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Processo n.º 333/09
3ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
Acordão, em conferência, na 3ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
Nuns autos de processo cautelar em que é requerido, A. interpôs recurso de
agravo para o Tribunal da Relação do Porto da decisão do juiz de primeira
instância que indeferiu o requerimento de depoimento de parte com fundamento na
não indicação dos factos sobre que o mesmo deveria recair.
Por acórdão de 2 de Março de 2009, o tribunal de recurso negou provimento ao
agravo, pelo que o recorrente impugnou a decisão perante o Tribunal
Constitucional, ao abrigo do artigo 70º, n° 1, alínea b), da Lei do Tribunal
Constitucional, pretendendo ver apreciada a constitucionalidade da norma do
artigo 555°, n° 2, do Código de Processo Civil quando interpretada no sentido de
que a omissão da indicação, no respectivo requerimento, dos factos sobre que
há-de recair o depoimento de parte implica o seu indeferimento automático sem
que antes haja lugar ao convite para suprimento da omissão, bem como, das normas
dos artigos 153°, n° 1, 155°, n° 2, 161°, n° 6 e 166°, n° 1 do CPC, neste caso,
por violação do principio constitucional do máximo aproveitamento dos actos
processuais e do direito a um processo equitativo que emana do artigo 20°, n° 1,
Constituição da República Portuguesa.
Por decisão sumária proferida ao abrigo do disposto no artigo 78º-A da Lei do
Tribunal Constitucional, entendeu-se ser de não conhecer do recurso com os
seguintes fundamentos:
Tendo o presente recurso sido interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do
artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, constitui seu pressuposto
processual a suscitação pelo recorrente, perante o tribunal que proferiu a
decisão recorrida e em termos processualmente adequados, da questão da
inconstitucionalidade da norma ou interpretação normativa que submete à
apreciação do Tribunal Constitucional (cfr., ainda, o disposto no artigo 72º,
n.º 2, da mesma Lei).
Decorre do requerimento de interposição do recurso que o recorrente pretende a
apreciação de duas questões de inconstitucionalidade: uma, reportada à norma do
artigo 555º, n.º 2, do Código de Processo Civil, interpretada no sentido de que
a omissão da indicação no respectivo requerimento, de forma discriminada, dos
factos sobre que há-de recair o depoimento de parte implica o seu indeferimento
automático, sem que antes o requerente seja convidado a suprir tal omissão;
outra, reportada às normas dos artigos 153º, n.º 1, 155º, n.º 2, 161º, n.º 6, e
166º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil, neste caso, sem qualquer
explicitação do sentido interpretativo que terá sido aplicado pelo tribunal
recorrido e que se considera ferido de inconstitucionalidade.
Relativamente à primeira questão de inconstitucionalidade, verifica-se que,
perante o tribunal recorrido (cfr. as conclusões de recurso, acima transcritas,
particularmente as conclusões 12ª e 13ª), o recorrente não imputou, à norma do
artigo 555º, n.º 2, do Código de Processo Civil interpretada no sentido
referido, a violação de normas ou princípios constitucionais: limitou-se, na
verdade, a afirmar que o princípio (com emanação constitucional) do máximo
aproveitamento dos actos processuais postulava o convite ao recorrente para
indicar os factos sobre os quais pretendia que fosse prestado o depoimento de
parte do agravado, com a expressa cominação de que, se o não fizesse no prazo
concedido, aquele meio de prova seria indeferido; e, depois de fazer tal
afirmação, sustentou a violação de vários preceitos legais, nomeadamente o
artigo 555º, n.º 2, do CPC.
Não cumpriu, assim, o recorrente o ónus de suscitação prévia da questão de
inconstitucionalidade, a que se referem os artigos 70º, n.º 1, alínea b), e 72º,
n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional, pelo que, quanto à mencionada questão,
não pode conhecer-se do presente recurso.
No que diz respeito à segunda questão de inconstitucionalidade, verifica-se que,
perante o tribunal recorrido, o recorrente não identificou a interpretação dos
artigos 153º, n.º 1, 155º, n.º 2, 161º, n.º 6, e 166º, n.º 1, do CPC que, do seu
ponto de vista, é inconstitucional: limitou-se, na verdade, a sustentar que é
inconstitucional a interpretação que dessas normas havia sido feita no despacho
recorrido, sem concretizar tal interpretação (cfr. conclusão 14ª).
Por isso mesmo, tem de concluir-se que o recorrente não colocou perante o
tribunal recorrido, em termos processualmente adequados, a questão da
inconstitucionalidade da segunda interpretação normativa que pretende ver
apreciada: ou seja, não cumpriu, também em relação a esta segunda questão, o
ónus de suscitação a que se referem os artigos 70º, n.º 1, alínea b), e 72º, n.º
2, da Lei do Tribunal Constitucional. Pelo que, também quanto a ela, não pode
tomar-se conhecimento do objecto do presente recurso.
Dizendo-se inconformado com essa decisão, o recorrente vem reclamar para a
conferência, na parte útil, nos seguintes termos:
Com efeito e no que diz respeito à questão da «sanção para a não indicação dos
factos sobre os quais se pretende seja prestado o depoimento de parte», salvo o
devido respeito por opinião contrária, a fundamentação plasmada no douto
despacho reclamado leva-nos precisamente à conclusão contrária daquele que
consta da respectiva parte decisória propriamente dita, ou seja, a de que o
recurso deverá merecer provimento.
Porquanto, salvo o devido respeito por opinião contrária, a este tribunal não
compete conhecer da concreta tramitação processual seguida nos presentes autos
na 1ª instância, nomeadamente saber se o ora recorrente deveria ou não ter
arguido a alegada nulidade por omissão de pronúncia,
Até porque, ao invés daquilo que consta do douto despacho reclamado, nem sequer
é líquido que do teor da notificação da data da audiência pudesse resultar com
evidência que o tribunal da 1ª instância não se havia pronunciado sobre o
requerido depoimento de parte.
Ora, não obstante não ter sido seguida a dita tramitação, cremos que o que
interessará à economia do presente recurso é determinar se, ao ter ‘ tomado
posição sobre o requerido depoimento de parte e no momento em que o fez, o
tribunal recorrido poderia ou não tê-lo indeferido pelas razões que o fez sem
ter convidado previamente o respectivo requerente a cumprir o ónus da indicação
dos factos sobre os quais o mesmo irá recair.
Cabe apreciar e decidir.
II. Fundamentação
Como resulta com evidência do teor da decisão reclamada, o relator limitou-se a
não tomar conhecimento do recurso de constitucionalidade relativamente às duas
questões que se pretendia ver apreciadas por falta de cumprimento, por parte do
recorrente, do ónus de suscitação prévia das questões de inconstitucionalidade
perante o tribunal recorrido, ónus que resulta, conforme também se explicitou,
das disposições conjugadas dos artigos 70º, n.º 1, alínea b), e 72º, n.º 2, da
Lei do Tribunal Constitucional.
O motivo do não conhecimento do recurso foi, por conseguinte, a não verificação
de um dos pressupostos processuais de que depende a admissão do recurso para o
Tribunal Constitucional, e, sendo a decisão no sentido do não conhecimento, nela
o tribunal não chegou a apreciar quaisquer aspectos relacionados com a matéria
de fundo .
Insurgindo-se contra o assim decidido, o reclamante, sem invocar qualquer
argumento que pudesse pôr em causa o fundamento considerado (não cumprimento do
ónus de suscitação prévia), vem discutir matéria atinente ao próprio fundo da
questão, mormente quanto a saber se deveria ou não ter arguido a nulidade da
decisão de primeira instância por omissão de pronúncia.
Nestes termos, e por completa ineptidão do fundamento em que se baseia a
reclamação, é de manter o julgado.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação e manter a decisão reclamada.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.
Lisboa, 1 de Julho de 2009
Carlos Fernandes Cadilha
Maria Lúcia Amaral
Gil Galvão