Imprimir acórdão
Processo n.º 923/08
3ª Secção
Relatora: Conselheira Ana Guerra Martins
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I – RELATÓRIO
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é
recorrente A. e recorrido o Ministério Público, a Relatora proferiu a seguinte
decisão sumária:
«I – RELATÓRIO
1. Nos presentes autos, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público,
foi interposto recurso, ao abrigo do artigo 280º, n.º 1, alínea b) da CRP e do
artigo 70º, n.º 1, alínea b) da LTC, do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça,
proferido, em 16 de Setembro de 2008 (fls. 632 a 663), posteriormente
complementado pelo acórdão, do mesmo Tribunal, proferido, em 29 de Outubro de
2008 (fls. 704 a 714), que indeferiu um pedido de reforma e de aclaração do
primeiro daqueles acórdãos.
Através do presente recurso, o recorrente pretende que seja apreciada a
constitucionalidade das seguintes interpretações normativas:
i) “artigo 50.º, n.º 1 do Código Penal quando este é
interpretado no sentido de possibilitar que a pena de cinco anos de prisão,
aplicada a um Arguido sem antecedentes criminais, actualmente com cinquenta e
cinco anos, social e familiarmente bem integrado, consubstanciando-se a sua
conduta num acto puramente isolado, não seja suspensa” (fls. 724);
ii) “artigo 50.º, do Código Penal, no sentido de não
aplicar, nem fundamentar a decisão de não suspensão da pena de prisão aplicada
de cinco anos, simplesmente não considerando as finalidades preventivas
especiais das penas e apenas se voltando e fundamentando a sua decisão nas
finalidades de protecção do bem jurídico em causa” (fls. 724).
Cumpre, então, apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
2. Mesmo tendo o recurso sido admitido por despacho do tribunal “a quo” (cfr.
fls. 731), com fundamento no n.º 1 do artigo 76º da LTC, essa decisão não
vincula o Tribunal Constitucional, conforme resulta do n.º 3 do mesmo preceito
legal, pelo que se deve começar por apreciar se estão preenchidos todos os
pressupostos de admissibilidade do recurso previstos nos artigos 75º-A e 76º, nº
2, da LTC.
Se o Relator verificar que não foram preenchidos alguns desses pressupostos,
pode proferir decisão sumária de não conhecimento, conforme resulta do n.º 1 do
artigo 78º-A da LTC.
3. A título introdutório, importa frisar que, ainda que apenas no § 15º do seu
requerimento, o recorrente faça alusão a uma alegada inconstitucionalidade não
só do artigo 50º do Código Penal, mas igualmente da norma extraída do artigo 70º
do mesmo diploma codificador, em momento algum do seu requerimento, o recorrente
delimita qual a interpretação normativa concretamente adoptada em relação ao
artigo 70º do Código Penal que considera inconstitucional.
Claro está que, caso não subsistissem outros fundamentos impeditivos do
conhecimento do objecto do recurso quanto a esta norma, a Relatora poderia
convidar o recorrente a concretizar qual a referida interpretação normativa,
mediante convite ao aperfeiçoamento, ao abrigo do n.º 6 do artigo 75º-A da LTC.
Porém, ao analisar o requerimento intitulado pelo recorrente de “reforma e
correcção” da decisão recorrida (cfr. fls. 666 a 680), verifica-se que aquele
nunca suscitou perante o tribunal “a quo” qualquer questão de
inconstitucionalidade normativa relativamente ao artigo 70º do Código Penal.
Assim, por força do n.º 2 do artigo 72º da LTC, sempre se afiguraria legalmente
inadmissível conhecer do objecto do recurso quanto a esta parte.
Assim sendo, vejamos então as questões de inconstitucionalidade normativa
colocadas a propósito do artigo 50º do Código Penal.
4. Começando pela primeira das questões colocadas pelo recorrente, importa notar
que aquele não coloca verdadeiramente em crise a constitucionalidade de qualquer
interpretação normativa, antes manifestando discordância quanto ao modo como a
decisão recorrida apreciou a personalidade e a conduta do agente para efeitos de
determinação da aplicação da medida excepcional prevista no n.º 1 do artigo 50º
do Código Penal. Sucede que este Tribunal não funciona como órgão de recurso
ordinário de decisões tomadas pelos tribunais recorridos, pelo que a avaliação
“in casu” e em concreto sobre a oportunidade (ou falta dela) de aplicação do
regime de suspensão da execução de pena encontra-se já decidida e transitada em
julgado.
Ademais, mal se compreende a invocação do n.º 4 do artigo 29º da CRP, na medida
em que a decisão recorrida deu conta da entrada em vigor de nova lei penal mais
favorável e, para além disso, decidiu aplicá-la ao caso dos autos (fls. 658 e
659). Sucedeu apenas que, mesmo aplicando a nova redacção do n.º 1 do artigo 50º
do Código Penal, a decisão recorrida concluiu pela impossibilidade de aplicação
àquele caso concreto, em função do não preenchimento dos demais requisitos da
suspensão da execução da pena privativa de liberdade.
Assim, na medida em que este Tribunal só dispõe de poderes para conhecer de
questões de inconstitucionalidade normativa, nos termos do artigo 79º-C da LTC,
decide-se pela impossibilidade de conhecimento do objecto do presente recurso,
quanto à sua primeira parte.
5. Quanto à questão relativa à inconstitucionalidade normativa do n.º 1 do
artigo 50º do Código Penal quando interpretado no sentido de que não seria
necessário fundamentar a decisão de não suspensão da pena privativa de
liberdade, apreciando a finalidade preventiva especial da pena, em função da
personalidade e conduta do agente, desde logo se verifica que a decisão
recorrida nunca aplicou tal interpretação normativa.
Conforme, aliás, já demonstrado pelo acórdão que indeferiu o pedido de reforma e
de aclaração (fls. 711 e 712), o acórdão recorrido analisou – de modo exaustivo
– a personalidade, as condições pessoais e a conduta do recorrente, antes de
optar pela não suspensão da execução da pena privativa de liberdade. É certo que
a decisão recorrida fez prevalecer o efeito dissuasor sobre a restante
comunidade jurídica – “finalidade de prevenção geral” –, considerando que “a
simples censura do facto e a ameaça de prisão [não] realizam de forma adequada e
suficiente as finalidades da prevenção” (cfr. n.º 1 do artigo 50º do Código
Penal). Resultando dessa ponderação que as finalidades da punição – note-se que
o legislador não se refere exclusivamente à finalidade de prevenção especial,
incluindo antes todas as finalidades das penas, incluindo as de prevenção geral
– impediam a suspensão da execução da pena privativa de liberdade, naquele caso
concreto.
Contudo, a decisão recorrida não se absteve de ponderar igualmente a função de
prevenção especial da pena. Desde logo, sistematicamente inserido no trecho
fundamentador da aferição da medida concreta da pena, a decisão recorrida
verifica a culpa em concreto do agente no facto praticado:
“Na verdade, trata-se de agente sem antecedentes criminais, com aparente
integração familiar, laboral e social (…), que comete o crime de tráfico já com
quarenta e sete anos de idade (…)
Isto é: a intervenção do arguido na cadeia deste (isolado) acto de tráfico –
embora elo necessário – não deixa de ser incidental no seu comum modo de vida,
inserindo-se (do seu ponto de vista embotado) na lógica da sua vida profissional
de «intermediário», prestador de serviços, aqui também movido «exclusivamente
pelo intuito de receber uma certa quantia pecuniária», indiferente aos valores
tutelados pelo Direito, mas aparentemente de fora dos específicos meandros do
tráfico” (fls. 656 e 657).
Porém, ainda que tivesse tido em consideração as características pessoais do
agente, a decisão recorrida considerou então que estas últimas não permitiam –
ainda assim – suspender a execução da pena privativa de liberdade, sob pena de
prejuízo incomportável para o fim de prevenção geral das penas. Vejam-se, a
título de exemplo, os seguintes excertos da decisão:
“(…) é em função de considerações exclusivamente preventivas, prevenção geral e
especial, que o julgador tem de se orientar na opção pela pena de suspensão de
execução da prisão.” (fls. 661);
“Neste contexto, só em casos ou situações especiais, em que a ilicitude do facto
se mostre diminuída e o sentimento de reprovação social se mostre esbatido, será
admissível o uso do instituto da suspensão da execução da pena de prisão.” (fls.
662);
“Nesta conformidade, sendo que no caso vertente não estamos perante situação de
menor ilicitude e em que o sentimento de reprovação se mostre esbatido, há que
afastar a aplicação do instituto da suspensão da execução da pena,
independentemente de quaisquer considerações de prevenção especial.” (fls. 663).
Em síntese, apesar de dar por demonstrado que o recorrente era arguido primário
e familiar, social e laboralmente inserido, não se dedicando habitualmente ao
tráfico de estupefacientes, a decisão recorrida considerou que a finalidade de
prevenção geral não sairia suficientemente acautelada caso fosse suspensa a
execução da pena privativa de liberdade.
Fica, assim, bem ilustrada a não aplicação efectiva da interpretação normativa
reputada de inconstitucional pelo recorrente, pelo que mais não resta que
concluir pela impossibilidade legal de conhecimento do objecto do presente
recurso, por força do artigo 79º-C da LTC, também quanto a uma alegada
interpretação da norma a extrair do n.º 1 do artigo 50º do Código Penal que
permitisse a não aplicação do mecanismo de suspensão da execução de pena
privativa de liberdade sem que houvesse fundamentação relativa à personalidade,
às condições pessoais e à conduta do agente, ou seja, sem que se tivesse em
conta a finalidade de prevenção especial da pena.
III – DECISÃO
Nestes termos, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78º-A da Lei n.º 28/82,
de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de
Fevereiro, e pelos fundamentos supra expostos, decide-se não conhecer do objecto
do presente recurso.
Custas devidas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 7
UC´s, nos termos do n.º 2 do artigo 6º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de
Outubro.»
2. Inconformado com esta decisão, vem o recorrente reclamar, para a conferência,
contra a não admissão do recurso, nos termos que ora se sintetizam:
«I — Da celeridade da prolação da douta decisão sumária:
1º - Por douto despacho de fls. 731, proferido pelos Venerandos Juízes
Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça em 19 de Novembro de 2008,
notificado ao Arguido/Recorrente, ora Reclamante, no dia 24 de Novembro de 2008,
foi, face à alegada excepcionalidade, admitido o recurso para este Tribunal
Constitucional, iniciando-se o prazo de trinta dias para apresentação das
alegações, nos termos do disposto no artigo 79º, da supra referenciada Lei de
Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei n28/82, de
15/11).
2º - Em conformidade, o ora Reclamante apresentou as suas alegações, junto do
Supremo Tribunal de Justiça, devidamente dirigidas ao Tribunal Constitucional,
no último dia de prazo, ou seja, no dia 06 de Janeiro de 2009, através de fax,
enviado pelas 17h:55m, remetendo, no dia seguinte, os respectivos duplicados
legais, por via postal registada com aviso de recepção.
3º - Duplicados legais que foram recebidos no Supremo Tribunal de Justiça, no
dia 08 de Janeiro de 2009, conforme data aposta respectivo aviso de recepção.
4º - Ora, não obstante o facto do Supremo Tribunal de Justiça ter recepcionado
as alegações de recurso, num total de vinte páginas, a submeter a apreciação e
decisão deste Tribunal Constitucional, bem como o facto dos duplicados legais
apenas terem sido recebidos, por este mesmo Supremo Tribunal de Justiça, em 08 e
Janeiro de 2009, constata-se que a decisão sumária foi proferida pela
Meritíssima Juiz Conselheira Relatora, no próprio dia de envio da alegações por
fax, ou seja, no dia 06 de Janeiro de 2009, após as 17h:55m (hora de envio), e
antes do envio dos respectivos duplicados legais.
5º - Criando, tal celeridade na prolação da douta decisão — forçosamente sumária
—, notificada ao Recorrente/Reclamante no dia 07 de Janeiro de 2009, com o
devido e sempre merecido respeito, necessária estranheza, estupefacção e mesmo
incredulidade.
6º - Factores que devem ser tomados em devida consideração e ponderados por esta
Conferência.
II— Da manifesta discordância quanto à proferida decisão sumária:
(…)
10º - Ora, tal com o devido respeito —, não corresponde, de todo, à verdade,
resultando claramente das alegações produzidas neste Tribunal Constitucional,
que o Recorrente/Reclamante suscitou a “apreciação da constitucionalidade do
artigo 50º., nº1, do Código Penal quando este é interpretado no sentido de
possibilitar que a pena de cinco anos de prisão, aplicada a um arguido sem
antecedentes criminais, actualmente com cinquenta e cinco anos, social e
familiarmente bem integrado, consubstanciando-se a sua conduta num acto
puramente isolado, não seja suspensa em violação do disposto no nº4, do artigo
29º, da C.R.P., assim como dos Princípios Constitucionais da Igualdade, com
consagração no artigo 13º, da Lei Fundamental, da Proporcionalidade, da
Adequação e da Justiça.”
11º - Colocando verdadeiramente em crise a constitucionalidade da interpretação
do artigo 50º, nº1, do Código Penal, dada pelo Supremo Tribunal de Justiça, e
não se limitando o Recorrente/Reclamante — ao contrário do plasmado na
fundamentação inserta na decisão proferida —, a manifestar a sua discordância
quanto ao modo como a decisão proferida apreciou a personalidade e conduta do
agente para aplicação desse mesmo normativo.
12º - Não tendo apenas sucedido que “a decisão recorrida concluiu pela
impossibilidade de aplicação àquele caso concreto, em função do não
preenchimento dos demais requisitos da suspensão da execução da pena privativa
da liberdade”, dado que todos os requisitos do artigo 50º., nº1, do Código
Penal, se encontravam verificados no caso concreto, impondo-se a sua aplicação.
13º - Na verdade, com a quantificação concreta da pena de prisão, reduzida a
cinco anos pelo Supremo Tribunal de Justiça, conciliada com a alteração do
artigo 50º, do Código Penal, em vigência desde 15/09/2007, e observado o
preenchimento de todos os requisitos que permitiam a aplicação da suspensão da
execução da pena, no caso concreto, impendia sobre o Supremo Tribunal de Justiça
o exercício de um poder-dever vinculado, e não um qualquer modelo de
discricionariedade, devendo a mesma ser decretada, na modalidade que fosse
considerada mais conveniente, sob pena de uma contrária interpretação se
encontrar inquinada de inconstitucionalidade.
14º - Isto porque, a jurisprudência (vide, entre outros, o Acórdão do Tribunal
da Relação de Lisboa de 29/11/2006, in www.dgsi.pt) tem entendido que, as penas
de prisão aplicadas em medida não superior a cinco anos devem ser, por principio
— e não excepcionalmente, como fundamenta a Meritíssima Juiz Conselheira
Relatora —, suspensas na sua execução, salvo se o juízo de prognose sobre o
comportamento futuro do agente se apresente claramente desfavorável, e a
suspensão for impedida por prementes exigências geral-preventivas, em feição
eminentemente utilitarista da prevenção. Constituindo o juízo prognóstico
favorável mais do que numa formulação radicalmente positiva, a ausência de
elementos ou de certezas que apontem para um juízo negativo sobre a suficiência
da simples ameaça da execução para obstar à prática de futuros crimes.
(…)
20º - Da mesma forma, impendia sobre este Tribunal Constitucional a obrigação
legal de conhecer da suscitada inconstitucionalidade normativa do nº1 do artigo
50º, do Código Penal quando interpretado no sentido de que não seria necessário
fundamentar a decisão de não suspensão da pena privativa da liberdade, dado
evidenciar-se que a decisão recorrida não apreciou da finalidade preventiva
especial da pena, em função da personalidade e conduta do agente.
21º - Nos termos do artigo 40º, do Código Penal, toda a pena serve finalidades
de prevenção: finalidades de prevenção geral que visam a protecção dos bens
jurídicos; e finalidades de prevenção especial que visam a reintegração e
sociabilização do agente na sociedade, evitando e prevenindo a reincidência.
22º - Assim, atentas tais finalidades das penas, existe a imposição legal e
jurisprudencial, ao abrigo da doutrina do Tribunal Constitucional, de
fundamentar a denegação da suspensão da execução da pena tendo em conta as
deveras e importantes considerações de prevenção especial de aplicação das
penas, sobretudo no que respeita à fundamentação do carácter desfavorável da
prognose — de que a censura do facto e a ameaça da pena realizam de forma
adequada e suficiente as finalidades de punição.
23º - O que não se observou na douta decisão recorrida, que simplesmente,
denegou a aplicação de suspensão da execução da pena de prisão, uma vez que, por
se tratar do tipo de crime de tráfico de estupefacientes, “há que afastar a
aplicação do instituto da suspensão da execução da pena, independentemente de
quaisquer considerações de prevenção especial”, sem mais.
24º - Deixando de ter qualquer valor a exposta teoria de que “toda a pena serve
finalidades exclusivas de prevenção, geral E especial”, inexistindo uma
alternativa quanto a essas mesmas finalidades, ou seja, as finalidades das penas
são de prevenção geral e especial e não de prevenção geral OU especial.
(…)
27º - Como foi referenciado na decisão da qual ora se reclama, efectivamente, o
acórdão recorrido analisou — de modo exaustivo —, a personalidade, as condições
pessoais e a conduta do recorrente mas não no que respeitou à decisão de não
aplicação de suspensão da execução da pena privativa da liberdade porque aqui,
não fez prevalecer o efeito dissuasor sobre a restante comunidade jurídica
(finalidade de prevenção geral), antes se cingiu única e exclusivamente às
finalidades de prevenção geral, podendo claramente ler-se na douta decisão que
“há que afastar a aplicação do instituto da suspensão da execução da pena,
independentemente de quaisquer considerações de prevenção especial.” (sublinhado
nosso).
28º - Sendo forçoso concluir que, no caso concreto, inexistiu a necessária
ponderação entre as finalidades das penas, não fundamentando o Supremo Tribunal
de Justiça que, atentas e ponderadas as finalidades preventivas especiais,
impediam a suspensão da pena privativa da liberdade.
29º - Ou seja, se para a determinação da medida da pena concreta a aplicar foi
considerado pelo Venerando Supremo Tribunal de Justiça que “não foi dado
particular relevo às exigências de prevenção especial” pelos Tribunais de
instância inferior, contrariamente ao exigido, entendeu que, em sede de
aplicação do instituto da suspensão da execução da pena ser de afastar
totalmente tais exigências de prevenção especial.» (fls. 790 a 800).
3. Notificado da reclamação, para os efeitos previstos no n.º 2 do artigo 77º da
LTC, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto em exercício neste Tribunal veio
pronunciar-se no seguinte sentido:
«1°
A presente reclamação é manifestamente improcedente.
2°
Na verdade, a argumentação do reclamante - que parece ignorar que, em processo
constitucional, as alegações do recurso são necessariamente produzidas perante
este Tribunal Constitucional, e apenas no caso de o processo alcançar essa fase,
por não ser proferida decisão sumária do relator — em nada abala os fundamentos
da decisão reclamada, no que toca à evidente inverificação dos pressupostos do
recurso.» (fls. 814)
Cumpre apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
4. Impõe-se uma primeira nota acerca da tramitação processual dos recursos de
constitucionalidade. Com efeito, não deve suscitar qualquer estranheza a
prolação de decisão sumária de não conhecimento do objecto de recurso interposto
perante o tribunal “a quo”, ainda que aquele haja sido recebido e remetido ao
Tribunal Constitucional, uma vez que da Lei de Organização e Funcionamento do
Tribunal Constitucional, resulta incontroverso que: i) o Relator junto do
Tribunal Constitucional mantém sempre a faculdade de rejeitar a admissão de
recurso, ainda que admitido pelo tribunal recorrido (artigo 76º, n.º 3, da LTC);
ii) a produção de alegações, em sede de recurso de constitucionalidade, apenas
ocorre perante o Tribunal Constitucional – e não perante o tribunal recorrido
(artigo 79º, n.º 1, da LTC); iii) a contagem do prazo para produção de alegações
é feita a partir da notificação do despacho do Relator junto do Tribunal
Constitucional que a determine (artigo 79º, n.º 2, da LTC).
Daqui decorre que as alegações entregues pelo ora reclamante junto do Supremo
Tribunal de Justiça (fls. 746 a 766) são extemporâneas, por não ter sido
proferido qualquer despacho pela Relatora junto do Tribunal Constitucional nesse
sentido, dando-se, portanto, como inatendíveis. De todo o modo, o respectivo
conteúdo sempre resultaria irrelevante para efeitos de decisão sumária, uma vez
que versam sobre o mérito da causa, enquanto que a decisão ora reclamada apenas
apreciou a falta de preenchimento dos pressupostos indispensáveis à apreciação
do objecto do recurso.
5. Feito o esclarecimento, resta apenas constatar que a reclamação deduzida não
é apta a colocar em crise a bondade da decisão reclamada.
Quanto à primeira alegada inconstitucionalidade do n.º 1 do artigo 50º do Código
Penal, reitera-se que o reclamante nunca colocou, de modo efectivo e preciso,
qualquer questão de inconstitucionalidade normativa – ou seja, de
desconformidade entre uma norma geral e abstracta, constante de lei ordinária,
com determinadas normas ou princípios constitucionais. Ao invés, o modo como o
ora reclamante configurou o objecto do seu recurso conduziria a que o Tribunal
Constitucional fosse forçado a proceder a uma subsunção dos factos alvo de prova
em primeira instância à concreta previsão legal constante do n.º 1 do artigo 50º
do Código Penal. Ora, o Tribunal Constitucional não dispõe deste tipo de
poderes, cabendo-lhe apenas sindicar da constitucionalidade das soluções
normativas adoptadas pelo legislador ou alvo de interpretação pelo julgador
ordinário.
Quanto à segunda alegada inconstitucionalidade do n.º 1 do artigo 50º do Código
Penal, repete-se o que já consta da decisão reclamada, ou seja, que não
corresponde à verdade expressa nos documentos constantes dos autos que a decisão
do tribunal “a quo” tenha omitido qualquer fundamentação relativamente à
finalidade de prevenção especial da pena. Pelo contrário, o que a decisão
recorrida nos presentes autos fez foi considerar que, independentemente das
concretas circunstâncias relativas à conduta e à personalidade do agente, estas
não afastariam a necessidade de prevenção geral que, por sua vez, impediria a
aplicação do mecanismo de suspensão da execução da pena. A simples circunstância
da aferição dessa conduta e personalidade do agente preceder, sistematicamente,
o trecho do acórdão que versa sobre a suspensão da execução da pena não
prejudica, de modo algum, esse entendimento, na medida em que as decisões
jurisdicionais corporizam um bloco uno e homogéneo de sentido, que só pode ser
verdadeiramente deslindado quando entendido na sua plenitude.
Em suma, não se vislumbram motivos justificativos para que seja reformada a
decisão sumária reclamada, sendo antes de confirmá-la naqueles precisos termos.
III – DECISÃO
Pelos fundamentos supra expostos, e ao abrigo do disposto no do n.º 3 do artigo
78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei
n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas devidas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC’s, nos
termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de Outubro.
Lisboa, 5 de Fevereiro de 2009
Ana Maria Guerra Martins
Vítor Gomes
Gil Galvão