Imprimir acórdão
Processo nº 436/08
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam na 1ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Cível do Porto, em que é recorrente o
Ministério Público, foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional, ao
abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 70º da Lei da Organização, Funcionamento e
Processo do Tribunal Constitucional (LTC), da decisão daquele Tribunal de 28 de
Março de 2008.
2. A. requereu junto da segurança social a concessão do benefício do apoio
judiciário na modalidade de dispensa total do pagamento de taxa de justiça e dos
demais encargos do processo e pagamento da remuneração do solicitador de
execução designado para intervir no âmbito de processo executivo a correr
termos.
A concessão do benefício foi deferida na modalidade de pagamento faseado da taxa
de justiça e demais encargos com o processo, pelo que o requerente impugnou
judicialmente esta decisão.
3. Em 28 de Março de 2008, o tribunal recorrido decidiu:
«a) Recusar a aplicação do anexo à Lei 34/2004 de 29/07 conjugado com os artigos
6° a 10º da Portaria n.° 1085-A/2004 de 31/08, alterada pela Portaria 288/2005
de 21/03, na parte em que determina que seja considerado para efeitos do cálculo
do rendimento relevante do requerente do benefício do apoio judiciário, o
rendimento do seu agregado familiar nos termos aí rigidamente impostos, sem
permitir em concreto aferir da real situação económica do requerente em função
dos seus rendimentos e encargos, por violação do direito ao acesso ao direito e
aos tribunais consagrado no artigo 20° da Constituição da República Portuguesa.
b) Julgar procedente o recurso interposto e consequentemente conceder-se ao
requerente A. o benefício do apoio judiciário na modalidade de total dispensa de
taxa de justiça e demais encargos com o processo».
É a seguinte a fundamentação da decisão recorrida:
«Como fundamento deste recurso, alegou o requerente que face à sua situação
económica em concreto, a Segurança Social deveria ter recorrido ao dispositivo
legal previsto no n.° 2 do artigo 20°, afastando os critérios definidos no anexo
à Lei 34/04, por forma a ser-lhe concedido o benefício do apoio judiciário.---
A faculdade a que alude o requerente está prevista para a Segurança Social em
sede de fase administrativa do procedimento em análise, momento em que então
prevê a Lei directamente a possibilidade de ser afastada a aplicação dos
critérios previstos no Anexo à Lei 34/04, para aferir da situação de
insuficiência económica do requerente em concreto, através do recurso a uma
Comissão para o efeito constituída expressamente.
Tal possibilidade não está todavia prevista na Lei em sede de recurso, por via
judicial, sendo que então se deve apreciar a insuficiência económica alegada
pelo requerente, de acordo com os critérios estabelecidos e publicados em Anexo
à Lei 34/04 (e Portaria 1085-A/04 de 31/08 que veio concretizar tais critérios,
alterada pela Portaria n.° 288/05 de 21/03), que o requerente através deste
recurso pretende sejam afastados.
O recurso a estes critérios legais estabelecidos através de fórmulas
matemáticas, impossibilitam o tribunal de aferir em concreto da situação
económica do requerente do benefício do apoio judiciário.
Nos termos do artigo 20° da CRP, “1- A todos é assegurado o acesso ao direito e
aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos,
não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.”.---
A garantia constitucionalmente consagrada de acesso ao direito a todas as
pessoas para defesa da generalidade dos seus direitos e interesses legalmente
protegidos constitui um direito fundamental de natureza análoga aos direitos,
liberdades e garantias. Direito este a ser concretizado através das leis,
sobretudo processuais. Dependendo pois da estrutura processual global
concretamente instituída a efectividade de muitos direitos, liberdades e
garantias (cfr. Direito Constitucional, Prof. Gomes Canotilho, 4 ed. p. 772).
Sendo o acesso aos tribunais o meio de defesa por excelência dos direitos
referidos no artigo 20° da Const., constituem os tribunais a instância última de
defesa da liberdade e dignidade dos cidadãos (cfr. Prof. José Vieira de Andrade,
in “Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976”, 3 ed., p.
368/369).
O princípio do acesso ao direito pretende garantir assim não só o reconhecimento
da possibilidade da defesa sem lacunas como também o exercício efectivo deste
direito, que se pode traduzir por exemplo e no que ora interessa no direito a
litigar com dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo,
incluindo pagamento da remuneração do solicitador de execução nomeado.
Sendo certo que todos os actos normativos devem estar em conformidade com a
Constituição (cfr. artigo 3° n.° 3 da CRP), temos como consequência que toda a
norma que viole os preceitos constitucionais é inconstitucional.
Para efeitos de se controlar a não inconstitucionalidade de um acto normativo “é
a Constituição no seu todo – tanto, pois, no que toca às suas regras de
competência e de procedimento legislativo, como aos seus princípios materiais e
aos valores nestes incorporados – que é tomada como padrão do julgamento de
constitucionalidade” (cfr. Cardoso da Costa, “A Justiça Constitucional no quadro
das funções do Estado”, p. 51 citado por Fernando Amâncio Ferreira in “Manual
dos Recursos em Processo Civil”, 4ª ed., p. 389).
É de natureza material a inconstitucionalidade quando se infringem os princípios
materiais incorporados na Constituição (os vícios materiais são vícios das
disposições), orgânica quando se desrespeitam normas de competência nela
estabelecidas, e é formal quando se transgridem regras de forma ou de
procedimento por ela definidas (cfr. o mesmo autor, p. 390).---
Tecidos estes considerandos, e tendo presente a garantia efectiva de acesso aos
tribunais a todos consagrada no artigo 20° da CRP, impõe-se analisar a não
inconstitucionalidade material do Anexo à Lei n° 34/04, conjugado com os artigos
6° a 10° da Portaria n.° 1085-N2004, alterada pela Portaria 288/2005 de
21/03.---
Nos termos do artigo 1° da Lei 34/04 de 29/07/04, o sistema de acesso ao direito
e aos tribunais destina-se a assegurar que a ninguém seja dificultado ou
impedido, em razão da sua condição social ou cultural, ou por insuficiência de
meios económicos, o conhecimento, o exercício ou a defesa dos seus direitos.
Compreendendo o acesso ao direito a informação jurídica e a protecção jurídica,
revestindo esta última as modalidades de consulta jurídica e de apoio judiciário
(cfr. artigos 2° n.° 2 6° n.° 1 da cit. Lei).---
Definindo quem tem direito à protecção judiciária, dispõe o artigo 7° n.° 1 da
mesma Lei que a esta têm direito (...) os cidadãos que demonstrem estar em
situação de insuficiência económica. Esclarecendo o artigo 8° que se encontra em
situação de insuficiência económica aquele que tendo em conta factores de
natureza económica e a respectiva capacidade contributiva, não tem condições
objectivas de suportar pontualmente os custos de um processo.
Sendo a prova e a apreciação da insuficiência económica feitas de acordo com os
critérios estabelecidos em anexo à presente Lei (n.° 5 deste artigo 8° e n.° 1
do artigo 20°).---
Neste anexo por sua vez é dito que a insuficiência económica é apreciada pelo
rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica do agregado familiar do
requerente, nos termos que aí são indicados no n.° 1. Definindo-se ainda, no n.°
3 do ponto 1 do Anexo que para efeitos desta lei se considera pertencerem ao
mesmo agregado familiar as pessoas que vivam em economia comum com o requerente
de protecção jurídica.
Visando concretizar os critérios de prova e de apreciação da insuficiência
económica foi publicada a Portaria n.° 1085-A/2004 de 31/08, alterada pela
Portaria n.° 288/2005 de 21/03, onde e para além do mais foi concretizada a
fórmula de cálculo do valor do rendimento relevante para efeitos de protecção
jurídica a que se refere o critério de avaliação da insuficiência económica do
requerente previsto na Lei, nos termos dos artigos 6° a 10° desta Portaria.
Por base tendo sempre o rendimento líquido completo do agregado familiar.
Resultando este da soma do valor da receita líquida do agregado familiar (ou
seja o rendimento depois do imposto sobre o rendimento, das contribuições
obrigatórias dos empregados para os regimes da segurança social e das
contribuições dos empregadores para a segurança social) com o montante da renda
financeira implícita calculada com base nos activos patrimoniais do agregado
familiar.
Da conjugação destes normativos resulta que a concessão da protecção jurídica
passou a depender do valor do rendimento relevante para esses efeitos,
determinado a partir do rendimento das pessoas que vivam em economia comum com o
requerente desta protecção jurídica e independentemente de este auferir em
concreto um qualquer rendimento, ou ainda de em concreto ele ter de suprir
outras despesas que tal fórmula não prevê sejam consideradas. É o caso dos
autos, em que fruto da aplicação de tais fórmulas matemáticas, para além de uma
penhora sobre o seu vencimento, viu-se o requerente obrigado, juntamente com sua
esposa a pagar, pelo menos, em 2 processos o montante de 60 € em cada processo
(60 € para cada cônjuge) num total de 240 € mensais.
Para além de que mesmo em relação às despesas que a fórmula prevê sejam
consideradas, como é o caso da dedução de encargos com a habitação do agregado
familiar, resulta esta dedução também da aplicação de um coeficiente determinado
em função de diversos escalões de rendimento, implicando na prática a não
consideração directa do valor em concreto que é despendido pelo agregado
familiar.
Se levarmos em consideração o valor do rendimento mensal líquido deste agregado
– no montante de € 795,37 -, deduzido do valor pago mensalmente de renda de casa
– 284,00 € -, restam € 511,37, com os quais o requerente e sua esposa que
constitui o seu agregado familiar têm que fazer face às despesas básicas de
alimentação, saúde, água e luz, para além de vestuário.
Note-se que desde 01/01/2007 o valor do salário mínimo nacional é de 403,00
€.---
Temos assim de concluir que na prática, o modo de cálculo rígido imposto, sem
abrir a possibilidade de em concreto se aferir a situação económica do(s)
requerente(s), que bem pode(m) na prática não fruir de facto qualquer rendimento
do terceiro que integra a economia comum e que é o contribuinte do rendimento
para o agregado familiar, ou que na prática tem outros encargos obrigatórios,
não considerados na fórmula matemática de forma directa, que lhe não permitem
suportar as despesas com o processo judicial, manifestamente não garante o
acesso ao direito e aos tribunais por parte daquele que carece de meios
económicos suficientes para suportar os encargos de uma demanda judicial,
violando-se, assim, o direito constitucionalmente consagrado de acesso ao
direito a todas as pessoas para defesa da generalidade dos seus direitos e
interesses legalmente protegidos (cfr. artigo 20° n.° 1 da C.R.P.).
De tudo o exposto decide-se não aplicar o anexo à Lei 34/2004 de 29/07 conjugado
com os artigos 6° a 10° da Portaria n.° 1085-A/2004 de 31/08, alterada pela
Portaria 288/2005 de 21/03, na parte em que determina que seja considerado para
efeitos do cálculo do rendimento relevante do requerente do benefício do apoio
judiciário, o rendimento do seu agregado familiar calculado nos termos aí
rigidamente impostos, sem permitir em concreto aferir da real situação económica
do requerente, por violação do direito ao acesso ao direito e aos tribunais
consagrado no artigo 20° da Constituição da República Portuguesa.
Considerando-se como factualidade assente, face à prova documental oferecida nos
autos que o requerente tem um agregado familiar composto por si e sua esposa;
que no vencimento do requerente é descontado o valor mensal de € 21,85 € a
título de desconto judicial pelo que este recebe mensalmente 397,57 € líquidos
(fls. 107); que sua esposa recebe de subsídio de desemprego o valor de 397,80 €
mensais (fls. 108); que o requerente e sua esposa pagam de renda de casa
mensalmente a quantia de € 284,00 (fls. 107), ficando com o restante para fazer
face às necessidades básicas do seu agregado familiar composto por duas pessoas,
sem esquecer que o requerente e sua esposa requereram o benefício do apoio
judiciário em outros processos, incluindo o ora em apreciação, em todos tendo
sido decidido face aos seus rendimentos estarem obrigados ao pagamento faseado
da taxa de justiça no valor de, pelo menos, e em conjunto, de € 240,00, mensais,
temos como certo que a decisão, no que agora nos diz respeito no âmbito deste
apenso proferida é violadora do acesso ao direito e aos tribunais por parte do
requerente, já que o mesmo se encontra na verdade em situação de efectiva
insuficiência económica, a justificar a concessão do benefício do apoio
judiciário na modalidade por si requerida.
Assim sendo, deve concluir-se pela procedência da impugnação deduzida,
concedendo ao requerente o benefício do apoio judiciário na modalidade
pretendida, ou seja na modalidade de total dispensa de taxa de justiça e demais
encargos com o processo. Já não do pagamento de remuneração do solicitador de
execução, por este não ter nos autos sido designado, (já que a execução de que
estes autos são apenso se encontra pendente desde Setembro de 2002).
Finalmente, diga-se que a presente decisão seguiu de perto a orientação adoptada
na Douta Sentença proferida pela 3.ª Vara Cível, 2.ªSecção, desta Tribunal,
referida nos autos, confirmada por Douto Acórdão do Tribunal Constitucional de
23 de Janeiro de 2008 – proc. N.° 1055/07, 2. Secção, Acórdão n.° 46/2008,
relatado pelo Exmo. Snr. Juiz Conselheiro Mário Torres».
4. Desta decisão foi interposto o presente recurso para apreciação da norma cuja
aplicação foi recusada.
Notificado para alegar, o Ministério Público concluiu o seguinte:
«1º
É inconstitucional, por violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado
no artigo 20°, n° 1, da Constituição da República Portuguesa, o regime
estabelecido pelas normas constantes do Anexo à Lei n° 34/04, conjugado com os
artigos 6° a 10° da Portaria n° 1085-A/04 (alterada pela Portaria n° 288/05),
interpretadas no sentido de que determinam que seja considerado, para efeitos de
cálculo do rendimento relevante do requerente do beneficio de apoio judiciário,
o rendimento do seu agregado familiar, nos termos aí rigidamente impostos, sem
permitir em concreto aferir da real situação económica do requerente, em função
das suas despesas concretas.
2º
Termos em que deverá confirmar-se o juízo de inconstitucionalidade formulado
pela decisão recorrida».
5. Notificado, o recorrido não contra-alegou.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
1. A decisão recorrida desaplicou o Anexo à Lei 34/2004, de 29 de Julho,
conjugado com os artigos 6º a 10º da Portaria nº 1085-A/2004, de 31 de Agosto,
alterada pela Portaria nº 288/2005, de 21 de Março, na parte em que determina
que seja considerado para efeitos do cálculo do rendimento relevante do
requerente do benefício do apoio judiciário, o rendimento do seu agregado
familiar nos termos aí rigidamente impostos, sem permitir em concreto aferir da
real situação económica do requerente em função dos seus rendimentos e encargos,
por violação do direito ao acesso ao direito e aos tribunais consagrado no
artigo 20° da Constituição da República Portuguesa (CRP).
Por força do disposto no nº 5 do artigo 8º e no nº 1 do artigo 20º da Lei nº
34/2004 (Altera o regime de acesso ao direito e aos tribunais e transpõe para a
ordem jurídica nacional a Directiva nº 2003/8/CE, do Conselho, de 27 de Janeiro,
relativa à melhoria do acesso à justiça nos litígios transfonteiriços através do
estabelecimento de regras mínimas comuns relativas ao apoio judiciário no âmbito
desses litígios), a prova e a apreciação da insuficiência económica do
requerente de protecção jurídica deve ser feita de acordo com os critérios
estabelecidos e publicados em anexo àquela lei.
Compõem o Anexo, para o que agora releva, as seguintes normas:
«I – Apreciação da insuficiência económica
1 – A insuficiência económica é apreciada da seguinte forma:
a) O requerente cujo agregado familiar tem um rendimento relevante para efeitos
de protecção jurídica igual ou menor do que um quinto do salário mínimo nacional
não tem condições objectivas para suportar qualquer quantia relacionada com os
custos de um processo;
b) O requerente cujo agregado familiar tem um rendimento relevante para efeitos
de protecção jurídica superior a um quinto e igual ou menor do que metade do
valor do salário mínimo nacional considera-se que tem condições objectivas para
suportar os custos da consulta jurídica e por conseguinte não deve beneficiar de
consulta jurídica gratuita, devendo, todavia, usufruir do benefício de apoio
judiciário;
c) O requerente cujo agregado familiar tem um rendimento relevante para efeitos
de protecção jurídica superior a metade e igual ou menor do que duas vezes o
valor do salário mínimo nacional tem condições objectivas para suportar os
custos da consulta jurídica, mas não tem condições objectivas para suportar
pontualmente os custos de um processo e, por esse motivo, deve beneficiar do
apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado, previsto na alínea d) do nº
1 do artigo 16º da presente lei» (itálico aditado).
Por seu turno, os artigos 6º a 10º da Portaria nº 1085-A/2004 (na redacção dada
pela Portaria nº 288/2005) que procede à concretização dos critérios de prova e
de apreciação da insuficiência económica, têm o seguinte conteúdo:
«SECÇÃO II
Apreciação do requerimento
Artigo 6.º
Rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica
1 — Para efeitos do disposto no anexo da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, o
rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica (YAP) é o montante que
resulta da diferença entre o valor do rendimento líquido completo do agregado
familiar (YC) e o valor da dedução relevante para efeitos de protecção jurídica
(A), ou seja, YAP = YC–A.
2 — O rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica (YAP) é expresso
em múltiplos do salário mínimo nacional.
Artigo 7.º
Rendimento líquido completo do agregado familiar
1 — O valor do rendimento líquido completo do agregado familiar (YC) resulta da
soma do valor da receita líquida do agregado familiar (Y) com o montante da
renda financeira implícita calculada com base nos activos patrimoniais do
agregado familiar (YR), ou seja, YC= Y+ YR.
2 — Por receita líquida do agregado familiar (Y) entende-se o rendimento depois
da dedução do imposto sobre o rendimento, das contribuições obrigatórias dos
empregados para regimes de segurança social e das contribuições dos empregadores
para a segurança social.
3 — O cálculo da renda financeira implícita é efectuado nos termos previstos no
artigo 10.º da presente portaria.
Artigo 8.º
Dedução relevante para efeitos de protecção jurídica
1 — O valor da dedução relevante para efeitos de protecção jurídica (A) resulta
da soma do valor da dedução de encargos com necessidades básicas do agregado
familiar (D) com o montante da dedução de encargos com a habitação do agregado
familiar (H), ou seja, A = D + H.
2 — O valor da dedução de encargos com necessidades básicas do agregado familiar
(D) resulta da aplicação da seguinte fórmula:
em que n é o número de elementos do agregado familiar e d é o coeficiente de
dedução de despesas com necessidades básicas do agregado familiar, determinado
em função dos diversos escalões de rendimento, de acordo com o previsto no anexo
I.
3 — O montante da dedução de encargos com a habitação do agregado familiar (H)
resulta da aplicação do coeficiente h ao valor do rendimento líquido completo do
agregado familiar (YC), ou seja, H = h×YC, em que h é determinado em função dos
diversos escalões de rendimento, de acordo com o previsto no anexo II.
Artigo 9.º
Cálculo do valor do rendimento relevante para efeitos
de protecção jurídica
O valor do rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica, especificado
nos artigos anteriores, é calculado através da fórmula prevista no anexo III
desta portaria.
Artigo 10.º
Cálculo da renda financeira implícita
1 — O montante da renda financeira implícita a que se refere o n.º 1 do artigo
7.º é calculado mediante a aplicação de uma taxa de juro de referência ao valor
dos activos patrimoniais do agregado familiar.
2 — A taxa de juro de referência é a taxa EURIBOR a seis meses correspondente ao
valor médio verificado nos meses de Dezembro ou de Junho últimos, consoante o
requerimento de protecção jurídica seja apresentado, respectivamente, no 1.º ou
no 2.º semestre do ano civil em curso.
3 — Entende-se por valor dos bens imóveis aquele que for mais elevado entre o
declarado pelo requerente no pedido de protecção jurídica, o inscrito na matriz
predial e o constante do documento que haja titulado a respectiva aquisição.
4 — Quando se trate da casa de morada de família, no cálculo referido no n.º 1
apenas se contabiliza o valor daquela se for superior a € 100 000 e na estrita
medida desse excesso.
5 — O valor das participações sociais e dos valores mobiliários é aquele que
resultar da cotação observada em bolsa no dia anterior ao da apresentação do
requerimento de protecção jurídica ou, na falta deste, o seu valor nominal.
6 — Entende-se por valor dos veículos automóveis o respectivo valor de mercado».
A norma que integra o objecto do presente recurso foi desaplicada pelo Tribunal
Cível do Porto, por violação do artigo 20º, nº 1, da Constituição da República
Portuguesa, que dispõe o seguinte:
“A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus
direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada
por insuficiência de meios económicos” (itálico aditado).
2. Sobre a modalidade de protecção jurídica que está em causa nos presentes
autos, pode ler-se no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 98/2004 (Diário da
República, II Série, de 1 de Abril de 2004) o seguinte:
«O instituto do apoio judiciário visa obstar a que, por insuficiência económica,
seja denegada justiça aos cidadãos que pretendam fazer valer os seus direitos
nos tribunais, decorrendo, assim, a sua criação do imperativo plasmado no artigo
20º nº 1, da Constituição.
Não basta, obviamente, para cumprir tal imperativo, a mera existência do
referido instituto no nosso ordenamento; impõe-se que a sua modelação seja
adequada à defesa dos direitos, ao acesso à Justiça, por parte daqueles que
carecem dos meios económicos suficientes para suportar os encargos que são
inerentes à instauração e desenvolvimento de um processo judicial,
designadamente custas e honorários forenses».
O que cumpre decidir nos presentes autos é, precisamente, se a modelação do
instituto do apoio judiciário dada pela norma desaplicada, extraída do Anexo que
integra a Lei nº 34/2004, em conjugação com os artigos 6º a 10º da Portaria nº
1085-A/2004, garante o acesso ao direito e aos tribunais por parte daquele que
carece de meios económicos suficientes para suportar os encargos que são
inerentes ao desenvolvimento de um processo judicial, designadamente custas e
honorários forenses. Por outras palavras, decidir se tal norma dá cumprimento à
dimensão “prestacional” da garantia fundamental do acesso ao direito e aos
tribunais, que se concretiza no “dever de o Estado assegurar meios (como o apoio
judiciário) tendentes a evitar a denegação da justiça por insuficiência de meios
económicos” (Acórdão do Tribunal Constitucional nº 467/91, Diário da República,
II Série, de 2 de Abril de 1992. Assim também, Gomes Canotilho, Direito
Constitucional e Teoria da Constituição7, Almedina, p. 501, e Jorge Miranda/Rui
Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, tomo I, Coimbra Editora, anotação ao
artigo 20º, ponto VI).
3. Tendo como referência a Constituição da República Portuguesa vigente, o
Decreto-Lei nº 387-B/87, de 29 de Dezembro, editado ao abrigo da Lei nº 41/87,
de 23 de Dezembro, que autorizou o Governo a legislar sobre o estabelecimento do
regime do acesso ao direito e aos tribunais judiciais, foi o primeiro diploma
regulador do sistema de acesso ao direito e aos tribunais, configurando-o a
partir de acções e mecanismos sistematizados de informação jurídica e de
protecção jurídica, esta última nas modalidades de consulta jurídica e de apoio
judiciário (artigos 1º, nºs 1 e 2, e 6º).
Muito embora esta configuração se tenha mantido (cf. artigos 1º, nºs 1 e 2, e 6º
da Lei nº 30-E/2000, de 20 de Dezembro, e 1º, nºs 1 e 2, e 6º da Lei nº 34/2004,
de 29 de Julho), foram introduzidas alterações significativas através da Lei nº
30-E/2000, que atribuiu aos serviços de segurança social, retirando tal
competência aos tribunais, a apreciação dos pedidos de concessão de apoio
judiciário (artigo 21º), e da Lei nº 34/2004, que inovou em matéria de
determinação da insuficiência económica do requerente de protecção jurídica.
Na sequência deste diploma, a concessão de protecção jurídica a quem, tendo em
conta factores de natureza económica e a respectiva capacidade contributiva, não
tem condições objectivas para suportar pontualmente os custos de um processo
(cf. artigo 8º, nº 1, da Lei nº 34/2004) passou a depender do valor do
rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica (artigos 8º, nº 5, e
20º, nº 1, e ponto 1. do Anexo da Lei nº 34/2004), determinado a partir do
rendimento do agregado familiar e das fórmulas previstas nos artigos 6º a 10º da
Portaria nº 1085-A/2004.
A apreciação em concreto da situação de insuficiência económica do requerente de
protecção jurídica passou a ter lugar a título excepcional (cf. artigos 20º, nº
2, da Lei de 2004 e 2º da referida Portaria), diferentemente do que sucedia no
direito anterior (cf. artigos 7º, nº 1, 20º, nºs 1 e 2, e 23º, nº 2, do
Decreto-Lei nº 387-B/87, artigos 7º, nº 1, e 20º, nºs 1 e 2, da Lei nº 30-E/2000
e modelo de requerimento de apoio judiciário para pessoas singulares aprovado
pela Portaria nº 1223-A/2000, de 29 de Dezembro).
4. Como o valor do rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica,
determinado a partir do rendimento do requerente e das fórmulas previstas na
Portaria que fixa os critérios de prova e de apreciação da insuficiência
económica para a concessão daquela protecção, levava à inserção do caso em
apreço nos presentes autos na alínea c) do nº 1 do ponto I do Anexo à Lei
34/2004 – concessão de apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado
previsto na alínea d) do nº1 do artigo 16º desta Lei – o tribunal recorrido
desaplicou o Anexo à Lei nº 34/2004, conjugado com os artigos 6º a 10º da
Portaria nº 1085-A/2004, por violação do artigo 20º, nº 1, da Constituição da
República Portuguesa.
A aplicação conjugada deste Anexo e destes artigos não garante, de facto, o
acesso ao direito e aos tribunais, consentindo a possibilidade de ser denegado
este acesso por insuficiência de meios económicos. O rendimento relevante para
efeitos de concessão de apoio judiciário é determinado a partir de um modo de
cálculo rígido, que não permite aferir, em concreto, a situação económica real
do requerente, impedindo “que se considerem como despesas relevantes dispêndios
a que os interessados se não podem subtrair e que efectivamente diminuem a sua
capacidade económica” (Acórdão do Tribunal Constitucional nº 46/2008, disponível
em www.tribunalconstitucional.pt).
Como se escreveu no Acórdão deste Tribunal nº 126/2008, os “propósitos de tornar
a decisão de concessão de apoio judiciário objectiva e uniforme, além de terem
conduzido ao desprezo de despesas correspondentes à satisfação de necessidades
básicas de cariz não permanente (…) determinaram que o montante das despesas a
considerar seja um valor tabelado presumido, resultante da aplicação de um
coeficiente legalmente determinado ao valor do rendimento do agregado familiar
do requerente, não permitindo, assim, a ponderação de todas as despesas
efectivamente realizadas. Este critério de avaliação das situações de
insuficiência económica para efeito de concessão de apoio judiciário, pela sua
rigidez, permite que lhe possam escapar situações de efectiva incapacidade
económica para satisfazer os custos com uma acção judicial” (disponível em
www.tribunalconstitucional.pt).
Nos presentes autos, sucedeu, precisamente, que não pôde ser considerada como
despesa o valor descontado mensalmente no vencimento do requerente a título de
desconto judicial, bem como o valor mensal de taxa de justiça a pagar de forma
faseada, mercê daquele modo rígido de determinação do rendimento relevante para
efeitos de concessão de apoio judiciário. Sendo certo que tais encargos se
repercutem necessariamente na situação económica real do requerente, quando
confrontados com o rendimento do agregado familiar e com a dedução das despesas
legalmente elegíveis.
E não se diga que a não inconstitucionalidade das normas em apreciação passaria
pelo nº 2 do artigo 20º da Lei nº 34/2004, onde se prevê um mecanismo
excepcional de apreciação em concreto da situação de insuficiência económica do
requerente de protecção jurídica. A decisão recorrida interpretou esta
disposição de direito ordinário no sentido de tal mecanismo valer apenas para
fase administrativa do procedimento, não sendo extensível à fase jurisdicional.
Interpretação que não é sindicável por este Tribunal.
Pelo que se expôs, é de concluir que as normas desaplicadas pela decisão
recorrida, extraídas do Anexo que integra a Lei nº 34/2004, em conjugação com
aos artigos 6º a 10º da Portaria nº 1085-A/2004, não garantem o acesso ao
direito e aos tribunais por parte daquele que carece de meios económicos
suficientes para suportar os encargos que são inerentes ao desenvolvimento de um
processo judicial (neste sentido, para além dos já mencionados, cf., ainda,
Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 125/2008, 127/2008 e 515/2008,
disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se:
a) Julgar inconstitucionais as normas constantes do Anexo à Lei nº 34/2004, de
29 de Julho, conjugado com os artigos 6º a 10º da Portaria nº 1085-A/04, de 31
de Agosto, alterada pela Portaria nº 288/2005, de 21 de Março, interpretadas no
sentido de que determinam que seja considerado para efeitos do cálculo do
rendimento relevante do requerente do benefício do apoio judiciário o rendimento
do seu agregado familiar nos termos aí rigidamente impostos, sem permitir em
concreto aferir da real situação económica do requerente em função dos seus
rendimentos e encargos;
b) Negar provimento ao recurso, confirmando o juízo de inconstitucionalidade
constante da decisão recorrida.
Sem custas.
Lisboa, 28 de Janeiro de 2009
Maria João Antunes
Carlos Pamplona de Oliveira
José Borges Soeiro
Gil Galvão (vencido conforme declaração anexa)
Rui Manuel Moura Ramos
DECLARAÇÃO DE VOTO
Votei vencido, no essencial, por considerar que, no presente caso, ao contrário
do que sucedeu, nomeadamente, no Acórdão n.º 515/2008, que subscrevi, o Tribunal
proferiu um juízo de inconstitucionalidade que ultrapassou os limites de uma
fiscalização em concreto, sendo certo que, a meu ver, a Constituição não impõe
ao legislador que defira necessariamente ao juiz a definição discricionária dos
critérios que hão-de presidir à atribuição do apoio judiciário, nem impede que
esse mesmo legislador fixe, em termos gerais e abstractos, tais critérios. Ao
que acresce, ainda, o facto de o legislador não ter deixado de prever, no caso,
um mecanismo que permite a avaliação, em concreto, da situação de insuficiência
económica, impedindo, assim, que o acesso ao direito e aos tribunais seja
travado por razões de insuficiência económica.
Gil Galvão