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Processo nº 267/08
3ª Secção
Relatora: Conselheira Ana Guerra Martins
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I – RELATÓRIO
1. Nos presentes autos em que são recorrentes A. e recorrido o Ministério
Público, foi interposto recurso de acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do
Porto, em 05 de Dezembro de 2007 (fls. 149 a 154) para apreciação da
constitucionalidade:
i) “do artº 40º, nº 3 do RGIT e 48º do CPP, por
violação do artº 32º da CRP e do princípio da estrutura acusatória do processo
penal nele expresso, quando e se interpretados no sentido de que é admissível a
realização de diligências de prova levadas a cabo por órgãos da segurança social
relativas a crimes de natureza parafiscal cometidos contra esta, mesmo que não
comunicada de imediato a existência do processo criminal respectivo e que se
limitam a dela dar conhecimento ao MP, com remessa dos autos apenas depois de
realizadas todas as diligências do inquérito” (fls. 159);
ii) “do artº 119º, alínea c) do CPP se e quando
interpretados, como igualmente continua a resultar das anteriores decisões
proferidas nestes autos, e que existe inquérito – não existin[d]o, por isso, a
referida nulidade processual, quando no âmbito de processo em que estã[o] em
causa indícios da prática de crimes de abuso de confiança à Segurança Social,
todas as diligências do inquérito são levadas a cabo pelo órgão administrativo
da segurança social, no âmbito de processo crime que o mesmo impulsionou, sem
que dele tenha dado conhecimento ao MP, que se limitou, quando recebeu os autos,
depois das diligências realizadas, a deduzir acusação contra os arguidos” (fls.
159).
2. Notificado para tal pela Relatora, o recorrente produziu alegações, das quais
constam as seguintes conclusões:
«1) A estrutura acusatória do processo penal implica — do ponto de vista
material e subjectivo - que no inquérito a direcção do mesmo pertença ao
magistrado do MP, com as características de uma magistratura a quem é confiada a
garantia da legalidade, e não a outras entidades ( mormente administrativas e
com interesses directos no desfecho dos processos ), pois que, doutro modo, é a
própria isenção e imparcialidade de actuação, para além da legalidade, que estão
postos em causa e com isso a estrutura em que assenta o próprio Estado de
Direito e Democrático.
2) E se a direcção do inquérito implica, como de facto assim é, o controlo e a
vigilância dos actos que no âmbito do mesmo se praticam — pois que só assim se
justifica que a legalidade possa ser controlada nos moldes em que a lei o exige,
através de um magistrado — não pode falar-se em inquérito sem esse poder de
vigilância e de alerta quando toda a fase anterior à instrução, com excepção da
acusação, decorre e faz todo seu curso sem que sequer o MP dele tenha
conhecimento.
3) Em tais circunstâncias o que teríamos era (e foi), com o devido respeito, a
farsa de um inquérito, visto que só na aparência se cumpria (iu) a legalidade e
eram (foram) assegurados os direitos fundamentais pelo MP, dado que na prática
dirigido e assegurado por funcionários do próprio Estado, ele mesmo
indirectamente lesado com as condutas dos agentes averiguados.
Por isso,
4) É inconstitucional, por violação do art° 32° da Constituição da República
Portuguesa e do princípio da estrutura acusatória do processo que ali se
consagra o art° 48° do CPP bem como o art° 40º, nº 3 do RGIT, quando e se
interpretados, como no caso, no sentido de que é admissível a realização de
diligências de prova levadas a cabo por órgãos da segurança social relativamente
a crimes de natureza parafiscal cometidos contra esta, mesmo que não comunicada
de imediato a existência do processo criminal respectivo, e que se limitam a dar
do mesmo conhecimento ao MP, remetendo-lhe os autos, depois de realizadas todas
as diligências de inquérito.
5) É ainda inconstitucional, por violação do mesmo normativo e princípio
constitucionais, o art° 119°, alínea d) do CPP se e quando, como parece resultar
da fundamentação do despacho recorrido, de que existe inquérito, não existindo
por isso qualquer nulidade processual, mormente a constante daquele artigo do
CPP, quando no âmbito de processo em que estão em causa indícios da prática de
crimes de abuso de confiança cometidos perante a segurança social, todas as
diligências de inquérito são levadas a cabo pelo órgão administrativo da
segurança social, no âmbito de processo crime que o mesmo impulsionou, sem que
do mesmo tenha sido dado conhecimento ao MP, que se limitou, quando recebeu os
autos que lhe foram remetidos a deduzir acusação contra os arguidos.
6) Tais inconstitucionalidades determinam a própria nulidade de todo o processo
(nulidade absoluta) por falta de inquérito nos termos do art° 119º, alínea d) do
CPP, conforme se invocou antes, no requerimento de abertura de instrução.
7) Assim não considerando, o despacho recorrido violou os normativos e
princípios constitucionais acima indicados.»
3. O Ministério Público apresentou as seguintes conclusões nas contra-alegações:
«1. Não é inconstitucional a norma resultante dos artigos 40°, nº 3 Regime Geral
das Infracções Tributárias e 48° do Código de Processo Penal, interpretada no
sentido de que é admitida a realização de diligências de prova levadas a cabo
por órgão de polícia criminal, mesmo que não comunicada de imediato a existência
do processo criminal ao Ministério Público, que apenas tomou conhecimento do
inquérito após a realização de todas as diligências por parte daquele órgão de
polícia criminal.
2. Também não é inconstitucional uma interpretação de norma do artigo 119°,
alínea d) do Código de Processo Penal, que não equipare a omissão de comunicação
do inquérito à sua falta, caracterizando tal vicio como mera irregularidade
processual, numa situação em que o Ministério Público se limitou a deduzir
acusação, quando recebeu os autos de inquérito e deles tomou conhecimento.
3. Termos em que não deverá proceder o presente recurso.»
4. Após discussão do projecto de acórdão em Secção, suscitou-se a
questão de não conhecimento do objecto do presente recurso, por não ter sido
aplicada a interpretação normativa reputada de inconstitucional. Perante esta
possibilidade, a Relatora ordenou a notificação do recorrente, nos termos do
artigo 704º do CPC, aplicável “ex vi” artigo 69º da LTC, o qual deixou esgotar o
prazo legal sem se pronunciar.
Assim sendo, cumpre apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
5. A efectiva aplicação, pela decisão da recorrida, da interpretação normativa
reputada de inconstitucional, afigura-se como pressuposto processual
indispensável para o conhecimento do objecto de qualquer recurso, por só
daquelas decisões poder este Tribunal conhecer (artigo 79º-C, da LTC).
Ora, o recorrente pretende que sejam apreciadas as seguintes interpretações
normativas:
i) “do artº 40º, nº 3 do RGIT e 48º do CPP, por violação do
artº 32º da CRP e do princípio da estrutura acusatória do processo penal nele
expresso, quando e se interpretados no sentido de que é admissível a realização
de diligências de prova levadas a cabo por órgãos da segurança social relativas
a crimes de natureza parafiscal cometidos contra esta, mesmo que não comunicada
de imediato a existência do processo criminal respectivo e que se limitam a dela
dar conhecimento ao MP, com remessa dos autos apenas depois de realizadas todas
as diligências do inquérito” (fls. 159);
ii) “do artº 119º, alínea c) do CPP se e quando interpretados,
como igualmente continua a resultar das anteriores decisões proferidas nestes
autos, e que existe inquérito – não existin[d]o, por isso, a referida nulidade
processual, quando no âmbito de processo em que estã[o] em causa indícios da
prática de crimes de abuso de confiança à Segurança Social, todas as diligências
do inquérito são levadas a cabo pelo órgão administrativo da segurança social,
no âmbito de processo crime que o mesmo impulsionou, sem que dele tenha dado
conhecimento ao MP, que se limitou, quando recebeu os autos, depois das
diligências realizadas, a deduzir acusação contra os arguidos” (fls. 159).
A questão ora colocada reveste-se de notório paralelismo com aquela já apreciada
no âmbito do recurso que deu lugar ao Acórdão n.º 325/08 (disponível in
www.tribunalconstitucional), nos termos do qual esta mesma Secção já havia
recusado conhecer do objecto de semelhante recurso.
Nestes autos como naqueles supra citados, analisada a decisão recorrida,
constata-se que a mesma não aplicou efectivamente qualquer daquelas
interpretações normativas, visto que considerou que o Ministério Público
manteria sempre o controlo do inquérito e da investigação, podendo sempre, no
momento imediatamente anterior à dedução de acusação, ordenar diligências de
inquérito logo que recebe os autos de inquérito conclusos. Adoptando como sua a
interpretação da decisão de primeira instância, a decisão recorrida afirmou o
seguinte:
“E nem se esgrima com o argumento de que o Ministério Público não pode, na
prática, controlar o inquérito, já que o inquérito só termina com o despacho
final do Ministério Público e, sendo assim, quando lhe é comunicada a
instauração do inquérito, ainda que tardiamente e após a prática das diligências
de prova tidas por necessárias, para cuja realização os órgãos da administração
tributária têm competência nos termos legais (…), é o Ministério Público que
aprecia os actos de inquérito praticados e aquilata se os mesmos são ou não
suficientes para a prolação do despacho final, nada o impedindo antes a lei o
impõe, de ordenar que sejam praticados quaisquer actos de inquérito ou repetidas
diligências de inquérito em ordem a apurar os factos.” (fls. 152)
Em suma, resulta evidente que a decisão recorrida só negou provimento ao recurso
por ter interpretado as normas extraídas dos artigos 119º, alínea d), do CPP e
40º, n.º 3, do RGIT e 48º do CPP, no sentido de que o Ministério Público ainda
mantinha o controlo sob a fase de inquérito.
Deste modo, não tendo a decisão recorrida aplicado as interpretações normativas
que constituem objecto do presente recurso, naqueles precisos termos, impõe-se,
forçosamente, a rejeição do conhecimento do objecto do recurso.
III – DECISÃO
Pelos fundamentos expostos, decide-se não conhecer do objecto do presente
recurso
Custas devidas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 12 UC´s, nos
termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de Outubro.
Lisboa, 11 de Fevereiro de 2009
Ana Maria Guerra Martins
Maria Lúcia Amaral
Vítor Gomes
Carlos Fernandes Cadilha
Gil Galvão