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Processo n.º 982/08
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
A – Relatório
1 – A., L.da, reclama para a conferência, ao abrigo do disposto no
n.º 3 do art.º 78.º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão,
da decisão sumária, proferida pelo relator, no Tribunal Constitucional, que
decidiu não tomar conhecimento do objecto do recurso de constitucionalidade.
2 – Fundamentando a sua reclamação, a reclamante aduz:
«1. Conforme resulta do requerimento de interposição, de 2008.11.05, a
recorrente interpôs recurso para este Venerando Tribunal Constitucional com
fundamento nas seguintes questões de inconstitucionalidade:
a) Inconstitucionalidade das normas do Regulamento da Taxa pela Realização de
Infra-Estruturas Urbanísticas do Município de Lisboa (RTMIEU), aprovado por
deliberação da Assembleia Municipal de Lisboa, de 1991.07.11 (v. DM n.º 16276,
de 1991.12.20), que prevêem a Taxa pela Realização de Infra-Estruturas
Urbanísticas (TRIU), face às normas e princípios consagrados nos arts. 2°, 9°,
18°, 20°, 62°, 103°, 165°/1/i) e 266° da CRP (v. art. 70°/1/b) da LTC);
b) Inconstitucionalidade do art. 88°/1/a) e c) do DL 100/84, de 29 de Março, e
do art. 1°/4 da Lei 1/87, de 6 de Janeiro, face às normas e princípios
constitucionais consagrados nos arts. 2°, 9°, 18°, 20º, 62°, 103°, 165°/1/i),
204° e 268°/4 e 5 da CRP, quando interpretados e aplicados com a dimensão e
sentido normativo restritivo que lhe foi atribuído pelo douto acórdão recorrido.
A douta decisão sumária em análise considerou que “a recorrente não colocou
qualquer questão de constitucionalidade normativa perante o tribunal que
proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer
(artigo 72.°, n.º 2 da LTC)”, tendo decidido “não tomar conhecimento do objecto
do recurso”.
Salvo o devido respeito — e é verdadeiramente muito —, cremos que o recurso
interposto pela ora reclamante deverá ser admitido.
Vejamos.
2. Conforme resulta do art. 70º/2, 4 e 6 da LTC, no caso de recurso “destinado a
uniformização de jurisprudência” (v. art. 70º/2), que “não possam ter seguimento
por razões da ordem processual” (v. art. 70°/4), o recurso para este Venerando
Tribunal Constitucional não tem que ser interposto de decisão que aplicou ou
recusou a aplicação de norma reputada de inconstitucional, mas sim da “ulterior
decisão que confirme a primeira” (v. art. 70°/6), ou seja, do acórdão do
Venerando Supremo Tribunal Administrativo, de 2008.10.22, que, por razões
processuais, rejeitou o recurso interposto por oposição de acórdão.
Nesta linha e considerando precisamente a aplicação das normas transcritas e em
situação absolutamente paralela, no douto Ac. TC n.º 411/00, de 2000.10.03,
proferido no processo n.º 501/2000, decidiu-se o seguinte:
“ De facto, quando determinada decisão de um tribunal (no caso, do Tribunal
Central Administrativo) apenas admita o recurso fundado em oposição de julgados
(ou seja, o recurso destinado a uniformização da jurisprudência), a parte que,
durante o processo, acaso tenha suscitado a inconstitucionalidade de uma norma
legal e tenha visto a sua pretensão desatendida, pode recorrer imediatamente
dessa decisão para o Tribunal Constitucional (cf. artigos 70º, nºs 1, alínea b)
e 2, e 72°, nº 2, da Lei do Tribunal Constitucional). Ou seja: mesmo que, na
respectiva ordem jurisdicional, o recurso para uniformização de jurisprudência
seja um recurso ordinário, o ónus da exaustão deste tipo de recursos não lhe
impõe que, antes de recorrer para o Tribunal Constitucional, recorra para o
Pleno do Supremo Tribunal Administrativo.
A imediata interposição do recurso de constitucionalidade, num tal caso, não
priva a parte do direito de, posteriormente, interpor recurso de uniformização
de jurisprudência: é que, se o Tribunal Constitucional não conhecer do recurso
para si interposto ou lhe negar provimento, só então começa a correr o prazo
para a interposição do recurso ordinário de uniformização de jurisprudência para
o Pleno do Supremo Tribunal Administrativo (cf. artigo 80º, nº 4, in fine).
A parte pode, no entanto, optar por, em vez de recorrer logo para o Tribunal
Constitucional, interpor recurso para o Pleno do Supremo Tribunal
Administrativo, para uniformização de jurisprudência, da decisão do Tribunal
Central Administrativo. Se assim proceder, também a parte não verá precludida a
possibilidade de impugnar perante o Tribunal Constitucional a decisão do Pleno
que, acaso, lhe seja desfavorável. E isso, quer o Pleno profira decisão de
mérito, quer, por entender que se não verifica a invocada oposição de julgados,
não conheça do recurso: de facto, a não interposição de recurso para o Tribunal
Constitucional da decisão do Tribunal Central Administrativo não faz precludir o
direito de o interpor da decisão do Pleno que a confirma (cf. o citado artigo
70°, nº 6)” (cfr., no mesmo sentido, Acs. TC nº. 345/05, Proc. 405/2000, n.º
331/2005, Proc. 396/05 in www.tribunalconstitucional.pt).
Como resulta claramente da douta decisão transcrita, o recurso a interpor para
este Venerando Tribunal Constitucional poderá ter como objecto a decisão
desfavorável do Pleno do STA, independentemente de esta constituir “decisão de
mérito” — aplicando ou recusando a aplicação de qualquer norma inconstitucional
— ou simples decisão que ponha termo ao recurso por oposição de julgados, não
decidindo de mérito, nem conhecendo do recurso, em conformidade com o disposto
no art. 70º/6 da LTC, como se verificou no caso sub judice.
Além disso, registe-se que a ora reclamante recorreu não só do douto Acórdão do
Venerando Supremo Tribunal Administrativo, de 2008.10.22, como do douto acórdão
do Tribunal Central Administrativo Sul, de 2007.11.27.
3. Em abono deste entendimento, sublinhe-se ainda que nos termos dos artigos
70°/1/b) e 72°/2 da LTC, são pressupostos objectivos do recurso interposto para
este Venerando Tribunal Constitucional:
a) Aplicação efectiva de uma norma cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade
tenha sido suscitada adequadamente no decurso de um processo;
b) Necessidade de a decisão recorrida fazer caso julgado no processo
principal;
c) Menção na petição de recurso dos elementos exigidos no art. 75°-A/1 e 2 da
LTC (v. Blanco de Morais, Justiça Constitucional, 2005, II/700; cfr. Ac TC 1/05,
de 5 de Janeiro, Proc. 909/04, Cons. Maria João Antunes, 364/96, de 6 de Março,
Proc. 27/92, Cons. Tavares da Costa, ambos in www.tribunalconstitucional Ac. RL
de 1998.01.13, Proc. 0006285, www.dqsi. pt).
Ora, é manifesto que a ora reclamante suscitou no decurso do processo a “questão
de constitucionalidade normativa”, como resulta claro do seguinte:
a) A ora reclamante impugnou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa a
liquidação e cobrança de taxas urbanísticas realizadas pelos órgãos e serviços
do Município de Lisboa, no montante de € 83.279,66 e € 139.803,71, invocando
para o efeito a inconstitucionalidade orgânica e material do RTMIEU — v. arts.
29° e segs. da p.i.;
b) Por sentença de 2007.03.27, o TAFL decidiu, além do mais, que “a taxa de
realização de infra-estruturas urbanísticas é uma verdadeira taxa (...) pode,
então, concluir-se como a jurisprudência o tem feito e que aqui se subscreve que
a taxa devida pela realização de infra-estruturas urbanísticas (TRIU), não tem
carácter de imposto, não afrontando a sua criação o estatuído no art. 103.°, n.º
2, conjugado com a al. i) do n.º 1 do art. 165.°, ambos da Constituição da
República Portuguesa (...) Donde, não é sustentável, contrariamente ao
pretendido pela Impugnante sancionar o acto de liquidação em causa com o
desvalor jurídico em causa”;
c) Nas alegações de recurso da referida sentença de 2007.03.27, para o
Tribunal Central Administrativo Sul, a ora reclamante invocou novamente a
inconstitucionalidade orgânica e material do RTMIEU, do art. 88°/1/a) e c) do DL
100/84, de 29 de Março, e do art. 1º/4 da Lei 1/87, de 6 de Janeiro (v. textos
nºs. 3 a 10 e conclusões 2ª, 3ª, 4ª e 7ª das alegações de recurso apresentadas
pela ora reclamante, em 2007.06.12), tendo o referido Tribunal decidido
expressamente, no douto Acórdão de 2007.11.27, que “improcedem (...) todas as
conclusões do recurso, sendo de lhe negar provimento e de confirmar a sentença
recorrida” pois “no domínio do contencioso tributário, a nulidade ou mesmo a
inexistência de norma em que se baseie um acto de liquidação não implica a
nulidade deste, gerando apenas uma situação de ilegalidade abstracta da
liquidação, com o regime da alínea a) do n.º 1 do art. 204° CPPT. E o mesmo se
diga, mutatis mutandis em relação a acto que aplique norma inconstitucional,
salvo se ofenderem o conteúdo de um direito fundamental”;
d) A ora reclamante recorreu do referido Acórdão do TCAS, de 2007.11.27,
invocando a oposição de julgados com o douto acórdão da 2ª Secção do Contencioso
Tributário do STA, de 2007.03.27 (v. Proc. 22434), e reiterando a nulidade dos
actos tributários “pois os órgãos e agentes das autarquias locais não podem
criar impostos que não se encontrem previstos na lei, traduzindo-se na criação
de obrigações tributárias sem base ou causa legal”, bem como na violação do
princípio da legalidade tributária (v. art. 103° da CRP) e o direito fundamental
de propriedade privada (v. art. 62° da CRP) — v. conclusões 2ª, 4ª e 5ª das
alegações de recurso;
e) Por Acórdão de 2008.10.22, o STA negou provimento ao recurso, tendo
entendido que “o objecto da recurso é unicamente constituído pela questão já
enunciada: a da nulidade ou anulabilidade das liquidações em causa, que não das
deliberações, normativas ou não, de que resultam e que não foram objecto de
qualquer apreciação concreta e específica (...) O que logo afasta, por
extrapolante, se estão em causa impostos (contribuições especiais) ou taxas e as
demais questões daqui derivadas, como a “falta de atribuições e usurpação de
poderes” ou “o princípio reforçado da legalidade tributária”.
Nesta conformidade, o STA podia e devia conhecer das questões de
constitucionalidade invocadas pela ora reclamante ao longo de todo o processo,
já que as mesmas foram expressamente alegadas nos textos nºs. 3 a 10 e
conclusões 2ª, 3ª 4ª e 7ª das alegações de recurso apresentadas pela ora
reclamante, em 2007.06.12, do douto Acórdão do Tribunal do Tribunal Central
Administrativo Sul, de 2007.11.27, inscrevendo-se assim na sua esfera de
“competência vinculada” (v. Ac. TC 162/92, de 6 de Maio, Proc. 241/91, Cons.
Messias Bento, www.tribunalconstitucional.pt).
4. Registe-se ainda que, a propósito do requisito da aplicação efectiva da norma
julgada inconstitucional, este Venerando Tribunal Constitucional tem pacifica e
uniformemente entendido que “há aplicação da norma para efeitos da alínea b) do
n.º 1 do artigo 70º da Lei n.º 28/82 não só nos casos de aplicação expressa,
como também nos casos da aplicação implícita” (v. Ac. TC 406/87, de 7 de
Outubro, Proc. 82/87, www.dgsi.pt; cfr. Acs. TC 9/06, de 5 de Janeiro, Proc.
480/05; 454/03, de 14 de Outubro, Proc. 458/03; 445/99, de 8 de Julho, Proc.
37/99; 11/99, de 12 de Janeiro, Proc. 271/97; 1081/96, de 23 de Outubro, Proc.
438/96; 226/94, de 8 de Março, Proc. 47/93; 160191, de 4 de Abril, Proc. 720/00;
47190, de 21 de Fevereiro, Proc. 87/89, todos in www.tribunalconstitucional.pt
721/97, de 23 de Dezembro, Proc. 392/97; 637/96, de 7 de Maio, Proc. 252/95;
234/96, de 29 de Fevereiro, Proc. 178/95; 33/96, de 17 de Janeiro, Proc. 789/92;
235/93, de 13 de Março, Proc. 611/92; 69/92, de 24 de Fevereiro, Proc. 219/91;
20/91, de 5 de Fevereiro, Proc. 203/90; 207/86, de 12 de Junho, Proc. 95/86;
158/86, de 14 de Maio, Proc. 31/86; 88/86, de 19 de Março, Proc. 171/89; 112/85,
de 2 de Julho, Proc. 179/84, todos in www.dqsi.pt).
E, conforme tem decidido este Venerando Tribunal, verifica-se aplicação
normativa implícita sempre que:
a) O Tribunal a quo possa e deva conhecer da questão de constitucionalidade
invocada durante o processo (v. Acs. TC 318/90, de 12 de Dezembro, Proc. 291/89,
Cons. Alves Correia, www.tribunalconstitucional.pt 176/88, de 14 de Julho, Proc.
310/87, Cons. Cardoso da Costa, www.dgsi.pt)
b) A sentença, pese embora não fazer qualquer alusão à norma, não poderia
deixar de a ter aplicado, já que não poderia ter logicamente decidido ou
decidido de uma determinada maneira, sem proceder à sua convocação como
fundamento da decisão (v. Acs. TC 466/91, de 17 de Dezembro, Proc. 160/91, Cons.
Ribeiro Mendes, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 20° vol., p.p. 605 e
segs; 451/89, de 21 de Junho, Proc. 287/87, Cons. Nunes de Almeida, www.dgsi.pt
cfr. Blanco de Morais, Justiça Constitucional, 2005, II/702);
c) A aplicação da norma se deduza necessariamente da decisão recorrida (v. Ac.
TC 9/06, de 5 de Janeiro, Proc. 480/05, Cons. Maria dos Prazeres Beleza,
wwwtribunalconstitucional.pt) ou é “extraível de um raciocínio lógico utilizado
na decisão” (v. Ac. TC 231/91, de 23 de Maio, Proc. 164/91, Cons. Bravo Serra,
www.dgsi.pt).
No caso sub judice é manifesto que sempre teria ocorrido aplicação implícita da
norma em causa.
4.1. Por um lado, o STA podia e devia conhecer da questão de
constitucionalidade, já que a mesma foi expressamente suscitada nos textos nºs.
3 a 10 e conclusões 2ª, 3ª, 4ª e 7ª das alegações de recurso apresentadas pela
ora reclamante, em 2007.06.12, do douto Acórdão do Tribunal do Tribunal Central
Administrativo Sul, de 2007.11.27, inscrevendo-se assim na sua esfera de
“competência vinculada” (v. Ac. TC 162/92, de 6 de Maio, Proc. 241/91, Cons.
Messias Bento, www.tribunalconstitucional.pt).
4.2. Por outro lado, o douto Acórdão do STA de 2008.10.22, pronunciou-se
expressamente sobre “a nulidade ou anulabilidade das liquidações em causa”,
mantendo a aplicação de normas reputadas de inconstitucionais, na sequência do
entendimento do TCA Sul e do TAFL.
Nesta linha, decidiu o douto acórdão deste Venerando Tribunal Constitucional, de
1996.05.07, o seguinte:
“ Porque a questão de constitucionalidade se prende directamente com o
objecto do recurso interposto — o seu julgamento acha-se dependente do próprio
âmbito de cognição daquele tribunal — tem de considerar-se que no acórdão
recorrido se fez aplicação implícita das normas cuja constitucionalidade se
havia anteriormente suscitado” (v. Ac. TC 637/96, Proc. 252/95, Cons. Monteiro
Diniz, www.tribunalconstitucional.pt).
5. É pois manifesto que, contrariamente ao decidido na douta decisão sumária
reclamada, nunca se poderia entender que “a recorrente não colocou qualquer
questão de constitucionalidade normativa perante o tribunal que proferiu a
decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer (artigo
72.°. n.º 2 da LTC)”.
NESTES TERMOS,
Deverá ser julgada procedente a presente reclamação, revogando-se a decisão
sumária reclamada, admitindo-se o recurso interposto pela ora reclamante e
prosseguindo o presente processo os seus ulteriores termos, com as consequências
legais».
3 – Refutando a reclamação, esgrimiu, por seu lado, a Representante
da Fazenda Pública:
«1. Ao contrário do pugnado pela ora Reclamante, entende a Câmara
Municipal de Lisboa (CML) não padecer de mácula a douta Decisão Sumária
proferida em 6 de Janeiro de 2009, devendo manter-se na íntegra.
2. A referida Decisão entendeu não ser de conhecer o objecto do
Recurso interposto pela ora Reclamante do douto Acórdão de STA de 22 de Outubro
de 2008, ao abrigo dos arts. 69.° e ss da LTC, por considerar não se encontrarem
verificados os “(...) requisitos de admissibilidade do recurso interposto ao
abrigo do disposto no artigo 70.°, n.° 1, alínea b), da LTC.”
3. Tal decisão teve por base o entendimento de não ter a recorrente
colocado qualquer questão de constitucionalidade normativa perante o tribunal
que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela
conhecer (art. 72.º, n.º 2, da LTC), razão pela qual não se podem dar por
preenchidos ou satisfeitos os pressupostos processuais determinantes do
conhecimento do objecto do recurso de constitucionalidade, encontrando-se esta
conclusão suportada pelo reconhecimento da inidoneidade da imputação da
inconstitucionalidade aos actos administrativo-tributários impugnados para
efeitos do cumprimento dos requisitos de admissibilidade do recurso (...).“
Com efeito,
4. de acordo com a referida alínea b), do n.º 1, do art. 70.°, da
LTC, “cabe recurso para o Tribunal Constitucional, em secção, das decisões dos
tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada
durante o processo. “,
5. o que vale por dizer que só pode ser suscitada perante esse douto
tribunal a apreciação de decisão desde que a mesma tenha aplicado norma cuja
inconstitucionalidade tenha sido arguida em momento processual anterior.
6. Tal norma equivale à alínea b), do n.º 1, do art. 280.°, da
Constituição da República Portuguesa (CRP), em anotação ao qual e a propósito da
caracterização do que designam 2° tipo de recurso, incidente sobre “decisões que
apliquem norma cuja inconstitucionalidade (...) tenha sido suscitada durante o
processo” escrevem Marcelo Rebelo de Sousa e José de Melo Alexandrino[1] que os
mesmos pressupõem “(...) uma iniciativa específica dos advogados ou do
Ministério Público (são eles que têm de suscitar a questão da
constitucionalidade durante o processo); (...)“.
7. Mais acrescentam: “fixando-nos então nos recursos de
constitucionalidade de 2.º tipo, têm de reunir-se três pressupostos de
admissibilidade: i) a decisão recorrida fez aplicação (...) da norma cuja
inconstitucionalidade se arguiu durante o processo; ii) o recorrente suscitou
essa inconstitucionalidade durante o processo ou encontra-se perante alguma das
excepções admitidas pela jurisprudência constitucional; iii) o recorrente
esgotou previamente os recursos ordinários que no caso cabiam.”
8. Mais, considerando o n.º 2, do art. 72.°, da LTC, constata-se que
“os recursos previstos nas alíneas b) e f) do n.º 1 do artigo 70º só podem ser
interpostos pela parte que haja suscitado a questão da inconstitucionalidade ou
da ilegalidade de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu
a decisão recorrida, em termos de este estar, obrigado a dela conhecer”, em
consonância com a redacção do n.º 4, do referido art. 280.°, da CRP.
9. Sobre esta matéria, dizem-nos, em idêntico sentido, J.J. Gomes
Canotilho e Vital Moreira[2], em anotação ao mencionado art. 280.° da CRP: “o
segundo grande tipo dos recursos de inconstitucionalidade é o das decisões que
apliquem normas cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada no processo (n.º
1/b). A densificação deste enunciado não é inteiramente líquida, mas uma vez
conjugado com o disposto no n.º 4, ele significa que a questão da
inconstitucionalidade deve ser suscitada durante a pendência da causa, ou seja,
até ser proferida a decisão recorrida. A lógica deste recurso é a seguinte:
qualquer pessoa que seja parte num processo pode arguir de inconstitucional a
norma ou normas aplicáveis à causa, e se elas vierem a ser ainda assim
aplicadas, pode recorrer para o TC da decisão que as aplicou. O recorrente não
pode suscitar a questão da inconstitucionalidade apenas depois de proferida a
decisão recorrida, quando o tribunal recorrido já aplicou (e não pode agora
desaplicar) as normas arguidas de inconstitucionalidade. (...) E é evidentemente
irrelevante levantá-la apenas no requerimento de recurso para o TC. É essencial
que a questão da inconstitucionalidade tenha sido levantada a tempo de ser tida
em conta na decisão recorrida.”
10. Acrescentando, “além de tempestivo, o levantamento da questão de
constitucionalidade tem de ser feito de forma processualmente idónea v. AcTC n.º
2/88). No entanto, pode sê-lo de forma apenas implícita desde que seja
inequívoca a identificação da norma arguida de inconstitucionalidade. O recurso
só pode ter lugar no caso de ter sido aplicada a norma alegadamente
inconstitucional” – sublinhado nosso –,
11. bem como que “os recursos das decisões que tenham aplicado norma
arguida de inconstitucionalidade são sempre facultativos e restritos à parte que
tenha levantado a questão de constitucionalidade (n.º 4)”.
12. Ora, tendo presente o exposto, atendendo ao douto Acórdão
recorrido, quanto à delimitação do Recurso que motivou o mesmo, não pode senão
concordar-se com a sábia Decisão reclamada.
Com efeito,
13. atendendo agora à delimitação do objecto de Recurso para o STA, com
fundamento em Oposição de Julgados, constata-se que o mesmo foi delimitado, pela
Reclamante, nas respectivas conclusões, da seguinte forma:
“1.ª No caso sub judice foram consagradas soluções jurídicas opostas, pois no
douto acórdão recorrido decidiu-se que a imposição do pagamento de tributos não
previstos na lei determina apenas a anulabilidade dos actos impugnados e no
douto acórdão fundamento considerou-se que tais actos são nulos, podendo ser
impugnados a todo o tempo (v. art. 1º/4 da Lei 1/87, de 6 de Janeiro e art. 88°
do DL 100/84, de 29 de Março);
2.ª Conforme se decidiu no douto acórdão fundamento, os actos sub judice são
nulos, pois os órgãos e agentes das autarquias locais não podem criar impostos
que não se encontrem previstos na lei, traduzindo-se na criação de obrigações
tributárias sem base ou causa legal (v. arts. 103° e 165°/1i) da CRP); cfr. art.
88°/a) e c) do DL 100/84, de 29 de Março e art. 1°/4 da Lei 1/87, de 6 de
Janeiro e art. 2°/4 da Lei 42/98, de 6 de Agosto);
3.ª Os actos sub judice são nulos por falta de atribuições e usurpação de
poderes (v. art. 133°/a) e b) do CPA);
4.ª Os actos sub judice são ainda nulos por natureza, por violarem o princípio
reforçado da legalidade tributária (v. art. 103° da CRP e art. 133 °/2/d) do
CPA) e o direito fundamental de propriedade privada;
5.ª A impugnação em análise é claramente tempestiva, pois está em causa a
nulidade de actos de liquidação e cobrança de contribuições especiais não
previstas na lei, que podem ser sindicados a todo o tempo (v. arts. 103°/2,
112°, 165°/1/i), 239° e 266° da CRP; cfr. art. 28° da LPTA, art. 88°/1/a) e c) e
2 do DL 100/84, de 29 de Março e art. 134° do CPA).”
14. Como afirmou o douto Aresto, “(...) o objecto do recurso é
unicamente constituído pela questão já enunciada: a da nulidade ou anulabilidade
das liquidações em causa, que não das deliberações, normativas ou não, de que
resultam e que não foram objecto de qualquer apreciação concreta e específica,
no acórdão recorrido.”
15. Por seu turno, apreciando o Recurso deste modo circunscrito,
decidiu o STA pela improcedência do mesmo e, consequentemente, pela manutenção
do douto Acórdão então recorrido, apelando ao seguinte:
“(...) nem o artigo 88°.°, n.º 1, alínea c), do Decreto-Lei n.º 100/84, de 29 de
Março, nem o n.º 4 do art. 1.º da Lei n.º 1/87, de 6 de Janeiro, aplicável ao
caso, estabelecem a nulidade dos actos de liquidação dos tributos aí referidos
mas, antes, a nulidade das deliberações que determinaram o seu lançamento.
No domínio do contencioso tributário, a nulidade ou mesmo a inexistência de
norma em que se baseie um acto de liquidação não implica a nulidade deste,
gerando apenas uma situação de ilegalidade abstracta da liquidação, com o regime
que resulta da alínea a) do n.º ido art. 286.º do Código de Procedimento e de
Processo Tributário (aplicável ao caso).
Assim, a serem nulas as deliberações camarárias que prevêem o lançamento dos
tributos liquidados pelos actos impugnados, estes enfermarão de ilegalidade
abstracta que poderia ser invocada até ao termo do prazo de oposição, se tivesse
tido lugar a cobrança coerciva.
Tendo havido pagamento voluntário, a impugnação dos actos referidos apenas
poderia ter lugar de acordo com o regime legal de impugnação de actos anuláveis.
E o mesmo se diga, mutatis mutandis, em relação a acto que aplique norma
inconstitucional, salvo se ofenderem o conteúdo essencial de um direito
fundamental – alínea d) do n.º 2 do artigo 133.º do Código de Procedimento
Administrativo – o que não é o caso do princípio da legalidade ou do direito à
propriedade privada que não é absoluto ou ilimitado, como o Tribunal
Constitucional vem acentuando.
As imposições tributárias não podem ser vistas como restrições ao direito de
propriedade mas antes como limites implícitos desse direito, mesmo que se
considere o direito de propriedade um direito análogo aos direitos, liberdades e
garantias.
(...)
Refira-se, finalmente, quanto à arguição de falta de atribuições que, como acima
se referiu, não estão em causa deliberações dos órgãos autárquicos que violem
normas legais respeitantes ao lançamento de tributos mas, antes, a liquidação ao
abrigo delas praticada para que valem, ainda, mutatis mutandis, as considerações
acima expendidas.”
16. Verifica-se, assim, ter o douto Acórdão objecto do Recurso a cuja
Decisão Sumária se reporta a presente apreciado todas as questões colocadas à
sua consideração, simplesmente tendo decido em sentido oposto ao pugnado pela
ora Reclamante, na senda, aliás, da Jurisprudência uniforme dos Tribunais
Superiores.
17. No Recurso cujas Conclusões supra se transcreveram não foi
suscitada a apreciação de questões de inconstitucionalidade normativa, como bem
se afirma na douta Decisão Sumária aqui em crise.
18. Na verdade, e ao contrário do que a Reclamante ora vem afirmar, em
momento algum foi por si suscitada, em termos ou forma que processualmente
possam considerar-se adequados e, consequentemente, pudessem sustentar o Recurso
para o Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade das normas do
Regulamento da Taxa pela Realização de Infra-estruturas Urbanísticas do
Município de Lisboa (...), face às normas e princípios consagrados nos arts. 2°,
9°, 18°, 20°, 62°, 103°, 165/1/i) e 266° da CRP”, ou a “inconstitucionalidade do
art. 88°1/a) e c) do DL 100/84, de 29 de Março, e do art. 1 º/4 da Lei 1/87, de
6 de Janeiro, face às normas e princípios constitucionais consagrados nos arts.
2°, 9°, 18°, 20°, 62°, 103°, 165/1/i), 204° e 268°/4 e 5 da CRP (...).”
19. Efectivamente, não basta afirmar, como a Reclamante, que um
Regulamento é desconforme com determinadas normas constitucionais, sem
demonstrar em concreto em que se traduz essa alegada inconstitucionalidade,
20. sobretudo quando tal Regulamento não foi, de qualquer forma, tido
em consideração no douto Acórdão do STA alvo de Recurso para o TC, o que
acontece, de igual modo, quanto às demais normas por cuja inconstitucionalidade
a aqui Reclamante pugna.
21. Tal interpretação resulta da Lei e tem sido genericamente adoptada
pela Jurisprudência Constitucional mais recente, no que concerne aos requisitos
de admissibilidade de Recursos de Constitucionalidade deduzidos ao abrigo da
alínea b), do n.º 1, do art. 70.°, da LTC, como é o caso daquele cuja decisão
aqui foi posta em causa.
Efectivamente,
22. No douto Acórdão do TC n.º 151/2008, proferido no Processo n.º
171/08, foi decidido:
“ Quanto ao recurso interposto com base na alínea b), do n.º 1, do art. 70.º, da
LTC, importa começar por recordar que no sistema português de fiscalização de
constitucionalidade, a competência atribuída ao Tribunal Constitucional cinge-se
ao controlo da inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões de
desconformidade constitucional imputada a normas jurídicas ou a interpretações
normativas, hipótese em que o recorrente deve indicar, com clareza e precisão,
qual o sentido da interpretação que reputa inconstitucional, (...). Por outro
lado, a admissibilidade deste recurso depende da verificação cumulativo dos
requisitos de a questão de inconstitucionalidade haver sido suscitada «durante o
processo», «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a
decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (n.º 2, do
artigo 72.º, da LTC), e de a decisão recorrida ter feito aplicação, como a sua
ratio decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionalidade pelo
recorrente. (...) A norma indicada pelo recorrente não integrou, pois, a ratio
decidendi da decisão recorrida, pelo que faltando este pressuposto essencial ao
conhecimento do recurso constitucional deve ser indeferida a reclamação
apresentada.”
23. A situação em causa na presente Reclamação identifica-se plenamente
com a descrita no douto Acórdão citado, uma vez que na douta Decisão do STA de
que foi interposto o Recurso de Constitucionalidade não são, sob alguma forma,
aplicadas ou interpretadas as questões cuja constitucionalidade a ora Reclamante
pretende ver apreciadas pelo TC.
24. Também no douto Acórdão n.º 155/95, proferido pelo TC no Proc. n.º
189/94, cujas palavras se adoptam, decidiu-se:
“(...) limitou-se a recorrente a dizer no final das alegações (...) que elas são
inconstitucionais, indicando como violados um conjunto de preceitos
constitucionais, mas sem dizer por qual norma infraconstitucional cada um deles
é infringido; e também sem estabelecer qualquer ligação entre essa acusação de
inconstitucionalidade e o discurso que desenvolveu ao longo das alegações ou as
conclusões que nelas formulou.
Trata-se, assim, de uma afirmação que, por tão genérica, não pode ser havida
como modo processualmente adequado de suscitar a questão de
inconstitucionalidade para o efeito de se ter por preenchido o pressuposto da
suscitação da questão de constitucionalidade durante o processo.
Na verdade, não tendo o recorrente apontado, em relação a cada uma das normas, o
porquê da sua incompatibilidade com a Constituição, ao tribunal recorrido não
foi colocada uma questão de constitucionalidade para decidir. Não o foi, ao
menos, de forma clara e perceptível.”
25. Mais uma vez, a Decisão que ora se citou abarca, plenamente, a
situação dos presentes autos, uma vez que a aqui Reclamante, como se disse, não
logrou identificar, em concreto, as normas que considera inconstitucionais, ou
sequer as razões que motivam tal conclusão, limitando-se a referir que um
Regulamente será, alegadamente, inconstitucional, por desconforme com um
conjunto de normas da Constituição da República Portuguesa, sem que identifique
o porquê de tal alegação.
26. Não são, assim, atendíveis as razões ora apresentadas pela
Reclamante, uma vez que resulta inquestionável dos presentes autos a falta, no
Recurso cuja decisão sumária é reclamada, de um pressuposto de admissibilidade,
não sendo susceptível de ser apreciado, assim, à luz da alínea b), do n.º 1 do
art. 70.°, e do n.º 2, do art. 72.°, ambos da LTC.
27. Aliás, a douta jurisprudência referida pela Reclamante reporta-se,
na sua generalidade, a situações distintas da ora em juízo».
4 – A decisão sumária reclamada tem o seguinte teor:
«1 – A., L.da, recorre para o Tribunal Constitucional ao abrigo do
disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro,
na sua actual redacção (LTC), do acórdão do Pleno da Secção de Contencioso
Tributário do Supremo Tribunal Administrativo que negou provimento ao recurso
interposto, com fundamento em oposição de acórdãos, do aresto do Tribunal
Central Administrativo Sul datado de 27 de Novembro de 2007, pretendendo ver
sindicada a “inconstitucionalidade das normas do Regulamento da Taxa pela
Realização de Infra-Estruturas Urbanísticas do Município de Lisboa (RTMIEU),
aprovado por deliberação da Assembleia Municipal de Lisboa, de 1991.07.11, que
prevêem a Taxa pela Realização de Infra-estruturas Urbanísticas (TRIU), face às
normas e princípios consagrados nos arts. 2.º, 9.º, 18.º, 20.º, 62.º, 103.º,
165.º/1/i) e 266.º da CRP”, bem como a “inconstitucionalidade do art. 88.º/1/a)
e c) do DL 100/84, de 29 de Março, e do art. 1.º/4 da Lei 1/87, de 6 de Janeiro,
face às normas e princípios constitucionais consagrados nos arts. 2.º, 9.º,
18.º, 20.º, 62.º, 103.º, 165.º/1/i), 204.º e268.º/4 e 5 da CRP, quando
interpretados e aplicados com a dimensão e sentido normativo restritivo que lhe
foi atribuído pelo douto acórdão recorrido”.
2 – Integrando-se o caso sub judicio sob a alçada da previsão da
norma do artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC e atendendo ao disposto no artigo 76.º,
n.º3, do mesmo diploma, passa a decidir-se nos termos seguintes.
3.1 – Como é consabido, constitui requisito do recurso interposto ao abrigo do
disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 280.º da Constituição da República
Portuguesa (CRP) e na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC – em cuja
categoria se insere o interposto pelo recorrente –, que a questão de
inconstitucionalidade da norma efectivamente aplicada como ratio decidendi da
decisão recorrida tenha sido suscitada durante o processo.
O sentido deste conceito tem sido esclarecido, por várias vezes, por este
Tribunal Constitucional.
Assim, por exemplo, no Acórdão n.º 352/94, publicado no Diário da República II
Série, de 6 de Setembro de 1994, disse-se que esse requisito deve ser entendido
“não num sentido meramente formal (tal que a inconstitucionalidade pudesse ser
suscitada até à extinção da instância)”, mas “num sentido funcional”, de tal
modo que essa invocação haverá de ter sido feita em momento em que o tribunal a
quo ainda pudesse conhecer da questão, “antes de esgotado o poder jurisdicional
do juiz sobre a matéria a que (a mesma questão de constitucionalidade)
respeita”.
Por seu lado, afirma-se, igualmente, no Acórdão n.º 560/94, publicado no Diário
da República II Série, de 10 de Janeiro de 1995, que «a exigência de um cabal
cumprimento do ónus de suscitação atempada - e processualmente adequada - da
questão de constitucionalidade não é [...] “uma mera questão de forma
secundária”. É uma exigência formal, sim, mas essencial para que o tribunal
recorrido deva pronunciar-se sobre a questão de constitucionalidade para o
Tribunal Constitucional, ao julgá-la em via de recurso, proceda ao reexame da
questão (e não a um primeiro julgamento de tal questão».
Neste domínio há que acentuar que, nos processos de fiscalização concreta, a
intervenção do Tribunal Constitucional se limita ao reexame ou reapreciação da
questão de (in)constitucionalidade que o tribunal a quo apreciou ou devesse ter
apreciado. Ainda na mesma linha de pensamento podem ver-se, entre outros, o
Acórdão n.º 155/95, publicado no Diário da República II Série, de 20 de Junho
de 1995, e, aceitando os termos dos arestos acabados de citar, o Acórdão n.º
192/2000, publicado no mesmo jornal oficial, de 30 de Outubro de 2000 - sobre o
sentido de um tal requisito, cf. José Manuel Cardoso da Costa, A jurisdição
constitucional em Portugal, 3ª edição, Coimbra, 2007, pp. 76 e ss.).
É certo que nada impede que, ao invés de se suscitar a inconstitucionalidade de
um preceito legal se questione apenas um seu segmento ou uma determinada
dimensão normativa, contudo, para que se possa dar como cumprido o ónus de
suscitação de um problema de constitucionalidade, será sempre necessário que o
recorrente impute o vício da inconstitucionalidade, de forma directa e imediata,
a uma norma mediante a explicitação da dimensão normativa que, no seu
entendimento, viola a lei fundamental, não bastando para que possa considerar-se
suscitada uma questão de constitucionalidade a afirmação de que é
inconstitucional, qua tale, o entendimento sustentado por uma parte ou agente
processual.
Para tais efeitos, importa, pois, colocar o tribunal recorrido perante o dever
de apreciação da constitucionalidade de uma norma legal individualizada, havendo
de concretizar-se o sentido desse preceito de modo a que, no caso de vir a ser
julgado inconstitucional, o Tribunal o possa apresentar na sua decisão em termos
de, tanto os destinatários desta, como, em geral, os operadores do direito
ficarem a saber, sem margem para dúvidas, qual é o preceito e com que sentido
ele não deve ser aplicado por, desse modo, violar a Constituição.
Ora, sabendo-se que são as conclusões que delimitam o objecto dos recursos em
termos de aí se definirem as questões jurídicas relativamente às quais incide o
dever de pronúncia das respectivas instâncias jurisdicionais, será nesse espaço
processual que se há-de perscrutar a suscitação das questões de
constitucionalidade cuja apreciação se requereu ao tribunal a quo.
3.2 – No presente caso, a recorrente balizou o recurso interposto para o Supremo
Tribunal Administrativo em torno das seguintes questões:
“1.ª – No caso sub judice foram consagradas soluções jurídicas opostas, pois no
douto acórdão recorrido decidiu-se que a imposição do pagamento de tributos não
previstos na lei determina apenas a anulabilidade dos actos impugnados e no
douto acórdão fundamento considerou-se que tais actos são nulos, podendo ser
impugnados a todo o tempo (v. art. 1.º/4 da Lei 1/87, de 6 de Janeiro e art.
88.º do DL 100/84, de 29 de Março) – cfr. texto n.º 1;
2.ª - Conforme se decidiu no douto acórdão fundamento, os actos sub judice são
nulos, pois os órgãos e agentes das autarquias locais não podem criar impostos
que não se encontrem previstos na lei, traduzindo-se na criação de obrigações
tributárias sem base ou causa legal (v. arts. 103.º e 165.º/1/i) da CRP; cfr.
art. 88.º/1/a) e c) do DL 100/84, de 29 de Março, e art. 1.º/4 da Lei 1/87, de 6
de Janeiro e art. 2.º/4 da Lei 42/98, de 6 de Agosto – cfr. texto n.ºs 2, 3 e 6;
3.ª - Os actos sub judice são ainda nulos por falta de atribuições e usurpação
de poderes (v. art. 133.º/2/a) e b) do CPA) – cfr. texto n.ºs 4 e 6;
4.ª - Os actos sub judice são ainda nulos por natureza, por violarem o princípio
reforçado da legalidade tributária (v. art. 103.º da CRP e art. 133.º/2/d do
CPA) e o direito fundamental de propriedade privada (v. art. 62º da CRP) – cfr.
texto n.ºs 5 e 6;
5.ª - A impugnação em análise é claramente tempestiva, pois está em causa a
nulidade de actos de liquidação e cobrança de contribuições especiais não
previstas na lei, que podem ser sindicadas a todo o tempo (v. arts. 103º/2,
112º, 165º/1/i), 239.º e 266.º da CRP; cfr. art. 28.º LPTA, art. 88.º/1/a) e c)
e 2 do DL 100/84, de 29 de Março e art. 134º do CPA) – cfr. texto n.ºs 7 a 9.”.
Como se constata, a recorrente não colocou qualquer questão de
constitucionalidade normativa perante o tribunal que proferiu a decisão
recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer (artigo 72.º, n.º 2,
da LTC), razão pela qual não se podem dar por preenchidos ou satisfeitos os
pressupostos processuais determinantes do conhecimento do objecto do recurso de
constitucionalidade, encontrando-se esta conclusão suportada pelo reconhecimento
da inidoneidade da imputação da inconstitucionalidade aos actos
administrativo-tributários impugnados para efeitos do cumprimento dos requisitos
de admissibilidade do recurso interposto ao abrigo do disposto no artigo 70.º,
n.º 1, alínea b), da LTC.
4 – Destarte, atento o exposto, o Tribunal Constitucional decide não tomar
conhecimento do objecto do recurso.
Custas pela recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 8 (oito) Ucs.».
B – Fundamentação
5 – Como se colhe do relatado, a reclamante insurge-se contra a
decisão reclamada, argumentando, em síntese, que o recurso de
constitucionalidade poderá ter por objecto, tanto a decisão desfavorável do
Pleno do Supremo Tribunal Administrativo (STA), proferida em recurso de
uniformização de jurisprudência, como a decisão recorrida para esse Pleno, do
Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), da qual, também, recorreu para o
Tribunal Constitucional, e que, havendo suscitado perante este último tribunal
questões de inconstitucionalidade e, estando aquele vinculado a conhecer delas,
deverão ter-se as mesmas como havendo sido suscitadas no recurso interposto do
acórdão do Pleno do STA.
E, nessa perspectiva, arrima-se ao disposto nos n.ºs 2 e 6 do art.º
70.º da LTC e a alegada jurisprudência deste Tribunal.
A reclamação não merece, todavia, deferimento. Senão vejamos.
Lembremos que a reclamante impugnou judicialmente, sem sucesso,
perante o tribunal tributário de 1.ª instância, a liquidação de uma taxa pela
realização de infra-estruturas urbanísticas (TRIU), efectuada pela Câmara
Municipal de Lisboa. Inconformada, a reclamante recorreu para o
Tribunal Central Administrativo Sul, questionando a constitucionalidade das
normas do Regulamento da Taxa pela Realização de Infra-Estruturas Urbanísticas
do Município de Lisboa, ao abrigo das quais o tributo fora liquidado, com o
fundamento, em resumo, de que este não tinha a natureza de uma taxa, mas antes
de uma contribuição especial, sujeita, enquanto tal ao princípio da legalidade
tributária do art.º 103.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, e de
que os actos de liquidação sofriam de nulidade, por os órgãos e agentes das
autarquias locais não poderem criar tributos que não se encontrem previstos na
lei, nos termos dos art.ºs 88.º, n.º 1, alínea a) e c) do Decreto-Lei n.º
100/84, de 29 de Março, 1.º, n.º 4, da Lei n.º 1/87, de 6 de Janeiro e 2.º, n.º
4, da Lei n.º 42/98, de 6 de Agosto.
Tendo sido negado provimento a este recurso, por acórdão de 27 de
Novembro de 2007, a impugnante interpôs recurso para o Pleno do STA, com o
fundamento na existência de oposição do agora julgado com o decidido no acórdão
proferido na 2.ª Secção do STA, no proc.º 22434, de 1999.03.02.
Também este recurso não teve melhor sorte, já que lhe foi negado
provimento e confirmada a decisão recorrida, por acórdão de 22 de Outubro de
2008.
Notificado deste acórdão, veio a reclamante recorrer para o Tribunal
Constitucional, pretendendo ver sindicadas as questões de constitucionalidade,
acima apontadas na decisão sumária reclamada, nos seguintes termos (na parte
agora útil):
«[…] não se conformando com o decidido no douto acórdão deste
Venerando Supremo Tribunal, de 2008.10.12, e no acórdão do Tribunal Central
Administrativo, de 2007.11.27 8v. Ac. Tc. n.º 331/2005, Proc. 396/05, in
www.tribunalconstitucional.pt), vem dele recorrer para o Tribunal
Constitucional, nos termos dos arts. 69.º e segs. da Lei do Tribunal
Constitucional […]”.
E mais adiante, no mesmo requerimento – denotando a configuração
entrelaçada do recurso dos dois acórdãos (do TCAS e do Pleno do STA), em que
labora a reclamante - , e num propósito de sintetizar a questão sob juízo,
afirmou:
«[…]
O douto acórdão recorrido e o douto acórdão do Tribunal Central
Administrativo Sul, de 2007.11.27, negaram provimento aos recursos interpostos
pela ora recorrente, com base numa interpretação e aplicação restritiva da
dimensão e sentido normativos do art.º 88º/1/a) e c) do DL 100/84, de 29 de
Março, e do art.º 1º/4 da Lei n.º 1/87, de 6 de Janeiro, decidindo que tais
normas não estabeleceriam a nulidade de actos consubstanciados na exigência de
tributos previamente criados por órgãos do Município de Lisboa.
[…]».
Tal requerimento foi objecto de despacho do relator, no STA, em que
se disse:
«Admito o recurso interposto para o Tribunal Constitucional por A.,
Lda, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo”.
Na decisão sumária proferida pelo relator, no Tribunal
Constitucional, entendeu-se que o recurso de constitucionalidade respeitava,
apenas, à decisão do Pleno do STA e, com base na falta dos pressupostos
processuais específicos do recurso de constitucionalidade nela apontados,
decidiu-se não tomar conhecimento do respectivo recurso de constitucionalidade.
Perante o requerimento de interposição do recurso de
constitucionalidade, apresentado pela ora reclamante, e o despacho de admissão
do relator, no STA, e as pertinentes disposições da LTC (art.ºs 70.º, n.ºs 1,
alínea a), 2 e 6, 75.º, e 75.º-A), não poderá deixar de assim ser considerado.
Em primeiro lugar, porque a decisão jurisdicional de que a
reclamante expressamente diz recorrer (traduzida nas locuções “vem dele” e
“douto acórdão recorrido”) é o acórdão do Pleno do STA.
Depois, porque, apenas, esse recurso foi admitido pelo relator, no
STA, não tendo ele competência, sequer, para admitir o recurso de
constitucionalidade que se pretendesse interpor do acórdão do TCAS.
Finalmente, porque não podem coexistir dois recursos de
constitucionalidade sobre decisões que, em si, não se apresentassem como
definitivas, na respectiva ordem de tribunais, sob pena de eventual contradição
de julgados.
Ao excluir os recursos destinados a fixação da jurisprudência do
ónus de esgotamento dos recursos ordinários para efeitos da admissibilidade do
recurso de constitucionalidade, o n.º 2 do art.º 70.º da LTC, apenas, está a
conferir ao interessado a faculdade de interpor, imediatamente, recurso de
constitucionalidade da decisão, ainda (eventualmente) passível de recurso para
fixação de jurisprudência, tomando-a como decisão definitiva, para tal efeito.
Claro que, interrompendo a interposição do recurso de
constitucionalidade a interposição de outros recursos que porventura caibam da
decisão (art.º 75.º, n.º 1, da LTC), bem poderá a parte que recorra
constitucionalmente vir a interpor recurso para uniformização de jurisprudência,
depois de julgado aquele.
Mas, uma vez interposto recurso de fixação de jurisprudência, haverá
que aguardar-se o seu desfecho.
Se porventura, ele não vier a ser admitido, terá o interessado o
direito de recorrer constitucionalmente da decisão ordinariamente pretendida
recorrer, gozando, para tanto, do prazo de 10 dias contados do momento em que se
torna definitiva a decisão que não admite recurso (n.º 2 do art.º 75.º da LTC),
por tal decisão passar a ter tal natureza.
Todavia, se se conheceu desse recurso de fixação de jurisprudência e
se a decisão nele proferida foi a de confirmação da decisão que já era,
anteriormente, passível de recurso de constitucionalidade, nos termos do n.º 2
do art.º 70.º da LTC, então, o interessado, apenas, poderá interpor recurso de
constitucionalidade da decisão proferida no recurso de fixação de
jurisprudência, caso se verifiquem os respectivos pressupostos, e não, ainda,
também, da decisão confirmada. É o que resulta com toda a nitidez do n.º 6 do
art.º 70.º da LTC (cf., no mesmo sentido, Acórdãos n.ºs 411/00, 253/01, 222/04 e
483/03, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
O preceito visa reconhecer a possibilidade de o interessado ter,
sempre, uma possibilidade de exercer o direito de recurso constitucional. E
assim, perante o facto de a parte não haver exercido o direito de recurso
constitucional de uma decisão anterior que já era passível dele, o preceito
confere-lhe a possibilidade de, ainda, o exercer neste novo momento, não
considerando precludido o direito de ainda o interpor, conquanto, agora, apenas
da “decisão que confirme a primeira” que acabou por tornar-se em decisão
definitiva, na respectiva ordem de tribunais.
Assim sendo – e independentemente de saber se se verificariam os
demais pressupostos de recorribilidade – bem poderia a reclamante ter recorrido
constitucionalmente do acórdão do TCAS que negou provimento ao recurso
interposto da sentença de primeira instância que julgou improcedente a
impugnação.
O que não poderá é fazê-lo agora.
E, como é evidente, o recurso constitucional da decisão proferida no
recurso de fixação de jurisprudência está sujeito à existência dos respectivos
pressupostos, entre eles se contando o da prévia suscitação da questão de
constitucionalidade.
Como se viu, a reclamante não colocou, nas alegações de recurso de
fixação de jurisprudência (condensadamente, nas respectivas conclusões),
qualquer questão de constitucionalidade normativa que o tribunal ad quem
houvesse de conhecer.
Sintomática de uma tal situação é a definição feita pelo acórdão do
STA, agora pretendido recorrer constitucionalmente, do objecto do recurso para
ele interposto:
«Temos, assim, que o objecto do recurso é unicamente constituído
pela questão já enunciada: a da nulidade ou anulabilidade das liquidações em
causa, que não das deliberações, normativas ou não, de que resultam e que não
foram objecto de qualquer apreciação concreta e específica, no acórdão
recorrido».
De tudo resulta que a reclamação não merece deferimento.
C – Decisão
6 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional
decide indeferir a reclamação.
Custas pela reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 20 Ucs.
Lisboa, 11.02.2009
Benjamim Rodrigues
Joaquim de Sousa Ribeiro
Rui Manuel Moura Ramos
[1] In Constituição da República Portuguesa Comentada, LEX, 2000, pg 421 e ss.
[2] In constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 3ª edição
revista, 1993, pgs. 1020 e ss.