Imprimir acórdão
Processo n.º 343/08
1.ª Secção
Relator: Conselheiro José Borges Soeiro
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
I − Relatório
1. Pelo Acórdão de fls. 176 e seguintes, de 1 de Julho de 2008, foi delimitado o
objecto do presente recurso de constitucionalidade, incidindo o mesmo no artigo
1.º, n.º 1 da Lei 1/2004, de 15 de Janeiro, na parte em que conferiu nova
redacção aos artigos 51.º, n.º 3 e 53.º, n.º 1 do Estatuto da Aposentação.
Notificado o recorrente para apresentar alegações, concluiu no sentido de
considerar violado o disposto no artigo 56.º, n.º 3 da Constituição, porquanto,
na sua perspectiva, não foi cumprido o exercício do direito de contratação
colectiva, através das associações sindicais, o qual é garantido nos termos da
lei.
Decidindo.
II – Fundamentos
2. O objecto do recurso em análise restringe-se à apreciação da questão de
inconstitucionalidade, por violação do direito fundamental à contratação
colectiva, do artigo 1.º, n.º 1, da Lei n.º 1/2004, de 15 de Janeiro, na parte
em que conferiu nova redacção aos artigos 51.º, n.º 3, e 53.º, n.º 1, do
Estatuto da Aposentação. Esta delimitação do objecto resulta do que havia sido
decidido já na decisão sumária a qual, tendo procedido à definição do objecto do
recurso e à apreciação de todas as questões de constitucionalidade suscitadas,
apenas foi objecto de reclamação no que toca a esta matéria. Assim, o que então
se firmou a propósito da não verificação de ilegalidade por violação de lei com
valor reforçado e da não existência de desconformidade constitucional por ofensa
aos princípios do estado de direito, da confiança, da protecção contra o
arbítrio, e da segurança e certeza jurídicas, encontra-se já devidamente
transitado em julgado.
No que toca ao mérito do recurso:
3. A questão levantada nos autos foi já enunciada por este Tribunal
Constitucional em duas ocasiões diferentes: no Acórdão n.º 360/2003, publicado
no Diário da República, I Série – A, de 7 de Outubro de 2003, pelo qual o
Plenário declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das
normas constantes do artigo 9.º, n.ºs 1 a 8, da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de
Dezembro, por violação do direito das associações sindicais à participação na
elaboração da legislação do trabalho; e no Acórdão n.º 374/2004, publicado no
Diário da República, II Série, de 30 de Junho de 2004, pelo qual o Plenário não
declarou a ilegalidade das normas contidas no artigo 1.º, n.ºs 1 a 5, da Lei n.º
1/2004, de 15 de Janeiro.
3.1. No primeiro aresto mencionado, proferido na sequência de processo de
fiscalização abstracta da constitucionalidade por iniciativa do Presidente da
República, e versando o mesmo normas que introduziam modificações no método de
cálculo (e, consequentemente, no montante) das pensões de aposentação, bem como
no regime da aposentação antecipada dos trabalhadores da Administração Pública,
suscitou-se a hipótese de desconformidade constitucional das referidas normas
com fundamento em violação, por um lado, ao direito fundamental de contratação
colectiva das associações sindicais e, por outro, ao direito das mesmas
entidades a participarem na elaboração da legislação do trabalho. Este Tribunal,
tendo então dado por verificada a segunda ofensa enunciada, absteve-se de
apreciar a primeira questão suscitada e que dizia respeito à eventual ofensa ao
direito à contratação colectiva.
3.2. Já o Acórdão n.º 374/2004, respeitante a processo de fiscalização abstracta
desencadeado por um grupo de deputados, debruçou-se precisamente sobre as
alterações ao Estatuto da Aposentação introduzidas pela Lei n.º 1/2004. No
entanto, à data, a questão suscitada relacionava-se em exclusivo com a eventual
existência de violação de lei com valor reforçado (por referência à Lei n.º
23/98, de 26 de Maio), não tendo sido aflorado o problema que constitui o
objecto dos presentes autos e que se relaciona com a existência ou não de
violação do direito à contratação colectiva. Daí que o Tribunal, embora tenha
procedido à enunciação da questão, não lhe tenha dado resposta na medida em que
a mesma não integrava o objecto do processo.
4. A consagração do direito à contratação colectiva, enquanto direito
fundamental titulado pelos trabalhadores e exercido pelas associações sindicais,
resultou do reconhecimento de um pluralismo normativo no sentido de que o Estado
deixou de deter o monopólio de criação dos preceitos juridicamente vinculantes.
Assim se deu a afirmação do princípio da autonomia normativa social, “através do
qual se reconhece a determinadas ‘formações sociais intermédias’ designadamente
aos trabalhadores enquanto grupo ou camada social organizada e aos empregadores,
uma verdadeira potestas normandi, ou seja, um poder de criação de autênticas
regras de conduta, de atribuição de direitos e deveres relacionados com a sua
situação de assalariados” (Jorge Leite, Direito do Trabalho, vol. I, Serviços de
Acção Social da U.C., Coimbra, 1998, pp. 79-80).
Trata-se de um direito de todos os trabalhadores, abrangendo-se, naturalmente,
tanto aqueles que se encontram ao serviço de entidades patronais privadas como
os trabalhadores da Administração Pública. Não significa isto, no entanto, que o
direito em análise possua exactamente o mesmo conteúdo relativamente às
diferentes categorias de trabalhadores. Como assinala Ana Neves, “a liberdade de
negociação das condições de trabalho na função pública pode dizer-se sujeita a
maiores condicionamentos do que no sector privado (…)” (Relação Jurídica de
Emprego Público, Coimbra Editora, 1999, p. 247). A própria natureza do direito
sofre mutações quando referida aos trabalhadores que se encontram ao serviço do
Estado na medida em que, quanto a estes, o resultado alcançado por via negocial
carecerá sempre, em ordem à produção de efeitos jurídicos vinculativos, de
devida transposição por via legal ou regulamentar (cfr. o artigo 5.º, n.º 3, da
Lei n.º 23/98). Tratando-se de negociação com a Administração Pública, tal
transposição, para além do assinalado efeito de reconhecimento de juridicidade,
assume ainda a função, nas palavras daquela Autora, de “verificar a
compatibilidade financeira do acordo aos objectivos do programa do Governo,
v.g., na perspectiva da racionalização e controlo das despesas públicas” (ob.
cit., pp. 245-246).
5. A consagração do direito à contratação colectiva, enquanto corolário do
reconhecimento do pluralismo ao nível das fontes do direito, não significa, no
entanto, que a Constituição tenha querido reservar, em absoluto, ao campo
convencional, o monopólio relativo a todas matérias integradas no conteúdo do
referido direito. Se assim fosse, então necessariamente teria de se entender
que, sempre que se tratasse de matéria compreendida no âmbito desse direito
fundamental, a Assembleia da República estaria impedida de legislar. E, de igual
modo, a competência legislativa do Governo estaria também sujeita aos cânones da
contratação colectiva, encontrando-se aquele obrigado a, previamente a qualquer
processo legislativo, abrir a via da negociação, no caso de trabalhadores da
Administração Pública. Já quando se tratasse de matérias relativas a
trabalhadores do regime privado tout court então, nesse caso, nem a Assembleia
da República, nem o Governo, nomeadamente ao abrigo de autorização parlamentar,
deteriam qualquer tipo de competência legislativa.
Tal reserva absoluta de competência “normativa” não resulta, no entanto, nos
moldes referidos do artigo 56.º, n.º 3, da Constituição.
5.1. Vejamos o que Gomes Canotilho e Vital Moreira escrevem a propósito deste
direito fundamental: “[m]aterialmente ele analisa-se em três aspectos: (a)
direito à liberdade negocial colectiva, não estando os acordos colectivos
sujeitos a autorizações ou homologações administrativas; (b) direito à
negociação colectiva, ou seja, direito a que as entidades empregadoras não se
recusem à negociação, o que requer garantias específicas, nomeadamente esquemas
públicos promotores da contratação colectiva, fornecendo às partes a informação
necessária na preparação das propostas e contrapropostas durante a negociação
(…); (c) direito à autonomia contratual colectiva, não podendo deixar de haver
um espaço abrangente de regulação das relações de trabalho à disciplina
contratual colectiva, o qual não pode ser aniquilado por via normativo-estadual.
É certo que este direito é garantido nos ‘termos da lei’ (nº 3, in fine),
estando, portanto, sob reserva de lei (…). Todavia, a lei não pode deixar de
delimitá-lo de modo a garantir-lhe uma eficácia constitucionalmente relevante,
havendo sempre de garantir uma reserva de convenção colectiva, ou seja, um
espaço que a lei não só não pode vedar à contratação colectiva como em que deve
confiar a esta núcleos materiais reservados.” (in Constituição da República
Portuguesa Anotada, Volume I, 4.ª edição revista, Coimbra Editora, pp. 744-745).
5.2. E, mais à frente adiantam o seguinte: “Seguro parece que a reserva de
contratação colectiva comporta uma dimensão formal, traduzida na competência
para a criação de normas e na competência para a selecção do procedimento de
normação; e uma dimensão material, que compreende a competência para a definição
de determinadas matérias, com a consequente proibição dessas matérias serem
disciplinadas por normas estaduais em moldes absolutamente imperativos” (p.
749).
5.3. Assim, segundo Gomes Canotilho e Vital Moreira, a reserva constitucional de
convenção colectiva implica não só uma auto-contenção do legislador estadual no
sentido de não regular, pela via legislativa, todo o espaço atinente às relações
de trabalho, assim anulando virtualmente a autonomia colectiva dos parceiros,
como de tal reserva resulta também a imposição de núcleos materiais reservados
pela lei à contratação colectiva. Donde decorreria a impossibilidade de
regulamentação legal de tais matérias em moldes absolutamente imperativos, isto
é, sem possibilidade de derrogação pela via convencional.
5.4. Também o Acórdão n.º 517/98, publicado no Diário da República, II Série, de
10 de Novembro de 1998, abordou esta temática, tendo então o Tribunal entendido
o seguinte:
“O direito à contratação colectiva é um direito que os trabalhadores apenas
podem exercer através das associações sindicais. É, além disso, um direito que
se acha colocado sob reserva da lei: a Constituição garante-o, de facto, ‘nos
termos da lei’.
Isto porém não significa que a lei possa esvaziar de conteúdo um tal direito,
como sucederia se regulamentasse, ela própria, integralmente as relações de
trabalho, em termos inderrogáveis pelas convenções colectivas. Significa apenas
que a lei pode regular o direito de negociação e contratação colectiva
delimitando-o ou restringindo-o, mas deixando sempre um conjunto minimamente
significativo de matérias aberto a essa negociação. Ou seja: pelo menos, a lei
há-de ‘garantir uma reserva de convenção colectiva’.”
5.5. Estas imposições constitucionais relativas a um núcleo de matérias que se
possam considerar reservadas à regulamentação colectiva só podem valer, desde
logo, relativamente às matérias contidas no núcleo essencial do direito
fundamental que vimos analisando. O que não implica necessariamente, no entanto,
que todas as matérias integradas nesse núcleo se devam ter por incluídas nesse
espaço (de competência normativa) reservado à contratação colectiva – mas este
será assunto que extravasa o campo estrito da análise e resolução da questão de
constitucionalidade sub judicio.
6. Convém, no entanto, antes de nos debruçarmos sobre a questão das matérias
integradas nesse núcleo duro, tecer ainda algumas considerações acerca do papel
da lei na garantia deste direito fundamental. De acordo com o artigo 56.º, n.º
3, da Constituição, “compete às associações sindicais exercer o direito de
contratação colectiva, o qual é garantido nos termos da lei.” O exercício deste
direito carece indubitavelmente de intervenção legislativa desde logo porque o
próprio texto constitucional dissocia a sua titularidade da competência para o
seu exercício – é um direito dos trabalhadores exercido pelas associações
sindicais.
6.1. No que se refere à negociação no âmbito da Administração Pública, vigora a
Lei n.º 23/98, que prevê como sujeitas à negociação colectiva as matérias
relativas à fixação ou alteração das pensões de aposentação ou de reforma (cfr.
artigo 6.º, n.º 1, alínea b). Significará isto que, automaticamente, tais
matérias se deverão ter por integradas no núcleo essencial da reserva de
convenção colectiva? A resposta positiva a esta questão implicaria a
qualificação de tal norma legal como conformadora ou constitutiva na medida em
que assim corresponderia à determinação do próprio conteúdo do direito (cfr.
Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976,
3.ª edição, Almeida, Coimbra, p. 225).
O Tribunal Constitucional já se pronunciou em diferentes ocasiões sobre a
integração de determinadas matérias no âmbito do núcleo essencial do direito à
negociação colectiva.
6.2. No Acórdão n.º 229/94, publicado no Diário da República, I Série – A, de 23
de Abril de 1994, o qual declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória
geral, de norma que atribuía à Mesa da Misericórdia competência para fixar e
rever, unilateralmente, as remunerações (normais e complementares) dos seus
trabalhadores em regime de contrato individual de trabalho, o Tribunal entendeu
que “a fixação das remunerações dos trabalhadores em regime de contrato
individual de trabalho é um campo especialmente aberto à autonomia da vontade.”
6.3. No citado Acórdão n.º 517/98, o Tribunal entendeu que a matéria das
prestações complementares de segurança social “não faz parte do núcleo duro do
direito de contratação colectiva, pois que, como bem resulta do confronto do
artigo 59º (que trata dos direitos dos trabalhadores) com o artigo 63º da
Constituição (atinente à segurança social), o direito a prestações da segurança
social (maxime, o direito à pensão de reforma) não é de facto, um direito
exclusivo dos trabalhadores, mas, antes um direito dos cidadãos. A isto acresce
que existe fundamento material para excluir da contratação colectiva a matéria
respeitante às prestações de reforma, complementares das asseguradas pelas
instituições estaduais de segurança social.” Esta posição havia já sido
defendida por Bernardo Xavier, Pedro Furtado Martins e António Nunes de Carvalho
em anotação ao Acórdão deste Tribunal n.º 966/96, publicado no Diário da
República, II Série, de 31 de Janeiro de 1997 (cfr. Pensões complementares de
reforma – inconstitucionalidade da versão originária do art. 6.º, 1, e) da LRC,
in Revista de Direito e Estudos Sociais, Janeiro-Setembro de 1997, pp. 180-181).
6.4. Posteriormente, Vieira de Andrade e Fernanda Maçãs, em artigo conjunto,
manifestaram de igual modo o seu acordo a tal orientação (Contratação Colectiva
e Benefícios Complementares de Segurança Social – O problema da
(in)constitucionalidade material das normas limitadoras da contratação colectiva
no domínio da Segurança Social, in Scientia Iuridica, n.º 290, Maio-Agosto 1991,
pp. 29 e seguintes).
Nesse artigo os Autores, em análise à norma legal que excluía da regulamentação
colectiva as matérias atinentes a prestações complementares de segurança social,
e partindo da premissa de que a validade da intervenção legislativa dependeria,
em primeiro lugar, da determinação do conteúdo constitucionalmente protegido do
direito à contratação colectiva, fornecem importantes pistas para a determinação
– por via interpretativa – de tal conteúdo. Atentemos nas mesmas:
“A determinação do âmbito de protecção da garantia constitucional de contratação
colectiva não é tarefa fácil, uma vez que a Constituição é omissa quanto ao seu
objecto e conteúdo, nada adiantando sobre as matérias a versar na convenção
colectiva nem sobre as faculdades abrangidas pelo direito.
(…)
Contudo, a circunstância de a Constituição reconhecer o direito ‘nos termos da
lei’ não significa que o legislador possa livremente determinar o conteúdo da
garantia – há-de ser possível, sob pena de inversão da hierarquia normativa e de
esvaziamento da força jurídica do preceito constitucional, determinar
doutrinariamente o conteúdo essencial do direito de contratação colectiva, que
constitua a garantia constitucional contra o próprio legislador encarregado da
sua regulação ou conformação.
(…)
4. Quanto ao conteúdo dos contratos colectivos, a Constituição, embora sem fazer
uma referência expressa às matérias que poderão ser objecto de contratação, não
deixa de fornecer contributos firmes para a delimitação do seu âmbito: por um
lado, no n.º 1 do artigo 56.º da CRP, enquanto comete às associações sindicais a
defesa e a promoção da defesa ‘dos direitos e interesses dos trabalhadores que
representam’; por outro lado, nos artigos 58.º e, sobretudo, 59.º, na medida em
que estabelece um vasto elenco de direitos dos trabalhadores e de imposições
dirigidas ao Estado sobre as condições da prestação de trabalho.
Assim, não obstante caber ao legislador ordinário a modulação concreta do
direito de contratação colectiva, essa tarefa não pode deixar de ter como
referência estas normas e princípios constitucionais, que contribuem para a
delimitação positiva do direito.
Ora, como de resto observa um dos conselheiros do Tribunal Constitucional em
voto de vencido exarado no acórdão já referido, em nenhuma das pormenorizadas
alíneas dos artigos da Constituição que se referem aos direitos dos
trabalhadores se encontram referências a matérias típicas de segurança social.
É que, na perspectiva da Constituição, o direito à segurança social (artigo 63.º
da CRP) e o direito à contratação colectiva (artigo 56.º, n.º 3, da CRP) são
direitos de natureza diferente e com destinatários e titulares distintos. No
primeiro caso, temos um direito que pertence à categoria dos direitos sociais,
que se caracteriza por impor essencialmente ao Estado (legislador) a realização
de tarefas destinadas a obter as condições materiais e institucionais
necessárias à sua realização, e cujos titulares são todos os cidadãos. No
segundo caso, temos um direito que radica numa ideia de liberdade, que tem como
destinatários não só o Estado como as associações patronais e cujos titulares
são apenas os cidadãos enquanto trabalhadores.
(…)
De todo o modo, mesmo que os artigos 58.º e 59.º da CRP não contenham um elenco
taxativo dos assuntos respeitantes aos direitos dos trabalhadores e às condições
de trabalho, a verdade é que há-de reconhecer-se-lhes pelo menos a função de
delimitar o núcleo duro, típico, das matérias que se reportam às relações
laborais e que constituirão o objecto próprio das convenções colectivas.
(…) [S]ó (…) existe uma verdadeira restrição legal de direitos fundamentais
quando o âmbito de protecção de um direito, tal como está determinado ou é
determinável, por interpretação, a partir de uma norma constitucional, é directa
ou indirectamente limitado através da lei. Situação que não ocorre, como vimos,
no caso em análise, pois que se trata de conteúdo típico – e, por isso, por
definição, não necessário – da garantia da contratação colectiva prevista no
artigo 56.º da Constituição.” (ob. cit., pp. 32-35)
7. Tanto nos dois artigos que se citaram como nos mencionados Acórdãos n.ºs
966/96 e 527/98, o thema decidendum prendia-se com normas que excluíam
determinadas matérias do campo da regulamentação colectiva das relações de
trabalho. O objecto do presente recurso, no entanto, apresenta-se sob um prisma
diferente – a (im)possibilidade constitucional do Parlamento legislar sobre
determinada matéria, assim inviabilizando a abertura, pelo Governo, de processo
de negociação colectiva. Está em causa, portanto, como já se teve oportunidade
de salientar, uma questão de competência, realçando-se nos autos a reserva de
convenção colectiva na dimensão formal assinalada supra por Vital Moreira e
Gomes Canotilho. E para que a desconformidade constitucional se pudesse ter por
verificada seria necessário chegarmos à conclusão de que as matérias
relacionadas com a aposentação, maxime com modificações no método de cálculo da
aposentação, porque apenas estas integram o objecto dos autos, estão contidas no
núcleo essencial do direito à contratação colectiva, integrando ainda,
adicionalmente, o núcleo de matérias que devem ser relegadas, imperativamente,
para o espaço de negociação e contratação colectiva.
Colocada a questão nestes moldes, fácil é de intuir que a resposta não poderá
deixar de ser negativa.
7.1. As modificações introduzidas pelo artigo 1.º, n.º 1, da Lei n.º 1/2004, aos
artigos 51.º, n.º 3, e 53.º, n.º 1, do Estatuto da Aposentação, acarretam
alterações no método de cálculo da pensão de aposentação. O que significa,
portanto, obviamente, que dizem directamente respeito ao direito à aposentação.
Ora, é necessário ter em atenção que este direito, para além de ser um direito
dos trabalhadores, integra também o direito à segurança social, que se refere a
uma categoria subjectiva bastante mais vasta atenta a sua universalidade (nos
termos do artigo 63.º, da Constituição, “todos têm direito à segurança social”).
7.2. Como se escreveu no Acórdão n.º 174/2008, publicado no Diário da República,
II Série, de 21 de Maio de 2008, “[n]o direito constitucional à segurança social
(artigo 63.º, da C.R.P.), encontra-se incluído o direito a uma pensão de velhice
(o qual não é totalmente estranho ao direito à segurança económica das pessoas
idosas enunciado no artigo 72.º, n.º 1, da C.R.P.), que garanta, em época de
reconhecido direito ao repouso, o recebimento duma quantia que funcione como um
‘sucedâneo’ da retribuição percebida pelo trabalho anteriormente prestado.”
7.3. E, como alertou o Conselheiro Luís Nunes de Almeida no seu voto de vencido
aposto ao citado Acórdão n.º 966/96, “a segurança social traduz-se numa série de
institutos cujos destinatários não são os trabalhadores. Enquanto ‘o sistema de
segurança social protegerá os cidadãos…’ (cfr. artigo 63.º, n.º 4), os direitos
dos trabalhadores respeitam apenas àquela parte dos cidadãos que sejam também
trabalhadores, e obviamente que na qualidade de trabalhadores e enquanto o
forem. Na perspectiva da Constituição, direitos dos trabalhadores e direito à
segurança social são coisas distintas. (…) O direito à contratação colectiva
deve ter por objecto matéria que, segundo a Constituição, seja própria dos
direitos dos trabalhadores. Só nessa medida o conteúdo dos direitos e obrigações
acordados entre sindicatos e entidades patronais merecerá tutela
constitucional.”
8. Do exposto resulta, assim, que as questões atinentes à aposentação, maxime as
que dizem respeito a alterações no método de cálculo das respectivas pensões
porque só estas nos ocupam de momento, não se podem considerar integradas no
núcleo essencial do direito fundamental à contratação colectiva. Tais matérias,
para além da íntima conexão que apresentam com as relações de trabalho – a qual
não se pretende, de modo algum, negar – dizem também directamente respeito ao
direito à segurança social cuja amplitude transcende a estrita categoria dos
direitos dos trabalhadores. Estamos portanto perante um direito social que se
caracteriza, na sua essência, pela sua universalidade, sendo titulado por todos
os cidadãos, e consubstanciando-se num conjunto de imposições constitucionais
dirigidas ao Estado e que se destinam a lograr a verificação das condições
necessárias à sua plena realização. Já o direito à contratação colectiva,
integrado na categoria dos direitos fundamentais dos trabalhadores, e assente
numa ideia de autonomia colectiva, tem como titulares apenas os cidadãos que são
trabalhadores e como destinatários não apenas o Estado como também as entidades
e associações patronais.
9. Concluindo-se pela não inclusão, portanto, das matérias em análise no núcleo
essencial do direito à contratação colectiva, por maioria de razão se constata
que não resulta violado qualquer espaço absolutamente reservado pela
Constituição àquela autonomia normativa. Só se tornaria necessário averiguar a
existência de eventual intromissão de normação legislativa no espaço reservado à
autonomia colectiva – enquanto conjunto de matérias que devem ser relegadas para
tal espaço – se se tratasse de matéria integrada no núcleo essencial do direito,
o que não sucede. Assim sendo, a Lei n.º 23/98, ao prever, no seu artigo 6.º,
alínea b), a negociação colectiva de matérias relativas à fixação ou alteração
das pensões de aposentação ou de reforma, possui um carácter ampliador, na
formulação de Vieira de Andrade (Os direitos fundamentais…, cit. pp. 225-226),
revestindo tal conteúdo ampliado um carácter meramente legal e já não
constitucional.
Desta forma, pelos fundamentos expostos, não se dá por verificada qualquer
violação ao direito fundamental à negociação e contratação colectiva consagrado
no artigo 56.º, n.º 3, da Constituição.
III – Decisão
10. Nestes termos decide-se negar provimento ao recurso.
Custas pelo Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 (vinte e cinco)
unidades de conta.
Lisboa, 28 de Janeiro de 2009
José Borges Soeiro
Maria João Antunes
Carlos Pamplona de Oliveira
Gil Galvão
Rui Manuel Moura Ramos