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Processo n.º 759/07
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
A – Relatório
1 – A. recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto
na alínea b) do n.º 1 do art.º 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua
actual versão (LTC), do acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 22 de
Fevereiro de 2006, que julgou parcialmente procedentes os recursos interpostos
pelo ora recorrente e pelo Ministério Público do acórdão proferido pelo tribunal
colectivo da comarca de Marco de Canavezes, pretendendo a apreciação da questão
da inconstitucionalidade das seguintes normas:
- “do artigo 358.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, quando
aplicado no sentido de convolar a condenação para crime diverso em preterição do
contraditório, por violação dos n.ºs 1 e 5 do art.º 32.º da Constituição”;
- “dos artigos 358.º, n.º 3, e 403.º, n.º 2, alínea b), do Código
de Processo Penal, interpretados no sentido de permitir, inexistindo recurso no
interesse da acusação, a condenação penal por factos objecto de caso julgado
absolutório formado em decisão anterior, por violação do princípio do caso
julgado, consagrado no art.º 29.º, n.º 5, da Constituição”;
- “ do artigo 29.º, alínea f), da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, por
violação do art.º 30.º, n.º 4 da Constituição, e, ainda, subsidiariamente, da
interpretação desse preceito no sentido de que a pena acessória de perda de
mandato pode ser aplicada ainda que a pena principal de prisão venha a ser
substituída por pena de suspensão de execução da pena de prisão, por violação do
art.º 18.º da Constituição”.
2 – O recurso foi admitido pelo tribunal a quo. No Tribunal
Constitucional, o relator proferiu, todavia, despacho em que ordenou a
notificação das partes para alegarem e para se pronunciarem, querendo, sobre
duas questões prévias, nos termos seguintes:
“Notifique o recorrente e recorridos para, respectivamente, alegar e
contra-alegarem, querendo, no prazo legal, bem como para se pronunciarem,
desejando, sobre a possibilidade de não conhecimento do recurso de
constitucionalidade relativamente às questões colocadas no requerimento de
interposição quanto ao art.º 358.º, n.º 3, do Código de Processo Penal e aos
artigos 358.º, n.º 3, e 403.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Penal
(pontos 1 e 2 da parte II do requerimento).
Na verdade, no que tange à primeira questão, afigura-se que a
concreta dimensão normativa constitucionalmente impugnada não foi aplicada,
tendo antes sido, segundo o expressamente afirmado na decisão recorrida (sendo
que não cabe ao Tribunal Constitucional sindicar a correcção jurídica deste
juízo), a de que a convolação efectuada no tribunal de recurso foi para crime
pelo qual o arguido já havia sido pronunciado e sobre cuja matéria exerceu o
contraditório (do crime de peculato previsto no art.º 20.º, n.º 1, para o de
abuso de poderes, previsto no art.º 26.º, n.º 1, ambos da Lei n.º 34/87, de 16
de Julho).
No que importa à segunda questão, afigura-se, igualmente, que a
dimensão normativa dos art.ºs 358.º, n.º 3, e 403.º, n.º 2, alínea b), do Código
de Processo Penal não constituiu a ratio decidendi da decisão, já que o acórdão
nega expressamente a existência de caso julgado absolutório sobre a decisão de
1.ª instância, por o quadro de facto ao qual o recorrente imputa a formação de
caso julgado absolutório (crime de abuso de poderes decorrente da prática de
certos e determinados factos) ser diferente do quadro de facto que continua em
apreciação, por força dos recursos interpostos pelo Ministério Público e pelo
recorrente para a 2.ª instância”.
3.1 – Notificado deste despacho, o recorrente veio alegar rematando
a sua alegação com as seguintes conclusões:
«1) Até ao Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 22 de Fevereiro
de 2006, nenhuma autoridade judiciária qualificou como crime de abuso de poderes
os factos que levaram o Tribunal a quo a condenar o recorrente precisamente por
crime de abuso de poderes (art. 26.°-1 da Lei n.º 34/87).
2) Factos esses que até aí haviam sempre sido integrados no quadro do
crime de peculato (art. 20.°-1 da Lei n.º 34/87) e que só no Acórdão recorrido
foram convolados para crime de abuso de poderes (art. 26.°-1 da Lei n.º 34/87).
3) A factualidade que motivou, nos autos, uma acusação e uma
pronúncia por abuso de poderes foi a relatada nos nºs 41.° a 45.° da acusação e
nos pontos al) a an) da pronúncia, ao passo que a acusação e a pronúncia pelo
crime de peculato foram baseadas nos factos descritos nos nºs 1.º a 40.º e nos
pontos entre a) e ai, respectivamente, como se explicitou de 25 a 28 destas
alegações.
4) Dúvidas não haverá, pois, que a dimensão normativa do art. 358.°,
n.º 3, do Código de Processo Penal, aqui constitucionalmente impugnada foi,
portanto, aquela que, na realidade, se mostrou concretamente aplicada pelo
Tribunal a quo,
5) sendo desajustado o entendimento que o Tribunal a quo expressou no
Ac. de 17 de Maio de 2006, pág. 5 e ss.,
6) que também assim não foi acompanhado pelo Exm° Procurador
Geral-Adjunto, como se vincou acima.
Ultrapassada esta eventual questão prévia de admissibilidade do recurso,
dir-se-á que:
7) Dando provimento a argumentação expendida pelo arguido no seu
recurso da condenação da 1.ª Instância e ao pedido concomitante, o Tribunal a
quo decidiu absolvê-lo do crime continuado de peculato (art. 20.°-1 da Lei n.º
34/87).
8) Simultaneamente, porém, o Tribunal a quo considerou que a
factualidade em causa, embora não susceptível de qualificação no âmbito do crime
de peculato, configurava a prática de um crime de abuso de poderes (art. 26.°-1
da Lei n.º 34/87), pelo qual o veio a condenar o arguido.
9) Condenação em crime de abuso de poderes que, todavia, não foi
precedida da advertência ao arguido de que essa alteração da qualificação
jurídica dos factos estaria a ser ponderada pelo Tribunal recorrido.
10) Foi, assim, feita aplicação do art. 358.°, n.º 3, do Código de
Processo Penal com absoluta preterição do contraditório.
11) Preterição que subsistiu, apesar do alerta do arguido, tendo sido
recusado ao recorrente, por duas vezes, a concessão de oportunidade de tomar
posição e defender-se em relação à qualificação dos factos provados como crime
de abuso de poderes.
12) Ao aplicar o art. 358.°, n.º 3, do Código de Processo Penal, como
aplicou, postergando o contraditório, o Tribunal a quo violou o disposto nos
n.ºs 1 e 5 do art. 32.º da Constituição (cf. os Acs. do TC nºs 173/92, 279/95,
16/97, 59/97 e 445/97).
Subsidiariamente,
§2
13) Se, por se divergir do alegado supra, o recurso de
inconstitucionalidade formulado no § 1 não for conhecido, com fundamento na
circunstância de que os factos que levaram à condenação por abuso de poderes no
Acórdão recorrido foram os mesmos que determinaram uma pronúncia por abuso de
poderes, não pode em coerência negar-se o conhecimento desta segunda questão de
inconstitucionalidade, que subsidiariamente se invoca.
14) Embora tenha sido pronunciado pelo crime de abuso de poderes (art.
26.°-1 da Lei n.º 37/84), o certo é que o recorrente foi absolvido desse crime
pelo Acórdão proferido pelo Tribunal de 1.ªInstância, nessa parte entretanto
transitado em julgado, por inexistência de recurso no interesse da acusação.
15) Se, pois, uma convolação realizada pelo Tribunal a quo que esteve
na base da condenação por abuso de poderes tem origem em recurso somente
interposto pela defesa, viola-se o corolário da consunção do caso julgado
(FIGUEIREDO DIAS, Direito Processual Penal, p. 103 e s.), se, absolvido o
arguido, se vem, de novo, agora a condenar o mesmo pela prática de um crime de
abuso de poderes, p. e p. pelo art. 26.°-1 da Lei n.º 34/87.
16) Há nisto uma aplicação dos arts. 358.°, n.º 3, e 403.°, n.º 2, b),
do Código de Processo Penal violadora do art. 29.°, n.º 5, da Constituição.
§3
17) Tanto o Acórdão condenatório prolatado pelo Tribunal de 1.ª
Instância, como o Acórdão recorrido condenaram o recorrente na perda do mandato
de Presidente da Câmara Municipal de Marco de Canaveses, por aplicação do
disposto no art. 29.°,f)da Lei n.º 34/87, por referência ao art. 3.°-1, i),
desse diploma.
18) Esta norma contida no art. 29.°, f), da Lei n.º 34/87 tem uma
interpretação unívoca: o simples trânsito em julgado da condenação nos crimes
nela previstos determina automática e necessariamente, ope legis, a perda do
mandato de que o condenado seja titular.
19) Por ser efectivamente assim, é manifesto que a sanção prevista no
art. 29.°, f), da Lei n.º 34/87, colide frontalmente com o disposto no art.
30.°, nº 4, da Constituição, tal como o mesmo vem sendo, constante e
reiteradamente, interpretado há longos anos por este Tribunal Constitucional
(cf., entre tantos outros, os Acs. nºs 16/84, 284/89, 202/2000, 176/2000,
19/2004, 304/2003, 562/2003, 154/2004), e melhor se explicitou supra (nºs 99 a
115).
20) Contra este juízo de inconstitucionalidade não se mostrará acertada
nem a invocação do disposto no art. 117.°, n.º 3, da Constituição, nem de uma
suposta interpretação conforme à Constituição (vd. supra, n.ºs 123 a 133).
É que,
21) se o art. 117.°-3 da Constituição autoriza, em observância do art.
18.°-2 da Constituição, o legislador a prever a perda do mandato como efeito da
condenação por crime de responsabilidade de titular de cargo político, não o
autoriza a decretar a perda do mandato como um efeito automático ou necessário
de uma tal condenação, em derrogação do n.º 4 do art. 30.° da Constituição (cf.
o voto de vencido do Conselheiro Mário de Brito no Ac. do TC n.º 274/90).
Além disso,
22) porque a própria norma em crise não abre espaço para um juízo de
valoração ou ponderação, não poderá considerar-se englobada na condição que o
Tribunal Constitucional vem estabelecendo como condição necessária para poder
formular uma interpretação conforme à Constituição que permita evitar a
declaração de inconstitucionalidade da norma legal que preveja a perda de
direitos civis, profissionais ou políticos como consequência automática de uma
condenação penal (cf. os Acs. do TC n.ºs 363/91, 522/95, 327/99, 422/2001,
562/2003 e 154/2004; e supra, nº s 134 a 144).
23) Significa isto, em suma, que o art. 29.°, f), da Lei n.º 34/87, não
está em condições de ser “salvo” da sua iniludível inconstitucionalidade,
determinada por uma violação clara e frontal do estabelecido no n.º 4 do art.
30.° da Constituição.
Subsidiariamente
§4
24) Suposta a não inconstitucionalidade de per se do art. 29.°, f), da
Lei n.º 34/87 – ideia a que não se adere e só se admite por cautela – sempre
deverá concluir-se que, suspensa que foi a pena principal aplicada, deveria
igualmente ter sido suspensa a sanção acessória de perda de mandato em que o
recorrente foi condenado.
25) Argumentação a que o Tribunal a quo não foi sensível, tendo
mantido, como se referiu, a condenação na perda de mandato aplicada ao arguido
pelo Tribunal de 1.ª Instância.
26) Dessa forma, incorreu-se em inconstitucionalidade por violação do
previsto no art. 18.º da Constituição, designadamente do princípio da
proporcionalidade, que, em conformidade, deverá ser aqui declarada.
Nestes termos, e nos melhores de direito que V. Exas. proficientemente suprirão,
requer-se a V. Exas. se dignem declarar:
a) a inconstitucionalidade do art. 358.°, n.º 3, do Código de Processo
Penal, quando aplicado no sentido de convolar a condenação para crime diverso em
preterição do contraditório, por violação dos nºs 1 e 5 do art. 32.° da
Constituição da República Portuguesa; ou,
subsidiariamente, caso improceda a arguição de inconstitucionalidade precedente,
b) a inconstitucionalidade dos arts. 358.°, n.º 3, e 403.°, n.º 2, b),
do Código de Processo Penal, quando interpretados no sentido de permitir,
inexistindo recurso no interesse da acusação, a condenação penal por factos
objecto de caso julgado absolutório formado em decisão anterior, por violação do
princípio do caso julgado, consagrado no art. 29.°, n.º 5, da
Constituição».
Mais requer a V. Exas se dignem declarar:
c) a inconstitucionalidade do art.º 29.º, f), da Lei n.º 34/87, de 16
de Julho, por violação do art.º 30.º, n.º 4, da Constituição; ou,
subsidiariamente, caso improceda a arguição de inconstitucionalidade precedente,
d) a interpretação do art.º 29.º, f), da Lei n.º 34/87, de 16 de
Julho, no sentido de que a pena acessória de perda de mandato pode ser aplicada
ainda que a pena principal de prisão venha a ser substituída por pena de
suspensão de execução da pena de prisão, por violação do princípio da
proporcionalidade consagrado no art.º 18.º da Constituição».
3.2 – Por seu lado, o Procurador-Geral Adjunto, no Tribunal
Constitucional, contra-alegou, defendendo, em resumo, o não conhecimento do
recurso relativamente às duas primeiras questões colocadas pelo recorrente e
pela não procedência da terceira.
B – Fundamentação
4 – Para melhor compreensão das questões a decidir, importa fazer um
breve relato do quadro de que as mesmas emergem.
4.1 – O acórdão do Tribunal da Relação do Porto, ora recorrido, de
22 de Fevereiro de 2006, julgando parcialmente procedentes os recursos
interpostos pelo Ministério Público e pelo ora recorrente do acórdão do tribunal
colectivo da Comarca de Marco de Canavezes, condenou o recorrente, pela prática,
como autor material e na forma consumada, de um crime continuado de abuso de
poderes, p. e p. pelo art.º 26.º, n.º 1, com referência ao art.º 3.º, alínea i),
da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, na pena de dois anos de prisão, e, pela
prática, como autor material e na forma consumada, de um crime continuado de
peculato de uso p. e p. pelo art.º 21.º, n.º 1, com referência ao art.º 3.º,
alínea i), ambos da Lei n.º 34/87, na pena de dez meses de prisão, e, em cúmulo
jurídico, na pena unitária de dois anos e três meses de prisão, mantendo a
decisão de 1.ª instância no que importa à suspensão da pena de prisão e à não
suspensão da pena da perda de mandato.
4.2 – Notificado deste acórdão condenatório, o ora recorrente
“arguiu a sua nulidade e correcção”, argumentando, além do mais, que “foi
operada a convolação do crime de peculato, por cuja prática foi condenado em
primeira instância, para o de abuso de poderes, com preterição das regras do
contraditório, que resulta do facto de não se ter dado cumprimento ao disposto
no artigo 358.º, n.º 3, do CPP, uma vez que se trata de questão nova para a
defesa, o que acarreta a violação do disposto no art.º 32.º, n.º 5, da CRP”, e
que “o acórdão padece do vício de nulidade por violação do “ne bis in idem” e da
“proibição da reformatio in pejus”, porquanto em recurso interposto apenas por
si, o Tribunal reconheceu a razão do mesmo, mas convolou para crime de abuso de
poder, defendendo que existe caso julgado absolutório quanto ao crime de abuso
de poder, o que, também, constitui a violação do disposto no artigo 29.º, n.º 5,
da CRP”.
Apreciando aquela questão, discorreu assim o tribunal a quo:
«De acordo com o disposto no artigo 358.º, n.º 3, do CPP, no caso de o tribunal
alterar a qualificação jurídica dos factos descritos na acusação ou na pronúncia
deve a mesma ser comunicada ao arguido a quem se concede, se este o requerer, o
tempo estritamente necessário para a preparação da defesa.
Por outro lado, de acordo com o comando constitucional, ínsito no artigo 32.º,
nºs 1 e 5, da CRP, o processo criminal assegura todas as garantias de defesa e
subordina-se ao princípio do contraditório.
Decorre do disposto no artigo 358.º, n.º 3, do CPP, que se visa obviar a que
alguém seja sujeito a uma decisão surpresa uma vez que se exige que a decisão a
proferir se enquadre dentro do objecto do processo, definido este (também, por
força do que se acha disposto no artigo 339.º, n.º 4, do CPP) pelos factos
alegados pela acusação ou constantes da pronúncia; pelos factos alegados pela
defesa e pelos factos que resultarem da discussão da causa, considerados estes
quer, no plano fáctico ou naturalístico quer no plano normativo, ao pressupor a
manutenção da mesma qualificação jurídica.
Como refere Castanheira Neves, Sumários ..., pág. 208, o objecto do processo
constitui uma verdadeira garantia de defesa, por limitar a extensão da cognição
e, reflexamente, os próprios limites da decisão, mas entendido este – objecto do
processo – como o caso jurídico concreto trazido pela acusação, ou melhor dito,
o problema jurídico-criminal do caso concreto posto ao tribunal e que este terá
de resolver (ob. cit., a pág. 259).
Já para Frederico Isasca, in Alteração Substancial ..., 2.ª edição (2.ª
Reimpressão), Almedina, 1995, a pág. 240 e segs, o objecto do processo penal
será o pedaço de vida, o acontecimento histórico, o assunto ou acontecimento
vertido na acusação e imputado, como crime, a um certo agente, que obedece a uma
dimensão subjectiva e a uma dimensão real, exigindo a primeira que durante todo
o iter processuale se mantenham sempre os mesmos arguidos e a segunda impondo a
identidade do facto no decurso de todo o processo, sendo que tudo isto se fixa e
assume contornos definidos com a acusação ou com a pronúncia.
Ora, compulsando os autos, verifica-se que o ora recorrente foi pronunciado pela
prática dos seguintes crimes:
- um crime continuado de peculato de uso, p. e p. pelo artigo 21, n.º 1, da Lei
34/87;
- um crime continuado de peculato, p. e p. pelo artigo 20, n.º 1, da mesma Lei;
- um crime continuado de abuso de poderes, p. e p. pelo artigo 26, da mesma Lei,
com referência ao seu artigo 3.°, n.º 1.
Em primeira instância, foi tal arguido condenado pela prática dos citados crimes
de peculato e de peculato de uso e absolvido da prática do crime de abuso de
poderes.
Desta decisão recorreu o MP e ora arguido reclamante, A., com objectivos
díspares, a saber: o primeiro pela manutenção do julgado e agravamento das penas
e o segundo pugnando pela sua absolvição, defendendo que tais factos não
constituem a prática de nenhum dos crimes que lhe são imputados.
Ao invés, neste Tribunal da Relação, decidiu-se pela absolvição do ora
reclamante relativamente ao crime de peculato e a sua condenação pela prática do
crime de abuso de poderes, pelo qual já havia sido pronunciado.
Daqui decorre que o objecto do presente processo já há muito (desde a
pronúncia), que se encontra fixado.
Desde sempre que o arguido foi confrontado com essa qualificação jurídica, tendo
por referência os factos que já constavam da acusação e posteriormente da
pronúncia e que são os mesmos agora considerados.
Com base em tais factos e nessa qualificação jurídica, o ora reclamante exerceu
os direitos de defesa que entendeu, designadamente requerendo a instrução,
intervindo no julgamento e exercendo o direito de recurso, sempre defendendo a
sua absolvição por, no seu entender, tais factos não constituírem a prática dos
crimes que lhes eram imputados, tendo-se os Tribunais pronunciado (no tocante à
qualificação jurídica de modo diferente), mas sempre com respeito pelos factos,
sujeitos e qualificação jurídica já constante da pronúncia.
Assim, não vemos como possa falar-se em “questão nova” agora colocada ao
arguido, com a qualificação que se entendeu dever fazer dos factos trazidos a
juízo, pois que, repete-se, a mesma já constava como tal do despacho de
pronúncia, em que lhe era imputada a prática do mesmo crime por cuja autoria
agora este Tribunal decidiu condená-lo e tendo por referência os mesmos factos.
Igualmente e salvo o devido respeito por entendimento contrário, não vemos que
com isso se tenham posto em cheque os direitos de defesa e ao contraditório que
ao arguido são legal e constitucionalmente conferidos.
Reitera-se que, já desde a acusação e da pronúncia, foi o mesmo confrontado com
esta qualificação jurídica, dela e dos factos que lhe estão subjacentes se
defendendo, como quis e entendeu, pelo que, de modo algum, foi, agora,
confrontado com uma decisão surpresa e alheia ao objecto do processo.
Consequentemente, por não se tratar de diferente qualificação jurídica dos
factos descritos na pronúncia, uma vez que ao arguido já aí fora imputada a
prática do crime pelo qual agora foi condenado, não se impõe a aplicação do
disposto no n.º 3 do artigo 358.º, do CPP.
Nestes termos e com base na fundamentação ora analisada, não se verifica a
apontada nulidade».
E conhecendo da segunda, disse a mesma decisão o seguinte:
«8. Por último, alega o arguido recorrente que o acórdão padece do vício de
nulidade por violação do “ne bis in idem” e da “proibição da reformatio in
pejus”, porquanto em recurso interposto apenas por si, o Tribunal reconheceu a
razão do mesmo, mas convolou para crime de abuso de poder, defendendo que existe
caso julgado absolutório quanto ao crime de abuso de poder, o que, também,
constitui a violação do disposto no artigo 29.º, n.º 5, da CRP.
Respondeu o MP que assim não é porque também pela acusação foi interposto
recurso da decisão final, para além de que não se discutiu o crime de abuso de
poder por cuja prática o mesmo foi absolvido em primeira instância mas tão
somente se considerou que o de peculato, em recurso, deveria ser convolado para
o de abuso de poder.
A decisão por nós proferida não violou o disposto no artigo 29.º, n.º 5, da CRP,
uma vez que se limitou a apreciar ambos os recursos interpostos, tanto pela
acusação como pela defesa e foi no estrito cumprimento dessa função que nos está
constitucionalmente conferida que foram apreciados os factos atinentes e operada
a sua qualificação jurídica, para além de que não pode decorrer de um diferente
enquadramento normativo que se está a julgar alguém mais do que uma vez pela
prática do mesmo crime.
Ao invés, a figura dos recursos só se concebe como remédio jurídico para a
apreciação de uma decisão e não como novo julgamento, o que implica a apreciação
dos mesmos factos por outro Tribunal e in casu o que se fez foi apreciar se era
ou não de manter a decisão condenatória pela prática, por banda dos arguidos, de
um crime de peculato.
Entendeu-se que a decisão em recurso não era de manter mas devendo enquadrar-se
tais factos como integrando a prática de um crime de abuso de poder e sem que
daí, no nosso entendimento, resulte a violação de tal preceito constitucional.
E de igual forma entendemos que com a decisão por nós proferida não se violou o
princípio da proibição da reformatio in pejus, que tem consagração legal, cf.
artigo 409.º, do CPP.
No caso em apreço o recurso não foi apenas interposto pelo ora arguido, nem pelo
MP no seu exclusivo interesse. Ao invés, também o MP recorreu da decisão
proferida em primeira instância, visando, essencialmente, obter uma agravação
das penas que ao mesmo foram aplicadas, pela prática quer do crime de peculato
quer para o de peculato de uso, como bem resulta das suas alegações e conclusões
de recurso.
Ora, a pretendida agravação das penas não permite uma limitação do recurso
interposto pelo MP em termos de afastar a apreciação da questão que lhe é
prévia, qual seja a de saber se deve ou não manter-se tal incriminação – cf.
artigos 402 e 403, do CPP.
Assim, resulta evidente que não se mostra violado o princípio da reformatio in
pejus, até porque, desde logo, a incriminação que neste Tribunal lhe foi
imputada é menos grave do que aquela de que foi alvo na decisão recorrida.
Consequentemente, também com base neste fundamento, inexiste a apontada
nulidade».
5 – Das questões de não conhecimento
5.1 – Da questão de constitucionalidade “do artigo 358.º, n.º 3, do
Código de Processo Penal, quando aplicado no sentido de convolar a condenação
para crime diverso em preterição do contraditório, por violação dos n.ºs 1 e 5
do art.º 32.º da Constituição”.
No seu despacho, o relator, no Tribunal Constitucional, alvitrou a
possibilidade de não conhecimento do recurso, com o fundamento de a concreta
dimensão normativa constitucionalmente impugnada não ter sido aplicada, tendo
antes sido, segundo o expressamente afirmado na decisão recorrida, a de que a
convolação efectuada no tribunal de recurso fora para crime pelo qual o arguido
já havia sido pronunciado e sobre cuja matéria exerceu o contraditório (do crime
de peculato previsto no art.º 20.º, n.º 1, para o de abuso de poderes, previsto
no art.º 26.º, n.º 1, ambos da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho).
O recorrente, na sua resposta, não nega a correcção do afirmado pelo
relator, no Tribunal Constitucional, no que tange à sua correspondência com a
fundamentação aduzida na decisão recorrida, constante, aliás, do excerto acima
transcrito.
O que o recorrente refuta é a correcção da fundamentação
jurídico-factual da própria decisão recorrida, defendendo, em contrário do que
na mesma se afirma, que os factos em relação aos quais o tribunal a quo operou a
convolação da imputação da responsabilidade penal são diversos daqueles que
foram tomados em conta para decidir essa questão .
Nesse sentido, argumenta, em síntese, o recorrente que o juízo feito
pelo acórdão recorrido sobre o acervo factual com base no qual se considerou ter
ele cometido, em co-autoria material e na forma consumada e continuada, um crime
de abuso de poderes, p. e p. pelo artº 26.º, n.º 1, da Lei n.º 34/87, de 16 de
Junho está errado, porquanto “da análise dos autos resulta que os factos pelos
quais o arguido foi pronunciado pelo crime de abuso de poderes e absolvido em
1.ª instância foram outros que não aqueles pelos quais foi inicialmente
condenado por peculato pela 1.ª instância e depois condenado por abuso de
poderes pelo Tribunal a quo” e que “os factos pelos quais o recorrente foi
condenado pelo Tribunal a quo por crime de abuso de poderes (art. 26.º-1 da Lei
n.º 34/87) são, portanto, os mesmos que determinaram uma condenação em 1.ª
instância por crime de peculato”.
Como, porém, bem diz o Procurador-Geral Adjunto, neste Tribunal
Constitucional, “para apurar da correcção do entendimento perfilhado pela
Relação, o Tribunal Constitucional, tal como o faz o recorrente nas alegações,
teria de sindicar a apreciação da matéria de facto levada a cabo pela Relação, o
que manifestamente não cabe no âmbito da sua competência”.
O recurso de fiscalização concreta para o Tribunal Constitucional
não tem a natureza de recurso de reexame do juízo de facto ou até do juízo
subsuntivo levados a cabo pelos tribunais de instância, mas tão só de apreciação
da questão de constitucionalidade das normas que tenham constituído a ratio
decidendi do decidido.
Não foi, pois, aplicada a norma cuja apreciação de
constitucionalidade se requer, pelo que não se pode conhecer dessa parte do
objecto do recurso.
5.2 – Da questão de constitucionalidade dos artigos “358.º, n.º 3, e
403.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Penal, interpretados no sentido
de permitir, inexistindo recurso no interesse da acusação, a condenação penal
por factos objecto de caso julgado absolutório formado em decisão anterior, por
violação do princípio do caso julgado, consagrado no art.º 29.º, n.º 5, da
Constituição”.
No despacho do relator, no Tribunal Constitucional, colocou-se a
hipótese do não conhecimento desta parte do recurso, por a interpretação
constitucionalmente impugnada não ter constituído a “ratio decidendi da decisão,
já que o acórdão nega expressamente a existência de caso julgado absolutório
sobre a decisão de 1.ª instância, por o quadro de facto ao qual o recorrente
imputa a formação de caso julgado absolutório (crime de abuso de poderes
decorrente da prática de certos e determinados factos) ser diferente do quadro
de facto que continua em apreciação, por força dos recursos interpostos pelo
Ministério Público e pelo recorrente para a 2.ª instância”.
E tal é, de facto, o que ressalta da decisão recorrida, cuja parte
pertinente à compreensão desta questão se deixou acima reproduzida.
Todavia, defende o recorrente que, pressuposta que seja a identidade
entre a realidade factual que levou à pronúncia por crime de abuso de poderes e
a matéria factual que conduziu o tribunal de recurso a condenar o recorrente
pela prática do crime de abuso de poderes, e tendo, entretanto, ocorrido a
absolvição por esse crime, decretada pelo acórdão de 1.ª instância, então não
poderia deixar de entender-se que a condenação imposta pelo tribunal a quo,
pelos factos abrangidos na absolvição, resultaria de uma aplicação daqueles
preceitos, na acepção definida.
Na sua óptica, a aceitação da tese de que a factualidade subjacente
à qualificação, pelo tribunal de recurso, como crime de abuso continuado de
poderes não era distinta daquela materialidade pela qual fora pronunciado por o
mesmo tipo legal de crime levaria inelutavelmente à conclusão de se estar a
desrespeitar a absolvição decretada na 1.ª instância quanto ao crime de abuso de
poder, sob pena de se cair num paradoxo, pois tal “seria afirmar, por um lado, a
identidade dos factos para justificar o não conhecimento da questão de
inconstitucionalidade invocada no § 1 [item anterior] e ao mesmo tempo, por
outro lado, negar a identidade de tais factos para recusar o conhecimento da
inconstitucionalidade suscitada neste § 2” [neste ponto].
Mas não é assim. Em primeiro lugar, constata-se que o recorrente
constrói a sua argumentação em torno de uma análise dos factos integrantes dos
crimes considerados diferente – bem ou mal não importa aqui - da considerada
pela decisão recorrida.
Depois, o recorrente representa as realidades factuais como se a
qualificação jurídico-penal operada pela pronúncia (crime continuado de peculato
e crime continuado de abuso de poder), que lhes respeita, apenas pudesse ser
efectuada relativamente a dois universos factuais estanques que, mútua e
forçosamente, se excluam e não possam estar entre si numa qualquer relação de
consumpção total ou parcial, real ou aparente.
Finalmente, porque o recorrente figura uma constituição de caso
julgado que faz assentar sobre uma posição processual do Ministério Público, no
recurso, que não corresponde a qualquer dado nela estabelecido: o de que não
tenha havido recurso deste órgão.
Como bem nota o Procurador-Geral Adjunto, “o Tribunal da Relação no
acórdão que apreciou as nulidades suscitadas pelo recorrente é claro quando
afirma que a decisão se limitara a apreciar os recursos interpostos pelo
Ministério Público e pelo recorrente, o que implicava necessariamente a
apreciação de matéria de facto e a sua qualificação jurídica, não decorrendo de
uma diferente qualificação jurídica o julgamento pela prática do mesmo crime” e
que “no mesmo sentido afirmou-se, aí, que o que o Tribunal fizera fora decidir
se seria ou não de manter a condenação pela prática do crime de peculato e ao
entender-se que não, mas que os factos integravam um crime de abuso de poder,
foi condenado por este crime”.
A questão de saber se o crime de abuso de poder por cuja autoria, na
forma continuada, o recorrente veio a ser condenado em tribunal de recurso, e
antes sancionado como crime continuado de peculato, se mostra também abrangido
na materalidade considerada como integrando o crime de abuso de poder, por parte
da pronúncia, envolve uma análise dos factos, do apuramento da sua relevância
jurídico-penal e da interpendência entre os dois tipos de crime que não cabe
manifestamente na competência do Tribunal Constitucional.
Como se sabe, o recurso de fiscalização de constitucionalidade
apenas tem por objecto apreciar a conformidade constitucional das normas que
tenham constituído fundamento normativo da decisão tomada e não a correcção da
actividade levada a cabo pelo tribunal relativa à eleição da lei
infraconstitucional aplicável ao caso, à fixação dos factos da causa
juridicamente relevantes e à determinação do concreto efeito que os mesmos
alcançam perante aquela lei.
Temos, portanto, que, também, não se pode tomar conhecimento desta
parte do recurso de constitucionalidade.
6 - Da questão de constitucionalidade “do artigo 29.º, alínea f), da
Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, por violação do art.º 30.º, n.º 4 da
Constituição, e, ainda, subsidiariamente, da interpretação desse preceito no
sentido de que a pena acessória de perda de mandato pode ser aplicada ainda que
a pena principal de prisão venha a ser substituída por pena de suspensão de
execução da pena de prisão, por violação do art.º 18.º da Constituição”.
6.1 – Pretende o recorrente, em primeira linha, a apreciação da
questão de constitucionalidade do art.º 29.º, alínea f), da Lei n.º 34/87, de 16
de Julho, por violação do disposto no art.º 30.º, n.º 4, da Constituição.
Dispõe o preceito sindicado pelo seguinte modo:
“Implica a perda do respectivo mandato a condenação definitiva por
crime de responsabilidade cometido no exercício das suas funções dos seguintes
titulares de cargo político:
…
f) Membro de órgão representativo de autarquia local”.
Argumenta o recorrente, citando diversa jurisprudência do Tribunal
Constitucional (Acs. n.ºs 16/84, 284/84, 202/2000, 176/2000, 19/2004, 304/2003,
562/2003 e 154/2004), que “o sentido do art.º 30.º, n.º 4, da Constituição seria
o de negar ao legislador ordinário a possibilidade de criar uma punição
complexa, no seio da qual a lei possa fazer corresponder automaticamente à
condenação pela prática de determinado crime, e como seu efeito, a perda de
direitos” (Ac. do TC n.º 304/2003).
Verifica-se, todavia, que o acórdão recorrido não fez uma
interpretação do referido preceito do art.º 29.º, alínea f), da Lei n.º 34/87,
em termos de a sanção nela prevista poder ser aplicada como efeito automático da
condenação.
É, na verdade, bem explícita a posição do acórdão no sentido de a
aplicação da sanção da perda do mandato autárquico não decorrer, automática e
imediatamente, dos crimes.
A este respeito, diz-se nele, ipsis verbis, a propósito da posição
tomada no acórdão, aí recorrido, cujo entendimento sufragou por inteiro:
“Daqui resulta pois que a perda de mandato que foi aplicada ao ora
recorrente não decorre, automática e imediatamente da condenação de que o mesmo
foi alvo pela prática dos sobreditos crimes.
Não. Ao invés, o que dali decorre é tal medida lhe foi aplicada
tendo por fundamento a gravidade concreta e a reiteração continuada da infracção
cometida”.
Temos, assim, que concluir que não procede a primeira perspectiva da
questão de constitucionalidade reportada ao art.º 29.º, alínea f), da Lei n.º
34/87.
6.2 – Importa, agora, abordar a outra perspectiva da mesma questão
de constitucionalidade relativa ao artigo 29.º, alínea f), da Lei n.º 34/87, de
16 de Julho, consubstanciada na interpretação segundo a qual a pena acessória de
perda de mandato pode ser aplicada ainda que a pena principal de prisão venha a
ser substituída por pena de suspensão de execução da pena de prisão.
Pretexta o recorrente que tal norma viola o princípio da
proporcionalidade constante do art.º 18.º, n.º 2, da Constituição.
Anote-se, antes de mais, que o recorrente não questiona a
constitucionalidade da previsão legislativa da perda do mandato autárquico
enquanto pena acessória cominada para a prática de ilícitos criminais ocorridos
no exercício de funções políticas.
O que o recorrente controverte é que essa pena acessória possa ser
aplicada quando a pena principal de prisão seja substituída pela de suspensão da
pena de prisão.
Como é evidente, a opção legislativa de cominar com tipos diferentes
de penas – pena de prisão e pena de perda de mandato - os ilícitos criminais que
estão em causa (crime de peculato de uso e crime de abuso de poder) prende-se
com a necessidade de acautelar a protecção de bens jurídicos essenciais da
comunidade politicamente organizada, relacionados com o exercício de funções
políticas.
Como lapidarmente se afirma no Acórdão n.º 108/99, disponível em
www.tribunalconstitucional.pt:
“[…] o juízo sobre a necessidade de lançar mão desta ou daquela
reacção penal cabe, obviamente, em primeira linha, ao legislador, em cuja
sabedoria tem de confiar-se, reconhecendo-se-lhe uma larga margem de
discricionariedade.
A limitação da liberdade de conformação legislativa, neste domínio,
só pode ocorrer, quando a sanção se apresente como manifestamente excessiva (cf.
o citado acórdão n.º 83/95 e, bem assim, os acórdãos nºs 634/93 e 480/98, o
primeiro, publicado no Diário da República II Série, de 31 de Março de 1994, e o
segundo, por publicar em que, tocantemente à decisão criminalização de certas
condutas, se afirmou idêntica doutrina).
Quando, pois, se não se esteja em presença de uma situação de
excesso - ou, pelo menos, não seja manifesto que tal aconteça - a norma
incriminadora não pode ser censurada sub specie constitutionis, em nome do
princípio da proporcionalidade.».
Ora, dada a especificidade dos bens jurídicos que estão em causa e a
finalidade político-criminal que a lei visa com o instituto da suspensão da pena
(cf. Jorge Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas
do Crime, 1993, p. 343), não se vislumbra qualquer razão para considerar como
manifestamente desproporcionada a opção legislativa de permitir a aplicação da
pena de perda de mandato não obstante a pena principal fique suspensa.
Tal corresponde, exactamente, pelo contrário, a um modo de o
legislador poder conferir protecção efectiva a certos bens jurídicos
específicos, relacionados com o exercício de funções políticas, quedando a
reacção criminal efectiva aos limites do considerado como adequado e de justa
medida, não arrastando com a efectividade dessa pena a outra pena igualmente
(principal) aplicada e desse modo afectando, em menor grau, o direito
fundamental de liberdade das pessoas (cf. art. 27.º, n.º 1, da CRP).
Não existe qualquer relação de necessidade entre as duas penas em
termos de o efectivo cumprimento de uma dever implicar o cumprimento da outra.
Ao invés, a ponderação dos bens jurídicos lesados e as finalidades
político-criminais da suspensão da pena poderão justificar, em face do próprio
princípio da proporcionalidade, a solução legislativa.
Deste modo se conclui pelo não provimento desta parte do recurso.
C – Decisão
7- Destarte atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional decide
não conhecer das duas referidas primeiras questões de constitucionalidade e
negar provimento quanto à última.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça de 25 UCs.
Lisboa, 28/01/2009
Benjamim Rodrigues
Mário José de Araújo Torres
João Cura Mariano
Rui Manuel Moura Ramos