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Processo n.º 73/09
1ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 1ª SECÇÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
1. A fls. 533 dos presentes autos foi proferida a seguinte decisão sumária:
A., S.A., recorre, ao abrigo do disposto no artigo 70.º n.º 1 alínea b) da Lei
do Tribunal Constitucional (LTC), do acórdão proferido em 18 de Dezembro de 2008
no Supremo Tribunal de Justiça, «por considerar inconstitucional o artigo 437.º
n.º 1 do Código do Trabalho, interpretado no sentido que “em caso de opção do
trabalhador pelo recebimento de indemnização de antiguidade, muito embora
considere que tal opção é uma forma atípica de cessação do contrato de trabalho,
que em caso de recurso o autor mantém o direito à continuação de recebimento dos
vencimentos intercalares até ao trânsito em julgado da decisão final”, por tal
entendimento violar o disposto no art. 20.º da Constituição da República
Portuguesa.»
Sustenta que suscitou a inconstitucionalidade «quando exerceu o seu direito ao
contraditório relativamente ao Parecer da Digníssima Magistrada do Ministério
Público junto do S.T.J., tendo esta questão sido igualmente apreciada no Douto
Acórdão ora posto em crise, apesar de não ter obtido o acolhimento desse
Venerando Tribunal».
2. O recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC cabe das
decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido
suscitada durante o processo, incumbindo ao recorrente a tarefa de levantar a
questão da inconstitucionalidade de modo processualmente adequado perante o
tribunal que proferiu a decisão recorrida em termos de este estar obrigado a
dela conhecer – n.º 2 do artigo 72º da LTC.
O modo processualmente adequado de suscitar a questão de inconstitucionalidade
implica uma acusação formal, minimamente substanciada, de desconformidade
constitucional imputada a uma determinada norma jurídica, relevante para a
decisão da causa, por forma a que o tribunal possa decidir autonomamente essa
matéria (Acórdão n.º 56/2009 no site do Tribunal). Na peça onde diz ter
suscitado a questão, afirma a recorrente:
XXII. Por último não podemos deixar de referir que a interpretação que entende
que em caso de opção do trabalhador pelo recebimento de indemnização de
antiguidade, muito embora considere que tal opção é uma forma atípica de
cessação do contrato de trabalho, que em caso de recurso o autor mantêm o
direito à continuação de recebimento dos vencimentos intercalares até ao
trânsito em julgado da decisão final, assume foros inconstitucionais, por
violação do disposto no art. 20.º da C.R.P., na medida em que, no caso de
recurso por parte do empregador, as consequências são demasiado gravosas, face
ao interesse fixado e definido pelo próprio recorrido, violando manifestamente
os mais elementares princípios da proporcionalidade e do acesso ao direito.
Ora, o modo pelo qual o recorrente colocou a questão ao tribunal recorrido não
concretiza a suscitação de uma questão de inconstitucionalidade normativa.
Com efeito, a afirmação supra transcrita corresponde a argumento jurídico
retirado da Constituição, invocado perante o Tribunal competente para julgar o
recurso, que não representa uma acusação formal, minimamente substanciada, de
desconformidade constitucional imputada a uma determinada norma jurídica,
relevante para a decisão da causa, por forma a que o tribunal possa decidir
autonomamente essa matéria.
Na verdade, o Supremo Tribunal de Justiça não reconheceu procedência ou especial
valor ao argumento, e não o adoptou, pelo que nem seria possível aceitar tal
formulação como base normativa do objecto do presente recurso.
Deve, por isso, concluir-se que nenhuma acusação de desconformidade
constitucional foi invocada pelo reclamante quanto à norma artigo 437.º n.º 1 do
Código do Trabalho, o que impede que se dê por verificado este requisito do
recurso interposto.
3. Em face do exposto, decide-se não conhecer do objecto do recurso [...]
2. Inconformada, A., S.A. reclama contra esta decisão para a
conferência, nos termos do artigo 78º-A n.º 3 da Lei do Tribunal Constitucional,
nos seguintes termos:
[...]
1.º Conforme disposto no n.º 2 do art. 72º da LTC, o recurso previsto na al. b)
do art. 70.º cabe das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja
inconstitucionalidade ou ilegalidade haja sido suscitada de modo adequado
perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar
obrigado a dela conhecer.
2.º Na esteira do Ac. 56/2009, citado na decisão de fls., “o modo
processualmente adequado de suscitar a questão de inconstitucionalidade implica
uma acusação formal, minimamente substanciada, de desconformidade constitucional
imputada a uma determinada norma jurídica, relevante para a decisão da causa,
por forma a que o tribunal possa decidir autonomamente essa matéria.”
3.º De salientar, que este acórdão recaiu sobre um recurso, no qual a alegação
de inconstitucionalidade foi feita nos seguintes termos: “Deve ser declarada a
nulidade da sentença que condenou o arguido por factos não descritos na
pronúncia, em violação do princípio do contraditório (art. 32.º, n.º 5 da CRP),
do artigo 32.º, n.º 1 da CRP e do artigo 279, n.º 1, alínea b) do CPP”
4.º A imputação de inconstitucionalidade não recaía, de facto, sobre qualquer
norma, mas sobre a decisão do tribunal recorrido.
5.º Conforme foi doutamente sublinhado no Ac. citado a fls., o recorrente
limitou-se a imputar à decisão então em análise a violação de determinados
princípios constitucionais, por não ter dado cumprimento ao artigo 279.º, n.º 1,
alínea b) do Código de Processo Penal.
6.º Decidiu, pois, muito bem esse Venerando Tribunal não conhecer do objecto do
aludido recurso, porquanto nenhuma acusação de desconformidade constitucional
foi invocada pelo reclamante quanto à norma que então pretendia impugnar,
retirada do artigo 358.º do Código de Processo Penal.
7.º Todavia, os mesmos ensinamentos do AC 56/2009 já não podem ser aplicados ao
recurso interposto pela ora reclamante, porquanto esta, na resposta ao
Ministério Publico de fls. deduzida perante o STJ, expressamente invocou a
desconformidade do art. 437.º/1 do CT com o art. 20.º da CRP que consagra o
direito ao acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva
8.º A recorrente, ao contrário do decidido pelo Tribunal, invocou perante o STJ
a inconstitucionalidade de modo processualmente adequado, na interpretação dada
pelo Ac. 56/2009.
9.º Com efeito, quando a recorrente refere que “a interpretação que entende que
em caso de opção do trabalhador pelo recebimento de indemnização de antiguidade,
muito embora considere que tal opção é uma forma atípica de cessação do contrato
de trabalho, que em caso de recurso o autor mantém o direito à continuação de
recebimento dos vencimentos intercalares até ao trânsito em julgado da decisão
final, assume foros inconstitucionais, por violação do disposto no art. 20.º da
C.R.P., na medida em que, no caso de recurso por parte do empregador, as
consequências são demasiado gravosas, face ao interesse fixado e definido pelo
próprio recorrido, violando manifestamente os mais elementares princípios da
proporcionalidade e do acesso ao direito”
10.º está formal e de forma minimamente substanciada a acusar a norma do art.
437.º/1 do CT de desconformidade constitucional por violar o acesso o direito
fundamental ao acesso ao direito reconhecido no art. 20.º da CRP.
11.º Ainda na mesma peça processual e logo a seguir ao trecho transcrito na
decisão de fls., se pode ler:
“No fundo é isto:
Ou a Ré empregadora se conforma com a condenação proferida, em conformidade com
o interesse manifestado pelo autor, ou continua a pagar-lhe até ao trânsito em
julgado, ainda que em oposição com a vontade expressa pelo trabalhador!
Salvo o devido respeito já é tempo de mudar tal entendimento, não metendo no
mesmo saco interpretativo os efeitos da reintegração e da indemnização por
antiguidade que se tornaria a mais gravosa:
- O trabalhador que pretende ser reintegrado, pode sê-lo a qualquer momento, na
pendência do processo, caso o empregador assim o entenda;
- Ao trabalhador que opta pelo recebimento da indemnização por antiguidade
jamais pode ser ordenada a sua reintegração, mas o empregador, que recorra, tem
de se lhe pagar na mesma, com se a lide tivesse a reintegração por objectivos;
- Porque o legislador não contemplou tal situação e os Tribunais ainda não se
mostraram sensíveis a resolver esta vexata questio, condignamente, temendo a
existência de hiatos e vácuo onde eles não existem, é da mais elementar justiça
uma ponderada e lúcida apreciação do Tribunal pelo caso de forma a por termo a
esta aberrante situação.”
12.º A Reclamante demonstrou e fundamentou a inconstitucionalidade do art.
437.º/1 do CT, por violação do direito fundamental da entidade patronal de
acesso ao direito, reconhecido no art. 20.º da CRP, na interpretação que
sustenta o direito do trabalhador aos salários intercalares ou de tramitação,
depois de exercido o direito de opção pela indemnização, pois, faz impender
sobre a entidade patronal um aumento significativo dos montantes devidos ao
trabalhador em caso de despedimento ilícito, no caso de haver recurso e já
depois de cessado o contrato de trabalho, por incitava do trabalhador, tornando
excessiva e desproporcionadamente dispendioso o direito da entidade patronal
recorrer às instâncias de recurso existentes, reconhecido e tutelado no art.
20.º da CRP.
13.º Ao contrário do que parece resultar da decisão de fls., o Supremo Tribunal
de Justiça, no acórdão de fls., apreciou a questão da inconstitucionalidade da
aludida norma do art. 437/1, tendo decidido não sufragar o posicionamento da ora
reclamante, por entender que, “Não se surpreende, por isso, perante a
interpretação em causa, ofensa do que se consagra no art. 20.º da Constituição,
ou uma definição normativa que inculque uma solução de desproporcionalidade,
porque arbitrária e desprovida de fundamento razoável, antes apontando em
sentido inverso, tendo em atenção os interesses em presença.”
14.º Por tal facto, não pode proceder, no caso sub judice, a consideração
tecida, na decisão de fls., no sentido de que “o modo pelo qual o recorrente
colocou a questão ao tribunal recorrido não concretiza a suscitação de uma
questão de inconstitucionalidade normativa.”
15.º Assim, deve o objecto do recurso interposto pela ora reclamante ser
conhecido, por o mesmo ter sido interposto de modo processualmente adequado, com
fundamento na acusação formal e fundada, pela reclamante, de desconformidade
constitucional quanto à norma do artigo 437.º n.º 1 do Código do Trabalho.
Termos em que, face ao exposto, deve a decisão de que se reclama ser revogada,
devendo o objecto do recurso ser conhecido, por se considerar interposto com
observância dos requisitos previstos nos arts. 70 b) e 72º/2 da LTC.
3. Não houve resposta, importando agora decidir.
Está em causa saber se a recorrente suscitou adequadamente a questão de
inconstitucionalidade que pretende debater no presente recurso; foi este o
motivo pelo qual a decisão reclamada não aceitou conhecer do objecto do recurso,
e é contra esse julgamento que se manifesta a reclamante A., S.A..
Está fora de dúvida que a suscitação da questão de inconstitucionalidade que é
objecto do recurso disciplinado na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC se
deve processar por via da acusação formal, minimamente substanciada, de
desconformidade constitucional imputada a uma determinada norma jurídica,
relevante para a decisão da causa, por forma a que o tribunal deva decidir
autonomamente essa matéria, ou, como diz a lei, em termos de estar obrigado a
conhecer dessa questão.
Sustenta a reclamante que suscitou a questão da seguinte forma:
XXII. Por último não podemos deixar de referir que a interpretação que entende
que em caso de opção do trabalhador pelo recebimento de indemnização de
antiguidade, muito embora considere que tal opção é uma forma atípica de
cessação do contrato de trabalho, que em caso de recurso o autor mantêm o
direito à continuação de recebimento dos vencimentos intercalares até ao
trânsito em julgado da decisão final, assume foros inconstitucionais, por
violação do disposto no art. 20.º da C.R.P., na medida em que, no caso de
recurso por parte do empregador, as consequências são demasiado gravosas, face
ao interesse fixado e definido pelo próprio recorrido, violando manifestamente
os mais elementares princípios da proporcionalidade e do acesso ao direito.
No fundo é isto:
Ou a Ré empregadora se conforma com a condenação proferida, em conformidade com
o interesse manifestado pelo autor, ou continua a pagar-lhe até ao trânsito em
julgado, ainda que em oposição com a vontade expressa pelo trabalhador!
Salvo o devido respeito já é tempo de mudar tal entendimento, não metendo no
mesmo saco interpretativo os efeitos da reintegração e da indemnização por
antiguidade que se tornaria a mais gravosa:
- O trabalhador que pretende ser reintegrado, pode sê-lo a qualquer momento, na
pendência do processo, caso o empregador assim o entenda;
- Ao trabalhador que opta pelo recebimento da indemnização por antiguidade já
mais pode ser ordena a sua reintegração, mas o empregador, que recorra, tem de
lhe pagar na mesma, com se a lide tivesse a reintegração por objectivo;
- Porque o legislador não contemplou tal situação e os Tribunais ainda não se
mostraram sensíveis a resolver esta vexata questio, condignamente, temendo a
existência de hiatos e vácuo, onde eles não existem, é da mais elementar justiça
uma ponderada e lúcida apreciação do Tribunal pelo caso de forma a por termo a
esta aberrante situação.
O sentido que se retira deste trecho é que nele se pretende contrariar um
determinado entendimento, que assumiria «foros inconstitucionais, por violação
do disposto no art. 20.º da C.R.P.». Ora, embora o texto não faça uma acusação
expressa de desconformidade constitucional a uma determinada norma jurídica,
aplicável ao caso, o certo é que o contexto processual em que foi apresentada a
peça da reclamante permite estabelecer uma ligação entre a acusação de
desconformidade constitucional e a norma do n.º 1 do artigo 437º do Código do
Trabalho, invocada no requerimento objecto da resposta.
Pode, portanto, concluir-se que a reclamante suscitou, perante o tribunal
recorrido, a questão de inconstitucionalidade da norma do n.º 1 do artigo 437º
do Código do Trabalho conforme exige o n.º 2 do artigo 72º da LTC.
5. Nestes termos, decide-se deferir a reclamação, revogando a decisão sumária de
não conhecimento do recurso. Sem custas.
Lisboa, 29 de Abril de 2009
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria João Antunes
Gil Galvão