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Processo n.º 66/09
3ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
A. interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra da sentença do juiz do
Tribunal Judicial da Comarca de Porto de Mós que julgou totalmente improcedente
a impugnação de uma decisão da Direcção Geral de Viação que, pela prática da
infracção contra-ordenacional prevista e punível pelo artigo 27º, n.º s 1 e 2,
alínea a), do Código da Estrada (CE), lhe aplicara uma coima e o condenara na
sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 90 dias, tendo
sustentado, na respectiva motivação, a inconstitucionalidade do artigo 175º, n.º
4, do Código da Estrada, na interpretação segundo a qual o pagamento voluntário
da coima impede a discussão posterior da existência da infracção.
Por acórdão de 3 de Dezembro de 2008, o Tribunal da Relação de Coimbra negou
provimento ao recurso interposto pelo arguido, por considerar, em síntese, que o
artigo 175º, n.º 4, do Código da Estrada não padece de qualquer
inconstitucionalidade, e, como tal, o recorrente depois de paga voluntariamente
a coima apenas pode apresentar defesa restrita à gravidade da infracção e à
sanção de inibição de conduzir aplicável, sem discutir a verificação da
infracção a qual está necessariamente assumida como tendo ocorrido.
Deste acórdão, quer o Ministério Público, quer o recorrente, interpuseram
recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70º, n.º
1, alínea g), da Lei do Tribunal Constitucional, invocando que a interpretação
normativa adoptada na decisão recorrida foi anteriormente julgada
inconstitucional pelo Tribunal Constitucional, através do acórdão n.º 45/2008,
publicado no Diário da República n.º 44, II Série, de 3 de Março de 2008 (no seu
requerimento, o Ministério Público, citou ainda a decisão sumária n.º 508/2008,
de 11 de Novembro de 2008).
No seguimento do processo, o Ministério Público apresentou alegações em que
conclui do seguinte modo:
1ª - A norma do artigo 175º, nº 4, do Código da Estrada, na redacção do
Decreto-Lei nº 44/2005, de 23 de Fevereiro, na interpretação segundo a qual paga
voluntariamente a coima, ao arguido não é consentido, na fase de impugnação
judicial de decisão administrativa que aplicou a sanção acessória de inibição de
conduzir, discutir a existência de infracção, é inconstitucional por violação
dos artigos 20º, nºs 1 e 5, e 268º, nº 4, da Constituição.
2ª - Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso.
Por sua vez, A., na sua alegação, formulou as seguintes conclusões:
1.º - A admitir-se a constitucionalidade do normativo estradal em causa,
mormente do artigo 175.°, n.° 4, do C.E., seria determinar um encurtamento
intolerável das garantias exigidas pelo princípio da tutela jurisdicional
efectiva e do processo equitativo.
2.° - Tal preceito, na sua actual redacção, não respeita os requisitos
constitucionais liminares do acesso aos tribunais para tutela efectiva de
direitos e interesses legalmente reconhecidos, através de um processo
equitativo, no âmbito de um processo judicial de impugnação de uma decisão
administrativa de cariz sancionatório, o critério normativo segundo o qual o
pagamento voluntário a coima por contra — ordenação rodoviária impossibilita o
arguido de discutir em tribunal a própria existência da infracção.
4.° - A inconstitucionalidade da norma ora chamada à colação é perceptível no só
pelo entendimento de que se encontra estabelecido uma presunção inilidível mas
também pela atribuição de um valor probatório absoluto à confissão do arguido,
que estaria implícita na sua opção pelo pagamento voluntário da coima.
5º - Por conseguinte, a norma do artigo 175.°, n.° 4, do Código da Estrada, na
redacção do Decreto-Lei n.° 44/2005, de 23 de Fevereiro, na interpretação
segundo a qual paga voluntariamente a coima, ao arguido não é consentido, na
fase de impugnação judicial de decisão administrativa que aplicou a sanção
acessória de inibição de conduzir, discutir a existência de infracção, é
inconstitucional por violação dos artigos 20.°, n.°s 1 e 5, e 268.°, n.° 4, da
Constituição.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
O Tribunal Constitucional já apreciou a questão de constitucionalidade que
integra o objecto dos presentes recursos e que se reporta à norma do artigo
175º, n.º 4 do Código da Estrada, na redacção do Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23
de Fevereiro, na interpretação segundo a qual, paga voluntariamente a coima, ao
arguido não é consentido, na fase de impugnação judicial da decisão
administrativa que aplicou a sanção acessória de inibição de conduzir, discutir
a existência da infracção.
Fê-lo no Acórdão n.º 45/08, de 23 de Janeiro (disponível em
www.tribunalconstitucional.pt), em várias Decisões Sumárias, e, finalmente - já
durante a fase das alegações do presente recurso de constitucionalidade -, no
Acórdão n.º 135/09, de 18 de Março (disponível no mesmo sítio e também publicado
no Diário da República, I Série, n.º 85, de 4 de Maio de 2009, pág. 2512).
Neste acórdão, tirado em Plenário, declarou-se, com força obrigatória geral, a
inconstitucionalidade, por violação dos artigos 20.º, n.ºs 1 e 5, e 268.º, n.º
4, da Constituição da República Portuguesa, da norma constante do artigo 175.º,
n.º 4, do Código da Estrada, aprovado pelo Decreto‑Lei n.º 114/94, de 3 de Maio,
na redacção dada pelo Decreto‑Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro, interpretada
no sentido de que, paga voluntariamente a coima, ao arguido não é consentido, na
fase de impugnação judicial da decisão administrativa que aplicou a sanção
acessória de inibição de conduzir, discutir a existência da infracção.
Assim sendo, apenas cumpre agora aplicar a referida declaração de
inconstitucionalidade com força obrigatória geral e, em consequência, conceder
provimento aos recursos interpostos e determinar a reformulação da decisão
recorrida de acordo com aquela declaração.
III. Decisão
Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, decide-se, por aplicação da
declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral constante do
Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 135/09, de 18 de Março, conceder
provimento aos recursos e determinar a reformulação da decisão recorrida de
acordo com aquela declaração.
Sem custas.
Lisboa, 27 de Maio de 2009
Carlos Fernandes Cadilha
Ana Maria Guerra Martins
Maria Lúcia Amaral
Vítor Gomes
Gil Galvão