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Processo n.º 901/08
2ª Secção
Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro
Acordam, em conferência, na 2ª secção do Tribunal Constitucional
I - Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos
do Supremo Tribunal de Justiça, em que é recorrente A. e recorridos B. e Outros,
o relator proferiu decisão sumária de não conhecimento do objecto do recurso,
com fundamento no seguinte:
«[…] 2. Dos autos emergem as seguintes ocorrências processuais, na parte
relevante para a presente decisão:
− Por requerimento de fls. 131, A. interpôs recurso de agravo, para o Supremo
Tribunal de Justiça, do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que negou
provimento aos dois agravos por si interpostos, nos termos das disposições
conjugadas dos artigos 754.º a 756.º e 758.º do CPC, invocando que o recurso
«tem como fundamento a não especificação dos fundamentos de Direito que
justificam as negações do provimento de ambos os recursos de agravo, bem como a
não pronúncia acerca das nulidades neles invocadas, respectivas questões de
conhecimento oficioso, que deveriam em tempo ter sido apreciadas, violação dos
aí também invocados direitos constitucionalmente protegidos e por fim, a errada
aplicação da lei do processo, conforme artigo 755.º, n.º 1, als. a) e b), do
CPC.».
− O Relator no Tribunal da Relação de Lisboa proferiu o seguinte despacho, a
fls. 136:
«Por se nos afigurar não ser admissível o recurso interposto para o Supremo
Tribunal de Justiça, face ao que dispõe o artigo 754.º, n.º 2, 1ª parte, do
C.P.Civil, ouçam-se as partes para querendo se pronunciarem sobre a questão
suscitada − artigo 3.º, n.º 3, do C.P.Civil.»
− A agravante A. pronunciou-se no sentido da admissão do recurso, invocando,
nomeadamente, que o Acórdão da Relação de Lisboa se encontra em oposição com os
acórdãos que aí identificou (requerimento de fls. 147/150).
− Por despacho de fls. 153 foi admitido o recurso de agravo para o Supremo
Tribunal de Justiça.
− Por despacho do Relator no Supremo Tribunal de Justiça, a fls. 183, foram as
partes notificadas, nos termos do artigo 700.º, n.º 4, do CPC, para se
pronunciarem sobre a inadmissibilidade do recurso, na medida em que a recorrente
«não invocou nenhum dos fundamentos a que se refere o art. 678.º, 2, ex vi art.
754.º, 3, do CPC».
− Por despacho de fls. 196, o recurso não foi admitido, com os fundamentos de
fls. 183.
− A recorrente A. reclamou deste despacho para o Presidente do Supremo Tribunal
de Justiça (fls. 200), juntando parecer de um Professor de Direito (fls. 208).
− Por despacho de fls. 225 a reclamação foi admitida como reclamação para a
conferência.
− Por acórdão da conferência, do Supremo Tribunal de Justiça, foi indeferida a
reclamação.
− É deste acórdão que vem interposto o presente recurso.
3. Lê-se o seguinte neste acórdão do Supremo Tribunal de Justiça:
«A. vem reclamar para o Exm.º Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça
do despacho do Relator, de fls. 196, que, pelos fundamentos do despacho de fls.
183, não admitiu o recurso de agravo interposto.
E junta um Parecer do Exm.º Senhor Professor Dr. Ribeiro Mendes a corroborar a
sua tese.
A mencionada reclamação poderia ser, desde já indeferida, porque não há
reclamação do despacho do Relator para o Exm.º Senhor Presidente do Supremo
Tribunal de Justiça.
O que a lei prevê é reclamação para a conferência dos despachos sobre os quais a
parte se considere prejudicada, como claramente decorre na simples leitura do
art. 700.°, 3 do CPC.
Mas para não sermos acusados de excessivamente formalistas, vamos relevar esse
manifesto lapso e considerar que a reclamação é para a conferência, como já se
disse em despacho do Relator.
O Parecer do Exm.º Professor Dr. Ribeiro Mendes, especialista em matéria de
recursos, tem um pressuposto que, no caso, se não verifica.
Pressupõe ele que o despacho de 4.3.08, proferido pela Exm.ª Relatora da Relação
convidou a requerente a corrigir a alegada “deficiência” na interposição do
recurso.
Mas tal pressuposto não ocorre.
Nem há deficiência no requerimento de interposição do recurso nem o despacho da
Exm.ª Relatora é um convite ao aperfeiçoamento.
No requerimento de interposição do recurso — fls. 132 — não se vislumbra
qualquer deficiência: a recorrente é clara e expressa bem as razões porque
recorre: fá-lo nos termos dos arts. “754.° a 756.º e 758.º do Código de Processo
Civil”, tendo como “fundamento a não especificação dos fundamentos de direito
que justificam as negações do provimento de ambos os recursos de agravo, bem
como a não pronúncia acerca das nulidades neles invocadas, respectivas questões
de conhecimento oficioso, que deveriam em tempo ter sido apreciadas, violação
dos aí também invocados direitos constitucionalmente protegidos e por fim a
errada aplicação da lei do processo, conforme art. 755.º, n.º 1 a) e b) do CPC”.
O despacho que incidiu sobre esse requerimento avisou logo que se afigurava à
Relatora que o recurso não era admissível, face ao que dispõe o art. 754.º, 2 do
CPC, tendo-se dado oportunidade às partes para se pronunciarem, como determina o
art. 704.°, 1 do CPC.
Veio depois a recorrente dizer que afinal havia oposição de julgados.
Como se vê do exposto, a pressuposição em que assenta o Parecer do Exm.º
Professor não ocorre porque nenhum convite foi feito para o aperfeiçoamento do
requerimento de interposição do recurso, sendo certo, aliás, que para quem
admite esse convite, tem que se cingir aos princípios gerais de direito, segundo
os quais o mesmo apenas pode ocorrer se houver “insuficiências ou imprecisões”,
o que não acontece no caso presente porque no requerimento de interposição de
recurso a recorrente expressou bem as razões porque recorria, como acima se
deixou dito.
Por outro lado, a posição defendida no Referido Parecer não é uniforme nem a
mesma é seguida jurisprudencialmente. É, antes, a que se deixou expressa no
despacho do Relator de 19.6.2008, fls. 183: “quando o fundamento específico se
não indique, o recurso é indeferido”; ver a doutrina citada na nota 5, onde
também vem citado o Exm.º Professor que subscreve o Parecer.
É certo que o despacho proferido pela Relatora na Relação, que versou sobre essa
posição da recorrente, admitiu o recurso.
Mas, como é sabido e diz a lei, esse despacho não vincula este Supremo Tribunal
de Justiça.
Por isso, é nosso entendimento, face ao exposto, que o despacho da Relatora da
Relação que admitiu o recurso não é legal: o recurso não é admissível.
Mantém-se, assim, a decisão do Relator de não admitir o recurso.
Indefere-se, por isso, a reclamação.
Custas pela recorrente, fixando-se em 5 Ucs a taxa de justiça.»
4. Ressalta com evidência do teor da decisão recorrida, acima transcrita, que a
interpretação adoptada pelo Supremo Tribunal de Justiça das normas dos artigos
687.º, n.ºs 1 e 3, e 754.º, n.º 2, 2ª parte, do Código de Processo Civil, não
coincide com a interpretação dos mesmos preceitos que a recorrente reputa
inconstitucional.
A recorrente pretende ver apreciada a inconstitucionalidade daquelas normas
quando interpretadas no sentido de que «quando do requerimento de interposição
de um recurso de agravo em 2.ª Instancia, não conste o especifico fundamento
previsto no n.° 2 do artigo 754.º do CPC, esse recurso não deve ser apreciado e
como tal deve ser de imediato rejeitado, pelo que e se pelo contrário, tiver
sido proferido um despacho através do qual se tenha convidado o recorrente a
indicar o fundamento em falta, tal despacho é ilegal».
Mas não foi esta a interpretação adoptada no acórdão recorrido.
Desde logo, porque se considerou que não houve qualquer convite ao
aperfeiçoamento do requerimento de interposição do recurso, a tal não se podendo
reconduzir o despacho da Relatora no Tribunal da Relação de Lisboa, que se
limitou a dar a oportunidade às partes para se pronunciarem sobre a
eventualidade de não admissão do recurso.
E também porque se entendeu que não havia qualquer “insuficiência ou imprecisão”
do requerimento de interposição do recurso de agravo que pudesse ser suprida por
via do convite ao aperfeiçoamento, mesmo que se admitisse a sua admissibilidade.
Mais se afirma, na decisão recorrida, que a recorrente expressou claramente as
razões porque recorria no requerimento de interposição do recurso e que só
depois, em resposta àquele despacho do Tribunal da Relação, veio dizer que
«afinal havia oposição de julgados».
E é com base nestes pressupostos que o Supremo Tribunal de Justiça considerou
que o recurso de agravo não era admissível.
Conclui-se, assim, que a decisão recorrida não adoptou a interpretação das
citadas normas, que a recorrente qualifica de inconstitucional, o que, só por
si, obsta ao conhecimento do objecto do recurso. [….]»
2. Notificada da decisão, a recorrente veio reclamar para a conferência, ao
abrigo do artigo 78.º-A, n.º 3, da LTC, nos seguintes termos:
«[…] 1.º Preliminarmente, pretende a Reclamante deixar bem claro que não a move
um propósito de entorpecer a Justiça, de chicana processual ou de obstinação
censurável;
2.° Não ignora, por outro lado a Reclamante que o Tribunal Constitucional não
pode imiscuir-se no modo como os tribunais judiciais interpretam e aplicam o
direito ordinário, salvo quando estejam em causa questões de
inconstitucionalidade normativa;
3.° Pede vénia a Reclamante para afirmar, porém, que o Tribunal Constitucional
tem o poder de qualificar os autos processuais das Partes e de interpretar as
decisões recorridas;
4.° Sucede que a ora Reclamante interpôs um recurso de agravo em 2.ª instância
de um Acórdão da Relação que negou provimento a dois agravos por si interpostos
de decisões de 1.ª instância;
5.° Nesse requerimento de interposição de recurso, a ora Reclamante não indicou
acórdão em oposição com o acórdão recorrido, proferido no domínio da mesma
legislação pelo Supremo Tribunal de Justiça, nem alegou a não fixação sobre esse
ponto de jurisprudência conforme com o acórdão recorrido, nos termos dos arts.
732.°-A e 732.°-B do Código de Processo Civil (art 754.°, n.° 2, do CPC, versão
aplicável ao presente processo, nos termos das normas transitórias do
Decreto-lei n.° 303/2007, de 24 de Agosto);
6.° No Código de Processo Civil previam-se apenas dois tipos de despacho do juiz
recorrido: o de admissão e o de rejeição do recurso;
7.° A doutrina e a jurisprudência admitem há longos anos que possa haver, pelo
menos, um terceiro tipo, o de despacho de aperfeiçoamento ou correcção;
8.º O relator no Tribunal da Relação mandou ouvir as Partes sobre a questão da
inadmissibilidade do recurso, adoptando aparentemente o procedimento das
questões prévias suscitadas pelo tribunal ad quem;
9.° Fê-lo conjugando a possibilidade de convite ao aperfeiçoamento do
requerimento de interposição com a garantia do contraditório (art. 3.°, n.° 3,
do CPC);
10.º Sem necessidade de especulação indevida, este entendimento resulta
confirmado cristalinamente da circunstância de, por ter considerado corrigida a
omissão detectada nesse requerimento de interposição, ter supervenientemente
admitido o recurso;
11.° Não se nega que o despacho de admissão do relator não vincula o tribunal
superior (art 687.°, n.° 4, do CPG, na versão em vigor);
12.° O que se nega veementemente é que o relator do Tribunal Superior possa
rejeitar o recurso por falta de elementos, quando esses elementos lá constam dos
autos, na sequência do convite do tribunal recorrido, o qual se consolidou na
Ordem Jurídica;
13.° Não obstante o habilidoso acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, é
manifesto que havia uma DEFICIÊNCIA na não indicação do elemento previsto como
pressuposto de admissibilidade do recurso e um CONVITE (ao menos, IMPLICITO e,
interpretado como tal, pelo autor do despacho — art. 3.º, n.° 3) PARA CORRIGIR O
REQUERIMENTO, sob pena de rejeição do recurso;
14.° Por outro lado, há no acórdão do STJ ora recorrido um lapso lamentável,
pois que não invocou o relator o art. 704.º do CPC (regime das questões prévias
suscitadas pelo TRIIBUNAL DE RECURSO), nem o podia tecnicamente fazer, mas tão
só o art. 3.°, n.° 3, do CPC;
15.° Este lapso técnico pode e deve ser censurado pelo Tribunal Constitucional,
pois deita por terra o aliás engenhoso Acórdão do STJ;
16.° O único sentido útil do despacho do relator na Relação foi o de dar uma
oportunidade ao recorrente — observando louvavelmente o princípio do
contraditório — de corrigir a omissão PATENTE e GRITANTE.
17° Repete-se não houve QUALQUER PROPÓSITO DE APLICAÇÃO DO ART. 704.° CPC, não
podendo presumir-se ignorância do tribunal recorrido sobre a sua situação de
tribunal recorrido.
18.º Houve, por isso, aplicação pelo STJ das normas conjugadas dos arts. 687.°,
n.°s 1 e 3, e 754.°, n.° 2, 2.ª parte do CPC, com o sentido tido por
inconstitucional e que consta do requerimento de interposição do recurso,
permitindo-se o Reclamante respeitosamente discordar da evidência encontrada
pelo Exm.° relator no Tribunal Constitucional sobre o sentido do acórdão
recorrido.
Termos em que, respeitosamente, se pede que seja proferido acórdão que revogue a
aliás douta Decisão Sumária, mandando seguir o recurso.»
3. Os recorridos nada disseram.
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
4. A presente reclamação em nada contraria a conclusão, a que se chegou na
decisão sumária reclamada, de que o acórdão recorrido (acórdão de conferência,
do Supremo Tribunal de Justiça, que indeferiu a reclamação contra o despacho do
seu Presidente que não admitiu o recurso interposto pela ora reclamante) não
acolheu a interpretação dos artigos 687.º, n.ºs 1 e 3, e 754.º, n.º 2, 2ª parte,
do Código de Processo Civil, que a ora reclamante reputa inconstitucional.
Como resulta claro, nomeadamente, dos pontos 12.º a 15.º da reclamação, o que
verdadeiramente a reclamante pretende é que o Tribunal Constitucional aprecie e
censure os alegados “lapsos técnicos” daquele acórdão do Supremo Tribunal de
Justiça.
Como tem sido reiteradamente salientado na jurisprudência do Tribunal
Constitucional, o recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade tem
por objecto normas ou interpretações normativas e nunca as próprias decisões
recorridas. A interpretação do direito infraconstitucional feita na decisão
recorrida é, para o Tribunal Constitucional, um dado adquirido, a partir do qual
o Tribunal emite um juízo de conformidade ou desconformidade constitucional
dessa interpretação.
Não tendo o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça adoptado a interpretação cuja
inconstitucionalidade a recorrente pretende ver apreciada − pelas razões que
constam da decisão reclamada e que nos prescindimos de repetir − não se mostram
verificados os pressupostos do recurso de constitucionalidade.
Conclui-se, por isso, ser de manter, na íntegra, a decisão sumária reclamada.
III. Decisão
Pelo exposto, acordam em indeferir a presente reclamação.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 11 de Fevereiro de 2009
Joaquim de Sousa Ribeiro
Benjamim Rodrigues
Rui Manuel Moura Ramos