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Processo n.º 39/09
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Mário Torres
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
1. A. apresentou reclamação para a conferência, ao
abrigo do n.º 3 do artigo 78.º‑A da Lei de Organização, Funcionamento e
Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de
Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro
(LTC), contra a decisão sumária do relator, de 9 de Fevereiro de 2009, que
decidiu, no uso da faculdade conferida pelo n.º 1 desse preceito, não
conhecer do objecto do recurso de constitucionalidade por ele interposto.
1.1. A referida decisão sumária tem a seguinte
fundamentação:
“1. A. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo
da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da [LTC], contra o acórdão do Supremo
Tribunal Administrativo (STA), de 19 de Novembro de 2008, que negou provimento
ao recurso jurisdicional por ele interposto da sentença do Tribunal
Administrativo e Fiscal (TAF) do Porto, de 19 de Abril de 2008, que rejeitou o
recurso contencioso de anulação da deliberação do Conselho Geral da Ordem dos
Advogados, de 24 de Setembro de 1993, que suspendeu a sua inscrição na Ordem
dos Advogados.
No requerimento de interposição de recurso, o recorrente refere:
«1) O histórico aresto sub judicio reafirma, passim, a perfeita
validade de duas normas do Estatuto da Ordem dos Advogados declaradamente
aplicadas no acto administrativo recorrido: as dos artigo 68.º e 69.º,
2) as quais, todavia, haviam sido pelo recorrente, directa e
indirectamente, arguidas de violação, aliás múltipla, dos princípios
jusconstitucionais da proporcionalidade, do Estado de direito e, inclusive, da
reserva de lei, aliás, de lei restritiva, demais a mais de lei restritiva com
eficácia retroactiva.»
O recurso foi admitido pelo Conselheiro Relator do STA, decisão que,
como é sabido, não vincula o Tribunal Constitucional (artigo 76.º, n.º 3, da
LTC) e, de facto, entende‑se que o recurso em causa é inadmissível, o que
possibilita a prolação de decisão sumária de não conhecimento do seu objecto,
ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º‑A da LTC.
2. A admissibilidade de recurso interposto, como o presente, ao
abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC depende da verificação
cumulativa dos requisitos de a questão de inconstitucionalidade haver sido
suscitada «durante o processo», «de modo processualmente adequado perante o
tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a
dela conhecer» (n.º 2 do artigo 72.º da LTC), e de a decisão recorrida ter feito
aplicação, como sua ratio decidendi, das dimensões normativas arguidas de
inconstitucionais pelo recorrente.
2.1. O recorrente sintetizou o conteúdo das suas alegações do
recurso jurisdicional interposto para o STA nas seguintes conclusões:
«A. Tudo visto, licito é extrair epilogativamente, se bem se julga,
os seguintes tópicos decisivos:
1. A sentença recorrida viola, flagrantemente, caso julgado formal,
porquanto a tempestividade da instauração do recurso contencioso rejeitado (por
extemporaneidade) encontra‑se inderrogavelmente atestada, a fls. 8 dos autos,
pelo próprio Presidente do Tribunal a quo. Aliás,
2. tendo em devida consideração as datas: do acto definitivo e
executório impugnado (10‑XI‑1995); da respectiva publicação oficial
(26‑VI‑2000); da autuação da providência cautelar requerendo a correlativa
suspensão da eficácia (26‑IX‑2000); do trânsito em julgado da decisão judicial
decretando a suspensão (2‑VIII‑2001, donde 17‑XI‑2001); da interposição do
recurso contencioso em causa (14‑XI‑200l), forçoso será concluir pela
inquestionável tempestividade da autuação deste.
3. A fundamentação legal do acto administrativo recorrido publicada
oficialmente é em absoluto inválida, porquanto o preceito do artigo 10.º do
Regulamento de Inscrição de Advogados ali especificado somente se aplica àquele
que passar a exercer funções incompatíveis e a ‘incompatibilidade’ imputada ao
advogado recorrente é referente a uma função (ROC) que este, declaradamente, vem
exercendo desde antes da sua inscrição mesmo como estagiário. Ademais,
4. a fundamentação legal desse acto declinada pelo seu autor
colectivo, no processo administrativo competente, é identicamente inválida,
porquanto nenhuma das duas normas regulamentares aí expressamente indicadas (o
artigo 68.º e o artigo 70.º do Estatuto da Ordem) se aplica, sequer
indirectamente, à factualidade contemplada. E, muito principalmente,
5. a norma estatutária que efectivamente, legalmente, regula a
situação de facto observada (a do artigo 69.º) determina, irredutível e
irreversivelmente, a nulidade ipso jure do acto administrativo sindicado: por
incompetência absoluta do seu autor, assim caçado em flagrante usurpação de
funções; por carência absoluta de forma legal, porquanto uma resolução
administrativa não é uma lei especial da República; e, em suma, pela falta do
elemento essencial do acto que é a norma de direito público habilitando o autor
à sua prática.
B. Consequentemente, fazendo no caso, como sói, sã e inteira
justiça, esse Supremo Tribunal – mediando, eventualmente, reenvio de pertinente
questão pré‑judicial ao Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias –
revogará a indouta Sentença recorrida, decretando a sua substituição por
decisão emergente a conceder pleno provimento ao recurso contencioso de
declaração de nulidade em pendência, com todos os devidos e legais efeitos.»
2.2. O acórdão recorrido assentou a sua decisão de improvimento do
recurso jurisdicional na seguinte fundamentação jurídica:
«II.2. DO DIREITO
A sentença em apreciação rejeitou o recurso contencioso interposto
da Deliberação recorrida por haver julgado procedente a excepção de
intempestividade deduzida pela AR [autoridade recorrida] assente no facto de o
recurso ter sido interposto para além do prazo de dois meses enunciado no artigo
28.º da LPTA, e à qual o recorrente opusera estar‑se em presença de acto nulo,
nulidade que julgou inverificada.
Atentemos no primeiro fundamento da presente impugnação
jurisdicional.
II.2.1. Afirma o recorrente que terá sido violado o caso julgado
formal, pois que a tempestividade da instauração do recurso contencioso terá
sido fixada definitivamente no processo quando, a fls. 8 dos autos, pelo próprio
Presidente do Tribunal a quo foi exarado despacho de autuação.
No entanto, não assiste razão ao recorrente, pela singela razão de
que não existe (nem de resto o recorrente a indica) norma ou princípio que
afaste a caducidade do direito ao exercício da acção pela circunstância de o
respectivo processo ter sido, com o prazo de caducidade já decorrido, autuado no
Tribunal a quo, sede em que foi ordenada a distribuição e autuação como recurso
contencioso na sequência do despacho do Ex.mo Relator do TCAS (cf. fls. 8).
De resto, em contrário do que aventa a AR, nem pode qualificar‑se
um tal despacho como de admissão liminar do recurso, o qual, inclusive, nem
sequer teria que ser proferido.
Na verdade, se o escrivão tivesse levado a petição vinda do TCAS à
distribuição sem precedência do referido despacho do M.mo Juiz no TAC um tal
processamento não poderia apodar‑se de ilegal, muito menos violador de algum
direito ou posição processual do interessado.
Assim, não tendo um tal alcance definidor, o referido despacho não
produz caso julgado formal, nomeadamente quanto à tempestividade da
impugnação.
II.2.1. O segundo fundamento de impugnação descortina‑se na
invocação do recorrente no sentido de que não terá ocorrido ‘preterição do
prazo legal de propositura’ do recurso contencioso, deduzida como corolário do
historiar das incidências que a sua situação profissional mereceu na OA, ao
longo do qual refere a incorrecção de se considerar a deliberação de 24 de
Setembro de 1993 como o acto definitivo e executório quando, posteriormente,
terão sido proferidas na OA outras decisões, em 10 de Novembro de 1995 e em 2000
e em 2001, e que uma outra reacção judicial que intentou contra a referida
decisão de 1995, publicada em 2000, foi tempestiva.
Ou seja e em resumo, como para o recorrente é incorrecto
considerar‑se a deliberação de 24 de Setembro de 1993 como acto definitivo e
executório, pois que posteriormente terão sido proferidas na OA outras decisões
(com destaque para uma em 10 de Novembro de 1995 e em 2000 e em 2001), e dado
que a reacção judicial que intentou contra a referida decisão de 1995 foi
tempestiva (por alegadamente intentada no prazo de 2 meses a que se refere o
artigo 28.º da LPTA), nunca poderia este meio processual considerar‑se
intempestivo.
Efectivamente, na sentença, depois de se ter emitido pronúncia no
sentido de que se não estava face a acto inexistente ou nulo, disse‑se que
estava há muito ultrapassado o prazo de recurso de actos anuláveis estabelecido
no artigo 28.º da LPTA, pelo que cumpre analisar a questão.
E deve começar por dizer‑se que, com o devido respeito, a invocação
do recorrente não é logicamente consequente e no seu enunciado encerra, ela
mesma, a sua própria improcedência: nunca a tempestividade da impugnação de um
dado acto poderá aferir‑se pela tempestividade de um acto que lhe é posterior.
II.2.2. É claro que o recorrente desvaloriza de todo o referido acto
de 24 de Setembro de 1993, o que nos conduz a que, não só para responder à
arguição em causa como às restantes, deva atentar‑se, antes do mais, nos factos
que devem considerar‑se relevantes:
1. O Conselho Geral da Ordem dos Advogados, em 24 de Setembro de
1993, aprovou o Parecer de fls. 7 a 9 do PA [processo administrativo], onde se
propõe ‘... que o Conselho Geral delibere a suspensão do advogado Dr. A., por
existir incompatibilidade com as funções de Revisor Oficial de Contas, que
exerce’;
2. Por deliberação do Conselho Geral da OA, de 10 de Novembro de
1995, foi ‘deliberado por unanimidade que os serviços dêem execução à
deliberação de suspensão, uma vez que essa deliberação já fez caso resolvido’
(fls. 24 do PA);
3. No Diário da República, II Série, de 26 de Junho de 2000 (pág. 10
765), foi publicado o Edital n.º 449/2000, onde se refere que ‘por deliberação
do Conselho Geral de 10 de Novembro de 1995, foi suspensa a inscrição do Dr. A.
...’ (fls. 6 do Processo apenso n.º 1107/01);
4. Tendo como referência a deliberação publicada através do aludido
Edital n.º 449/2000, decidindo recurso jurisdicional interposto de sentença do
TAC do Porto que havia indeferido o pedido de suspensão de eficácia por
inverificação do requisito previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 76.º da
LPTA, o TCA, entendendo o contrário, julgou verificado tal requisito, assim
revogando a sentença;
5. O Edital referido em 3 foi rectificado através da Rectificação
n.º 2051/2001, publicada no Diário da República, II Série, de 13 de Setembro de
2001 (fls. 7 do Processo apenso n.º 1107/01), rectificação essa traduzida no
esclarecimento de que em vez de ‘faz saber que, por deliberação do Conselho
Geral, de 10 de Novembro de 1995, foi suspensa a inscrição do Dr. A.’, deveria
ler‑se ‘faz saber que, por deliberação do Conselho Geral, de 24 de Setembro de
1993, foi suspensa a inscrição do Dr. A.’.
6. O presente recurso deu entrada no TAC a 6 de Março de 2002.
II.2.3. Só que, o aqui recorrente, tendo vincado na 1.ª p. i.
[petição inicial] que após o acórdão do TCA referido em II.1.B.1. ter
transitado em julgado (após o que o Bastonário da Ordem dos Advogados terá
mandado publicar a Rectificação referida em II.1.4), o mesmo Bastonário
corrigiu ‘que a deliberação impugnada data, afinal, de 24 de Setembro de 1993 …
cuja nulidade deve agora ser completamente decretada’; e, depois de instado
pelo Tribunal a quo, por despacho de fls. 141, a dizer ‘por forma clara’ (pese
embora a formulação de uma 2.ª p. i.) qual o acto que pretende impugnar nos
presentes, reafirmou aquela menção no referido requerimento de fls. 144.
Daí que, pelo M.mo Juiz a quo tenha sido (acertadamente, diga‑se) a
referida deliberação de 24 de Setembro de 1993 claramente eleita na sentença
recorrida como sendo o acto impugnado nos autos.
É que, atentando nas alegações do presente recurso, e concretamente
nas respectivas conclusões, a aludida deliberação de 24 de Setembro de 1993
praticamente não merece qualquer menção, sendo antes destacado como ‘acto
definitivo e executório impugnado’ a já falada deliberação de 10 de Novembro de
1995, publicada em 26 de Junho de 2000.
E daí que a deliberação de 24 de Setembro de 1993 seja, no mínimo,
menosprezada pelo recorrente, quando ela é, iniludivelmente, o acto eleito nos
presentes autos como contenciosamente impugnado, pelo que a aludida invocação
do recorrente, para além do apontado vício lógico, podendo ser eventualmente
idónea a demonstrar a tempestividade de possível acção a intentar
relativamente a acto(s) posterior(es) ao de 24 de Setembro de 1993 não o seja
quanto a este.
Donde,
– a circunstância de a sentença haver eleito aquela deliberação de
24 de Setembro de 1993 como o acto impugnado contenciosamente não pode
constituir qualquer falsidade;
– e dado que entre aquela data (recte, do seu conhecimento por parte
do recorrente, ou sua publicação, tendo como referência as referidas datas de
26 de Junho de 2000 – cf. II.2.2.3 –, ou de 13 de Setembro de 2001 – cf.
II.2.2.5.) e a da instauração do recurso contencioso (6 de Março de 2002)
decorreram muito mais de dois meses, a impugnação contenciosa de que tratam os
autos excedeu há muito o prazo de recurso de actos anuláveis estabelecido no
artigo 28.º da LPTA.
II.2.4. Como se viu, a sentença julgou que o acto impugnado não era
inexistente nem nulo.
Recorde‑se que, sendo autor do acto impugnado o Conselho Geral da
Ordem dos Advogados, o seu conteúdo dispositivo traduziu‑se em aprovar um
parecer no qual se propunha a suspensão do recorrente na Ordem dos Advogados
por ali se entender que a profissão de advogado é incompatível com a situação
de revisor oficial de contas (ROC).
II.2.4.1. Sustenta o recorrente, no ponto E das suas alegações, que
uma tal deliberação padece de nulidade absoluta (falando também em inexistência)
em fundamento do que invoca, e em síntese, que logo aquando da sua inscrição na
OA, em cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de
Inscrição (R.I.) na OA, indicou que ROC constituía a sua principal actividade,
pelo que nunca poderia ser considerado incurso nas prescrições contidas nos
artigos 69.º e 70.º do Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA) atinentes a
incompatibilidades.
Donde, a deliberação do CGOA que suspendeu a sua inscrição
mostrar‑se inquinada de três causas de invalidade radical:
(i) nulidade por falta do elemento essencial do acto que é a norma
de direito público habilitando o agente à sua prática (Código do Procedimento
Administrativo, artigo 133.º, n.º 1, ex vi do artigo 120.º);
(ii) usurpação de poder (ibidem, artigo 133.º, alínea a) do n.º 2) –
do poder legislativo, in concreto, na exacta medida da incompetência absoluta do
CGOA para decretar novas incompatibilidades;
(iii) carência absoluta de forma legal (ibidem, alínea f) do n.º 2)
– porquanto um acórdão administrativo não constitui nem substitui, formalmente,
uma lei especial da República.
Vejamos.
II.2.4.2. Para a sentença recorrida, após a entrada em vigor do CPA
deixou de ter relevância a distinção entre inexistência e nulidade, e tendo em
vista a sua definição doutrinária, considerou no entanto não poder falar‑se numa
tal figura jurídica, no caso, pois que o acto de 24 de Setembro de 1993 está
perfeitamente identificado, pelo próprio recorrente.
Por outro lado, não poderá falar‑se em falta de elemento essencial
do acto administrativo, que seria a falta de norma habilitante, quando essa
norma existe, vertida nas disposições contidas no artigo 96.º (sendo referido
por lapso o 97.º) do Estatuto dos ROC e nos artigos 68.º e 69.º do EOA.
Prosseguindo.
II.2.4.3. Como este STA vem afirmando, o legislador do CPA definiu
em termos amplos o conceito de nulidade em detrimento do conceito de
inexistência, apropriando‑se de alguns dos casos que a jurisprudência e a
doutrina incluíam neste último conceito (artigo 133.º).
O conceito de inexistência jurídica mantém, no entanto, a sua
autonomia, abstendo‑se o legislador de o definir, deixando essa tarefa para a
jurisprudência e para a doutrina (do sumário do acórdão do STA, de 3 de Março
de 1999, Rec. n.º 41 889).
Podem ver‑se nesse sentido, entre muitos outros, os acórdãos de 16
de Maio de 2001 (Recs. n.ºs 34 589 e 32 953), de 7 de Novembro de 2001 (Rec. n.º
47 857) e de 19 de Dezembro de 2001 (Rec. n.º 46 027).
Pode, porém, continuar a afirmar‑se, sinteticamente, que um acto é
inexistente quando estivermos perante uma mera aparência de acto.
Só que de um acto administrativo cujo autor (órgão de uma
associação pública) está devidamente identificado (CGOA), que, ao abrigo de
normas de direito público, regula iniludivelmente a situação jurídica do
interessado também identificado, apto a produzir efeitos na sua situação
jurídico‑estatutária (no ponto em que o suspendeu do exercício da actividade de
advogado), não pode dizer‑se que seja um acto simplesmente aparente.
II.2.4.4. Constituem causas de nulidade do acto administrativo as
que se mostram enunciadas no artigo 133.º do CPA, ou em lei especial. Ou seja,
a nulidade, como vício especial em direito administrativo, carece de
qualificação expressa em tal sentido.
Para o recorrente, a primeira causa de nulidade traduzia‑se na falta
de elemento essencial ao acto, o qual seria a norma de direito público
habilitando o agente à sua prática.
Vejamos.
O conceito de «elementos essenciais do acto administrativo», para
efeitos do artigo 133.º, n.º 1, do CPA, tem a ver com a densificação desses
elementos, que decorre dos tipos de actos em causa ou da gravidade dos vícios
que os afecta, podendo pois dizer‑se que são nulos, nos termos daquele
normativo, os actos a que falte qualquer dos elementos indispensáveis para que
se possa constituir qualquer acto administrativo, incluindo os que caracterizam
cada espécie concreta, ou feridos de vícios graves e decisivos equiparáveis
àquela carência.
Admitindo que o órgão da Administração em causa houvesse proferido
o acto sem que estivesse habilitado por lei a fazê‑lo, importa que se refira, à
semelhança do que a jurisprudência do STA há muito vem dizendo a propósito de
acto administrativo que aplica norma inconstitucional, que o mesmo não pode
considerar‑se nulo, mas como estando viciado por erro no pressuposto de direito,
que integra violação de lei, causal de mera anulabilidade.
De nulidade apenas poderia falar‑se se, com a falta de habilitação
legal, o acto incorresse nalguma das situações que a lei comina de nulidade,
nomeadamente por ofender o conteúdo essencial de um direito fundamental, o que
não é o caso do acto recorrido, em que se está perante suspensão de inscrição na
OA por incompatibilidade com o exercício de outra actividade, suspensão essa a
que o interessado poderá, pois, pôr termo. Vejam‑se, a propósito, pelo menos, os
acórdãos do STA, de 27 de Junho de 1995 (Rec. n.º 26 483), de 6 de Julho de 1999
(Rec. n.º 31 304), de 9 de Novembro de 1999 (Rec. n.º 27 859), e de 7 de Maio de
2008 (Rec. n.º 1034/07‑2.ª Secção).
Só que nem sequer pode falar‑se, por banda da AR, em falta de
habilitação legal para a emissão do acto.
O que, no plano substantivo, está em causa é apenas uma simples
divergência sobre se a situação em que se encontrava o recorrente – exercendo a
actividade de ROC e inscrito na OA – constitui causa de incompatibilidade do
exercício de funções e, assim, conducente à suspensão da sua inscrição na OA.
Para a OA, uma tal situação fazia incorrer o recorrente no âmbito das
disposições combinadas dos citados artigos 68.º e 69.º dos Estatutos da Ordem
(vigorava à data do acto o Decreto‑Lei n.º 84/84) como fundamento de
incompatibilidades.
Ora, se uma divergência sobre a interpretação da lei ao abrigo da
qual (ou sob cuja invocação) foi praticada uma decisão administrativa integrasse
falta de habilitação legal para a emissão do acto, seguramente que poderia
falar‑se sempre na falta de lei.
Concluindo, não pode dizer‑se que o acto impugnado incorreu em
nulidade por falta de elemento essencial do acto.
II.2.4.5. Vejamos agora se a descrita situação integra a causa de
nulidade enunciada no artigo 133.º, alínea a) do n.º 2, do CPA – usurpação de
poder (legislativo) –, pois que, e em resumo, haveria incompetência absoluta do
CGOA para decretar novas incompatibilidades.
Crê‑se que do já referido decorre a improcedência desta arguição.
Vejamos pois:
O vício de usurpação de poder assenta no pressuposto da violação de
normas que distribuem a competência entre os vários poderes do Estado,
traduzindo‑se numa forma de incompetência agravada, por falta de atribuições
por um órgão da Administração decidir uma questão que é da competência dos
tribunais ou, como também alguns autores entendem, da competência do poder
legislativo (cf., v. g., Freitas do Amaral, in Direito Administrativo, III vol.,
p. 295, e Esteves de Oliveira, in Direito Administrativo, a p. 555. Veja‑se,
ainda, a propósito, Marcelo Rebelo de Sousa, in Lições de Direito
Administrativo, p. 105). Como este STA vem expendendo, a usurpação de poder
constitui uma forma de incompetência agravada, por falta de atribuições (cf.,
v. g., acórdão de 5 de Maio de 1992 – Rec. n.º 25 349‑P, de 3 de Junho de 2003 –
Rec. n.º 45 851, e de 13 de Outubro de 2004, Rec. n.º 47 836‑P).
Ocorre, pois, tal vício quando a autoridade administrativa invade a
esfera de atribuições dos tribunais ou quando pratica um acto do poder
legislativo, que é afinal a imputação que o recorrente endereça ao acto
impugnado.
Só que, como se viu, não foi isso que operou o acto em causa.
Na verdade, o acto em causa dimanou de órgão de uma associação
pública (‘forma de administração mediata, consubstanciando uma devolução de
poderes do Estado a uma pessoa autónoma por este constituída’, como se refere no
preâmbulo do Decreto‑Lei n.º 84/84) no exercício das atribuições e competências
que o Estatuto da Ordem lhe confere, concretamente de regulamentação do
exercício da profissão liberal advocacia com o alcance de decretar a suspensão
do recorrente na Ordem dos Advogados pelo já referido motivo, ou seja, porque o
considerou sob o alcance das normas estatutárias pré‑existentes que regem sobre
incompatibilidades e impedimentos.
Não se antolha, deste modo, que uma tal actuação configure invasão
da esfera de atribuições do poder legislativo.
II.2.4.6. Indaguemos da arguição de carência absoluta de forma legal
(alínea f) do n.º 2 do artigo 133.º do CPA), traduzida na invocação, em
síntese, de que ‘um acórdão administrativo não constitui nem substitui,
formalmente, uma lei especial da República’.
O acto carece em absoluto de forma legal quando falta a forma solene
a que a lei sujeita a produção do efeito.
A improcedência de uma tal arguição resulta de tudo o que já antes
se disse, donde decorre que a Administração, através do acto impugnado, apenas
agiu no cumprimento das atribuições que lhe estão conferidas por lei,
concretamente regulamentando o exercício da profissão de advocacia (cf., desde
logo, o artigo 1.º do citado Decreto‑Lei n.º 84/84, de 16 de Março), no
cumprimento do que se encontra legalmente prescrito, e embora a lei, que de
resto o recorrente não invoca, não sujeite a produção do efeito que visa a
qualquer forma, veio a ser publicitado por edital publicado em Diário da
República, como acima se viu.
II.2.4.7. Resta indagar da arguição de que ocorre motivo de reenvio
de questão prejudicial ao Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias,
traduzida em indagar, à luz da jurisprudência deste corpo jurisdicional, e em
resumo, ‘se a deliberação de suspensão da inscrição do advogado signatário
tomada pelo Conselho Geral da Ordem dos Advogados constitui um acto
administrativo: (i) perfeitamente válido, ou (ii) absolutamente inválido’.
Ou seja, saber se, à luz daquela jurisprudência, a Ordem dos
Advogados (através de órgão previsto na sua orgânica interna) pode produzir
actos administrativos com o referido conteúdo.
Só que, da alegação para o efeito produzida, constata‑se que o
recorrente não só não invoca qualquer disposição de direito comunitário cujo
sentido e alcance haja sido posto em dúvida, quer por si, quer pela decisão
recorrida, aludindo em vez disso a uma abstracta violação dos princípios
contidos na Convenção Europeia dos Direitos do Homem, do processo equitativo
(artigo 6.º) e da não discriminação (artigo 14.º), normas que não têm qualquer
relação com a decisão administrativa em causa, muito menos com a decisão
jurisdicional dos autos que não conheceu ou aplicou qualquer norma de direito
comunitário.
Na verdade, nos termos do artigo 234.º do Tratado de Roma –
Comunidade Europeia – o Tribunal de Justiça é competente para decidir, a
título prejudicial ‘sobre a interpretação do presente Tratado’. Nos termos
desse mesmo artigo, ‘sempre que uma questão desta natureza seja suscitada
perante qualquer órgão jurisdicional de um dos Estados‑Membros, esse órgão
pode, se considerar que uma decisão sobre essa questão é necessária ao
julgamento da causa, pedir ao Tribunal de Justiça que sobre ela se pronuncie’.
Conforme ainda esclarece o aludido preceito, o reenvio prejudicial é
obrigatório, quando a questão seja colocada num órgão jurisdicional cujas
decisões sejam irrecorríveis no direito interno.
De resto, sempre se dirá que a possibilidade de as associações
públicas produzirem actos administrativos (contenciosamente recorríveis e,
portanto, com a submissão ao regime do acto administrativo regulado pela CRP –
artigo 268.º –, e pela lei ordinária – Secções II a III do Capítulo I do CPA)
constitui questão pacífica no actual regime jurídico‑administrativo.
Assim sendo, não assiste qualquer fundamento ao pedido de reenvio.»
3. Como resulta das precedentes transcrições, o acórdão recorrido
não contém, como ratio decidendi, quer explícita quer implicitamente, qualquer
juízo de validade constitucional das normas dos artigos 68.º e 69.º do Estatuto
da Ordem dos Advogados, nem assenta na efectiva aplicação destas normas.
A questão que integrava o objecto do recurso jurisdicional decidido
pelo acórdão recorrido era a da tempestividade do recurso contencioso de
anulação da deliberação do Conselho Geral da Ordem dos Advogados, de 24 de
Setembro de 1993, interposto pelo recorrente somente em 6 de Março de 2002,
através da invocação de vícios que, no entender das instâncias, eram geradores
de mera anulabilidade, e não de nulidade ou de inexistência, pelo que a
interposição do recurso estava sujeita ao prazo de dois meses estabelecido no
artigo 28.º da LPTA.
Consequentemente, as únicas normas aplicadas na decisão recorrida,
como sua ratio decidendi, foram as do artigo 28.º da LPTA e as normas do CPA que
indicam os casos de nulidade do acto administrativo invocadas pelo recorrente
mas que se entendeu não ocorrerem no caso: artigos 133.º, n.º 1, ex vi artigo
120.º, por pretensa falta de elemento essencial do acto; 133.º, n.º 2, alínea
a), por pretensa usurpação de poder; e 133.º, n.º 2, alínea f), por pretensa
carência absoluta de forma legal. Só estas normas foram relevantes para a
apreciação e decisão da questão colocada no recurso jurisdicional: a
tempestividade do recurso contencioso.
Não tendo, obviamente, entrado na apreciação do mérito do recurso
contencioso, consistente no apuramento da existência, ou não, de situação de
incompatibilidade, o acórdão recorrido não só não fez aplicação das normas dos
artigos 68.º e 69.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, como em parte alguma
emite juízo sobre a sua validade, e muito menos sobre a sua
constitucionalidade, tendo‑se limitado a constatar o entendimento
jurisprudencial pacífico de que a eventual inconstitucionalidade de uma norma
não torna, só por si, nulo o acto administrativo nela baseado, o qual, à falta
de disposição legal expressa a cominar a nulidade, segue a regra geral de que
padecerá de vício de violação de lei gerador de mera anulabilidade.
Assim, não tendo o acórdão recorrido feito qualquer aplicação
efectiva das normas identificadas no requerimento de interposição do presente
recurso, este surge como inadmissível, o que determina o não conhecimento do seu
objecto.”
1.2. A reclamação apresentada pelo recorrente assenta
nos seguintes fundamentos:
“B. A decisão reclamada: sua fundamentação.
Impugnado é pelo presente acto processual a recente Decisão Sumária
do Relator, datada de 9 de Fevereiro último, na qual se decide «não tomar (sic)
do objecto do recurso» sob a argumentação, principalmente, de que:
i) «o acórdão recorrido não contém, como ratio decidendi, quer
explícita quer implicitamente qualquer juízo de validade constitucional das
normas dos artigos 68.º e 69.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, nem assenta
na efectiva aplicação destas normas»;
ii) «as únicas normas aplicadas na decisão recorrida, como sua ratio
decidendi, foram as do artigo 28.º da LPTA e as normas do CPA que indicam os
casos de nulidade do acto administrativo invocadas pelo recorrente mas que se
entendeu não ocorrerem no caso: artigos 133.º, n.º 1, ex vi artigo 120.º, por
pretenso falta de elemento essencial do acto; 133.º, n.º 2, alínea a), por
pretensa usurpação de poder; e 133.º, n.º 2, alínea f), por pretensa carência
absoluta de forma legal» (sic; sublinhados do recorrente),
tal resultando, declaradamente, «das precedentes transcrições» da
conclusão das alegações do signatário no seu recurso jurisdicional para o
Supremo Tribunal Administrativo e da fundamentação jurídica da decisão de
improvimento desse recurso conclusiva do acórdão acolá lavrado.
C. Fundamento da presente reclamação.
1) O erro, manifesto, da douta Decisão reclamada radica,
essencialmente, na conclusão, decisiva, de que o acórdão recorrido nem sequer
implicitamente contém, como ratio decidendi, qualquer juízo de validade
constitucional, nem assenta na efectiva aplicação, das normas dos artigos 68.º
e 69.º do Estatuto da Ordem dos Advogados (o «EOA»). E resulta tal conclusão
errada do facto, transparecente, de as duas peças processuais transcritas na
Decisão ora sob impugnação, as alegações do recorrente e o próprio acórdão do
Colectivo judicante, terem nessa sede sido meramente lidas, mas não devidamente
interpretadas (e que «As decisões (como os contratos, como as leis) devem ser
interpretadas, no seu contexto legal e processual, na sua lógica, e não apenas
lidas» é, consabidamente, o que dita a doutrina jurisprudencial do douto
Acórdão de 28 de Junho de 1994 do Supremo Tribunal de Justiça, no Rec. n.º 85
826: in Colectânea de Jurisprudência, ano XX, tomo II, pp. 165 e seguintes). Na
verdade,
2) um labor interpretativo mínimo aplicado já ao segundo trecho do
acórdão recorrido supratranscrito levaria desde logo a questionar‑se a razão
por que o recorrente invocou aí determinadas «normas do CPA que indicam os casos
de nulidade do acto administrativo», ou seja: a do n.º 1 do artigo 133.º, ex vi
artigo 120.º; a da alínea a) do n.º 2 do mesmo artigo, e a da alínea f) do mesmo
número do mesmo artigo. Assim se apuraria, realmente, através da necessária
exegese da conclusão n.º 5 das alegações do signatário referidas, que essa
tripla «nulidade ipso jure do acto administrativo sindicado» – a saber,
respectivamente: i) «falta de elemento essencial do acto»; ii) «usurpação de
poder»; e iii) «carência absoluta de forma legal» – é, «irredutível e
irreversivelmente», determinada pela «norma estatutária que efectivamente,
legalmente, regula a situação de facto observada (a do artigo 69.º [do EOA])»,
numa aplicação constitucionalmente conforme, segundo resulta, outrossim
textualmente, das alegações de recurso citadas: in II‑E.16‑17,
3) para daí se concluir, irrefutavelmente, que, sendo embora as
normas dos artigos 120.º e 133.º do CPA referidas que no acórdão recorrido se
dizem explicitamente aplicadas, é, afinal, a norma do artigo 69.º do EOA
(noutras partes do aresto, passim, a do artigo 68.º) aquela efectivamente
aplicada, nela necessariamente assentando, sem o dizer, a decisão proferida. Com
efeito,
4) sendo certo e sabido que o recorrente deixou in casu formalmente
«arguida a inconstitucionalidade das, a priori sufragadas, normas do artigo 68.º
e do artigo 69.º do EOA, com evidenciado fundamento em violação do princípio
jusconstitucional da proporcionalidade em sentido amplo, ou proibição do
excesso» (cf. II‑F.2), é não menos incontroverso que para essas mesmas normas
estatutárias, precisamente, remete de modo expresso o acórdão recorrido ao
fundamentar a decisão de não verificação das nulidades apontadas: de facto,
5) no ponto II.2.4.2, ao alegar que «não poderá falar‑se em falta de
elemento essencial do acto administrativo, que seria a falta de norma
habilitante», aquele Colectivo justifica‑se afirmando que «essa norma existe
(…) nos artigos 68.º e 69.º do EOA»; e, logo adiante, no ponto II.2.4.5, para
defender que tampouco se verificará no caso o vício de usurpação de poder,
afirma que «a suspensão do recorrente na Ordem dos Advogados» sucedeu porque um
seu «órgão» (não especificado) «o [ao recorrente] considerou sob o alcance das
normas estatutárias pré‑existentes (sic) que regem sobre incompatibilidades e
impedimentos», isto é, implícita mas inequivocamente: as normas dos artigos
68.º, 69.º e 70.º do EOA. E ainda, vendo bem: por que razão há‑de no acórdão
recorrido discutir‑se, aí a seguir, se a deliberação do CGOA controvertida
configura «invasão da esfera de atribuições do poder legislativo» (sic: pág.
17) ou se «carece em absoluto de forma legal» (ibid.), se não, unicamente,
porque o comando da alínea p) do artigo 69.º em questão estabelece que só «por
lei especial» possam ser consideradas incompatíveis com o exercício da advocacia
quaisquer outras actividades ou funções além das ali taxativamente enumeradas
nas catorze alíneas antecedentes? Portanto,
6) contra o sumarissimamente concluído na decisão singular
reclamada, como está bem à vista, são as normas quer do artigo 68.º quer do
artigo 69.º do EOA, ora explícita ora implicitamente, efectivamente, que
integram a ratio decidendi, como ultima ratio, de qualquer dos fundamentos da
decisão colegial recorrida – atinentes, todos e cada um, à arguida nulidade de
pleno direito da deliberação administrativa impugnada –, constituindo os
preceitos do artigo 120.º e do artigo 133.º do CPA explicitamente indicados,
objectivamente, segmentos normativos integrantes, por extensão hermenêutica,
daquelas normas estatutárias in concreto aplicadas. Por consequência,
7) da demonstração, criteriosamente peticionada, da
inconstitucionalidade material da dimensão hermenêutica das normas do EOA
concretamente aplicadas, como principal base decisória, no aresto recorrido
resultará, forçosamente, a comprovação da nulidade de pleno direito de tal
normativo – e, ipso facto et ipso jure, da deliberação administrativa e das
decisões judiciais nele em sucessão estribadas – por verificação, simul, da
multímoda situação de facto tipificada na fattispecie das normas do CPA,
sancionatórias dessa invalidade, na própria alegação de recurso pertinentemente
especificadas. Aliás,
8) caberá judiciosamente perguntar, em epílogo: como seria, na
realidade, possível uma decisão jurisdicional julgando recurso impugnativo de
sentença proferida sobre recurso contencioso de declaração da nulidade de
deliberação administrativa de suspensão da inscrição dum advogado por alegada
incompatibilidade de funções cujo fundamento segundo (da sentença referida: cf.
alegações cit., I‑C) reza assim:
«essa deliberação não é um acto nulo, resulta da aprovação de um
parecer, em que se fundamenta, e que refere que existe, no caso concreto,
incompatibilidade de funções, quer de acordo com o disposto no artigo 97.º do
Estatuto dos Revisores Oficiais de Contas, quer nos termos dos artigos 68.º e
69.º do Estatuto da Ordem dos Advogados», ou seja: «baseou‑se nos referidos
normativos referindo o artigo 68.º do EOA que ‘o exercido da advocacia é
incompatível com qualquer actividade ou função que diminua a independência e a
dignidade da profissão’, referindo o artigo 69.º, n.º 1, as actividades e
funções que se considera incompatíveis com o exercício da advocacia», ou seja,
ainda: «dúvidas não há que estamos perante urna deliberação que se fundamentou
em determinadas normas, norma habilitante», pelo que «temos que concluir que não
lhe falta qualquer elemento essencial (…), pelo que a mesma não poderá estar
ferida de qualquer vicio que acarrete a sua nulidade»,
emitir pronúncia – o aresto nesta sede recorrido – sobre,
necessariamente, a parte das alegações do recorrente reafirmativa, contra este
sentenciado, da «Nulidade absoluta do acto administrativo sub judice» (ibid.,
II‑E) ... sem, nem sequer implicitamente, conter algum juízo de valor, nem
tampouco assentar na efectiva aplicação, de qualquer das normas do Estatuto da
Ordem dos Advogados em questão, a do artigo 68.º e, ou, a do artigo 69.º?!
D. Conclusão: o reclamado.
1) Alegando no recurso jurisdicional sub judice, o signatário arguiu
formalmente a inconstitucionalidade das normas dos artigos 68.º e 69.º do
Estatuto da Ordem dos Advogados, mais precisando que da aplicação desse
normativo segundo uma dimensão interpretativa não constitucionalmente conforme
resultava a nulidade da deliberação administrativa sob impugnação, aliás a mais
do que um título: falta do elemento essencial do acto que é a própria norma
habilitando à sua prática, usurpação de poder pelo autor e carência absoluta de
forma legal do acto preceituado;
2) O de resto douto aresto que julgou o recurso, nesta sede
recorrido, pronunciou‑se sistematicamente sobre cada uma dessas causas de
invalidade do acto alegadas, seguindo a ordem dos preceitos do Código do
Procedimento Administrativo que respectivamente as cominam, referenciando estes,
porém remetendo sempre em abono da sua tese, explícita ou implicitamente, para
as duas normas estatutárias supramencionadas,
3) de tal forma que não será possível se decrete a arguida
inconstitucionalidade material das normas estatutárias in concreto sindicadas
sem se declarar, simul, a verificação das invocadas causas de invalidade do acto
administrativo impugnado, daí corolariamente se extraindo a certeza jurídica da
tempestividade da interposição do recurso contencioso em causa.
Consequentemente,
4) tudo visto, esse Alto Tribunal ad quem, fazendo agora, como lhe
cumpre, sã e inteira justiça, julgará em ordem a que, de harmonia com o
preceituado no artigo 78.º‑A, n.º 5, da Lei do Tribunal Constitucional, seja o
advogado signatário notificado para apresentar no caso as suas competentes
alegações de direito.”
1.3. O recorrido Conselho Geral da Ordem dos Advogados
respondeu, propugnando a improcedência da reclamação, por, “ao contrário do que
o reclamante alega, o acórdão recorrido não contém, nem implicitamente, qualquer
juízo de validade constitucional das normas dos artigos 68.º e 69.º do anterior
EOA, tendo o processo sido considerado improcedente por força da aplicação de
normas jurídicas que nada têm a ver com as que o reclamante pretende colocar ao
crivo deste Tribunal Constitucional”.
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
2. A decisão sumária ora reclamada assentou o não
conhecimento do recurso na constatação de o acórdão recorrido não ter feito
aplicação efectiva das normas identificadas no respectivo requerimento de
interposição, não contendo, como ratio decidendi, quer explícita quer
implicitamente, qualquer juízo de validade constitucional das normas dos
artigos 68.º e 69.º do EOA. Na verdade, consistindo a questão objecto do recurso
jurisdicional decidido pelo acórdão recorrido tão‑só na tempestividade do
recurso contencioso de anulação da deliberação do Conselho Geral da Ordem dos
Advogados, de 24 de Setembro de 1993, interposto pelo recorrente somente em 6
de Março de 2002, através da invocação de vícios que, no entender das
instâncias, eram geradores de mera anulabilidade, e não de nulidade ou de
inexistência, pelo que a interposição do recurso estava sujeita ao prazo de
dois meses estabelecido no artigo 28.º da LPTA, as únicas normas aplicadas na
decisão recorrida, como sua ratio decidendi, foram as do artigo 28.º da LPTA e
as normas do CPA que indicam os casos de nulidade do acto administrativo
invocadas pelo recorrente mas que se entendeu não ocorrerem no caso: artigos
133.º, n.º 1, ex vi artigo 120.º, por pretensa falta de elemento essencial do
acto; 133.º, n.º 2, alínea a), por pretensa usurpação de poder; e 133.º, n.º 2,
alínea f), por pretensa carência absoluta de forma legal.
Tendo sido exclusivamente essas as normas relevantes
para a apreciação e decisão da questão colocada no recurso jurisdicional – a
tempestividade do recurso contencioso – e não tendo, por isso, entrado na
apreciação do mérito do recurso contencioso, consistente no apuramento da
existência, ou não, de situação de incompatibilidade, entendeu‑se na Decisão
Sumária ora reclamada que o acórdão recorrido não só não fez aplicação das
normas dos artigos 68.º e 69.º do EOA, como em parte alguma emite juízo sobre a
sua validade, e muito menos sobre a sua constitucionalidade, tendo‑se limitado
a constatar o entendimento jurisprudencial pacífico de que a eventual
inconstitucionalidade de uma norma não torna, só por si, nulo o acto
administrativo nela baseado, o qual, à falta de disposição legal expressa a
cominar a nulidade, segue a regra geral de que padecerá de vício de violação de
lei gerador de mera anulabilidade.
Este entendimento é inteiramente de manter, apenas se
recordando, de novo, a fundamentação desenvolvida no acórdão recorrido a
propósito da improcedência da tese da nulidade do acto por falta do “elemento
essencial” que derivaria da falta (no sentido de inexistência) de norma legal
habilitante para a sua prática (tendo sido exclusivamente a propósito deste
hipotético fundamento de nulidade do acto – e não dos outros dois a seguir
invocados –, que o recorrente, na alegação do recurso jurisdicional, suscitou a
questão da inconstitucionalidade dos artigos 68.º e 69.º do EOA):
“II.2.4.4. Constituem causas de nulidade do acto administrativo as
que se mostram enunciadas no artigo 133.º do CPA, ou em lei especial. Ou seja,
a nulidade, como vício especial em direito administrativo, carece de
qualificação expressa em tal sentido.
Para o recorrente, a primeira causa de nulidade traduzia‑se na falta
de elemento essencial ao acto, o qual seria a norma de direito público
habilitando o agente à sua prática.
Vejamos.
O conceito de «elementos essenciais do acto administrativo», para
efeitos do artigo 133.º, n.º 1, do CPA, tem a ver com a densificação desses
elementos, que decorre dos tipos de actos em causa ou da gravidade dos vícios
que os afecta, podendo pois dizer‑se que são nulos, nos termos daquele
normativo, os actos a que falte qualquer dos elementos indispensáveis para que
se possa constituir qualquer acto administrativo, incluindo os que caracterizam
cada espécie concreta, ou feridos de vícios graves e decisivos equiparáveis
àquela carência.
Admitindo que o órgão da Administração em causa houvesse proferido
o acto sem que estivesse habilitado por lei a fazê‑lo, importa que se refira, à
semelhança do que a jurisprudência do STA há muito vem dizendo a propósito de
acto administrativo que aplica norma inconstitucional, que o mesmo não pode
considerar‑se nulo, mas como estando viciado por erro no pressuposto de direito,
que integra violação de lei, causal de mera anulabilidade. [sublinhado agora
acrescentado]
De nulidade apenas poderia falar‑se se, com a falta de habilitação
legal, o acto incorresse nalguma das situações que a lei comina de nulidade,
nomeadamente por ofender o conteúdo essencial de um direito fundamental, o que
não é o caso do acto recorrido [sublinhado agora acrescentado], em que se está
perante suspensão de inscrição na OA por incompatibilidade com o exercício de
outra actividade, suspensão essa a que o interessado poderá, pois, por termo.
Vejam‑se, a propósito, pelo menos, os acórdãos do STA, de 27 de Junho de 1995
(Rec. n.º 26 483), de 6 de Julho de 1999 (Rec. n.º 31 304), de 9 de Novembro de
1999 (Rec. n.º 27 859), e de 7 de Maio de 2008 (Rec. n.º 1034/07‑2.ª Secção).
Só que nem sequer pode falar‑se, por banda da AR, em falta de
habilitação legal para a emissão do acto.
O que, no plano substantivo, está em causa é apenas uma simples
divergência sobre se a situação em que se encontrava o recorrente – exercendo a
actividade de ROC e inscrito na OA – constitui causa de incompatibilidade do
exercício de funções e, assim, conducente à suspensão da sua inscrição na OA.
Para a OA, uma tal situação fazia incorrer o recorrente no âmbito das
disposições combinadas dos citados artigos 68.º e 69.º dos Estatutos da Ordem
(vigorava à data do acto o Decreto‑Lei n.º 84/84) como fundamento de
incompatibilidades.
Ora, se uma divergência sobre a interpretação da lei ao abrigo da
qual (ou sob cuja invocação) foi praticada uma decisão administrativa integrasse
falta de habilitação legal para a emissão do acto, seguramente que poderia
falar‑se sempre na falta de lei.
Concluindo, não pode dizer‑se que o acto impugnado incorreu em
nulidade por falta de elemento essencial do acto.”
Concluindo‑se, assim, que o acórdão recorrido não fez
qualquer aplicação efectiva das normas identificadas no requerimento de
interposição do presente recurso, este surge como inadmissível, o que
determinava o não conhecimento do seu objecto, como correctamente se decidiu na
Decisão Sumária ora reclamada.
3. Termos em que, sem necessidade de considerações
suplementares, acordam em indeferir a presente reclamação, confirmando a
decisão sumária reclamada.
Custas pelo recorrente, fixando‑se a taxa de justiça em
20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 1 de Abril de 2009.
Mário José de Araújo Torres
João Cura Mariano
Rui Manuel Moura Ramos