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Processo n.º 1/09
3ª Secção
Relatora: Conselheira Ana Guerra Martins
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I – RELATÓRIO
1. Nos presentes autos, A. reclama da decisão que não admitiu o Recurso
interposto para o Tribunal Constitucional, com fundamento na falta de suscitação
processualmente adequada da inconstitucionalidade de qualquer interpretação
normativa do artigo 69º, n.º 1, alínea a), do Código Penal e na ausência de
aplicação, pela decisão recorrida, da norma extraída do artigo 141º do Código da
Estrada.
2. São estes os termos da reclamação:
“1°.
Considerou o Venerando Sr. Dr. Juiz Desembargador do Tribunal da Relação de
Lisboa que não era admissível o recurso para o Tribunal Constitucional, ao
abrigo do disposto no art. 70° nº 1 alíneas g) e f) e 72° n°2 da Lei nº 28/82 de
15/11).
Porquanto,
2°.
Nas alegações de Recurso apenas foi suscitada a do art. 141° do C.E., não se
tendo pronunciado sobre a mesma o Douto Tribunal da Relação por não ter sido
aplicada.
3º.
Salvo o devido respeito, que é muito, nas alegações de Recurso do Recorrente
foram suscitadas as inconstitucionalidades referidas pelo mesmo, no seu
requerimento de interposição de Recurso para o Tribunal Constitucional.
Vejamos:
4º.
- Art. 69° nº 1 al. a) do C. Penal: conclusão 5ª a 17ª das Motivações de
Recurso;
- Violação do princípio “in dubio pro reo”: conclusões 19ª a 21° das Motivações
de Recurso;
- Violação dos artigos 2° e 13° da CRP: conclusões 22ª a 23ª das Motivações de
Recurso.
Pelo que,
5º.
Se requer que os Venerandos Srs. Drs. Juízes Desembargadores do Tribunal
Constitucional se pronunciem sobre as questões de inconstitucionalidade
referidas.
Assim,
6°.
Deve a presente Reclamação ser recebida e, a final, entender-se pela procedência
do Recurso, pelos motivos invocados.”
2. Em sede de vista, o Procurador-Geral-Adjunto neste Tribunal pronunciou-se no
sentido da improcedência da reclamação ora em apreço, nos seguintes termos:
“A presente reclamação é manifestamente infundada – desde logo, porque se não
mostra suscitada, durante o processo e em termos processualmente adequados,
qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, susceptível de constituir
objecto idóneo da fiscalização de constitucionalidade, cometida a este Tribunal
Constitucional.”
Cumpre agora apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
3. Desde logo, importa corroborar integralmente o teor do despacho ora alvo de
reclamação.
Em primeiro lugar, afigura-se incontroverso e evidente que a decisão
recorrida não aplicou – de modo algum – a norma extraída do artigo 141º do
Código da Estrada que, aliás, consiste numa norma de natureza
contra-ordenacional, que permite a suspensão da execução de sanção acessória de
inibição de condução, em caso de comprovado cometimento de contra-ordenação
grave. Como é evidente nos autos, por estar em causa a prática de um crime – e
não mera contra-ordenação –, aquela mesma norma não foi aplicada pela decisão
recorrida.
Na medida em que este Tribunal apenas conhece da constitucionalidade
de normas que tenham sido efectivamente aplicadas (artigo 79º-C da LTC) não
devia, nem deve o recurso interposto ser admitido quanto àquela norma.
4. Além disso, quanto à questão da falta de suscitação
processualmente adequada de questões de inconstitucionalidade normativa (sempre
exigida, no caso dos recursos relativos à alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da
LTC), torna-se forçoso concluir que – apesar de, aqui e ali, referenciar algumas
normas e princípios constitucionais –, o recorrente nunca colocou qualquer
questão de inconstitucionalidade normativa perante o tribunal “a quo”, na sua
motivação e respectivas conclusões de recurso (fls. 2 a 16), pelo que não houve
suscitação adequada. Assim é porque o recorrente se limitou a afirmar, no § 4º
das suas conclusões, que “a interpretação do citado art. 141º, na medida em que
impõe a aplicação efectiva da sanção acessória da inibição de condução, viola,
também, o princípio constitucional da igualdade” (fls. 11 e 12). Ora, esta
afirmação vaga e descaracterizada de uma interpretação alegadamente
inconstitucional do artigo 141º do Código da Estrada, sem que se explicite qual
a interpretação em causa, não preenche – de modo algum – o ónus de suscitação
processualmente adequada da inconstitucionalidade da norma.
Mas, para além desta norma, torna-se ainda mais flagrante que o
recorrente nunca suscitou a inconstitucionalidade da norma extraída da alínea a)
do n.º 1 do artigo 69º do Código Penal perante o tribunal “a quo”, tendo-se
limitado a afirmar:
“5 – No caso da alínea a) do n.º 1 do art. 69º do C. Penal, a pena acessória de
proibição de conduzir veículos automóveis não está prevista para ser aplicada a
todo aquele que for condenado como autor de um crime cometido no exercício da
condução.” (fls. 12)
Resta assim corroborar, mais uma vez, a decisão expressa no despacho
de não admissão do recurso ora sob apreciação, na medida em que a
inconstitucionalidade daquela norma nunca foi suscitada.
Finalmente, impõe-se ainda frisar que as referências do reclamante a
uma alegada suscitação de questões relativas à violação do princípio “in dubio
pro reo” e à violação dos princípios do Estado de Direito Democrático e da
igualdade não configuram qualquer questão de inconstitucionalidade normativa.
Como é bom de ver, o sistema português de fiscalização da constitucionalidade
apenas permite a sindicância de normas jurídicas (artigo 277º, n.º 1, da CRP).
Sucede que o reclamante nunca colocou em crise a constitucionalidade de qualquer
norma jurídica concreta, por referência àqueles princípios, tendo-se limitado a
esgrimi-los na sua motivação de recurso, enquanto argumento expositivo. Porém,
não basta a mera referência a normas ou princípios constitucionais para que o
Tribunal Constitucional possa conhecer das decisões dos tribunais comuns, em
sede de recurso. É imprescindível, para tal, que as partes processuais tenham
associado a violação de tais princípios a uma concreta norma jurídica.
Não o tendo feito, não pode este Tribunal delas conhecer.
5. A finalizar, e apesar de não apreciada pelo despacho reclamado, impõe-se
ainda notar que mal se compreende a interposição de recurso ao abrigo da alínea
f) do n.º 1 do artigo 70º da LTC (cfr. fls. 25). Nesses casos, importa que a
decisão alvo de recurso tenha aplicado norma constante de acto legislativo
ordinário que contrarie disposição normativa de uma lei de valor reforçado (cfr.
artigo 112º, n.º 3, da CRP).
Ora, desde logo, não se consegue vislumbrar qual seria a lei de valor reforçado
que o reclamante pretende ter sido violada. Por outro lado, também no caso desta
alínea f), seria mandatório que o recorrente houvesse suscitado previamente a
referida questão de ilegalidade. Sucede, mais uma vez, que o ora reclamante
também nunca colocou perante o tribunal recorrido qualquer questão de
ilegalidade “proprio sensu” – ou seja, de violação de lei de valor reforçado –,
pelo que mal se entende que o requerimento de interposição de recurso tenha sido
igualmente fundado na alínea f) do n.º 1 do artigo 70º da LTC.
Como tal, também por estes motivos seria de rejeitar o recurso interposto, na
medida em que não foi suscitada, de modo algum, qualquer questão de ilegalidade,
conforme exigido pelo n.º 2 do artigo 72º da LTC.
III – DECISÃO
Nestes termos, pelos fundamentos supra expostos e ao abrigo do disposto no n.º 3
do artigo 77º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada
pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decide-se indeferir a presente
reclamação.
Custas devidas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC´s, nos
termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de Outubro.
Lisboa, 21 de Janeiro de 2009
Ana Maria Guerra Martins
Vítor Gomes
Gil Galvão