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Processo n.º 862/08
1.ª Secção
Relator: Conselheiro José Borges Soeiro
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. A., Lda., inconformada com a decisão sumária de não conhecimento do recurso
de constitucionalidade que havia tentado interpor, proferida em 23 de Dezembro
de 2008, vem dela reclamar, em extenso requerimento, que se passa a parcialmente
transcrever:
“ (…)
d) Diz que o requerimento de interposição do recurso de fls 104-106 versa apenas
o Acórdão de 16.9.2008, quando, na verdade, tal requerimento versa sobre os
acórdãos de 22.11.2007 e 16.9.2008;
e) Diz que o acórdão de 22.11.2007 — com o esclarecimento prestado no despacho
de 9.2.2009, apesar de o respectivo requerimento não haver sido julgado
procedente ‘encontrava-se já transitado’; dada a evidência do lapso foi
requerida a sua rectificação; sobre ela não houve pronúncia; pelo que, já foi
pedido o suprimento da respectiva omissão; mas, à cautela, impõe-se aqui arguir
que o dito acórdão de 22.11.2007 não transitou em julgado em virtude de haver
sido impugnado pelo requerimento de 10.12.2007 – cujo teor o Relatório reproduz
— que interrompeu o prazo para dele recorrer;
(…)
j) Diz, relativamente ao artigo 720° do CPC: ‘a suscitação surge de forma
extemporânea na medida em que competia à Recorrente antever a interpretação que
veio a ser efectuada pelo Supremo Tribunal de Justiça (e cuja
inconstitucionalidade invoca) e arguí-la em termos de ser possível àquele
Tribunal apreciar a mesma e tomar posição durante o processo’; ora, a aplicação
da norma do artigo 720° do CPC, no contexto processual em que o foi, é
absolutamente imprevisível e surpreendente, sendo, mesmo, um absurdo jurídico:
em conformidade com o requerido nas alegações de recurso para o STJ e com os
requerimentos de 17.5.2007 e 19.6.2007, o STJ nunca chegou a ter jurisdição
sobre o objecto do recurso: o não esgotamento da jurisdição da Relação por
incumprimento do disposto nos artigos 716° e 752°, n° 3, do CPC, impede o
exercício da jurisdição daquele; os reiterados pedidos de baixa do processo à
Relação para que fosse cumprida a Constituição e a lei, são incompatíveis com
quaisquer previsões de aplicação do artigo 720° do CPC; mas, confrontado com o
absurdo de tal aplicação, a Recorrente suscitou a questão de
inconstitucionalidade da respectiva norma muito a tempo de o STJ dela conhecer
no acórdão de 16.9.2008 — o que nele não se mostra feito; de acordo com
jurisprudência consagrada do Tribunal Constitucional a não pronúncia do tribunal
recorrido sobre questão de inconstitucionalidade normativa suscitada, tem de
entender-se como aplicação da mesma;
k) Diz, relativamente à norma do artigo 259.º do CPC: ‘outro fundamento de não
conhecimento assente no facto de o Supremo ter considerado que a invocada
ilegibilidade do despacho seria processualmente inócua, nos precisos termos que
veremos de seguida para fundamentar o não conhecimento do recurso relativamente
ao artigo 744°, n° 5 do Código de Processo Civil’; ora, só o conhecimento, por
parte da Recorrente, do teor de tal despacho, é que permite verificar se a sua
legibilidade seria ou não processualmente inócua; assim, dá-se aqui por
reproduzido o que segue sobre o artigo 744.º, n° 5, do CPC;
(…)
m) Diz, quanto à norma do artigo 744°, n° 5, do CPC: ‘prevalece a
impossibilidade de conhecimento na medida em que, atento o facto de o Supremo
ter considerado que o agravo interposto para aquele Tribunal era inadmissível,
qualquer pronúncia relativamente a tal preceito seria inútil, i.e.,
insusceptível de qualquer reflexo útil nos autos. Com efeito, sempre subsistiria
a decisão do Supremo de não conhecimento do agravo por inadmissibilidade e
qualquer juízo de (in)constitucionalidade sobre a interpretação do artigo 744°,
n° 5, do Código de Processo Civil seria insusceptível de alterar o destino dos
autos’; o despacho de 9.2.2009, diz, também: ‘qualquer pronúncia deste Tribunal
sobre o artigo 744°, n° 5, do CPC, esbarraria no facto de que o STJ julgou o
agravo como não admissível’; diz, ainda, o despacho de 9.2.2009: ‘O fundamento
adicional de não conhecimento resulta apenas de que o recurso de
constitucionalidade relativamente a tal norma carece de utilidade’; a verdade,
porém, é que, declarada a inconstitucionalidade arguida, todo o processado no
STJ após aplicação da norma do artigo 744°, n° 5, do CPC, como sendo uma
faculdade do Relator, tem de ser havido como nulo por falta de jurisdição do
Supremo sobre o objecto do recurso; cumprida a norma do artigo 744°. n° 5, do
CPC, na sua conformidade constitucional, a Relação terá de cumprir o disposto
nos artigos 716° e 752°, n° 3, do CPC; e, pode/deve a Relação pronunciar-se
sobre a arguida nulidade dos seus dois acórdãos de 9.1.2007, supri-la e
reformá-los de forma a prevenir a responsabilização dos seus autores por
denegação de justiça nos termos previstos no artigo 369°, n° 2, do Código Penal;
a declaração de inconstitucionalidade do artigo 744°, n° 5, do CPC, provocará,
pois, profundíssimas alterações na situação dos autos — como é evidente e
dispensa, salvo melhor entendimento, mais desenvolvida demonstração.”
Foi proferido despacho pelo Relator convidando a Reclamante a pronunciar-se,
querendo, sobre a possibilidade de o Tribunal vir a confirmar a decisão de não
conhecimento do recurso, “(…) com fundamento em não aplicação dos preceitos
legais referidos, como ‘ratio decidendi’, e ainda, em ausência de suscitação das
atinentes dimensões normativas.” A Reclamante pronunciou-se no sentido de não se
verificar ausência dos referidos pressupostos.
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
2. A Reclamante deduz os seguintes pedidos: arguição de nulidade do despacho
proferido em 9 de Fevereiro de 2009; reforma, quanto a custas, do referido
despacho; impugnação da decisão sumária de não conhecimento proferida em 23 de
Dezembro de 2008. Adiante-se desde já que todos os pedidos formulados padecem de
óbvia carência de fundamento. Vejamos:
2.1. Quanto à arguição de nulidade do despacho de 9 de Fevereiro de 2009:
O Tribunal entende que a decisão em referência conheceu do pedido de aclaração,
indeferindo-o, pelo que não houve qualquer omissão de pronúncia. Além disso, a
Reclamante invoca uma alegada contradição de fundamentos a qual, no entanto,
como facilmente se percebe, não se verifica, na medida em que a omissão da
referência ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Junho de 2007 em
nada releva para efeitos de alteração da decisão reclamada uma vez que esta teve
em conta, efectivamente, tal aresto.
2.2. Quanto à reforma, relativamente às custas, do despacho de 9 de Fevereiro de
2009:
Pretende a Reclamante que o despacho referido seja reformado no que concerne às
custas e substituído por outro que estabeleça a não aplicação de qualquer
montante a tal título. Não lhe assiste razão. O montante das custas foi fixado
de acordo com o disposto no artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 303/98, tendo as
mesmas sido fixadas pelo mínimo. Como a Reclamante ficou vencida quanto ao
requerido, tendo improcedido o pedido por si formulado, impõe-se-lhe o pagamento
das custas devidas pelo incidente. Entende ainda a Reclamante que o artigo 7.º
do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de Outubro, infringe o artigo 18.º, n.º 2, da
Constituição. No entanto escusa-se a indicar qual o direito fundamental que terá
sido violado pela aplicação ou interpretação de tal norma atenta a alegada
desproporcionalidade. Trata-se, assim, de questão que, tal como vem arguida, não
pode ser cabalmente apreciada sob pena de o Tribunal Constitucional se
substituir à Reclamante no que se relaciona com o princípio do pedido e a
delimitação do objecto da pronúncia: não podem estes ser corrigidos ou
completados ex officio.
2.3. Quanto à impugnação da decisão sumária proferida em 23 de Dezembro de 2008:
2.3.1. Refira-se desde já que todas as referências que a Reclamante faz quanto a
alegadas incorrecções e omissões do relatório da decisão não são de considerar
nesta sede. Do que se trata agora é de indagar da correcção e acerto da decisão
que rejeitou o conhecimento do recurso.
2.3.2. No essencial a Reclamante contesta e invoca: a ausência de
despacho-convite proferido nos termos do artigo 75.º-A, n.º 5, da Lei do
Tribunal Constitucional; o facto de a decisão ter considerado que o recurso de
constitucionalidade tinha por objecto o acórdão do STJ de 16 de Setembro de 2008
e já não o acórdão de 22 de Novembro de 2007; as normas dos artigos 259.º e
720.º do Código de Processo Civil foram, em seu entender, efectivamente
aplicadas por tal acórdão; quanto ao artigo 720.º do CPC, defende que houve
suscitação da respectiva inconstitucionalidade normativa durante o processo (no
ponto 8 do requerimento de 10 de Dezembro de 2007) e que, para além disso, a
aplicação da mesma surge de modo imprevisível; quanto ao artigo 259.º do CPC, no
que se refere ao fundamento adicional de não conhecimento assente na
inutilidade, sustenta que a mesma não se verifica; o mesmo é igualmente
sustentado quanto ao artigo 744.º, n.º 5 do CPC.
2.3.3. O despacho-convite previsto no artigo 75.º-A, n.º 5 da Lei do Tribunal
Constitucional surge como uma obrigação para o juiz sempre – e apenas na medida
em que – a ausência de indicação de algum dos elementos previstos nos n.ºs 1, 2
e 3, seja suprível de modo a viabilizar o conhecimento do recurso de
constitucionalidade. Tal não sucedia, no entanto, no caso em apreço e portanto
tal despacho-convite, a ter existido, seria um mero acto inútil.
2.3.4. Relativamente às decisões recorridas que integram o objecto do recurso de
constitucionalidade, e mesmo que se entendesse que o acórdão do STJ de 22 de
Novembro de 2007, ainda não havia transitado em julgado, sempre subsistiriam,
como se realçou na decisão sumária, factores impeditivos do conhecimento do
mérito daquele. Assim, no que se refere ao artigo 720.º, do Código de Processo
Civil, constata-se que, durante o processo, não se verificou relativamente a
este preceito qualquer suscitação de constitucionalidade normativa. A própria
Reclamante reconhece que apenas suscitou a referida inconstitucionalidade no
requerimento de 10 de Dezembro de 2007. Já no que se refere ao artigo 259.º, do
referido Código, a suscitação da respectiva constitucionalidade surge de forma
extemporânea na medida em que competia à Recorrente antever a interpretação que
veio a ser efectuada pelo Supremo Tribunal de Justiça (e cuja
inconstitucionalidade invoca) e arguí-la em termos de ser possível àquele
Tribunal apreciar a mesma e tomar a sua posição durante o processo. Também aqui
a Reclamante reconhece que apenas suscitou a referida inconstitucionalidade no
requerimento de 10 de Dezembro de 2007.
2.3.5. Sustenta ainda a Reclamante que as normas dos artigos 259.º e 720.º do
CPC foram efectivamente aplicadas no acórdão do STJ de 16 de Setembro de 2008.
Tal aresto limita-se no entanto a considerar que, quanto à bondade da decisão, o
poder jurisdicional se encontrava esgotado e que não se verificavam quaisquer
nulidades de omissão ou excesso de pronúncia. Não houve aplicação dos ditos
preceitos, muitos menos enquanto ratio decidendi da decisão proferida.
2.3.6. Por último, a Reclamante argumenta que o conhecimento da questão de
constitucionalidade relativa ao artigo 744.º, n.º 5, não padeceria de
inutilidade. Não lhe assiste razão. Como se viu na decisão reclamada, o Supremo
Tribunal de Justiça, no Acórdão de 21 de Junho de 2007, considerou que não havia
lugar a agravo em 2.ª instância, pelo que, ostensivamente, a dimensão normativa
aplicada pelo Supremo Tribunal de Justiça não coincide com a que foi sindicada
pela Reclamante, não havendo, assim, lugar ao conhecimento do recurso.
2.3.7. Quanto ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Outubro de 2007,
é manifesto que não fez aplicação do normativo constante do artigo 744.º, n.º 5
do Código de Processo Civil.
III – Decisão
3. Nestes termos, acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal
Constitucional, indeferir a presente reclamação.
Custas pela Reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) UC.
Lisboa, 19 de Maio de 2009
José Borges Soeiro
Maria João Antunes
Rui Manuel Moura Ramos