de pronúncia ou não
pronúncia – viola imperativos constitucionais. É sempre necessário um mínimo de
argumentação que autonomize a questão de constitucionalidade das questões de
interpretação e aplicação do direito ordinário de que também se discorda. Só
assim, exposta com um mínimo de substanciação a pretensão de recusa de um
determinado sentido por violação da Constituição, fica o tribunal da causa
constituído no dever de conhecer dessa questão, desse modo abrindo a via do
recurso.
É certo que o recorrente concluiu que a interpretação adoptada na decisão de não
pronúncia viola um conjunto de preceitos constitucionais e afirmou que deixava
arguida a inconstitucionalidade “para todos os efeitos legais”. Isso denota um
propósito de prosseguir com a questão, mas não constitui o tribunal no dever de
pronúncia que abre a via de recurso para o Tribunal Constitucional, porque não
são inteligíveis as razões pelas quais uma interpretação do direito ordinário
diversa daquela que o assistente sustentava infringia tantos e tão diversos
parâmetros constitucionais como os constantes dos artigos 20.º, n.ºs 1, 4 e 5,
26.º, n.º1, 32.º, n.ºs 1 e 7, 202.º, n.º2 e 203.º da Constituição e os tribunais
não tem o dever de se ocupar de questionamentos imotivados da validade do
direito infraconstitucional.
B) O recurso não tem objecto idóneo
No sistema português de fiscalização de constitucionalidade, a competência
atribuída ao Tribunal Constitucional cinge‑se ao controlo da
inconstitucionalidade normativa, ou seja, à apreciação das questões de
desconformidade com regras ou princípios constitucionais imputada a normas
jurídicas ou a interpretações normativas de que a decisão recorrida, como ratio
decidendi, tenha feito aplicação ou a que tenha recusada aplicação com
fundamento em inconstitucionalidade.
Não lhe cabe apreciar eventuais violações da Constituição imputadas directamente
a decisões judiciais, em si mesmas consideradas, ou que nisso, afinal, se
resolvam. A distinção entre os casos em que a inconstitucionalidade é imputada a
uma interpretação normativa e aqueles em que não pode deixar de considerar-se
que o que está em causa, ainda que por desconformidade à Constituição, é a
decisão judicial em si mesmo, radica em que na primeira hipótese é discernível
na decisão recorrida a adopção de um critério normativo (ao qual depois se
subsume o caso concreto em apreço), com carácter de generalidade, e, por isso,
susceptível de aplicação a outras situações, enquanto na segunda hipótese está
em causa a aplicação dos critérios normativos tidos por relevantes às
particularidades do caso concreto.
Ora, saber se imputações e juízos efectuados no processo, pelo arguido, de que o
assistente “é pessoa sem ocupação, ou pelo menos sem trabalho ou emprego
conhecido, com personalidade, no mínimo, complexa, excêntrica e/ou desviada, que
se revela exímio em procurar e desencadear problemas, criando situações que lhe
permitam dar largas à sua intrínseca e conhecida natureza conflituosa, com
sentimentos e atitudes de revolta, de desespero, de retaliação, de vingança e
que faz dos processos quase um modus vivendi, numa quase obsessão desmedida,
usando de mentira, ousadia e contradição” se contém no direito de reafirmar,
articular, alegar e convencer, sem intenção de injuriar e, por isso, não tem
virtualidade suficiente para a submissão a julgamento pela prática do crime de
difamação, é matéria de aplicação da lei infra-constitucional.
C)O recurso é manifestamente infundado
Embora o que antecede conduza ao não conhecimento do recurso e prejudique o
mais, sempre se dirá que o recurso seria julgado manifestamente infundado se
houvesse de conhecer-se dele.
Com efeito, suposto que o objecto de censura fosse uma norma, a pretensão do
recorrente é a de que tal norma enfermaria de um deficit de tutela criminal da
honra.
Ora, como o Tribunal tem afirmado, o legislador não é necessariamente obrigado a
criminalizar uma conduta, sempre que se entender haver um bem jurídico digno de
tutela jurídica. No cumprimento dos deveres de protecção de bens jurídicos que a
Constituição estabelece ao consagrar um direito fundamental, o legislador tem
sempre alguma margem de livre apreciação no que respeita à escolha dos meios
mais adequados para garantir esse bem, respeitando os outros valores e
interesses constitucionalmente protegidos à luz do princípio matricial da
dignidade da pessoa humana.
Como explica Figueiredo Dias «não existem imposições jurídico constitucionais
implícitas de criminalização», admitindo-se apenas que o critério do legislador
possa «em casos gritantes ser jurídico-constitucionalmente sindicado»” (Direito
Penal: Parte Geral, Tomo I, 2ª edição, Coimbra, 2007, pág 129; neste sentido,
também, Sousa e Brito, A lei penal na Constituição, in «Estudos sobre a
Constituição», 2º vol., 1978, Lisboa, pág. 218).
A este propósito, o Tribunal tem sublinhado que «[…] o direito penal, enquanto
direito de protecção, cumpre uma função de ultima ratio. Só se justifica, por
isso, que intervenha para proteger bens jurídicos – e se não for possível o
recurso a outras medidas de política social, igualmente eficazes, mas menos
violentas do que as sanções criminais» (acórdão n.º 108/99). E, assim, como se
ponderou também no acórdão 99/02, «[…] as medidas penais só são
constitucionalmente admissíveis quando sejam necessárias, adequadas e
proporcionadas à protecção de determinado direito ou interesse
constitucionalmente protegido, e só serão constitucionalmente exigíveis quando
se trate de proteger um direito ou bem constitucional de primeira importância e
essa protecção não possa ser suficiente e adequadamente garantida de outro
modo».
Não pode perder-se de vista, por outro lado, como também se afirmou nesse
aresto, que «o juízo de constitucionalidade se não pode confundir com um juízo
sobre o mérito da lei, pelo que não cabe ao Tribunal Constitucional
substituir-se ao legislador na determinação das opções políticas sobre a
necessidade ou a conveniência na criminalização de certos comportamentos».
Em suma, aceitando-se que, «também em matéria de criminalização, o legislador
não beneficia de uma margem de liberdade irrestrita e absoluta, devendo
manter-se dentro das balizas que lhe são traçadas pela Constituição», o certo é
que, «no controlo do respeito pelo legislador dessa ampla margem de liberdade de
conformação, com fundamento em violação do princípio da proporcionalidade, o
Tribunal Constitucional só deve proceder à censura das opções legislativas
manifestamente arbitrárias ou excessivas» (assim, o citado acórdão n.º 99/02, na
linha de uma firme orientação jurisprudencial).”
Nesta linha de entendimento, é manifesto que a suposta norma cuja
constitucionalidade o recorrente quer ver fiscalizada jamais poderá violar
qualquer das disposições constitucionais referidas no requerimento de
interposição de recurso.
4. Decisão
Pelo exposto, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, decide-se não conhecer
do objecto do recurso e condenar o recorrente nas custas, fixando a taxa de
justiça em 7 (sete) UCS, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário.”
2. O recorrente reclama para a conferência, ao abrigo do n.º 4 do citado artigo
78.º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, nos seguintes termos:
“O primeiro dos fundamentos invocados na decisão sumária prende-se com a
necessidade de um mínimo de argumentação que autonomize da inconstitucionalidade
das questões de interpretação e aplicação do direito ordinário de que também se
discorda.
Ora, data venia, afigura-se ao Recorrente que cumpriu todos os requisitos
argumentativos que, sucintamente, determinam a autonomia das questões geradoras
de graves violações dos imperativos constitucionais invocados ao fazer constar
no seu requerimento recursivo uma súmula das razões da não submissão
constitucional das decisões recorridas as quais explanou nas conclusões 1ª a 7ª
do recurso apresentado ao juízo da Relação de Lisboa, como ora se transcreve
para facilidade de apreciação:
“(...)a todas as expressões e juízos de valor formulados pelo arguido, mesmo se
advogando em causa própria, são excessivas para a utilidade da defesa criminal
pretendida e são, objectiva e subjectivamente, ofensivas da honra, bom nome,
reputação e consideração de um qualquer abstracto cidadão, maxime o aqui
Recorrente, constituindo matéria bastante para consubstanciar crimes de
difamação, agravada pelo meio de produção e conhecimento da sua falsidade,
sustentados que estão em prova material inequívoca de escrito autêntico com
força indiciária suficiente para a submissão a julgamento com muito provável
possibilidade de condenação, donde a imperatividade da pronúncia.”
Na verdade o melhor detalhe que ora se exige no texto da decisão sumária
reclamada está vertido nessas conclusões que foram avocadas expressamente na
parte que antecedia o resumo acima transcrito, conforme agora se verificará:
1.ª Todas as expressões utilizadas pelo arguido Dr. B. no requerimento de
abertura de instrução que, na qualidade de arguido, e só nela que outra se não
pode arvorar, fez constar e subscreveu livre, voluntária e conscientemente, são
lesivas do bom nome, honra e consideração do recorrente, mesmo que considerado
um condenado criminalmente, porquanto atentam contra os naturais direitos da
dignidade humana.
2.ª Por cada uma delas e, em especial, no seu conjunto, concertação e
concomitância, desrespeitam amplamente valores fundamentais, mesmo que até só na
forma de simples suspeita, ou seja todos os direitos de personalidade do
recorrente enquanto cidadão, mesmo que condenado, e a dignidade humana
consagrada legal, constitucional e nas convenções internacionais ratificadas
pelo Estado Português.
3.ª Pois que não é razoável, tampouco admissível, que se possa apodar de
conflituoso, carácter complexo e excêntrico, vingativo, retaliador, todo o ser
que de nós discorda, tem atitude diferente, ainda mesmo que condenado em por
julgamento penal.
4.ª Não faz parte do texto, tampouco do espírito da douta sentença que condenou
o ora recorrente, a publicitação da sentença, nem o direito ao achincalhamento
pessoal, a propósito ou despropositado, têm esses direitos pessoais de dignidade
acolhimento nas leis portuguesas ou na Declaração dos Direitos Humanos.
5ª As expressões desmedidas e desbragadas do arguido B., insultando e formulando
juízos de valor sobre atitudes passadas, presentes e, até, futuras sobre o
recorrente, são, também na forma de simples suspeita, consubstanciadoras de
ofender a sua honra, bom nome e consideração, segundo os critérios legais e a
lógica jurídica inerente às motivações que antecedem e que, com este particular
efeito, se dão aqui por integralmente reproduzidas, fazendo parte integrante da
presente conclusão.
6ª Subtraindo-se da douta decisão instrutória um notório e grosseiro erro na
apreciação da matéria factual indiciária e sua configuração ao direito
aplicável, numa visão amplamente bonómica e excepcionalmente permissiva que, em
nada, se conforma à lei, à Constituição da República e ao direito internacional
regulador dos direitos de personalidade e da dignidade humana de qualquer
humana, qualquer que seja a sua condição jurídica.
7.ª Pois que, em qualquer parte do mundo, a linguagem e juízos formulados pelo
arguido são ofensivos da honra de qualquer ser humano e, nem sequer, a sua
qualidade de advogado, que não era a condição em que agia in casu, lograriam
justificar ou ratificar um eventual direito à liberdade de expressão que pudesse
colidir frontalmente com os supra invocados direitos do recorrente e são
clarividentemente excessivos e ilicitamente ofensivos, constituindo indícios
bastante senão mesmo à condenação severa, à simples submissão a julgamento onde,
sem prejuízo dos intrínsecos direitos de defesa, responda criminalmente.
De forma clarividente se retira daqui a motivação que é exigida para a
apreciação do recurso de inconstitucionalidade interpretativa das normas legais
como se alcança da conclusão 8a quais as normas que o Recorrente considera
violadas em reporte à bonómica tese dos tribunais recorridos:
8.ª A interpretação conferida na decisão instrutória recorrida às normas dos
artºs 180.º, n.ºs. 1, 2 e 4, e 183.º n.º 1, em ambas as alíneas, e do art.º
308.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, violam os imperativos dos art.º 20.º,
n.º 1, 4 e 5, 26.º, n.º 1, 32.º, n.ºs 1 e 7, 202.º, n.º 2 e 203.º da
Constituição da República Portuguesa, o que expressamente aqui se deixa arguido
para todos os efeitos legais, considerando-se correcta a interpretação que
subjaz nas presentes conclusões, enquanto corolário de toda a motivação que
antecede e se considera fazendo parte integrante desta conclusão, para estes
específicos efeitos, e da invocada e transcrita doutrina e jurisprudência sobre
a matéria, para além da mais.
Salvo melhor e mais douta opinião, colocou o Recorrente todo o seu cuidado em
distinguir com algum rigor aquilo que fazia a distinção entre o poder
discricionário dos tribunais ordinários na aplicação de uma determinada
concepção dos direitos de personalidade e a violação dos imperativos
constitucionais emanente nessa concepção, ainda que também explicitando quais as
concretas expressões linguísticas que considerava ofensivas, concretização
indispensável ao entendimento perfeito da abrangência da norma e errada
interpretação dos imperativos constitucionais.
E tanto basta nesta fase preliminar do recurso, ficando para sede de alegações o
estudo atento das particularidades da vexata quaestio.
E, na realidade, esta explicitação do âmbito do recurso constitucional coloca
sem razão, ressalvado o maior respeito, a segunda das razões em que se ancora a
decisão sumária submetida à conferência deste soberano Tribunal.
Pois que patente fica que o ponto da discórdia jurídica assenta na concepção
normativa que funda as decisões recorridas – a do tribunal superior por mera
adesão à anterior – quanto à adequação destas aos peremptórios preceitos
constitucionais, qual seja afinal que determinados apodos depreciativos usados
por um qualquer arguido, mesmo se também advogado em causa própria, para
invectivar o seu acusador são passíveis ou não de violar o direito ao bom nome e
reputação desse cidadão, e se compete ou não aos tribunais tutelar, em igualdade
de direitos de cidadania, a defesa intransigente desses direitos de
personalidade tão intrínsecos da dignidade humana.
E, convenhamos, os epítetos em causa são objectiva e subjectivamente ofensivos
da honra e reputação de qualquer cidadão, como se exemplifica, rememorando:
“(...)daquilo que sucede quando pessoas, sem ocupação, ou pelo menos sem
trabalho ou emprego conhecido, como o Assistente A., com personalidades, no
mínimo, complexas, resolvem tornar desgastante a vida de um cidadão
normal(...)”;
“(...)um exercício levado a cabo por uma pessoa que – como o Assistente – se
revela exímio em procurar e desencadear problemas, criando situações que lhe
permitam dar largas à sua intrínseca e conhecida natureza conflituosa(...)”;
“(…)só uma personalidade excêntrica e/ou desviada, no sentido de
retaliação/vingança, poderá explicar as condutas do Assistente A. que tem vindo
a mover uma perseguição pessoal e completamente desprovida de sentido ao
Arguido/Requerente e seus constituintes(...)”;
“(...)a exemplo do Pº Nº 2318/00.3 TALRS de denúncia caluniosa “já
arquivado”(...)”;
“(...)emergente do Processo mãe Nº 891/00.5TALRS da 2ª Vara Mista, em que o
Assistente A., então Arguido, foi condenado, pelo crime de Burla Qualificada,
por sentença já transitada a 16/06/2004(...)”;
“(...)faltam apenas 15 (quinze) dias para que termine o prazo de 1 (um) ano
concedido ao ora Assistente e ali Arguido A., para pagar(...)”;
“Daí a revolta, a retaliação, a vingança do SR. A.(...)”;
“(...)quando faltam 15 (quinze) dias para o ora Assistente A. pagar (pagará...?)
aos lesados(...)”;
“Daí, como se deixou expresso, seu desespero, e vontade de vingança no
arguido/requerente, ali advogado de Acusação(...)”;
“(...)a avaliar por comportamentos e impulsos similares do, ora, Assistente A.,
que faz dos processos quase um modus vivendi, numa quase obsessão
desmedida(...)”;
“(...)não convenceu o Tribunal e muito menos o Assistente(. . .)que pasmaram em
ouvir tanta mentira, ousadia e contradição(...)”.
Não se trata, pois, de uma mera sindicância concreta de errada concepção no uso
do poder discricionáro ordinário mas de uma verdadeira interpretação incorrecta
do que são os direitos de personalidade tutelados pelos princípios da dignidade
humana, da Constituição da República Portuguesa e das Convenções Internacionais
sobre Direitos Humanos ratificadas pelo Estado Português e a elas sujeito.
E esta concepção conduz à terceira das questões em que se ancora a decisão pois
que, na realidade, manifesta-se à saciedade um manifesto abuso de linguagem com
o objectivo patente – que outro não se antolha – de denegrir e ofender o
contra-parte processual, logo carecido de exemplar censura que as decisões
recorridas não efectuaram, numa excessiva e bonómica permissividade, caindo na
alçada do acórdão referido na decisão sumária, o n.º 99/02, a cujos princípios
se adere totalmente.
É assim que se torna pacífico ao Recorrente que a ordem de grandeza das afrontas
sofridas e permitidas pelas instâncias judiciais vêm perfeita e adequadamente
expressas no seu requerimento apresentado ante este Tribunal Constitucional e
carecem de apreciação atenta, na defesa dos mais sãos princípios do direito e na
realização da melhor.”
3. O Ministério público responde que a reclamação é manifestamente infundada, em
nada sendo abalados os seus fundamentos pela argumentação do recorrente.
O recorrido pugna pela confirmação da decisão sumária, argumentando no sentido
do acerto de qualquer dos seus fundamentos.
4. A argumentação do reclamante é improcedente, não podendo conhecer-se do
objecto do recurso, quer por não se considerar a questão de constitucionalidade
suscitada de modo processualmente adequado, quer por não consistir numa questão
de constitucionalidade normativa, pelas razões da decisão reclamada que se
reiteram.
Como a questão vem colocada, não é possível autonomizar o que respeita à questão
do errado juízo de subsunção da concreta conduta imputada ao arguido aos
preceitos do Código Penal que prevêem e punem os crimes contra a honra do que
respeita à desconformidade dessas mesmas normas com os preceitos constitucionais
invocados. Com efeito, saber se determinadas afirmações, nas concretas
circunstâncias em que foram produzidas, são ofensivas da honra ou consideração
da pessoa a propósito de quem foram ditas, é questão que só casuisticamente pode
ser analisada.
Confirmam-se, assim, as razões determinantes do não conhecimento do objecto do
recurso vertidas nas alíneas A) e B) do n.º 3, da “decisão sumária” que é
objecto de reclamação, nada tendo o reclamante aduzido que justifique nova
ponderação.
5. Decisão
Pelo exposto decide-se indeferir a reclamação e condenar o recorrente nas
custas, fixando a taxa de justiça em 20 (vinte) UCs.
Lisboa, 5/05/2009
Vítor Gomes
Ana Maria Guerra Martins
Gil Galvão