Imprimir acórdão
Processo n.º 597/06
1ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira
ACORDAM NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
1. Por sentença de 9 de Novembro de 2004 (a fls. 116 e seguintes), o Tribunal
Administrativo e Fiscal de Almada julgou improcedente a impugnação da liquidação
de “encargos”, efectuada pela Câmara Municipal de Almada, no âmbito do processo
de licenciamento de obras particulares n.º 330/94, deduzida por A..
Desta sentença recorreu A. para o Tribunal Central Administrativo Sul,
concluindo a alegação da seguinte forma:
“ […]
I. O Tribunal a quo não fez a melhor interpretação e aplicação da lei,
contrariando jurisprudência e doutrina dominantes.
II. E aplicou normas inconstitucionais
III. Interpretando o n.º 1 do artigo 68.º do D.L. n.º 445/95, de 15 de Outubro
no sentido de que a CMA pode cobrar taxa municipal de realização de
infra-estruturas mesmo no caso de nenhuma infra-estrutura realizar.
IV. Admitindo a aplicação do disposto na al. a) do artigo 11.º da Lei n.º 1/87
de 6 de Janeiro quando o artigo 68.º apenas remete para alínea a).
V. Não distinguindo a natureza das duas figuras jurídicas pelo critério da
existência da contraprestação.
VI. Isto quando o Recorrente procurou demonstrar e demonstrou que a realização
de infra-estruturas fora integralmente suportada por particulares.
VII. O tribunal a quo resolveu em desfavor do Recorrente o ónus da prova
relativo à matéria de facto.
VIII. O incumprimento do ónus de demonstração de realização das obras pela
C.M.A. deveria ter conduzido à inexistência do direito de liquidação.
IX. A dúvida deveria ter conduzido à anulação do facto tributário nos termos do
artigo 100.º do C.P.P.T.
X. Do alvará de loteamento junto decorre a obrigação para os particulares de
realização das infra-estruturas.
XI. A liquidação impugnada é notificada no âmbito de uma licença de construção
após conclusão da fase de loteamento.
XII. As taxas liquidadas por aplicação do artigo 90.º, al. a) e do artigo 92.º
do RTTLP são taxas que o Município pode cobrar a título de realização de
infra-estruturas urbanísticas.
XIII.O que face ao disposto no artigo 32.º do D.L. n.º 448/91 de 29 de Dezembro
apenas legitima a sua cobrança pela concessão de licenciamento de operações de
loteamento.
XIV.E não na fase de emissão de alvará de licença de construção de obras
particulares em que apenas é legítima a cobrança das taxas previstas na alínea
b) do artigo 11.º da Lei n.º 1/87.
XV. Não havendo lugar ao pagamento de quaisquer mais valias ou compensações.
XVI.A redacção do artigo 32.º do D.L 448/91, de 29 de Dezembro só
excepcionalmente permite a cobrança de taxas pela realização de
infra-estruturas.
XVII. E desde que tenham sido efectiva, directa e integralmente suportadas pelo
município.
XVIII. Entendimento diferente, tido pelo tribunal a quo, é aceitar a teoria da
remoção do obstáculo jurídico quando o pensamento e a letra da lei apontam para
a exigência de um sinalagma específico e concreto.
XIX. Assim a sentença recorrida considera como taxa um tributo que é devido como
contrapartida da mera “remoção de um obstáculo jurídico”, do licenciamento.
XX. Isto quando o Tribunal Constitucional, também nestes casos entende que “só
pode considerar-se como taxa se com essa remoção se vier a possibilitar a
utilização de um bem semipúblico”.
XXI. Assim tal tributo tem de se considerar como um imposto o que leva a
concluir pela inconstitucionalidade orgânica do artigo 90º, al. a) e do artigo
92.º do RTTLP.
XXII. Isto tal como foram interpretadas pela sentença recorrida, por,
tratando-se de normas regulamentares, violarem o disposto no artigo 165.º n.º 1
al. i da C.R.P.
XXIII. Porque tal regulamento foi interpretado pelo Tribunal a quo no sentido de
que os tributos nele previstos podem ser cobrados sem contrapartida.
XXIV. Neste exacto sentido decidiu a 3.ª Secção do tribunal Constitucional no
Ac. n.º 274/2004 de 20 de Abril, proferido no Processo n.º 295/03.
[…]”
Por acórdão de 27 de Abril de 2006 o Tribunal Central Administrativo Sul negou
provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida. Pode ler-se no texto do
acórdão, para o que agora releva, o seguinte:
“ […]
4.2.2. Por outro lado, o impugnante sustenta, ainda, que a liquidação de tais
taxas só pode ser efectuada pela concessão de operações de loteamento e
consequente realização pelos Municípios das respectivas infra-estruturas. Caso
assim não fosse, estar-se-ia perante um verdadeiro imposto.
Mas, salvo o devido respeito, também quanto a esta matéria lhe falece a razão
legal.
É certo que como vem sendo afirmado pelo STA (acs. da secção do contencioso
tributário, de 14/5/2003 e 22/10/2003, nos recs. nºs. 030/03 e 01210/02) e pelo
TCA (acs. da secção do contencioso tributário, de 21/11/2000 e 27/5/2003, recs.
nºs. 3964/00 e 7347/02, bem como o ac. de 10/3/2005, do TCANorte), podemos
apontar, como traço essencialmente distintivo entre a taxa e o imposto, o da
bilateralidade da taxa, em confronto com o carácter unilateral dos impostos.
[…]
Ora, no sinalagma típico da taxa, destacam-se várias características:
- a inexigibilidade de equivalência económica entre as prestações dos
particulares e os serviços prestados pelo Estado. (…).
- a circunstância de a contraprestação pública não ter necessariamente que
trazer um benefício para quem paga.
- a circunstância de ser legítimo à lei estabelecer uma presunção quanto à
existência de benefícios e quanto ao universo dos destinatários (cfr. a doutrina
e jurisprudência do TConstitucional, citadas na sentença recorrida).
- a circunstância de a satisfação proporcionada pelo serviço público poder ser
futura, como bem se vê do teor dos acs. nº 576/88 e 452/87, de 9/12 (Acórdãos do
Tribunal Constitucional, 10.º volume, págs. 169 e segs.) do TConstitucional e
dos acs. do STA, de 15/10/1969, 17/12/69 e 18/6/1971, respectivamente in
Acórdãos Doutrinais, ano IX, n.º 98, págs. 238 e segs. ano IX, nº 100, págs. 513
e segs. e ano X, nº 119, págs. 1617 e segs..
- a circunstância de ser também característica típica da contraprestação pública
o facto de, para que estas sejam devidas, nem sempre ser necessária a efectiva
utilizações dos bens (…).
Conclui-se, pois, que, como se viu, a existência de nexo sinalagmático não
postula que tenha de haver forçosamente um exacto equilíbrio entre o valor
económico de ambas as prestações, até porque nem sempre os bens utilizados são
susceptíveis de ser aferidos segundo um valor económico preciso, como se passa,
por exemplo, nas taxas devidas pela remoção de obstáculos jurídicos ao uso ou
utilização de bens ou exercício de actividades. A sinalagmaticidade pressuposta
pela taxa basta-se com a existência de um mínimo de equilíbrio jurídico entre
ambas as prestações. Além de que não pode esquecer-se que existem muitos bens
por cuja utilização se exigem taxas que dificilmente poderiam ser economicamente
valorados, por razões de ordem prática, como a constante necessidade de
conservação, aperfeiçoamento ou grau de utilização.
A taxa municipal pela realização de Infra-Estruturas Urbanísticas, constitui a
contrapartida, devida ao Município, pelas utilidades prestadas aos particulares
pelas infra-estruturas urbanísticas primárias e secundárias, cuja realização,
remodelação, reforço, ou sobrecarga seja consequência de operações de
construção, reconstrução ou ampliação de edifícios ou de alterações na forma de
utilização destes.
E embora no caso dos autos não se tenha provado que a Câmara tenha executado ou
suportado financeiramente a instalação ou reforço de quaisquer infra-estruturas
urbanísticas que se tivessem tornado necessárias em consequência directa do
licenciamento e construção da obra da recorrente (sendo certo que também não se
provou que, quanto à realização das infra-estruturas urbanísticas do prédio
L-294, estas tenham sido integralmente realizadas pelos então co-proprietários),
não pode ignorar-se que, em termos de presunção natural, que a construção de um
novo loteamento concorrerá para eventual e previsível necessidade do reforço de
determinadas infra-estruturas (actuais ou futuras) e exige sempre a sua
manutenção (actual e futura), sendo que a sobrecarga das infra-estruturas não
deixa de ser também uma consequência directa da realização da obra, além de que,
conforme vem provado (cfr. al. b) do Probatório), no presente caso, a área
destinada a habitação excede em 5% a área prevista no Alvará de loteamento.
Ora, como também se escreve no ac. do TConstitucional, de 15/6/99 (acórdão nº
357/99 – Proc. nº 1005/98, in DR, II Série, nº 52, de 2/3/2000), a propósito do
“Regulamento da Taxa Municipal de Urbanização de Amarante” (considerações que,
também a nosso ver, são ao caso vertente inteiramente aplicáveis) «...afastada a
exigência de uma absoluta correspondência económica entre as prestações do ente
público e do utente, o critério adoptado fundamentalmente pela ponderação da
área de construção – índice quer da utilidade retirada pelo obrigado quer do
grau de exigência na realização, reforço, manutenção ou funcionamento de obras
de infra-estruturas urbanísticas – não deixa de ser ditado por uma preocupação
de proximidade entre o custo e utilidade da prestação do serviço e o montante da
taxa.
«E também não contradiz a bilateralidade da taxa a eventualidade de a prestação
do serviço não implicar vantagens ou benefícios para quem é obrigado ao
pagamento, muito embora seja considerável, no caso, a probabilidade dessas
vantagens ou benefícios em qualquer das modalidades de obras de infra-estruturas
urbanísticas (realização, reparação, manutenção e funcionamento) em geral
exigíveis, ou convenientes, quando se efectuam as construções ou operações de
loteamento referidas nos arts. 2º e 3º do Regulamento, o que do mesmo modo
retira o carácter presuntivo, em abstracto, das maiores despesas ou encargos por
parte da pessoa pública que é próprio das contribuições especiais por maiores
despesas.
«Por outro lado, a circunstância de aquelas obras poderem gerar utilidade para a
generalidade da população não contende com o facto de elas serem efectuadas no
interesse do onerado, que delas retira, ou pode retirar, uma utilidade própria
(o serviço prestado é, nesta dimensão, específico e divisível)».
4.2.3. Em suma, concorda-se com a decisão recorrida, quando entende que não pode
proceder a tese do impugnante de que a cobrança das taxas de urbanização só pode
ser efectuada para compensar as despesas feitas na fase do loteamento e pelo
próprio Município e que a equivalência entre as prestações dos particulares e os
serviços prestados pelos Municípios não tem necessariamente que se verificar.
Como se disse, esta taxa de realização de infra-estruturas urbanísticas não
implica a imediata afectação financeira das receitas provenientes da sua
cobrança à compensação de concretas despesas efectuadas podendo respeitar a
despesas já efectuadas ou a efectuar, pela autarquia, directa ou indirectamente
causadas pelas obras de urbanização não tendo aquela taxa que funcionar
sincronicamente com estas despesas de urbanização.
Pelo que, ao contrário do sustentado pelo recorrente (nas Conclusões XXI e
sgts.) o tributo aqui em questão não reveste a natureza jurídica de imposto,
ficando afastada a conclusão de inconstitucionalidade orgânica (por alegada
violação do disposto no art. 165º nº 1 al. i) da CRP) dos arts. 90.º, al. a) e
92.º do RTTLP, já que nem vem alegada (nem se vê que ocorra) violação do
princípio da proporcionalidade.
[…] ”
2. Inconformado, A. recorreu para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do
disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro
(LTC), para apreciação da conformidade constitucional:
“ […]
1 - da norma contida no nº 1 do art. 68º do DL. 445/95, de 15/10 e alínea a) do
art. 11.º da Lei n.º 1/87, de 6/1 e do n.º 2 do art. 68º do cit. DL. 445/95, por
ofensa aos princípios constitucionais previstos nos arts. 106.º, 2 e 168º1, i)
da Constituição da República Portuguesa:
2- da norma contida no art. 90.º a) e 92.º do RTTLP, por ofensa ao disposto no
artigo 165.º, 1, i) da Constituição;
[…]”
O recurso foi admitido. Convidado a enunciar o exacto sentido das normas
aplicadas na decisão recorrida cuja conformidade constitucional pretendia
questionar, respondeu nos seguintes termos:
“ […]
A decisão recorrida aplicou normas regulamentares organicamente
inconstitucionais por violação do disposição no artigo 165.º nº 1 al. i) da CRP,
238 n.ºs 3 e 4 e formalmente inconstitucionais por violação do disposto no
artigo 241.º da C.R.P.
2.º
Isto porque interpretou o nº 1 do artigo 68º do D.L. n.º 445/95, de 15 de
Outubro no sentido de que a CMA pode cobrar taxa municipal de realização de
infra-estruturas mesmo no caso de nenhuma infra-estrutura se realizar à custa do
erário municipal por causa ou em consequência directa ou indirecta da aprovação
do loteamento e, nessa medida, nenhuma utilidade concreta prestar ao particular
pagador da taxa.
3.º
A decisão recorrida admitiu a aplicação do disposto na al. a) do artigo 11.º da
Lei n.º 1/87 de 6 de Janeiro quando aquele artigo 68º apenas remete para a
alínea a) do artigo 11.º, concluiu pela possibilidade de existência de taxa sem
contraprestação.
O que contraria claramente Jurisprudência do Tribunal Constitucional, vide
Acórdãos n.ºs 348/86, 76/88, 1140/96 ou 558/98, publicados do DR I Série de 9 de
Janeiro de 1987 e de 21 de Abril de 1998, e II Série, de 10 Fevereiro de 1997 e
11 de Novembro de 1998, respectivamente e n.º 410/2000 e 357/99 (DR, II Série,
de 2 de Março de 2000).
4.º
Assim as taxas municipais que a CMA aplicou terão de se considerar como um
imposto o que leva a concluir pela inconstitucionalidade orgânica do art. 90.º,
al. a) e do art. 92.º da RTTLP tal como foram interpretadas pela decisão
recorrida, por, tratando-se de normas regulamentares, violarem o disposto no
artigo 165.º n.º 1 al. i da CRP.
5.º
Neste exacto sentido decidiu a 3.ª Secção do Tribunal Constitucional no Ac. n.º
274/2004 de 20 de Abril, proferido no Processo 295/03.
[…]”
O recurso prosseguiu os seus termos. Oportunamente o recorrente apresentou a sua
alegação na qual concluiu:
“ […]
1.ª O Tribunal recorrido aplicou normas inconstitucionais, ao interpretar o n.º
1 do artigo 68.º do DL n.º 445/95, de 15/10 no sentido de que a CMA pode cobrar
taxa municipal de realização de infra-estruturas mesmo no caso de nenhuma
infra-estrutura realizar.
2.ª Ao admitir a aplicação do disposto na al. a) do artigo 11.º da Lei n.º 1/87
de 6 de Janeiro quando o citado artigo 68.º apenas remete para a alínea a).
3.ª As taxas liquidadas por aplicação do artigo 90.º, al. a) do artigo 92.º do
RTTLP, apenas podem ser cobradas pelo Município a título de realização de
infra-estruturas urbanísticas, legitimadas pela concessão de licenciamento de
operações de loteamento (artigo 32.º do DL n.º 448/91 de 29/12).
4.ª Na fase de emissão de alvará de licença de construção de obras particulares
(como é o caso) apenas é legítima a cobrança das taxas de previstas na alínea b)
do artigo 11.º da Lei n.º 1/87.
5.ª O acórdão recorrido considerou como taxa um tributo devido como
contrapartida da mera “remoção de um obstáculo jurídico”, do licenciamento.
6.ª Tem julgado o Tribunal Constitucional, que “só pode considerar-se como taxa
se com essa remoção se vier a possibilitar a utilização de um bem semipúblico”.
7.ª Uma vez que não é esse o caso, temos de considerar que tal taxa se trata na
verdade de um imposto o que leva a concluir pela inconstitucionalidade orgânica
do artigo 90.º, al. a) e do artigo 92.º da RTTLP.
8.ª Isto tal como foram interpretadas pelo acórdão recorrido pois, tratando-se
de normas regulamentares, violaram o disposto no artigo 165.º n.º 1 al. i da
CRP.
9.ª Tal regulamento foi interpretado pelo TCAS no sentido de que os tributos
nele previstos podem ser cobrados sem contrapartida.
10.ª Devem por isso ser julgadas inconstitucionais as normas contidas nos art.
90.º, al. a) e do artigo 92.º do RTTL e bem assim o n.º 1 do artigo 68.º do DL
n.º 445/95, de 15/10 por inconstitucionalidade orgânica e formal – art. 165.º,
1, i) da CRP.
[…]”
Não houve contra-alegação. O relator ouviu o recorrente sobre questão que
enunciou da seguinte forma:
' [...] 2. Acontece que a decisão recorrida não aplicou as normas que o
recorrente pretende ver sindicadas. Com efeito, o tribunal entendeu que “(…) A
taxa municipal pela realização de Infra-Estruturas Urbanísticas, constitui a
contrapartida, devida ao Município, pelas utilidades prestadas aos particulares
pelas infra-estruturas urbanísticas primárias e secundárias, cuja realização,
remodelação, reforço, ou sobrecarga seja consequência de operações de
construção, reconstrução ou ampliação de edifícios ou de alterações na forma de
utilização destes. E embora no caso dos autos não se tenha provado que a Câmara
tenha executado ou suportado financeiramente a instalação ou reforço de
quaisquer infra-estruturas urbanísticas que se tivessem tornado necessárias em
consequência directa do licenciamento e construção da obra da recorrente (…),
não pode ignorar-se que, em termos de presunção natural, a construção de um novo
loteamento concorrerá para eventual e previsível necessidade do reforço de
determinadas infra-estruturas (actuais ou futuras) e exige sempre a sua
manutenção (actual e futura), sendo que a sobrecarga das infra-estruturas não
deixa de ser também uma consequência directa da realização da obra (…)”.
Ou seja, o tribunal recorrido não adoptou o entendimento, que o recorrente
pretende ver sindicado, de que as taxas previstas na alínea a) do artigo 90.º e
no artigo 92.º do Regulamento e Tabela de Taxas, Licenças e Preços da Câmara
Municipal de Almada podem ser cobradas mesmo no caso de nenhuma infra-estrutura
se realizar à custa do erário municipal por causa ou em consequência directa ou
indirecta da aprovação do loteamento e, nessa medida, nenhuma utilidade concreta
prestar ao particular pagador da taxa.
Esta circunstância impede que o Tribunal Constitucional possa conhecer do
objecto do recurso. [...]'.
Sobre a questão disse o recorrente:
“[...] 1.º - Na página 12 do douto acórdão recorrido, são feitas referências
expressas às normas cuja declaração de inconstitucionalidade foi requerida, nos
seguintes termos:
«Pelo que, ao contrário do sustentado pelo recorrente (nas Conclusões XXI e
sgts,) o tributo aqui em questão não reveste a natureza jurídica de imposto,
ficando afastada a conclusão de inconstitucionalidade orgânica (por alegada
violação do disposto no art. 165º nº 1 al. i,) da CRP,) dos art. 90º, al. a) e
92º do TTTLP… »
2.º - E mais adiante, saltando um parágrafo, diz-se:
«A sentença recorrida não enferma pois, de erros de julgamento que o recorrente
lhe imputa, nomeadamente quanto à aplicação de normas inconstitucionais, ao
interpretar o n.º 1 do art. 68.º do DL nº 45/95, de 15/10 no sentido de que a
CMA pode, no caso, cobrar taxa municipal de realização das infra-estruturas ou
quanto à aplicação da alínea a) do art. 11.º da Lei nº 1/87, de 6/1, e do n.º 2
do art. 68.º do regime aprovado pelo DL n.º 445/91 de 15/10.
3.º - Com o devido respeito, o douto despacho não reflecte com rigor os
fundamentos de direito que suportam o acórdão recorrido. São expressas as
referências às normas cuja inconstitucionalidade foi invocada.
4.º - E o recorrente vai mais longe. O douto Tribunal a quo ignorou por completo
a jurisprudência desse Venerando Tribunal Constitucional relativamente à matéria
versada nos preceitos citados.
Termos em que deve se apreciada a inconstitucionalidade das supra citadas
normas.'
3. Cumpre decidir, começando pela questão prévia suscitada no despacho do
relator.
O recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC tem natureza
normativa, visando apreciar a conformidade constitucional de normas
efectivamente aplicadas como ratio decidendi na decisão recorrida. Ficam fora do
objecto possível deste tipo de recursos outras determinações jurídicas, como as
próprias decisões jurisdicionais, designadamente aquelas que adoptaram as normas
impugnadas e que só indirectamente podem ser sindicadas, precisamente por via da
alegação de inconstitucionalidade formulada contra tais normas.
Incumbe ao recorrente a tarefa de seleccionar o objecto do seu recurso, assim
delimitando o campo de conhecimento do Tribunal; no presente caso, convidado a
enunciar o exacto sentido das normas aplicadas na decisão recorrida cuja
conformidade constitucional pretendia questionar, o recorrente veio responder,
em suma, que pretende ver apreciada a conformidade constitucional da alínea a)
do artigo 90.º e do artigo 92.º do Regulamento e Tabela de Taxas, Licenças e
Preços da Câmara Municipal de Almada, interpretados no sentido de que a Câmara
Municipal de Almada pode cobrar taxa municipal de “Participação nas
infraestruturas básicas e equipamentos de interesse colectivo de apoio à zona” e
de “Participação no reforço das infraestruturas e equipamentos de interesse
colectivo” mesmo no caso de nenhuma infra-estrutura se realizar à custa do
erário municipal por causa ou em consequência directa ou indirecta da aprovação
do loteamento e, nessa medida, nenhuma utilidade concreta prestar ao particular
pagador da taxa.
Ora, a verdade é que a decisão recorrida não aplicou a interpretação normativa
que o recorrente pretende ver sindicada.
Com efeito, como decorre do texto da decisão censurada, entendeu o tribunal
recorrido que “ (…) A taxa municipal pela realização de Infra-Estruturas
Urbanísticas, constitui a contrapartida, devida ao Município, pelas utilidades
prestadas aos particulares pelas infra-estruturas urbanísticas primárias e
secundárias, cuja realização, remodelação, reforço, ou sobrecarga seja
consequência de operações de construção, reconstrução ou ampliação de edifícios
ou de alterações na forma de utilização destes. E embora no caso dos autos não
se tenha provado que a Câmara tenha executado ou suportado financeiramente a
instalação ou reforço de quaisquer infra-estruturas urbanísticas que se tivessem
tornado necessárias em consequência directa do licenciamento e construção da
obra da recorrente (…), não pode ignorar-se que, em termos de presunção natural,
[que] a construção de um novo loteamento concorrerá para eventual e previsível
necessidade do reforço de determinadas infra-estruturas (actuais ou futuras) e
exige sempre a sua manutenção (actual e futura), sendo que a sobrecarga das
infra-estruturas não deixa de ser também uma consequência directa da realização
da obra (…)”.
Ou seja, o tribunal recorrido não adoptou o entendimento, que o recorrente
pretende ver sindicado, de que as taxas previstas na alínea a) do artigo 90.º e
no artigo 92.º do Regulamento e Tabela de Taxas, Licenças e Preços da Câmara
Municipal de Almada podem ser cobradas mesmo no caso de nenhuma infra-estrutura
se realizar à custa do erário municipal por causa ou em consequência directa ou
indirecta da aprovação do loteamento e, nessa medida, nenhuma utilidade concreta
prestar ao particular pagador da taxa.
Pelo contrário, o tribunal recorrido defende que “esta taxa de realização de
infra-estruturas urbanísticas” pode “respeitar a despesas já efectuadas ou a
efectuar, pela autarquia, directa ou indirectamente causadas pelas obras de
urbanização não tendo aquela taxa que funcionar sincronicamente com estas
despesas de urbanização”.
Conclui-se, portanto, que não foi aplicada, na decisão recorrida, a
interpretação cuja conformidade constitucional o recorrente submete à apreciação
do Tribunal Constitucional, circunstância que impede que o Tribunal
Constitucional dela possa conhecer.
4. Em face do exposto, o Tribunal decide não conhecer do objecto do recurso.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 12 UC.
Lisboa, 26 de Maio de 2009
Carlos Pamplona de Oliveira
Gil Galvão
José Borges Soeiro
Maria João Antunes
Rui Manuel Moura Ramos