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Processo nº 165/09
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é
recorrente A., Lda. e são recorridos B. e outra, foi interposto o presente
recurso, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei da Organização,
Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do acórdão daquele
Tribunal de 23 de Outubro de 2008.
2. Em 24 de Março de 2009, foi proferida decisão de não conhecimento do objecto
do recurso, ao abrigo do disposto no nº 1 do artigo 78º-A da LTC, com os
fundamentos que se seguem:
«A alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC estabelece, em consonância com o
disposto no artigo 280º, nº 1, alínea b), da Constituição da República
Portuguesa, que cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos
tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada
durante o processo. Suscitação que há-de ter ocorrido de modo processualmente
adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este
estar obrigado a dela conhecer (artigo 72º, nº 2, da LTC).
Nos presentes autos, não pode dar-se como verificado o requisito da suscitação
prévia, perante o Supremo Tribunal de Justiça, de uma qualquer questão de
inconstitucionalidade normativa reportada ao artigo 64º, nº 1, alínea b), do
Regime do Arrendamento Urbano, uma vez que a recorrente nem sequer contra-alegou
no recurso de revista interposto.
Em cumprimento da parte final do nº 2 do artigo 75º-A da LTC, a recorrente
indica o recurso de apelação, mas a suscitação adequada da questão de
inconstitucionalidade normativa nesta peça processual não permite dar como
observado o ónus em causa. Uma vez que a recorrente não questionou a norma cuja
apreciação pretende perante o Supremo Tribunal de Justiça, é de concluir pelo
«abandono» da questão, não tendo sobre ela o tribunal superior o dever de se
pronunciar (Acórdão do Tribunal Constitucional nº 292/2002, disponível em
www.tribunalconstitucional.pt).
Não podendo dar-se como verificado o requisito da suscitação da questão de
inconstitucionalidade normativa perante o tribunal que proferiu a decisão
recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer (artigos 70º, nº 1,
alínea b), e 72º, nº 2, da LTC), cumpre concluir pelo não conhecimento do
objecto do recurso interposto, o que justifica a prolação da presente decisão
(artigo 78º-A, nº 1, da LTC)».
3. Desta decisão vem agora a recorrente reclamar para a conferência, nos termos
definidos no artigo 78º-A, nº 3, da LTC, com os fundamentos seguintes:
«I. A questão que se coloca é singela e não merecerá demoradas considerações,
subordinando-se a recorrente à decisão que for lavrada em conferência. É que,
II. a Egrégia Juíz Relatora decidiu sumariamente pelo não conhecimento do
recurso interposto por entender que a recorrente «abandonou» a pretensão de ver
sindicada pelo Tribunal Constitucional o entendimento que o Supremo Tribunal de
Justiça retira do disposto no art.° 64.°, n.° 1, alínea b) do RAU por se
entender violado o disposto nos art.°s 9º, alínea d), 61.°, n.° 1 e 81.º, alínea
e) da Constituição da República Portuguesa;
III. Sustenta a tese do abandono a partir da conclusão de que a aqui reclamante
não contra-alegou/respondeu no recurso de revista que o recorrido interpôs a
partir da decisão desfavorável que obteve na apelação da reclamante formulada
junto do Venerando Tribunal da Relação de Coimbra. E,
IV. invoca para o sustento da decisão proferida sumariamente, o Acordão n.°
292/2002 do Tribunal Constitucional. Ora,
V. não pode ser maior a razão de discordância da reclamante. De facto,
VI. e em primeiro lugar, o citado Acórdão n.° 292/2002 do Tribunal
Constitucional, buscável em
http://www.tribunalconstitudonal.pt/tc/acordaos/20020292 não tem o alcance ou a
similitude pretendida pela Egrégia Juíz Relatora, já que versa sobre a colocação
ao Tribunal Constitucional, em sede de recurso, de questão diversa da suscitada,
em agravo, perante uma Relação, momento em que a ali recorrente se rebelou
contra a injustiça da aplicação da norma e não contra a sua
inconstitucionalidade. Ora,
VII. «in casu», não se vislumbra, por parte da reclamante o abandono da sua tese
em função de não ter contra-alegado em revista. De facto,
VIII. munida de uma decisão favorável do Tribunal da Relação de Coimbra, a aqui
reclamante absteve-se, logicamente, de a sindicar junto do Supremo Tribunal de
Justiça por se conformar com o vencimento que obteve e
IX. quanto à não resposta nas alegações de recurso de revista formuladas pelo
ali recorrido, recorre-se ao disposto no art.° 698.°, n.° 2 do CPCivil aplicável
e pré-vigente chamado à colação «ex-vi» do art.° 724.º, n.° 1 do citado diploma
adjectivo civil. E,
X. na norma aplicável à matéria concreta da RESPOSTA às alegações de recurso,
institui-se ali uma faculdade não imperativa, a qual decorre da expressão “ …
podendo o recorrido responder ...”. Ora,
XI. tal faculdade não é um PODER-DEVER, não é uma imposição, a qual se revelaria
gravosa até para os recorridos na medida do esforço pecuniário tributário que se
torna necessário realizar para responder a alegações de recurso.
XII. Porém: a decisão reclamada impõe o critério/raciocínio de que apenas quem
se abalança sequencialmente nas várias instâncias de recurso, INDEPENDENTEMENTE
DO SEU INTERESSE E OPÇÃO DE NÃO RESPOSTA EM FUNÇÃO DO GANHO DE CAUSA EM RECURSO
DE APELAÇÃO, dispõe da faculdade de não abandonar a sindicância das normas que
entende constitucionalmente desconformes;
XIII. A proceder tal tese, que aqui se combate, viola-se o disposto nos art.°s
69.°, 70.º, n.° 5, «a contrario sensu» e 72.º, n.° 2 da Lei n.° 28/82, de 15 de
Novembro, com as alterações subsequentes e
XIV. principal e gravosamente, viola-se o direito / princípio de recurso que
constitui matriz essencial do direito constitucional português.
Nestes termos, bem como nos melhores de direito que V.ª Exª doutamente proverá,
requer a recorrente o julgamento, em conferência, da presente reclamação e, pela
procedência da mesma, ser proferida decisão de admissão do recurso
constitucionalmente suscitado, seguindo-se os ulteriores termos processuais até
final».
4. Notificados, os reclamados não responderam.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
A decisão reclamada concluiu pelo não conhecimento do objecto do recurso por não
se poder dar como verificado o requisito da suscitação da questão de
inconstitucionalidade normativa perante o tribunal que proferiu a decisão
recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer (artigos 70º, nº 1,
alínea b), e 72º, nº 2, da LTC).
A reclamante reconhece que não suscitou qualquer questão de
inconstitucionalidade perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida – o
Supremo Tribunal de Justiça –, mas sustenta que tal não deve determinar o não
conhecimento do objecto do recurso, uma vez que a resposta às alegações de
recurso de revista não é uma imposição, mas uma faculdade não imperativa.
O nº 2 do artigo 72º da LTC estabelece que o recurso previsto na alínea b) do nº
1 do artigo 70º só pode ser interposto pela parte que haja suscitado a questão
de inconstitucionalidade de modo processualmente adequado perante o tribunal que
proferiu a decisão recorrida.
Não estando em causa a opção processual de apresentar ou não contra-alegações no
recurso de revista, nem as repercussões de uma tal opção no desfecho do processo
no qual se integra o presente recurso de constitucionalidade, o certo é que o
recorrente tinha o ónus de suscitar a questão de constitucionalidade perante o
Supremo Tribunal de Justiça para que ficasse aberta a via do recurso previsto na
alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC (artigo 72º, nº 2, parte final, da LTC).
Ou seja, questionando a constitucionalidade da norma cuja apreciação pretendia
nas contra-alegações de revista. Tendo suscitado a questão de
constitucionalidade anteriormente, mas não o tendo feito depois perante o
tribunal que proferiu a decisão recorrida, o recorrente abandonou essa mesma
questão. Daí a referência ao Acórdão do Tribunal Constitucional nº 292/200.
Com inteira pertinência para o caso dos presentes autos, pode ler-se no Acórdão
do Tribunal Constitucional nº 269/2004 (disponível em
www.tribunalconstitucional.pt) o seguinte:
«Pressuposto do recurso interposto ao abrigo do artigo 70º n.º 1 alínea b) da
LTC é o da suscitação prévia da questão de inconstitucionalidade, durante o
processo.
Tal suscitação deve verificar-se perante o tribunal que proferiu a decisão
recorrida, de modo processualmente adequado, nos termos estabelecidos no artigo
72º n.º 2 da LTC.
É assim irrelevante que a suscitação tenha ocorrido no recurso interposto de
decisão de 1ª instância para a Relação, quando o recurso de constitucionalidade
vem interposto de acórdão do STJ sobre recurso de acórdão da 2ª instância.
Neste caso, releva apenas a suscitação da questão de constitucionalidade feita
perante o STJ, de modo que este Tribunal se possa aperceber que, na ponderação
da solução de direito do recurso, se confronta com aquela questão e a deve
resolver.
E, para tanto, impõe-se que o recorrente tenha concretizado e substanciado a
alegação de inconstitucionalidade de uma determinada norma ou interpretação
normativa.
Quando, no recurso para o STJ, o recorrente para o Tribunal Constitucional
figure como recorrido, exige-se que, confrontado com a pretensão do então
recorrente de aplicação ao caso de uma norma ou interpretação normativa
(aplicação que é, então, plausível, na decisão do recurso), ele suscite, em
contra-alegações, a questão de inconstitucionalidade».
Resta, pois, concluir pelo indeferimento da presente reclamação.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência,
confirmar a decisão reclamada.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 19 de Maio de 2009
Maria João Antunes
Carlos Pamplona de Oliveira
Gil Galvão