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Processo nº 922/08
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é
recorrente A. e é recorrido o Ministério Público, foi interposto recurso para o
Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea f) do nº 1 do artigo 70º da Lei da
Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do
acórdão daquele Tribunal de 15 de Outubro de 2008.
2. Em 6 de Janeiro de 2009, o Tribunal decidiu, ao abrigo do disposto no nº 1 do
artigo 78º-A da LTC, não tomar conhecimento do objecto do recurso, com o
seguinte fundamento:
«O presente recurso foi interposto ao abrigo da alínea f) do nº 1 do artigo 70º
da LTC, segundo a qual cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões
dos tribunais que apliquem norma cuja ilegalidade haja sido suscitada durante o
processo com qualquer dos fundamentos referidos nas alíneas c), d) e e) do mesmo
preceito. Sendo este o recurso interposto, o recorrente tem de indicar a norma
cuja ilegalidade pretende que o Tribunal aprecie, a norma ou princípio legal que
considera violado e a peça processual em que suscitou a questão de ilegalidade
(nºs 1 e 2 do artigo 75º-A da LTC).
Do teor do requerimento de interposição de recurso resulta que o recorrente não
satisfez estes requisitos. Nomeadamente, não indicou norma constante de acto
legislativo que, em seu entender, violava lei com valor reforçado; norma
constante de diploma regional que, em seu entender, violava estatuto da região
autónoma ou lei geral da República; ou norma emanada de um órgão de soberania
que, em seu entender, violava estatuto de uma região autónoma.
Não se justifica, contudo, convidar o recorrente a prestar as indicações em
falta. Ainda que as viesse a prestar, subsistiriam sempre razões para não
conhecer do objecto do recurso interposto, por falta de um dos seus requisitos:
a suscitação prévia e de forma adequada da questão de ilegalidade (artigos 70º,
nº 1, alínea f), e 72º, nº 2, da LTC).
Com efeito, é manifesto que, perante o Supremo Tribunal de Justiça, na
reclamação então apresentada, o recorrente não questionou a legalidade de
qualquer norma com fundamento em violação de lei com valor reforçado, de
estatuto de região autónoma ou de lei geral da República.
Na falta deste requisito, o Tribunal não pode tomar conhecimento do objecto do
recurso, justificando-se a prolação da presente decisão (artigo 78º-A, nº 1, da
LTC)».
3. O recorrente vem agora reclamar desta decisão com os fundamentos seguintes:
«(…)
Ora, desta forma deu o Recorrente cabal cumprimento aos requisitos do art°.
75°-A nº 1 e 2 do LTC tendo sido, inclusivamente, bastante cauteloso.
Finalmente, e obstaculizando a apreciação do objecto do recurso a Exma. Sra.
Juíza Conselheira Relatora aduz ainda um último argumento: de que na reclamação
apresentada junto do STJ (POR NÃO ADMISSÃO DO RECURSO INTERPOSTO PELO
RECORRENTE), este não questionou a legalidade de qualquer norma com fundamento
em violação de lei com valor reforçado.
Por um lado, tal argumento não corresponde à verdade, pois como se demonstrou,
pelo menos uma inconstitucionalidade foi novamente invocada e que se prendia com
a própria questão de não admissão do recurso interposto pelo Recorrente;
Por outro lado, na motivação de recurso para o STJ as inconstitucionalidades
foram devidamente suscitadas, sendo certo que a reclamação para a conferência se
remetia para o mesmo solicitando a sua apreciação.
Aliás, não faz qualquer sentido repetir toda a motivação de recurso na
reclamação para a conferência, sendo certo que esta apenas tem por fundamento a
rejeição do recurso, isto é, uma mera questão processual e não de mérito.
Mas mais: em sede de reclamação para o STJ o Recorrente suscitou uma nova
inconstitucionalidade e que se prendia com a própria Reclamação, isto é, a não
apreciação do recurso por si interposto através da interpretação
inconstitucional do art°. 400º nº 1 al. c) do C.P.P. claramente violadora do
art°. 32° nº 1 da C.R.P.
Na reclamação para o STJ escreveu o Recorrente o seguinte:
“Caso o recurso interposto pelo ora Reclamante não venha a ser aceite,
estar-se-á a fazer uma interpretação inconstitucional do art. 400.º, n.° 1,
alínea c) do .P.P. (na redacção que lhe foi conferida pela alteração legislativa
decorrente da Lei n.° 48/2007 de 29-8), por violação do art. 32.°, n.° 1 da
C.R.P., ao se considerar que o acórdão proferido em recurso pelo Tribunal da
Relação, alterando uma decisão absolutória, proferida em primeira instância e
reenviando o processo para novo julgamento quanto à totalidade do seu objecto, é
irrecorrível para o Supremo Tribunal de Justiça.
Inconstitucionalidade que desde já se argui.”
E mais adiante escreveu ainda o Recorrente:
Enquanto por um lado, não apreciou a Relação as questões que lhe foram
colocadas, por considerar que a sede própria para o Arguido as colocar seria o
recurso,
Por outro, vem o Exmo. Senhor Juiz Conselheiro Relator propugnar a
irrecorribilidade do acórdão, sonegando o direito ao Arguido a aceder a sequer
um único grau de recurso, em clara violação do imposto pelo n.° 1 do art. 32.º
da C.R.P..
(…)
– Quanto à nulidade do acórdão recorrido, por omissão de pronúncia que o mesmo
enferma, nos termos do preceituado no art. 379.°, n.° 1, alínea c) do C.P.P., e
– No referente à decisão incorrecta de condenar o Arguido no pagamento de
custas, uma vez que, conforme o consagrado na alínea b) do –art.75,º do Código
das Custas Judicias, estão isentos de custas “os arguidos não recorrentes que
responderam no sentido da confirmação da decisão recorrida”,
Demonstrando a propensão para a interpretação inconstitucional que pretende
fazer do art. 400. °, n° 1, alínea c)do C.P.P..”
E finalmente concluiu o Recorrente na sua Reclamação para a conferência do STJ:
“Face ao ora exposto, considera o Reclamante que, in casu, o Acórdão recorrido
não se enquadra no âmbito de aplicação do art. 400.º, n.° 1, alínea c) do
C.P.P., pelo que deve o mesmo ser apreciado por este douto Supremo Tribunal de
Justiça.
Caso assim não se considere, estar-se-á a fazer uma interpretação
inconstitucional do art. 400.°, n.° 1, alínea c) do C.P.P. (na redacção que lhe
foi conferida pela alteração legislativa decorrente da Lei n.° 48/2007 de 29-8),
por violação do art. 32.°, n.° 1 da C.R.P., ao se considerar que o acórdão
proferido em recurso pelo Tribunal da Relação, alterando uma decisão absolutória
proferida em primeira instância e reenviando o processo para novo julgamento
quanto à totalidade do seu objecto, é irrecorrível para o Supremo Tribunal de
Justiça.
Inconstitucionalidade que desde já se argui
Ora, não só se aludiu às questões cuja inconstitucionalidade se suscitou durante
todo o processo, como se invocou novamente a inconstitucionalidade do art°. 400º
n° 1 al. c) do C.P.P. na interpretação perfilhada pelo STJ, por a mesma ser
violadora do art°. 32° nº 1 da C.R.P.
Pelo que, e salvo mais douta opinião, crê o Recorrente que esteve mal este
tribunal ao não ter tomado conhecimento do objecto do recurso».
4. O Ministério Público respondeu pela seguinte forma:
«1º
A presente reclamação é manifestamente improcedente.
2°
Na verdade, a argumentação do reclamante padece de dois equívocos fundamentais:
desde logo, parece supor que questão de “inconstitucionalidade” e questão de
“legalidade qualificada” são sinónimos, podendo os recursos em que são
suscitados tais questões ser indiscriminadamente referenciados às alíneas b) e
f) do n° 1 do artigo 70° da Lei do Tribunal Constitucional.
3°
Por outro lado, não tem na devida conta a essencial distinção entre pressupostos
do recurso e requisitos formais do respectivo requerimento de interposição –
sendo evidente que o fundamento da decisão reclamada assenta claramente na
ausência de um pressuposto fundamental: a suscitação, tempestiva e adequada, da
questão de inconstitucionalidade (ou ilegalidade, se for o caso) durante o
processo.
4º
Ora, não tendo o recorrente suscitado, durante o processo, qualquer questão de
“ilegalidade qualificada” decorrente de violação da lei com valor constitucional
reforçado, é evidente e incontroverso que o recurso estribado naquela alínea f)
se mostra irremediavelmente comprometido».
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
A decisão reclamada concluiu pelo não conhecimento do objecto do recurso
interposto ao abrigo da alínea f) do nº 1 do artigo 70º da LTC, por não se poder
dar como verificado o requisito da suscitação prévia, durante o processo – no
caso perante o Supremo Tribunal de Justiça – de uma qualquer questão de
ilegalidade normativa.
O reclamante sustenta que, durante o processo, “as inconstitucionalidades foram
devidamente suscitadas” (itálico aditado), transcrevendo passagens de peças
processuais onde é mencionada “uma interpretação inconstitucional” e a “violação
do art. 32.°, n.° 1 da C.R.P.”.
Esta argumentação não contraria, em rigorosamente nada, a decisão de não
conhecimento do objecto do recurso de ilegalidade interposto. Revela apenas que
não se faz a distinção devida entre recurso de constitucionalidade e recurso de
ilegalidade (artigos 280º, nºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa e
70º, nº 1, alíneas b) e f), da LTC). Só assim se compreende, aliás, que o
reclamante sustente que satisfez os requisitos dos nºs 1 e 2 do artigo 75º-A da
LTC.
Uma vez que o recorrente não suscitou, durante o processo, qualquer questão de
ilegalidade normativa (artigos 70º, nº 1, alínea f), e 72º, nº 2, da LTC),
importa concluir pelo indeferimento da presente reclamação, mantendo a decisão
de não conhecimento do objecto do recurso.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência,
confirmar a decisão reclamada.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 27 de Janeiro de 2009
Maria João Antunes
Carlos Pamplona de Oliveira
Gil Galvão