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Processo n.º 681/08
3ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Em acção de impugnação de paternidade proposta por A. contra B.,
C. e D., suscitou-se a questão da caducidade da acção, por incumprimento do
prazo previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 1842.º do Código Civil. O Supremo
Tribunal de Justiça, em recurso de revista, veio a formular um juízo de
inconstitucionalidade relativamente à referida disposição legal, recusando a sua
aplicação no caso concreto. Essa decisão foi revogada (no que à questão e
constitucionalidade respeita) pelo acórdão n.º 589/2007 deste Tribunal, que não
julgou inconstitucional a referida norma.
Reformando a decisão (n.º 2 do artigo 80.º da LTC), por acórdão de 27 de Março
de 2008, o Supremo Tribunal de Justiça continuou a negar a revista, mas agora
com base no entendimento de que a prova dos factos integradores do decurso do
prazo preclusivo do exercício do direito de impugnação, sendo uma excepção
peremptória, compete aos demandados.
B. (a mãe da menor cuja paternidade é impugnada) interpôs recurso para o
Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC,
da nova decisão do Supremo Tribunal de Justiça, pretendendo ver apreciada a
inconstitucionalidade das normas do n.º 2 do artigo 1839.º e da alínea a) do n.º
1 do artigo 1842.º do Código Civil, quando interpretadas no sentido de que o
ónus da prova dos factos integradores do decurso do prazo preclusivo do
exercício do direito de acção de impugnação da paternidade compete aos
demandados.
2. Admitido o recurso e prosseguindo para alegações, a recorrente
sustenta as seguinte conclusões:
“A) A questão fundamental colocada no presente recurso é assim a de saber se é
ou não inconstitucional a norma resultante da conjugação do n.º 2 do artigo
1839.º com a al. a) do n.º 1 do art.º 1842.º ambos do C.C. quando interpretadas
no sentido de que a prova dos factos integradores do decurso do prazo preclusivo
do exercício do direito de acção de impugnação de paternidade é uma excepção
peremptória cuja prova compete aos demandados desonerando totalmente o
impugnante da paternidade de ter de alegar e de provar que exerce o seu direito
de acção tempestivamente, no prazo estabelecido na al. a) do n.º 1 do art.º
1842.º do C.C.;
B) Face às normas conjugadas dos art.ºs 298.º, n.º 2, 331.º, n.º 1, 333º, n.º 1,
342.º, n.º 1, 343.º, n.º 2, parte final, 354º, al. b), 353.º e 1842.º, n.º 1 al.
a), todos do C.C. terá de se reconhecer que o impugnante intentou a acção para
além do prazo estabelecido no art.º 1842.º, n.º 1 al. a) do CC e de que nenhuma
prova efectuou de ter instaurado a acção dentro daquele prazo;
C) Fazer impender sobre os demandados (contra lei expressa) o ónus da
contraprova de factos que a lei (legitimamente) considera integrantes e
condicionantes do exercício do direito do autor, sem impor ao autor/impugnante o
correspectivo ónus da prova desses factos integradores (que se encontra em juízo
no prazo de 2 anos a contar da data em que teve conhecimento de factos ou
circunstâncias de que possa concluir-se a sua não paternidade), é subverter por
completo as regras do direito vigente, subverter o princípio da segurança
jurídica e impor um ónus desproporcionado e injustificado sobre os demandados,
sendo por tal inconstitucional face ao art.º 18º, n.º 2 da Constituição da
República Portuguesa;
D) Tal entendimento equivalerá a fazer entrar pela janela aquilo a que se fechou
a porta, ou seja, o ónus da prova injustificadamente e desadequadamente
desproporcionado assim imposto aos demandados equivale a uma confissão proibida
em sede de direitos indisponíveis (art.º 354.º, al. b) do C.C.) porque o
impugnante fica completamente desonerado da prova do disposto na al. a) do n.º 1
do art.º 1842.º do C.C.;
E) Por via do entendimento do acórdão recorrido fica aberta a porta a todas e
quaisquer impugnações de paternidade, mesmo aquelas que violem os interesses da
segurança jurídica e da proibição da instrumentalização da acção (porque
instauradas muito para lá do prazo legal e a bel-prazer), o que não é claramente
o propósito da Lei nem da Constituição da República Portuguesa, criando-se assim
a maior insegurança jurídica no domínio das relações pessoais de paternidade,
podendo afirmar-se que o estabelecimento do prazo da al. a) do art.º 1842.º não
será mais do que letra morta.
F) Fazer impender unicamente sobre os demandados a prova da intempestividade da
acção intentada pelo impugnante, desonerando este totalmente do ónus da alegação
e prova da tempestividade do exercício do seu direito, ou presumindo mesmo essa
tempestividade face à al. a) do n.º 1 do art.º 1842º, é uma interpretação
profundamente violadora dos princípios da proporcionalidade e da adequação
constitucionalmente consagrados no art.º 18.º, n.º 2 da CRP conjugados com os
princípios da segurança jurídica corolário do Estado de Direito nomeadamente em
sede de direitos pessoais e indisponíveis e com os interesses em jogo nesta em
sede, como sejam, entre outros, o da segurança jurídica, o do perigo de
instrumentalização da acção, o da protecção da família conjugal, que legitimam a
admissibilidade constitucional de condicionalismos aceitáveis ao direito
fundamental à identidade pessoal.”
O recorrido A. sustenta que “não há divergência ou
inconstitucionalidade na conjugação do nº 2 do art. 1839.º com a al. a) do art.
1842.º CC, já que ambos os preceitos têm que observar a regra contida no art.
342.º, nºs 1 e 2 CC”.
O Ministério Público alegou, sustentando que é manifestamente
deslocada a argumentação da recorrente em torno da “presunção da tempestividade”
do direito de impugnar ou da inadmissibilidade da confissão neste domínio, tendo
concluído que as normas que integram o objecto do presente recurso – traduzindo
aplicação da regra geral que, em sede de ónus probatório, está prevista no n.º 2
do artigo 324.º do Código Civil –, colocando a cargo dos demandados que invocam
a excepção peremptória de caducidade o ónus de demonstração de que o impugnante
havia adquirido o conhecimento ou a cognoscibilidade sobre os factos em que
radica a sua provável não paternidade biológica mais de dois anos antes da
propositura da acção não violam os princípios constitucionais da segurança
jurídica e da proporcionalidade.
II – Fundamentos
3. Pelo Acórdão nº 589/07, ficou definitivamente resolvida, neste
processo, a questão da constitucionalidade da norma do artigo 1842.º, n.º 1,
alínea a) do Código Civil no que respeita à sujeição da acção de impugnação de
paternidade por parte do marido da mãe ao prazo de caducidade aí previsto, só
podendo este intentar a acção “no prazo de dois anos contados desde que teve
conhecimento de circunstâncias de que possa concluir-se a sua não paternidade”.
O Tribunal entendeu que o prazo definido no artigo 1842º, n.º 1, alínea a), para
a impugnação da paternidade por parte do pai presumido, contando-se a partir do
conhecimento pessoal de factos que indiciem a inexistência de um vínculo real de
filiação, é razoável e adequado à ponderação do interesse acerca do exercício do
direito de impugnar, sendo idóneo para permitir avaliar todos os factores que
podem condicionar a decisão. Controverte-se agora, por iniciativa da mãe da
menor cuja paternidade é impugnada, a questão da repartição do ónus da prova no
que se refere à demonstração do facto a partir do qual se inicia a contagem
desse prazo.
O Supremo considerou que incidia sobre os demandados o ónus de provar que o
termo inicial de tal prazo tinha ocorrido em momento temporal tal que tornasse
intempestiva a propositura da acção: estando em causa uma “excepção
peremptória”, a prova dos factos integradores do decurso do prazo preclusivo do
exercício do direito à impugnação – extinguindo, quando demonstrado, o direito
do autor – compete aos demandados.
Este entendimento não é mais do que a aplicação ao domínio das acções de
filiação do regime geral prescrito no n.º 2 do artigo 343.º do Código Civil: nas
acções que devam ser propostas dentro de certo prazo a contar da data em que o
autor teve conhecimento de determinado facto, cabe ao réu a prova de o prazo já
ter decorrido, salvo se for outra a solução especialmente consignada na lei.
Considerou o Supremo que nenhum desvio a tal regra é introduzido pelos preceitos
atinentes ao prazo de propositura das acções de impugnação da paternidade. Pelo
contrário, refere o acórdão recorrido, o artigo 1839.º, n.º 2, ao limitar o ónus
probatório do impugnante à demonstração da manifesta improbabilidade da
paternidade legalmente presumida do marido da mãe, parece apontar claramente no
sentido de que, também quanto ao prazo estabelecido na alínea a) do n.º 1 do
artigo 1842.º, se aplicará o critério da repartição do ónus probatório afirmado
pelo citado artigo 343.º, n.º 2.
No essencial, a recorrente sustenta que, assim interpretadas, as
normas da alínea a), do n.º 1 do artigo 1842.º e do n.º 2 do artigo 1839.º do
Código Civil violam “os princípios da proporcionalidade e da adequação
constitucionalmente consagrados no artigo 18.º, n.º 2 da CRP conjugados com os
princípios da segurança jurídica corolário do Estado de Direito nomeadamente em
sede de direitos pessoais e indisponíveis e com os interesses em jogo nesta em
sede”.
4. Deve começar por referir-se que não cabe na competência do Tribunal
Constitucional apreciar a alegada violação de disposições de direito ordinário
que a recorrente afirma decorrer da sujeição das acções de impugnação de
paternidade intentadas pelo presumido pai à regra de que cabe aos réus a prova
de que o autor tinha conhecimento há mais de dois anos de circunstâncias de que
pudesse concluir-se a sua não paternidade (vid. conclusão “B)” das suas
alegações de recurso).
Aliás, é manifestamente deslocada a argumentação da recorrente de que isso
equivale a admitir a confissão no domínio de direitos indisponíveis ou a
considerar que existe uma “presunção de tempestividade” no exercício do direito
de impugnar por parte do marido da mãe, porque nem uma coisa nem outra foram
afirmadas pelo acórdão recorrido ou são necessariamente implicadas pela solução
nele contida. E são realidades jurídicas diversas a confissão (artigo 352.º do
Código Civil) ou a admissão de factos por não terem sido impugnados (artigo
484.º do Código de Processo Civil) e a decisão da causa (ou de uma questão nela
controvertida) segundo as regras do ónus da prova. Por aqueles meios adquirem-se
factos relevantes; por este retiram-se as consequências jurídicas dos factos que
se consideram adquiridos.
Saliente-se, apenas, que ao aplicar a regra cuja constitucionalidade a
recorrente impugna, o acórdão recorrido não está, sequer, a dizer que a
caducidade não seja de conhecimento oficioso neste domínio. Limita-se a conceber
o decurso deste prazo como excepção material (facto extintivo do direito em
causa), em vez de conceber a sua observância como pressuposto positivo do
direito de impugnar a paternidade, e a aplicar a correspondente regra geral
perante a iliquidez do facto pertinente, fazendo recair a decisão desfavorável
do litígio sobre quem pretende paralisar o direito exercido.
5. A distribuição do ónus da prova, isto é, centrando-nos no momento
da decisão judicial, saber sobre quem deve recair a solução desfavorável do
litígio (ou de determinada questão ou aspecto do litígio) na hipótese de ficar
ilíquido o facto que integra determinada hipótese normativa (ónus de prova
objectivo), é fulcral na tutela dos direitos e interesses legalmente protegidos
pela via judicial.
Parece evidente que não pode pesar sobre quem exerce judicialmente um direito o
ónus da prova de todos os factos integradores da hipótese de todas as normas que
podem concorrer para as diversas alternativas congemináveis. Na maioria dos
casos não poderia o autor conseguir a efectivação da sua pretensão,
frustrando-se a realização objectiva do Direito se, além dos factos que são
pressuposto da norma em que essa pretensão se funda, sobre si impendesse o ónus
de demonstrar a inexistência de qualquer facto que invalidasse ou tornasse
ineficaz o direito exercido, isto é, se além dos factos constitutivos tivesse de
provar a inexistência de factos impeditivos, modificativos ou extintivos. Daí
que a regra geral seja a de que, em caso de dúvida, terão estes factos de
haver-se como inexistentes para os efeitos previstos na norma impeditiva ou
extintiva, em paridade com o que sucede, em igual circunstância, quanto aos
factos que constituem pressuposto da norma fundamentadora do direito.
O problema da distribuição do ónus da prova traduz-se, assim, em determinar
quais os elementos verdadeiramente constitutivos da norma fundamentadora do
direito invocado em juízo e os que, já fora dela, constituem elemento de uma
norma que se lhe oponha (contra-norma impeditiva, modificativa ou extintiva)
decidindo contra a parte a quem interesse no processo a aplicação da norma
constitutiva do direito ou da contra-norma (Cf. ARTUR ANSELMO DE CASTRO, Direito
Processual Civil, III, p. 352).
O artigo 342.º do Código Civil, impondo o ónus da prova dos factos impeditivos,
modificativos ou extintivos do direito invocado àquele contra quem a invocação
do direito é feita, aproxima-se do critério da normalidade. Quem invoca
determinado direito tem de provar os factos que normalmente o integram; quem se
oponha a essa pretensão terá de provar os factos anormais, que impedem ou
excluem a eficácia dos elementos constitutivos.
Um caso particular de aplicação deste sistema geral de repartição do ónus da
prova, cuja expressa previsão é explicado por preocupações de certeza e
segurança solucionando um problema controverso, é o do n.º 2 do artigo 343.º do
Código Civil, em que se estabelece que “nas acções que devam ser propostas
dentro de certo prazo a contar da data em que o autor teve conhecimento de
determinado facto, cabe ao réu a prova de o prazo ter já decorrido, salvo se
outra for a solução especialmente consignada na lei”.
Com efeito, neste tipo de acções poderia ser duvidoso se é o exercício do
direito potestativo dentro do prazo que constitui facto constitutivo
(pressuposto da norma que confere o direito) da pretensão do autor, ou se é o
não exercício deste direito dentro do prazo que se apresenta como facto
extintivo. Tendo isso presente e considerando a dificuldade da prova dos factos
negativos, o legislador optou por impor ao réu, como regra, o ónus da prova de
que o autor teve conhecimento do facto há mais tempo do que o que corresponde ao
prazo legal. O prazo de propositura da acção é perspectivado como um facto
extintivo.
Assim, o que o acórdão recorrido fez foi, afinal, interpretar a alínea a) do n.º
1 do artigo 1842.º e o n.º 2 do artigo 1839.º como não consagrando solução
especial com a consequente sujeição do juízo de caducidade destas acções à regra
geral do ónus da prova dos factos extintivos do direito.
6. O Tribunal já foi chamado a apreciar normas relativas à
caducidade das acções de impugnação de paternidade, além do acórdão n.º
589/2007, nos acórdãos n.º 609/2007 e n.º 279/2008. Nesses casos, o Tribunal
deparou-se com pretensões de inconstitucionalização dos prazos de propositura
dessas acções por confronto com o direito à identidade pessoal (artigo 26.º,
n.º1, da CRP), enquanto direito a conhecer a verdade sobre si próprio, incluindo
a sua origem ou continuação genética, e a poder representá‑la perante os outros,
no espaço juridicamente conformado. Pretendia-se que o decurso do tempo não
precludisse o estabelecimento da conformidade entre a realidade biológica e a
representação jurídica.
O Tribunal é agora confrontado com uma pretensão que, não sendo a
inversa daquelas porque não versa propriamente sobre o prazo (a sua existência,
duração, termo inicial ou final, modo de contagem) mas sobre a demonstração dos
factos que o desencadeiam, tem um móbil ou interesse determinante oposto.
Pretende-se, na prática, preservar a conformação jurídica da relação
(triangular) de filiação decorrente da presunção pater is est …, dificultando a
averiguação da sua desconformidade com a realidade biológica. Portanto, não há
que chamar o direito à identidade pessoal para resolução da questão de
constitucionalidade agora submetida a apreciação.
7. Deste modo, apenas importa saber se a aplicação, à contagem do prazo de
caducidade das acções de impugnação de paternidade, do regime geral, de que
incumbe aos réus a prova de que decorreu o prazo que a lei estabelece para a
propositura da acção, ou seja, de que o marido da mãe (o pai presumido) conhecia
há mais de dois anos circunstâncias de que pudesse concluir pela sua não
paternidade, viola os princípios constitucionais da segurança jurídica ou da
proporcionalidade. Princípios estes que a recorrente invoca, diga-se, sem uma
argumentação consistente como problema de direito constitucional.
Designadamente, não identifica um direito, liberdade ou garantia ou um direito
fundamental análogo relativamente ao qual o ónus em causa possa ser configurado
como medida restritiva.
Como a questão se apresenta, a solução legislativa em exame só poderia merecer
censura de inconstitucionalidade se não respeitasse o princípio da
proporcionalidade, enquanto princípio geral de limitação do poder público que
pode ancorar-se no princípio geral do Estado de Direito, impondo limites
resultantes da avaliação da relação entre os fins e as medidas públicas, devendo
o Estado (também o Estado‑legislador) adequar a sua acção aos fins pretendidos,
e não estatuir soluções desnecessárias ou excessivamente onerosas ou
restritivas.
Assim, estando esta opção normativa do legislador, como começamos por pôr em
evidência, em perfeita harmonia com arquitectura geral do sistema jurídico no
que concerne ao ónus da prova dos factos extintivos, para que a resposta a esta
questão fosse positiva seria necessário concluir que, pelas especialidades da
realidade que subjaz ao pressuposto dessa norma extintiva, os interessados são
colocados numa situação de quase absoluta impossibilidade prática de convencerem
o tribunal de que o pretenso progenitor já há muito tinha adquirido o
conhecimento – ou fora colocado perante uma situação de cognoscibilidade – de
que provavelmente não era o pai biológico da criança cuja paternidade lhe é
atribuída pela regra do artigo 1826.º do Código Civil (pater is est quem nuptiae
demonstrant).
Ora, é manifesto que tal situação não se verifica nas hipóteses do género
daquela que no presente processo se debate.
Desde logo, o que releva, o esforço probatório que fica a cargo dos demandados,
não é a demonstração positiva da íntima convicção pelo autor de que não é pai,
mas o conhecimento por este de factos que tornem cognoscível a impossibilidade
de uma paternidade biológica. Trata-se, na maior parte dos casos, de situações
de vivência familiar e de vicissitudes sofridas por esta, não sendo
particularmente difícil a demonstração, v.g., de que a ruptura da comunidade
conjugal ou situações de confronto entre os cônjuges, ocorrida em momento
facilmente determinável, tiveram na sua base, precisamente, as “dúvidas
fundadas” sobre a paternidade biológica por parte do marido. A demonstração
dessas situações ou episódios críticos não constitui, no comum das situações
deste tipo, a imposição aos demandados de um ónus probatório pesadíssimo e de
extrema dificuldade prática, contribuindo seguramente a proximidade familiar
entre todos os intervenientes na acção (o pai, a mãe e o filho) para facilitar a
invocação e demonstração, em termos naturalmente razoáveis e adequados, do
conhecimento pelo impugnante de factos susceptíveis de gerar dúvidas fundadas
acerca da sua paternidade, em período temporal determinável com razoável grau de
aproximação.
É, afinal, sempre mais fácil, comprometendo menos a realização do direito e
consequentemente a efectividade da tutela judicial, para o réu fazer a prova da
data em que o presumido pai teve conhecimento dos factos que infirmam a sua
paternidade, do que a este fazer a prova de não ter tido conhecimento desses
factos até certa data.
Por outro lado, estando em causa o apuramento da existência de um vínculo
biológico, naturalmente relevante em termos de definição das relações familiares
– e se é certo que, como se decidiu no anterior acórdão, tal relevância do
vínculo biológico não é suficiente para eliminar a figura da caducidade do
direito em causa –, compreende-se que deva incumbir aos demandados a infirmação
da tempestividade do exercício do direito de impugnar. Essa solução ainda é
compatível com a defesa contra o principal risco que derivaria da adopção de um
regime de total imprescritibilidade da
acção: o indefinido prolongamento da situação de indefinição acerca da
paternidade, com a possibilidade patológica de uso abusivo susceptível de
atingir a identidade social estabilizada do filho. Nestes casos, de utilização
manifestamente abusiva e injustificadamente tardia do direito de impugnar a
paternidade, não será seguramente difícil aos demandados trazer ao processo
elementos fácticos que indiciem que, em termos de normalidade, há muito que o
autor tinha adquirido o conhecimento da sua provável não paternidade biológica.
Em conclusão, trata-se de uma solução normativa que não é
desrazoável ou excessiva relativamente à defesa dos direitos de que cada uma das
partes no processo é portadora, pelo que não infringe os princípios do Estado de
direito e da proporcionalidade. A alternativa, de ser o impugnante a demonstrar,
em termos sustentáveis em juízo, que não tivera conhecimento, há mais de dois
anos, de factos que revelassem a ocorrência de situações que tornavam improvável
a sua paternidade é que seria desadequada por comportar, em último termo, a
difícil prova de factos negativos, podendo comprometer em grau intolerável e
injusto o direito de impugnar a paternidade.
Consequentemente, o recurso improcede, não se julgando
inconstitucional as normas do n.º 2 do artigo 1839.º e da alínea a) do n.º 1 do
artigo 1842.º do Código Civil, quando conjugadamente interpretadas no sentido de
que o ónus da prova dos factos integradores do decurso do prazo preclusivo do
exercício do direito de acção de impugnação da paternidade compete aos
demandados.
III- Decisão
Pelo exposto, decide-se negar provimento ao recurso e condenar a
recorrente nas custas, fixando a taxa de justiça em 25 (vinte e cinco) UCs, sem
prejuízo do benefício de apoio judiciário.
Lisboa, 11 de Fevereiro de 2009
Vítor Gomes
Carlos Fernandes Cadilha
Ana Maria Guerra Martins
Maria Lúcia Amaral
Gil Galvão