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Processo nº 216/09
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Mário Torres
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
1. A., S. A., apresentou reclamação para a
conferência, ao abrigo do n.º 3 do artigo 78.º‑A da Lei de Organização,
Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º
28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26
de Fevereiro (LTC), contra a decisão sumária do relator, de 14 de Abril de
2009, que decidiu, no uso da faculdade conferida pelo n.º 1 desse preceito,
não conhecer do objecto do recurso de constitucionalidade por ela interposto.
1.1. A referida decisão sumária tem a seguinte
fundamentação:
“1. A., S. A., interpôs recurso para o Tribunal Constitucional,
ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da [LTC], contra o acórdão da 1.ª
Secção do Supremo Tribunal Administrativo (STA), de 22 de Janeiro de 2009, que,
concedendo provimento ao recurso de revista interposto pelo Município do Porto,
revogou o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN), de 12 de
Junho de 2008 – que, por seu turno, havia negado provimento ao recurso
jurisdicional interposto pelo referido Município contra a sentença do Tribunal
Administrativo e Fiscal (TAF) do Porto, de 27 de Setembro de 2007, que, julgando
parcialmente procedente pedido de intimação, intimara o Município do Porto a «à
luz do referido instrumento urbanístico (regras estabelecidas no PDM do Porto,
na versão anterior àquela que resultou do processo de revisão ratificado por
Resolução do Conselho de Ministros n.º 19/2006) emitir, no prazo de 30 dias, o
acto final no procedimento, sob pena de aplicação ao Presidente da Câmara
Municipal e aos demais membros que integram o órgão executivo, de sanção
pecuniária compulsória no montante diário de 5% do salário mínimo mais elevado
em vigor por cada dia de atraso, para além do prazo fixado» – e, em
consequência, julgou improcedente o pedido de intimação para a prática de
acto legalmente devido apresentado pela ora recorrente.
A recorrente refere no requerimento de interposição de recurso:
«4. As normas cuja inconstitucionalidade se pretende que o
Venerando Tribunal Constitucional aprecie, com esta indicação se cumprindo o
segundo pressuposto do artigo 75.º‑A, n.º 1, da mesma Lei, são a interpretação
inconstitucional dada aos artigos 107.º, n.ºs 1 e 2, 112.º, n.ºs 1 e 3, e
117.º, n.ºs 1 e 3, do Decreto‑Lei n.º 380/99, de 22 de Setembro (RJUE) e ainda
artigo 13.º do Decreto‑Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro (RGIGT), porquanto:
4.1. Foi doutrina do douto acórdão e sua fundamentação:
– que ‘só quando a Administração não tenha adoptado medidas
preventivas, ou quando a vigência destas tenha cessado, tem ou recobra
sentido a aplicação do regime previsto no artigo 117.º do Decreto‑Lei n.º
380/99, ou seja, a medida cautelar de suspensão dos procedimentos para
salvaguarda das regras contidas no plano em revisão’;
– que ‘As duas medidas não se sobrepõem, antes se coordenam como
instrumentos de salvaguarda das novas soluções urbanísticas, na prossecução do
interesse público do ordenamento e planeamento;
Ponderação que é também contrabalançada com o limite temporal da
suspensão dos procedimentos, tudo assegurando um compromisso equilibrado entre
os interesses legítimos dos particulares e a prossecução do interesse público.’
(ITIJ, proc. 0619/04).
4.3. Trata-se de invocação pelo douto Tribunal, pela primeira vez,
de vários princípios constitucionais como estando na base da interpretação que,
a final, outorgou às ditas normas,
4.4. princípios esses que nem sequer tinham sido soerguidos pela
parte contrária em alegações de recurso para desfeitear a interpretação
corrente das mesmas normas,
4.5. e com cuja invocação a recorrente não podia, por isso, contar,
4.6. razão por que, quer pela falta de oportunidade para ter sido
suscitada a inconstitucionalidade das ditas normas, cuja interpretação
coordenada se apresentava, como apresenta, linear, quer por a interpretação
dada pelo Venerando STA, alicerçada que foi em princípios ditos
constitucionais, surge como ‘surpresa’,
4.7. faz ocorrer o requisito ou pressuposto da norma do artigo 72.º,
n.º 2, da LTC – como são doutrina e jurisprudência correntes [cf. José Manuel
Cardoso da Costa, A Jurisdição Constitucional em Portugal, 2.ª ed., 1992, págs.
76/77, nota (99)].
5. Deste modo são as normas ou princípios constitucionais
considerados violados – com esta indicação se cumprindo o primeiro pressuposto
do artigo 75.º‑A, n.º 2, da mesma Lei n.º 28/82 – foram:
– que ‘Este entendimento foi sufragado pelo acórdão deste STA, de 6
de Julho de 2004 – Rec. 619/04’ – cujos dizeres e doutrina absorve como sua por
remissão expressa, acórdão do qual pretende transcrever trechos (cf. pág. 20 da
decisão ora recorrida), citação esta de que nos permitimos transcrever por nossa
parte (com destaque nosso) as conclusões de que
– as ditas medidas legais ‘não se sobrepõem antes se coordenam de
modo que se conformam com o princípio da proporcionalidade, podendo ver‑se nelas
uma ponderação dos interesses em presença que resulta equilibrada, isto é,
sacrifica o mínimo possível os interesses legítimos dos particulares na
prossecução do interesse público que é prosseguido através do planeamento
urbanístico’; e
– na mesma coordenação não desproporcionada, ‘os artigos 13.º do
RJUE e 117.º do RJIGT devem interpretar‑se no sentido de a suspensão dos
procedimentos ter um objecto e um momento de aplicação diferentes das medidas
preventivas, e, em consequência, que se trata de regimes que não representam uma
cumulação de restrições dos direitos dos particulares, mas restrições diferentes
para normas urbanísticas e momentos procedimentais diferentes, que se procuram
ajustar à melhor defesa do interesse público com o mínimo de compressão dos
interesses particulares’.
4.2. Porque a fundamentação foi ‘sufragada’ expressis verbis pela
remissão para aqueloutro acórdão, deverá acrescentar‑se que deste mesmo aresto
consta como doutrina (destaques nossos):
– que ‘o legislador coordenou as duas medidas, as preventivas e a
suspensão do procedimento, de modo que não se reconduz à cumulação de
restrições dos direitos dos particulares para obter o mesmo fim que o
recorrente considera desproporcionada. A suspensão dos procedimentos poderia em
certa perspectiva ser tida como solução desproporcionada aos objectivos
pretendidos se incidisse sobre a mesma situação e visassem os mesmos objectivos
que as medidas preventivas anteriormente colocadas em vigor’;
– ‘Mas, como vimos, visam proteger normas que podem ser e serão
muitas vezes diferentes e incidem sobre momentos do processo regulamentar muito
distintos, um desde o início da decisão de planear ou alterar o planeamento e
outra depois de efectuados os estudos e trabalhos de planeamento e de criadas
as normas que são postas a discussão pública, quando estas estão já
concretizadas e em prazo curto se espera poderem passar a vigorar’;
– ‘Deste modo, tudo vai no sentido de poder afirmar‑se que o
legislador ponderou os prejuízos que poderiam advir para os particulares da
suspensão dos procedimentos nesta fase próxima do final do processo
regulamentar e concluiu que era, pela curta duração da suspensão e pelo remédio
de o processo poder entretanto avançar, uma medida adaptada às novas soluções,
cujos benefícios superam os danos para o interesse público que poderiam resultar
de uma decisão tomada com base nas regras urbanísticas anteriores que no caso
seriam sempre as constantes das medidas preventivas, uma vez que estas
determinam a suspensão de eficácia do plano a rever – n.º 3 do artigo 107.º do
RJIGT’.
5.1. o princípio constitucional da proporcionalidade, consagrado
nos artigos 18.º, n.º 2, e 266.º, n.º 2, da CRP, assim também violados; e
5.2. o princípio constitucional da igualdade, consagrado no artigo
13.º da CRP, assim também violado.
6. A peça processual em que vêm suscitadas as ditas questões de
inconstitucionalidade – com esta indicação se cumprindo o segundo pressuposto
do artigo 75.º‑A, n.º 2, da mesma Lei n.º 28/82 – foi o douto acórdão
recorrido.»
O recurso foi admitido pelo Conselheiro Relator do STA, decisão que,
como é sabido, não vincula o Tribunal Constitucional (artigo 76.º, n.º 3, da
LTC) e, de facto, entende‑se que o recurso em causa é inadmissível, o que
possibilita a prolação de decisão sumária de não conhecimento, ao abrigo do
disposto no n.º 1 do artigo 78.º‑A da LTC.
2. A admissibilidade de recurso interposto ao abrigo da alínea b) do
n.º 1 do artigo 70.º da LTC depende da verificação cumulativa dos requisitos de
a questão de inconstitucionalidade haver sido suscitada «durante o processo»,
«de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão
recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (n.º 2 do artigo
72.º da LTC), e de a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio
decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionais pelo
recorrente.
Aquele primeiro requisito (suscitação da questão de
inconstitucionalidade perante o tribunal recorrido, antes de proferida a
decisão impugnada) só se considera dispensável nas situações especiais em que,
por força de uma norma legal específica, o poder jurisdicional se não esgota
com a prolação da decisão recorrida, ou naquelas situações, de todo
excepcionais ou anómalas, em que o recorrente não dispôs de oportunidade
processual para suscitar a questão de constitucionalidade antes de proferida a
decisão recorrida ou em que, tendo essa oportunidade, não lhe era exigível que
suscitasse então a questão de constitucionalidade.
3. A recorrente reconhece não ter suscitado, antes de proferido o
acórdão recorrido, a questão de inconstitucionalidade que pretende ver
apreciada, mas sustenta que estamos justamente perante uma das aludidas
situações excepcionais em que a parte não teve oportunidade de proceder à
prévia suscitação da questão de inconstitucionalidade do critério normativo
aplicado na decisão recorrida, por esta aplicação ser inesperada, constituindo
uma «decisão‑surpresa».
Para apreciar a procedência desta alegação, cumpre reproduzir a
fundamentação jurídica do acórdão recorrido, na parte em que apreciou o mérito
do recurso de revista interposto pelo Município do Porto:
«4. Nas restantes conclusões da alegação, afronta o recorrente a
pronúncia emitida sobre a questão jurídica fundamental que esteve na origem da
admissão da revista: a definição e articulação das medidas cautelares de plano
em revisão, previstas na lei, concretamente as ‘medidas preventivas’ a que se
reporta o artigo 107.º e seguintes do Decreto‑Lei n.º 380/99, de 22 de
Setembro, e a ‘suspensão de concessão de licenças’ prevista no artigo 117.º do
mesmo diploma, em ordem a saber a que regras urbanísticas se deve subordinar a
decisão final do procedimento de licenciamento em causa nos autos: (i) se à
versão inicial do PDM de 1993, como decidiu a decisão sob revista; (ii) se às
medidas preventivas aprovadas pela Assembleia Municipal do Porto a 22 de Julho
de 2002, ratificadas por Resolução do Conselho de Ministros de 15 de Outubro de
2002; (iii) ou se ao actual PDM resultante da revisão aprovada pela Assembleia
Municipal do Porto a 2 de Junho de 2005, ratificada por Resolução do Conselho de
Ministros publicada a 3 de Fevereiro de 2006, e que entrou em vigor a 4 de
Fevereiro de 2006.
Numa breve resenha da factualidade relevante fixada pelo tribunal a
quo, constata‑se que a ora recorrida A. entregou na Câmara Municipal do Porto, a
1 de Maio de 2005, um pedido de licenciamento de loteamento de um terreno sito
na Travessa da …, no Porto, tendo apresentado, a 30 de Setembro de 2005, os
elementos instrutórios em falta, cuja apresentação lhe fora entretanto
solicitada pelos serviços competentes da Câmara.
Na sequência de Informação destes serviços, a CMP solicitou parecer
sobre a operação urbanística a diversas entidades, tendo obtido parecer
desfavorável do IPPAR e da CCDRN.
A 22 de Dezembro de 2006, foi prestada a INF/1143/06/DMGUII, na qual
se conclui:
‘(...) Analisadas as características da operação urbanística e sem
prejuízo dos pareceres que vierem a ser emitidos pelo GAP e DMUIDPUIDEPU, tendo
sido consultadas as entidades externas e serviços da CMP competentes, pode
concluir‑se que, face à fundamentação de facto constante dos pareceres
desfavoráveis do IPPAR e da CCDRN, o projecto de Loteamento apresentado ...
deverá ser indeferido, fundamentado nas alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 24.º
do Decreto‑Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, com redacção dada pelo Decreto‑Lei
n.º 177/2001, de 4 de Junho (RJUE), precedido de audiência prévia do
interessado a ser efectuada nos termos e para os efeitos do previsto nos artigos
100.º e 101.º do CPA. (...)’.
A 26 de Dezembro de 2006, a CMP notificou a requerente da sua
intenção de indeferir a pretensão pelos factos e fundamentos constantes da
informação técnica atrás transcrita, na sequência do que, e face à ausência de
decisão final sobre o requerido licenciamento, a autora apresentou o pedido de
intimação judicial a que os autos se reportam.
Entretanto, por Resolução do Conselho de Ministros de 15 de Outubro
de 2002, publicada no Diário da República, I Série‑B, da mesma data, tinham sido
ratificadas as medidas preventivas aprovadas pela Assembleia Municipal do Porto
em 27 de Julho de 2002, para a área que abrange todo o Município do Porto,
destinadas a ‘evitar a alteração das circunstâncias e das condições de facto
existentes que possam limitar a liberdade de planeamento da revisão do Plano
Director Municipal do Porto, actualmente em curso, bem como comprometer ou
tornar mais onerosa a execução da mesma’, de forma que ‘as medidas preventivas
estabelecidas por motivo da revisão do Plano Director Municipal do Porto
determinarão a suspensão da eficácia deste na área abrangida por aquelas
medidas’.
De acordo com a mesma Resolução, ‘As medidas preventivas vigoram
pelo prazo de dois anos a contar da respectiva publicação, caducando com a
entrada em vigor da revisão do Plano Director Municipal do Porto’ e ‘Os efeitos
da presente Resolução do Conselho de Ministros retroagem a 6 de Setembro de
2002’, tendo as mesmas vindo a ser prorrogadas por mais 1 ano, por Resolução do
Conselho de Ministros, de 27 de Agosto de 2004, publicada no Diário da
República, I Série‑B, de 4 de Setembro de 2004, que ratificou deliberação nesse
sentido da Assembleia Municipal do Porto.
A discussão pública do novo Regulamento do PDM do Porto iniciou‑se
em 28 de Outubro de 2003.
A revisão do PDM do Porto foi aprovada por deliberação da
Assembleia Municipal do Porto, de 2 de Junho de 2005, ratificada por Resolução
do Conselho de Ministros publicada no Diário da República, I Série‑B, de 3 de
Fevereiro de 2006, e entrou em vigor no dia imediato ao da sua publicação
(artigo 90.º do actual Regulamento do PDM do Porto).
Perante esta factualidade, sobre a enunciada questão jurídica, e
confirmando a decisão do TAF, o acórdão sob revista decidiu:
‘Ora, com efeito, no caso vertente, por Resolução do Conselho de
Ministros n.º 125/2002, de 15 de Outubro, publicada no Diário da República, I
Série‑B, n.º 238, de 15 de Outubro de 2002, foram ratificadas as medidas
preventivas aprovadas pela Assembleia Municipal do Porto, em 22 de Julho de
2002, para a área que abrange todo o Município do Porto, de forma a evitar a
alteração das circunstâncias e das condições de facto existentes que possam
limitar a liberdade de planeamento da revisão do Plano Director Municipal do
Porto.
O prazo de vigência de tais medidas preventivas foi de 2 anos, com
efeitos a partir de 6 de Setembro de 2002, prorrogado por um ano.
Isto é, o prazo de vigência das medidas preventivas adoptadas, por
razões de revisão do PDM, decorreu entre 6 de Setembro de 2002 e 6 de Setembro
de 2005.
Por outro lado, o pedido de licenciamento de loteamento, em
referência nos autos, inicialmente formulado em 11 de Maio de 2005, foi
completado, por falta de elementos instrutórios em falta, em 30 de Setembro de
2005.
Assim, aquando da apresentação completa do pedido de licenciamento,
aquelas medidas preventivas haviam caducado.
No caso dos autos, a discussão pública do novo Regulamento do PDM do
Porto teve início em 28 de Outubro de 2003.
Ora, conforme decorre do enunciado no n.º 1 do artigo 117.º do
Decreto‑Lei n.º 380/99, de 22 de Setembro, “Nas áreas a abranger por novas
regras urbanísticas constantes de plano municipal ou especial de ordenamento do
território ou sua revisão, os procedimentos de informação prévia, de
licenciamento e de autorização ficam suspensos a partir da data fixada para o
início do período de discussão pública e até à data da entrada em vigor daqueles
instrumentos de planeamento”.
Acontece, porém, tal como resulta do n.º 3 do mesmo normativo legal,
que “Caso as novas regras urbanísticas não entrem em vigor no prazo de 150 dias
desde a data do início da respectiva discussão pública, cessa a suspensão do
procedimento, devendo nesse caso prosseguir a apreciação do pedido até à
decisão final de acordo com as regras urbanísticas em vigor à data da sua
prática”.
Entretanto, o novo Regulamento do PDM do Porto, aprovado por
deliberação da Assembleia Municipal do Porto, datada de 2 de Junho de 2005,
ratificada por Resolução do Conselho de Ministros n.º 19/2006, de 3 de
Fevereiro de 2006, apenas entrou em vigor em 4 de Fevereiro de 2006 (artigo
90.º do RPDM do Porto).
Assim, no caso sub judice, não tendo as novas regras urbanísticas
entrado em vigor no prazo de 150 dias desde a data do início da respectiva
discussão pública, cessou a suspensão do procedimento, devendo nesse caso
prosseguir a apreciação do pedido até à decisão final de acordo com as regras
urbanísticas então em vigor.
Assim sendo, tendo o pedido de licenciamento deixado de estar sob a
alçada das medidas preventivas, porque entretanto caducaram, bem como da
protecção estabelecida pelo n.º 1 do artigo 117.º do Decreto‑Lei n.º 380/99, de
22 de Setembro, por força do estatuído pelo n.º 3 deste normativo legal, uma vez
que o novo regulamento do PDM não entrou em vigor no prazo de 150 dias a contar
da data do início da respectiva discussão pública, devia ter sido objecto de
apreciação com base nas regras definidas pelo PDM em vigor, isto é, o PDM na
versão anterior à última revisão, que apenas entrou em vigor em 4 de Fevereiro
de 2006 – cf. artigos 20.º, n.º 3, do RJUE e 90.º do RPDM do Porto.
Deste modo, não se vislumbra qualquer violação dos normativos
legais contidos nos artigos 112.º e 117.º do Decreto‑Lei n.º 380/99, de 22 de
Setembro, e 13.º do RJUE, aprovado pelo Decreto‑Lei n.º 555/99, de 16 de
Dezembro, por parte da sentença recorrida, mas antes o seu estrito
cumprimento.’
Dir‑se‑á, desde já, que assiste razão ao recorrente na crítica que
dirige ao acórdão recorrido, relativamente à questão em causa, ou seja, à
articulação e aplicação das medidas cautelares de plano em trâmite de revisão,
previstas no Decreto‑Lei n.º 380/99, de 22 de Setembro: as medidas preventivas
(artigo 107.º e seguintes) e a suspensão de concessão de licenças (artigo
117.º).
Vejamos.
O Decreto‑Lei n.º 380/99, de 22 de Setembro (com as alterações
introduzidas pelo Decreto‑Lei n.º 53/2000, de 7 de Abril, e pelo Decreto‑Lei
n.º 310/2003, de 10 de Dezembro), que veio estabelecer o regime jurídico dos
instrumentos de gestão territorial, prevê dois tipos de medidas cautelares de
salvaguarda de novas soluções urbanísticas contidas em plano que se encontre em
processo de elaboração, alteração ou revisão, e para a respectiva área de
incidência:
a) As medidas preventivas, que se destinam a ‘evitar a alteração
das circunstâncias e das condições de facto existentes que possa limitar a
liberdade de planeamento ou comprometer ou tornar mais onerosa a execução do
plano’, e cujo estabelecimento ‘determina a suspensão da eficácia deste’, na
área por ele abrangida (artigo 107.º, n.ºs 1 e 2).
Têm um prazo de vigência máximo de 2 anos, prorrogável por mais 1, e
cessam com a entrada em vigor do plano que motivou a sua aplicação (artigo
112.º, n.ºs 1 e 3).
b) A suspensão de concessão de licenças, segundo a qual ‘os
procedimentos de informação prévia, de licenciamento e de autorização ficam
suspensos a partir da data fixada para o início do período de discussão pública
e até à data da entrada em vigor daqueles instrumentos de planeamento’,
prevendo‑se que ‘caso as novas regras urbanísticas não entrarem em vigor no
prazo de 150 dias desde a data do início da respectiva discussão pública, cessa
a suspensão do procedimento, devendo nesse caso prosseguir a apreciação do
pedido até à decisão final de acordo com as regras urbanísticas em vigor à data
da sua prática’ (artigo 117.º, n.ºs 1 e 3).
Estamos, em ambos os casos, perante medidas que têm por função
acautelar opções a plasmar no futuro plano em trâmite de elaboração, alteração
ou revisão, de molde a que a aplicação das novas soluções urbanísticas nele
contidas não fiquem prejudicadas ou inviabilizadas durante o período que
antecede a vigência do novo plano.
E que, como tal, têm em comum estarem intrinsecamente subordinadas
ao princípio da necessidade e da proporcionalidade (aplicação restrita às áreas
para as quais o plano prevê novas regras urbanísticas, e apenas para os
projectos cuja solução seja diferente da do anterior instrumento de
planificação).
Mas do referido princípio da necessidade decorre igualmente que a
medida cautelar de suspensão do procedimento de concessão de licenças, prevista
no artigo 117.º, tem que ser entendida como medida cautelar supletiva das
medidas preventivas, de aplicação não simultânea, significando isto que não
poderá funcionar a suspensão do procedimento sempre que (e enquanto) estejam
em vigor medidas preventivas aplicadas pela entidade licenciadora.
Há, com efeito, uma impossibilidade de coexistência temporal das
duas espécies de medidas cautelares, as quais, visando embora proteger
interesses e regras urbanísticas coincidentes, têm conteúdo normativo diverso e
reportam‑se a momentos procedimentais distintos (cf., neste sentido, Fernanda
Paula Oliveira e Dulce Lopes, Medidas Cautelares dos Planos, pág. 61 e
seguintes).
Daqui decorre, ainda como reflexo do princípio da necessidade, que a
adopção de medidas preventivas antes da fase de discussão pública do plano torna
a suspensão de procedimentos desnecessária, pois que através da adopção daquelas
fica já salvaguardado o efeito útil do futuro plano, não se justificando, pois,
a suspensão de procedimentos.
Deste modo, só quando a Administração não tenha adoptado medidas
preventivas, ou quando a vigência destas tenha já cessado, tem ou recobra
sentido a aplicação do regime previsto no artigo 117.º do Decreto‑Lei n.º
380/99, ou seja, a medida cautelar de suspensão dos procedimentos para
salvaguarda das regras contidas no plano em revisão.
As duas medidas não se sobrepõem, antes se coordenam como
instrumentos de salvaguarda das novas soluções urbanísticas, na prossecução
do interesse público do ordenamento e planeamento.
Este entendimento foi sufragado pelo acórdão deste STA, de 6 de
Julho de 2004 – Rec. 619/04, do qual se respigam os seguintes trechos:
‘A suspensão do procedimento de licenciamento prevista nos artigos
13.º do Decreto‑Lei n.º 555/99 e 117.º do Decreto‑Lei n.º 380/99 (RJIGT), de 22
de Setembro, aplica‑se em coordenação com as medidas preventivas previstas no
artigo 107.º do mesmo Decreto‑Lei n.º 380/99, versando sobre normas diferentes
e para momentos temporais diferentes do processo de produção do regulamento que
é o Plano.
(...)
Por visarem proteger interesses e regras urbanísticas dirigidos ao
mesmo fim mas diferentes quanto ao conteúdo e se aplicarem em momentos
diferentes do procedimento regulamentar, também pela diferente distância do
momento final da adopção das novas normas bem como pela compressão de direitos
temporalmente muito mais curta da suspensão do procedimento, estas medidas por
um lado, e as medidas preventivas por outro, não se sobrepõem antes se coordenam
de modo que se conformam com o princípio da proporcionalidade, podendo ver‑se
nelas uma ponderação dos interesses em presença que resulta equilibrada, isto é,
sacrifica o mínimo possível os interesses legítimos dos particulares na
prossecução do interesse público que é prosseguido através do planeamento
urbanístico.
(...)
Portanto, os artigos 13.º do RJUE e 117.º do RJIGT devem
interpretar‑se no sentido de a suspensão dos procedimentos ter um objecto e um
momento de aplicação diferentes das medidas preventivas, e, em consequência,
que se trata de regimes que não representam uma cumulação de restrições dos
direitos dos particulares, mas restrições diferentes para normas urbanísticas e
momentos procedimentais diferentes, que se procuram ajustar à melhor defesa do
interesse público com o mínimo de compressão dos interesses particulares.’
Ora, voltando à situação dos autos, em que está em causa a revisão
do PDM do Porto, temos que foram adoptadas pela Câmara Municipal medidas
preventivas cuja vigência se iniciou a 6 de Setembro de 2002 e cessou a 6 de
Setembro de 2005 (2 anos + 1 de prorrogação).
E que o início da discussão pública do Regulamento do PDM ocorreu a
28 de Outubro de 2003, em plena vigência das medidas preventivas, uma vez que
nada foi determinado quanto a estas.
Nesta conformidade, teremos de concluir que à data do início da
discussão pública do Regulamento do PDM não poderia ter aplicação a medida de
suspensão do procedimento de concessão de licenças, previsto no artigo 117.º do
Decreto‑Lei n.º 380/99 (e artigo 13.º do Decreto‑Lei n.º 555/99), por estarem
em vigor as medidas preventivas previstas no artigo 107.º do mesmo diploma.
E, por essa razão, temos de interpretar o disposto naquele artigo
117.º no sentido de que a suspensão dos procedimentos ‘a partir da data fixada
para o início do período de discussão pública’ só pode iniciar‑se – por
impossibilidade de sobreposição das medidas cautelares –, após a cessação das
medidas preventivas então em vigor.
O que determina que é a esse termo a quo que tem de reportar‑se a
contagem do prazo de 150 dias, previsto no n.º 3 do preceito para a cessação da
suspensão, caso as novas regras urbanísticas não entrem em vigor até final do
prazo.
A referida expressão contida no preceito (‘a partir da data fixada
para o início do período de discussão pública’) reporta‑se à situação normal e
típica de vigência plena do plano em revisão ou de anterior instrumento de
gestão territorial, justificando‑se então o início do prazo de 150 dias com a
abertura da fase de discussão pública do plano.
Não assim perante a situação, atípica, de no momento de abertura da
discussão pública se encontrarem em vigor medidas preventivas, pelo que só após
a cessação destas a medida cautelar de suspensão dos procedimentos colhe
justificação legal.
Tendo as medidas preventivas, in casu, cessado a sua vigência a 6 de
Setembro de 2005, só então sendo possível, pelas razões apontadas, a entidade
licenciadora determinar (o que, aliás, decorre do preceito legal) a suspensão
dos procedimentos de concessão de licença, ao abrigo do disposto no artigo 117.º
do RJIGT, temos que o prazo da suspensão do procedimento aqui em causa, nessa
data iniciado, terminava a 6 de Fevereiro de 2006, pelo que o novo PDM revisto
entrou em vigor (4 de Fevereiro de 2006) dentro dos 150 dias a que se reporta o
n.º 3 do artigo 117.º.
O pedido de licenciamento terá, assim, que ser decidido ‘de acordo
com as novas regras urbanísticas em vigor’, nos termos do n.º 2 do preceito.
A decisão sob revista estaria correcta se, como ali implicitamente
se propugna, as medidas cautelares pudessem vigorar em sobreposição, caso em
que a suspensão do procedimento de licenciamento se teria realmente iniciado a
28 de Outubro de 2003 e perdurado por completo durante a vigência das medidas
preventivas.
Mas este entendimento não é o correcto, como se deixou referido.
Como vimos, a adopção de medidas preventivas antes da fase de
discussão pública do plano, como é o caso, torna desnecessária a suspensão dos
procedimentos de concessão de licenças, pois que as duas medidas cautelares
estão previstas numa lógica de coordenação e articulação, e não de
sobreposição.
E é nessa perspectiva – que entendemos a mais correcta e adequada à
tutela dos interesses legalmente prosseguidos – que, após a cessação das
medidas preventivas, recobra razão de ser a suspensão dos procedimentos, para
salvaguarda das soluções contidas no plano em revisão.
Aliás, aponta no mesmo sentido a solução contida na parte final do
n.º 3 do citado artigo 117.º do RJIGT, que cremos incorrectamente interpretado
pela decisão sob revista, e que se prende com a alegada violação do princípio
tempus regit actum.
Dispõe o mencionado segmento normativo que, caso as novas regras
urbanísticas não entrem em vigor no prazo de 150 dias desde o início da
respectiva discussão pública, ‘cessa a suspensão do procedimento, devendo
nesse caso prosseguir a apreciação do pedido até à decisão final de acordo com
as regras urbanísticas em vigor à data da sua prática’.
É inegável, até pelo alcance semântico do termo utilizado, que o
vocábulo ‘prática’ se reporta à decisão final do procedimento, pelo que as
‘regras urbanísticas em vigor à data da sua prática’ são as que vigorarem
aquando da prolação da decisão final do procedimento: as do novo plano (revisto)
se o mesmo tiver já entrado em vigor; as do plano original (ou eventuais medidas
preventivas) no caso contrário.
Não tem, pois, qualquer apoio legal a decisão do acórdão recorrido
de que a decisão final do procedimento a proferir pela entidade recorrente deve
ter por base as regras definidas pelo PDM na versão anterior à sua revisão
(sendo esse o pedido de intimação formulado pela requerente A.), o que
significaria uma completa subversão do referido princípio tempus regit actum,
tal como entendido pela jurisprudência uniforme deste STA: ‘A legalidade dos
actos administrativos afere‑se pela realidade fáctica e pelo quadro normativo
vigentes à data da prolação do acto’ (cf., por todos, acórdãos do STA, de 11 de
Março de 1999 – Rec. 42 323, e de 24 de Fevereiro de 1999 – Rec. 43 459),
princípio solenemente consagrado no artigo 67.º do RJUE (‘A validade das
licenças ou autorizações das operações urbanísticas depende da sua conformidade
com as normas legais e regulamentares aplicáveis em vigor à data da sua
prática’).
O acórdão recorrido fez, pois, incorrecta aplicação dos preceitos
legais mencionados, designadamente dos artigos 117.º do Decreto‑Lei n.º 380/99,
de 22 de Setembro (RJUE), e 13.º do Decreto‑Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro
(RGIGT), pelo que procede, nesta parte, a alegação do recorrente.
A revista tem, assim, que ser concedida, julgando‑se, em
consequência, improcedente o pedido de intimação formulado pela ora recorrida
A., dirigido à obtenção da licença de loteamento segundo as regras estabelecidas
na versão original do PDM do Porto, anterior àquela que resultou do processo de
revisão.»
4. Resulta da precedente transcrição que o critério normativo
adoptado pelo acórdão recorrido foi o de que os dois tipos de medidas cautelares
de salvaguarda de novas soluções urbanísticas contidas em plano que se encontre
em processo de elaboração, alteração ou revisão, previstas no Decreto‑Lei n.º
380/99, de 22 de Setembro (regime jurídico dos instrumentos de gestão
territorial) – as «medidas preventivas» (artigo 107.º, n.ºs 1 e 2) e a
«suspensão dos procedimentos de concessão de licenças» (artigo 117.º) – não se
sobrepõem, havendo uma impossibilidade de coexistência temporal simultânea das
duas espécies de medidas cautelares, e, assim, só quando a Administração não
tenha adoptado medidas preventivas, ou quando a vigência destas tenha já
cessado, tem ou recobra sentido a aplicação do regime de suspensão dos
procedimentos. Por isso, entendeu‑se que quando tenham sido adoptadas medidas
preventivas, como ocorreu no caso, a suspensão dos procedimentos só opera a
partir do momento em que aquelas medidas venham a caducar, contando‑se desde
então (e não, como ocorre nas situações «normais», a partir do início da
discussão pública das novas regras urbanísticas) o prazo de 150 dias referido no
n.º 3 do citado artigo 117.º.
Ora, não pode considerar‑se surpreendente ou inesperada a adopção
deste critério normativo, pois a aplicação do mesmo fora sustentada pelo
Município do Porto nas alegações do seu recurso de revista para o STA, como
resulta das suas conclusões T) a W):
«T) A adopção de medidas preventivas antes da fase de discussão
pública do plano torna a suspensão de procedimentos desnecessária, pois através
da adopção daquelas fica já salvaguardado o efeito útil do futuro plano, devendo
afastar‑se a suspensão de procedimentos por configurar uma medida, na grande
maioria das hipóteses, mais gravosa do que a adopção de medidas preventivas –
princípio da necessidade na sua versão instrumental.
U) A única leitura que se poderá fazer do texto da lei é, portanto,
a de que, ou a Administração adopta medidas preventivas, sendo estas que
funcionam, ou não as adopta (porque facultativas), ou cessa a sua vigência,
devendo, apenas nestes casos, funcionar a medida cautelar prevista no artigo
117.º, que reveste, assim, a natureza de medida cautelar supletiva.
V) Ora, tendo em consideração que, no caso da revisão do PDM do
Porto, foram adoptadas medidas preventivas tendentes a garantir o efeito útil do
futuro plano, e que estas não caducaram (porque nada foi determinado a este
respeito) aquando da abertura da fase da discussão pública do mesmo, então terá
de se concluir que eram estas as medidas que se encontravam em vigor para
acautelar o futuro plano, não funcionando, então, o disposto no artigo 117.º do
Decreto‑Lei n.º 380/99, de 22 de Setembro.
W) Naquelas hipóteses em que, embora tendo sido adoptadas medidas
preventivas, estas venham a caducar (cessação da respectiva vigência), recobra
razão de ser a suspensão dos procedimentos, que se deverá manter, para a
salvaguarda do plano em revisão e nos termos do artigo 117.º, n.º 1, até à
entrada em vigor do PDM ou até ao limite máximo de 150 dias desde a caducidade
das medidas preventivas.»
Teve, assim, a recorrente oportunidade processual de, nas
contra‑alegações que apresentou no recurso de revista, suscitar a
inconstitucionalidade do critério normativo em causa, oportunidade que não
aproveitou, pois nessa sua peça processual (fls. 474‑488) nenhuma
inconstitucionalidade vem arguida.
Aliás, a recorrente ainda beneficiou de uma segunda oportunidade
para o fazer, pois, no parecer do Ministério Público no STA (fls. 503‑507), com
invocação da doutrina expressa no já referenciado acórdão do STA, de 6 de Julho
de 2004, Proc. n.º 619/04, também foi sustentado que a suspensão dos
procedimentos só se tornou operativa com a caducidade das medidas preventivas,
contando‑se a partir desta data o aludido prazo de 150 dias. Ora, na resposta
que apresentou a este parecer (fls. 526‑528), voltou a recorrente a não
suscitar – como podia e devia fazer para abrir via a recurso de
constitucionalidade – a questão da inconstitucionalidade desse critério
normativo.
Conclui‑se, assim, não se revelar inesperado ou surpreendente o
critério normativo adoptado pelo acórdão recorrido, pelo que não estamos
perante aquelas situações anómalas ou excepcionais em se pode considerar a
recorrente dispensada do ónus da prévia suscitação da questão de
inconstitucionalidade.
Não tendo a recorrente satisfeito esse ónus, o presente recurso
surge como inadmissível, o que determina o não conhecimento do seu objecto.”
1.2. A reclamação apresentada pela recorrente assenta
nos seguintes fundamentos:
“1. Foi interposto, nos autos de recurso contencioso administrativo
e de recurso jurisdicional de revista, recurso em processo de fiscalização
concreta, com os pressupostos e bases que constam do respectivo requerimento e
que se dão aqui por reproduzidos.
2. Em especial, foi aí considerado que, no caso, ocorria:
2.1. tratar‑se de invocação pelo douto Tribunal, pela primeira vez,
de vários princípios constitucionais como estando na base da interpretação que,
a final, outorgou às ditas normas,
2.2. Princípios esses que nem sequer tinham sido soerguidos pela
parte contrária em alegações de recurso para desfeitear a interpretação corrente
das mesmas normas,
2.3. e com cuja invocação a recorrente não podia, por isso, contar,
2.4. razão por que, quer pela falta de oportunidade para ter sido
suscitada a inconstitucionalidade das ditas normas, cuja interpretação
coordenada se apresentava, como apresenta, linear, quer por a interpretação dada
pelo Venerando STA, alicerçada que foi em princípios ditos constitucionais,
surge como «surpresa»,
2.5. faz ocorrer o requisito ou pressuposto da norma do artigo 72.º,
n.º 2, da LTC – como são doutrina e jurisprudência correntes.
3. A douta decisão sumária, na senda da (aliás logo invocada)
jurisprudência e doutrina correntes, considerou, e bem, que o requisito de a
questão de inconstitucionalidade haver sido suscitada «durante o processo» «só
se considera dispensável nas situações especiais em que (…) naquelas situações,
de todo excepcionais ou anómalas, em que o recorrente não dispôs de oportunidade
processual para suscitar a questão de constitucionalidade antes de proferida a
decisão recorrida ou em que, tendo essa oportunidade, não lhe era exigível que
suscitasse então a questão de constitucionalidade» (1.º § de sua pág. 6).
Todavia:
4. Obtemperou a mesma douta decisão que «não pode considerar‑se
surpreendente ou inesperada a adopção» do «critério normativo» do acórdão
recorrido:
4.1. «pois a aplicação do mesmo fora sustentada pelo Município do
Porto nas alegações do seu recurso de revista para o STA, como resulta das suas
conclusões T) a W)»,
4.2. pelo que teve, «assim, a recorrente oportunidade de, nas
contra‑alegações que apresentou no recurso de revista, suscitar a
inconstitucionalidade do critério normativo em causa, oportunidade que não
aproveitou»;
4.3. e que «a recorrente ainda beneficiou de uma segunda
oportunidade para o fazer, pois [n]o parecer do Ministério Público do STA (...)
também foi sustentado que a suspensão dos procedimentos só se tornou operativa
com a caducidade das medidas preventivas, contando-se a partir desta data o
aludido prazo de 150 dias»
4.4. e «na resposta que apresentou a este parecer (...) voltou a
recorrente a não suscitar – como podia e devia fazer para abrir via a recurso
de constitucionalidade – a questão da inconstitucionalidade desse critério
normativo».
5. Concluiu, deste modo, a mesma decisão «não se revelar inesperado
ou surpreendente o critério normativo adoptado pelo acórdão recorrido, pelo que
não estamos perante aquelas situações anómalas ou excepcionais em que se pode
considerar a recorrente dispensada do ónus da prévia suscitação da questão da
inconstitucionalidade», falseando, assim, o dito pressuposto.
Salvo o devido respeito, esta tese não pode ser.
Com efeito:
5. O conceito de «decisão surpresa» não pode, sob pena de verdadeira
subversão do mesmo, ter um conteúdo como aquele que a douta decisão sumária lhe
atribui, invertendo, aliás, a ordem natural da invocação de questões de natureza
constitucional.
6. Ainda se os intervenientes salientados pela dita decisão – o
Município e o Ministério Público – tivessem, na sua posição «activa» de
recorrentes, suscitado que a «tese» que peregrinamente sustentavam era conforme
com as normas constitucionais X ou Y ... vá lá que não vá que a recorrida
devesse obtemperar pela efectiva desconformidade.
7. Mas já querer que – «para abrir via a recurso de
constitucionalidade», como se diz – a recorrida se devesse «ter lembrado» de,
quanto antes e à cautela, atirar ao ar a violação de princípios constitucionais
pelos dislates (perdoe‑se‑nos a expressão que é a mais exacta perante a dita
«tese») que os recorrentes tenham atirado … já é exigir demais do «homem comum»,
do homo prudens que é a baliza de qualquer actuação legal e/ou judicial.
8. A leitura das contra‑alegações permite verificar do absurdo da
«tese» de quem recorria e tal «tese» era, como é, de tal maneira estranha que a
demonstração do absurdo e estranheza eram, como são, mais do que suficientes.
9. Não pode ser exigível que uma parte – obviamente quando tenha
ficado vencedora na decisão recorrida – seja obrigada, nas suas
contra‑alegações, a argumentar a contrario sensu, ou, se se quiser, em regime
de contra‑pedido subsidiário,
10. isto é, no estilo de que «caso se entenda que o absurdo ou o
dislate tem razão» … então esse absurdo ou dislate é inconstitucional … por isto
ou por aquilo!
11. NÃO: quem recorre é que, quando muito, deve soerguer
argumentação na base da (in)constitucionalidade, competindo, então, a quem é
recorrido contrapor argumentação a esse nível.
12. Admitir que um recorrido deva, logo, contra‑alegar e
contra‑argumentar nesse plano «para abrir via a recurso de constitucionalidade»
é recomendar verdadeiros «truques» processuais, de que, aliás, o Venerando
Tribunal Constitucional deve estar farto!
13. Deste modo, «decisão surpresa» é aquela que, modificando
completamente a decisão recorrida, faz o recorrido defrontar‑se com (não já uma
«tese» qualquer, por mais insensata que seja) uma efectiva nova decisão em campo
que esmaga, por si mesma (e não propriamente porque quem recorreu … se lembrou
de «coisas»), princípios constitucionais, cuja violação era verdadeiramente
impensável.
14. E assim a douta decisão sumária não distinguiu, salvo o devido
respeito, a posição processual de um recorrido e de um recorrente ao nível da
exigência do pressuposto do recurso constitucional que diz faltar, tratando
como igual aquilo que é manifestamente desigual,
15. e tributou a um recorrido uma «diligência» que é inexigível do
homem comum, na defesa legítima dos seus direitos, mormente dos que estão
garantidos pela Constituição,
16. assim o desamparando de uma autêntica «decisão surpresa», que a
boa doutrina e a boa jurisprudência quiseram desde há muito (mas não desde
sempre, que também aí evoluiu o Direito e a sua interpretação para fiança de
lídimos direitos) que «apanhasse» qualquer cidadão.”
1.3. O recorrido não apresentou resposta.
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
2. A decisão sumária ora reclamada assentou o não
conhecimento do recurso na constatação de que a recorrente não suscitara perante
o tribunal recorrido, antes de proferida a decisão impugnada, a questão de
constitucionalidade que pretende ver apreciada no presente recurso, e que o
critério normativo adoptado pelo acórdão recorrido não se revela inesperado ou
surpreendente, pelo que não estamos perante aquelas situações anómalas ou
excepcionais em se pode considerar a recorrente dispensada do ónus da prévia
suscitação da questão de inconstitucionalidade.
Os fundamentos dessa decisão em nada são abalados pela
reclamação apresentada pela recorrente, que, aliás, só questiona o não
reconhecimento da existência de uma situação de decisão‑surpresa.
Para efeito de se poder considerar dispensado o ónus do
recorrente de suscitar, antes de proferida a decisão recorrida, a questão de
inconstitucionalidade da norma ou interpretação normativa que pretende ver
apreciada, com fundamento no carácter inesperado da aplicação dessa norma ou
interpretação, o que tem de ser surpreendente é a própria decisão de a
considerar aplicável ao caso em apreço, não bastando, para lhe conferir a
natureza de decisão‑surpresa, a eventual invocação de alguns argumentos, em sua
defesa, até então não esgrimidos.
Como se demonstrou na decisão sumária reclamada, o
acórdão recorrido adoptou o critério normativo segundo o qual os dois tipos de
medidas cautelares de salvaguarda de novas soluções urbanísticas contidas em
plano que se encontre em processo de elaboração, alteração ou revisão, previstas
no Decreto‑Lei n.º 380/99, de 22 de Setembro (regime jurídico dos instrumentos
de gestão territorial) – as «medidas preventivas» (artigo 107.º, n.ºs 1 e 2) e
a «suspensão dos procedimentos de concessão de licenças» (artigo 117.º) – não
se sobrepõem, havendo uma impossibilidade de coexistência temporal simultânea
das duas espécies de medidas cautelares, e, assim, só quando a Administração não
tenha adoptado medidas preventivas, ou quando a vigência destas tenha já
cessado, tem ou recobra sentido a aplicação do regime de suspensão dos
procedimentos. Por isso, entendeu‑se que quando tenham sido adoptadas medidas
preventivas, como ocorreu no caso, a suspensão dos procedimentos só opera a
partir do momento em que aquelas medidas venham a caducar, contando‑se desde
então (e não, como ocorre nas situações «normais», a partir do início da
discussão pública das novas regras urbanísticas) o prazo de 150 dias referido no
n.º 3 do citado artigo 117.º.
Este entendimento fundou‑se exclusivamente na
interpretação tida por mais correcta das normas de direito ordinário vigentes,
tal como fora sustentado pelo Município recorrente e pelo Ministério Público, e
como, aliás, fora entendido em anterior acórdão do STA, cuja fundamentação se
acolheu. Em parte alguma do acórdão recorrido se sustenta inovatoriamente a
aplicação desse critério com base na invocação surpreendente de princípios
constitucionais até aí insuspeitados. Foi ao nível da interpretação do direito
ordinário que tal solução foi alcançada, nunca tendo o acórdão recorrido
admitido a possibilidade de ser correcto outro critério, que só afastaria por
razões de inconstitucionalidade.
Ora, tendo o critério normativo aplicado no acórdão
recorrido sido defendido pelo então recorrente Município do Porto e pelo parecer
do Ministério Público no STA, teve a ora recorrente oportunidade de arguir a sua
inconstitucionalidade nas suas contra‑alegações e na resposta a tal parecer, o
que não fez.
Por estas razões, para além de o critério seguido já ter
sido o adoptado em anterior decisão do STA (acórdão de 6 de Julho de 2004, rec.
n.º 619/04), a sua aplicação não constitui decisão‑surpresa, que dispensasse a
recorrente do ónus da prévia suscitação da sua inconstitucionalidade, para abrir
a via do recurso para o Tribunal Constitucional.
3. Termos em que acordam em indeferir a presente
reclamação, confirmando a decisão sumária reclamada.
Custas pela recorrente, fixando‑se a taxa de justiça em
20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 12 de Maio de 2009.
Mário José de Araújo Torres
João Cura Mariano
Rui Manuel Moura Ramos