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Processo n.º 840/08
3ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
Acordam, em conferência, na 3ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
A. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional do acórdão do Supremo
Tribunal de Justiça de 10 de Julho de 2008, ao abrigo do disposto no artigo 70º,
n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), pedindo a declaração
de inconstitucionalidade das normas dos artigos 459º, 463º, 562º e 762º, n.º 2,
do Código Civil e ainda a do artigo 1245º desse Código concatenada com as dos
artigos 159º e 161º da Lei do Jogo.
Por decisão sumária proferida ao abrigo do artigo 78º-A, n.º 1, da LTC,
entendeu-se ser de não tomar conhecimento do recurso com os seguintes
fundamentos:
Tendo o presente recurso sido interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do
artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, constitui seu pressuposto
processual a suscitação pelo recorrente, perante o tribunal recorrido, da
questão da inconstitucionalidade da norma ou interpretação normativa que submete
à apreciação do Tribunal Constitucional (cfr., ainda, o disposto no artigo 72º,
n.º 2, daquela Lei).
O recorrente pretende que o Tribunal Constitucional aprecie quatro
interpretações normativas, conforme se deduz do requerimento de interposição do
recurso de constitucionalidade: uma, reportada ao artigo 463º do Código Civil;
outra, reportada aos artigos 1245º do Código Civil e aos artigos 159º e 161º da
Lei do Jogo; outra, reportada ao artigo 463º, n.º 2, do Código Civil; outra, por
fim, não suficientemente identificada, mas reportada aos artigos 459º, 562º e
762º, n.º 2, do Código Civil.
Sucede, porém, que perante o tribunal ora recorrido o recorrente não suscitou a
inconstitucionalidade de qualquer norma ou interpretação normativa
(nomeadamente, a das indicadas no requerimento de interposição do recurso de
constitucionalidade), tendo, antes, imputado a inconstitucionalidade ao próprio
acórdão então recorrido (cfr. as conclusões das alegações da revista, acima
transcritas).
E, mesmo no requerimento de reforma do acórdão (peça processual em que, de
resto, sempre seria tardia a suscitação das questões de constitucionalidade ora
colocadas pelo recorrente, atendendo a que o poder jurisdicional do tribunal
recorrido já se havia esgotado: cfr. os artigos 666º do Código de Processo Civil
e 72º, n.º 2, da Lei do TC), o recorrente não identificou qualquer interpretação
normativa que, do seu ponto de vista, fosse inconstitucional.
Não cumpriu, assim, o recorrente o ónus de suscitação das questões de
inconstitucionalidade, o que, como se referiu, é exigido pelos artigos 70º, n.º
1, alínea b), e 72º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional. Por esse motivo,
não pode conhecer-se do objecto do presente recurso.
A isto acresce que a decisão recorrida contém uma fundamentação subsidiária, o
que torna inútil o conhecimento do objecto do presente recurso. Lê-se, na
verdade, no texto dessa decisão: “Sendo ao A. que competia a prova de que a
resposta dada era (sem qualquer dúvida) certa, porque circunstância constitutiva
do seu direito (artigo 342º nº 1), não o tendo feito, a acção deveria, também
por este prisma, improceder”.
Ou seja, mesmo que o Tribunal Constitucional apreciasse e julgasse procedentes
as questões de constitucionalidade colocadas pelo recorrente, tal não teria
qualquer influência no sentido da decisão recorrida - já que outro motivo existe
para que a mesma se mantenha -, redundando, pois, na inutilidade do presente
recurso, o que também obsta ao seu conhecimento.
O recorrente veio reclamar para a conferência nos seguintes termos:
1. A decisão sumária proferida e ora posta em crise decidiu não tomar
conhecimento do recurso por duas ordens de razões.
2. A primeira das quais foi entender que o recorrente não cumpriu o ónus de
suscitação das quest6es de inconstitucionalidade o que impede que se conheça do
objecto do presente recurso.
3. A segunda das razões invocadas é a inutilidade do recurso por entender que
existe uma fundamentação subsidiária no acórdão recorrido e que por isso a
decisão persistiria a mesma.
4. Com todo o respeito, que é muito, não podemos aceitar ou concordar com a
decisão sumária proferida.
5. Assim, e quanto à primeira das razões invocadas para não conhecer do objecto
do recurso, entende o Recorrente que suscitou a inconstitucionalidade da
interpretação/aplicação de normas.
6. Na verdade, na conclusão no 19 do recurso de revista disse o Recorrente o
seguinte:
O douto acórdão recorrido não interpretou a lei nem a aplicou em conformidade,
violando, assim, as normas constantes dos art°s 459º, 562°, 762°, n° 2, do CC, e
art°s 13°, 20º, n° 1 e 4, 37°, n.ºs 1 e 4, 73°, n°s 1 e 3, 86°, nº 1, e 204° da
CRP, que para os devidos efeitos legais desde já se invocam, não assacando os
correspondentes efeitos legais à matéria factual provada e às suas próprias
afirmações.
7. Atente-se que tratando-se as conclusões de um recurso o corolário síntese do
que foi alegado não há que expor as razões pelas quais se entende estarem
violadas as normas constitucionais, as quais estão, de resto, plasmadas nas
alegações.
8. Não se vislumbra como não está suscitada a inconstitucionalidade quando da
própria decisão sumário consta a transcrição das conclusões. - vide fls. 4.
9. Sendo certo que, não consta a invocação da inconstitucionalidade da
interpretação das normas dos arts 463° e 1245° do CC e 159° e 161º da Lei do
Jogo.
10. Mas não consta porque não foi matéria recorrida pela simples razão de o
Tribunal da Relação de Lisboa ter feito correcta aplicação e interpretação da
norma do art° 463° do CC e não ter aplicado, de todo, as normas do art° 1245° e
da Lei do Jogo.
11. Ou seja, crê o Recorrente que o ónus constante do art° 70°, n° 1, al. b), da
Lei do Tribunal Constitucional não obriga a incluir em sede de recurso o que aí
não esteja em causa, pretendendo-se com isto dizer que o ónus do Recorrente de
alegar e concluir não comporta o esgotar de todas as possíveis e absurdas
interpretações que se venham a fazer e que ainda não foram feitas.
12. No recurso de revista recorreu-se dos aspectos do acórdão da Relação que se
mostravam contrários à Lei aplicável e à interpretação conforme à Constituição e
não daqueles que estavam conformes.
13. Porém, como a aplicação da Lei do Jogo já havia sido pretendida por uma das
Rés aquando de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, já nessa altura,
anterior à produção de prova, o Recorrente havia invocado que a interpretação
dessas normas no sentido que lhe era dado era desconforme à Lei Fundamental.
14. De facto, a inconstitucionalidade da interpretação da norma do art. 1245° da
Lei do Jogo, foi invocada nas contra alegações de recurso da primeira revista
para o STJ, nas contra alegações do recurso de apelação e no requerimento de
reforma do acórdão dos STJ.
15. Doutro passo. a inconstitucionalidade da interpretação dada à norma do art.
463° do CC. foi suscitada na réplica, nas alegações de recurso para o TRL, que
de resto, a reconheceu, nas contra alegações produzidas para o TRL, nas
alegações do recurso de revista e no requerimento de reforma da acórdão.
16. Pelo que, estando tal aplicação/interpretação do art° 463° do CC conforme à
Constituição não havia razão para o recorrente a invocar no último recurso de
revista.
17. claro que foi surpreendido com a interpretação e aplicação das normas que o
Supremo fez, razão pela qual requereu a reforma do acórdão e aí chamou a atenção
para estas questões, já amplamente suscitadas e debatidas nos autos.
18. Note-se que se chegou ao cúmulo de o Tribunal da Relação de Lisboa em
acórdão proferido nestes autos ter julgado tal interpretação inconstitucional.
19. Pelo exposto, é entendimento do ora recorrente que as questões de
inconstitucionalidade de interpretação e aplicação de normas foram suscitadas e
dissecadas no processo, tendo sido arguidas no recurso de revista, as que aí
estavam em causa, e as demais anteriormente e no requerimento de reforma.
20.be modo que mostrando-se preenchido e respeitado o escopo das normas
constantes dos art°s 70º, n° 1, al. b), da Lei do Tribunal Constitucional, o
recurso interposto deve ser admitido.
21. A segunda das razões invocadas na decisão sumária falece porquanto resulta a
mesma de visão parcial do processo, na medida em que tal asserção olvida que se
trata de interpretação de facto que concatenada com os demais factos provados, o
regulamento do concurso e a interpretação conforme à Constituição que se visa
com o presente recurso sempre soçobrará.
22.Pois, o que constava do regulamento era que a cada pergunta correspondia uma
só resposta certa. Sem invocação de qualquer fonte donde fossem extraídas as
perguntas e respostas.
23.0 que resulta dos factos provados, incluindo de fonte indicada pela Ré B. ao
ora reclamante, é que a resposta Tarja era a correcta.
24.Mas o simples facto de à mesma questão serem possiveis duas respostas já
constituía violação do regulamento e das regras do concurso, pelo que esta
asserção de facto e fundamentação subsidiária sempre soçobrará.
25. Por outro lado, a rejeição do recurso baseada neste efeito de «inutilidade»
olvido a hipótese de recurso de revisão, previsto e possível nos termos do
Código de processo Civil.
26. Mais, se nos é permitido o desabafo, olvida igualmente a necessidade de
justiça e verdade que constituem alicerce do ordenamento jurídico português e do
Estado Social de Direito.
27. Termos em que deve ser dado provimento à reclamação que ora se apresenta e
conhecer-se do objecto do recurso prosseguindo o processo os seus termos, de
acordo com o art° 78°-A, n° 5, da Lei do Tribunal Constitucional.
A recorrida B., Lda. respondeu propugnando pelo indeferimento da reclamação
Cabe apreciar e decidir.
II. Fundamentação
O relator proferiu decisão sumária no sentido do não conhecimento do recurso por
entender, em primeira linha, que o recorrente não tinha cumprido o requisito
processual da suscitação da questão de constitucionalidade no decurso do
processo e tinha antes imputado o vício de inconstitucionalidade, em sede de
recurso, à própria decisão recorrida.
O recorrente insurge-se contra o assim decidido, dizendo que cumpriu o ónus de
suscitação e que o fez através da conclusão 19ª das alegações do recurso de
revista, que é do seguinte teor:
O douto acórdão recorrido não interpretou a lei nem a aplicou em conformidade,
violando, assim, as normas constantes dos art°s 459º, 562°, 762°, n° 2, do
Código Civil, e art°s 13°, 20º, n°s 1 e 4, 37°, n.ºs 1 e 4, 73°, n°s 1 e 3, 86°,
nº 1, e 204° da CRP, que para os devidos efeitos legais desde já se invocam, não
assacando os correspondentes efeitos legais à matéria factual provada e às suas
próprias afirmações.
Ora, esse excerto é justamente demonstrativo de que o recorrente não identificou
uma questão de constitucionalidade normativa e limitou-se a imputar ao próprio
acórdão que era objecto de recurso de revista a violação de determinadas
disposições constitucionais, o que logo evidencia a completa falta de fundamento
da reclamação.
De facto, o artigo 70º, n.º 1, alínea b), da LTC define o objecto do recurso
para o Tribunal Constitucional como sendo a norma ou a interpretação normativa
que tenha sido aplicada pela decisão recorrida, o que implica que a parte deva
suscitar a questão de constitucionalidade de modo processualmente adequado
perante o tribunal que a tenha proferido, em termos de este estar obrigado a
dela conhecer (artigo 72º, n.º 2), não bastando a mera invocação, nas alegações
de recurso, de que a decisão judicial de que se pretende recorrer infringe, ela
própria, certo princípio ou norma constitucional.
Esta constatação é igualmente válida para o que vem alegado nos n.ºs 9 a 17 da
reclamação.
O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça não faz qualquer abordagem das questões
de constitucionalidade relativas aos artigos 1245° da Lei do Jogo e 463° do
Código Civil, que o reclamante afirma terem sido suscitadas em diversas peças
processuais, e isso constitui a necessária decorrência de tais questões não
terem sido invocadas no âmbito do recurso de revista, prevenindo a necessidade
da sua apreciação quando viesse a ser julgado procedente o recurso interposto
pela contraparte e se verificasse por isso uma inflexão do julgamento no plano
infra-constitucional.
Tendo-se abstido de suscitar essas questões em sede de recurso de revista, o
recorrente deixou de cumprir o ónus processual de que dependia a possibilidade
de ulterior impugnação do julgado perante o Tribunal Constitucional, na medida
em que obstou a que o tribunal de revista ficasse confrontado com as questões de
constitucionalidade e sobre elas tivesse de se pronunciar.
A reclamação é igualmente improcedente no que se refere ao segundo fundamento
pelo qual se considerou, na decisão sumária, não ser possível o conhecimento do
objecto do recurso.
Na decisão recorrida, depois de se terem analisado os diversos aspectos
jurídicos que estavam em apreciação, acrescentou-se ainda o seguinte:
Por outro lado e finalmente, não está inequivocamente demonstrado que a resposta
que o A. deu à questão, seja certa e a considerado pela produção do programa
esteja errada. Ou seja, que a resposta «…» esteja correcta e a resposta «…» seja
incorrecta. É que, através dos factos dados como provados, apenas se poderá
dizer que existem elementos documentais que indiciam ser certa a resposta dada
pelo A. (sendo estes, na realidade, os mais numerosos), mas existem outros,
concretamente os utilizados pela produção do programa, que denunciam ser errada
a resposta do A.. (vide factos referidos sob os nºs 12 e p)).
Sendo ao A. que competia a prova de que a resposta dada era (sem qualquer
dúvida) certa, porque circunstância constitutiva do seu direito (artigo 342º nº
1), não o tendo feito, a acção deveria, também por este prisma, improceder.
É certo que se provou na 1ª instância que a resposta que o A. deu era a de maior
grau de certitude das possíveis, corresponde ao resultado das buscas mais
fiáveis e criteriosas e pode com elevada segurança dar-se como a correcta.
Porém, como se vê do acórdão recorrido, esta resposta (dada ao quesito 13º) 2
considerou-se como não escrita, porque excedeu a pergunta em si, foi excessiva e
socorreu-se de factos não carreados pelo processo pelas partes. Em substituição
da resposta dada, na Relação considerou-se o facto indagado como «provado», pelo
que ficou assente que o A. continua convicto que a resposta que deu estava certa
e era correcta, circunstância absolutamente irrelevante para a questão de se
saber e de se poder afirmar que a resposta do A. foi, realmente, certa e a
considerada pela produção do programa foi errada.
Deve, assim, conceder-se a revista aos recursos dos RR. e negar-se a revista ao
recurso do A., revogando-se o acórdão recorrido.
É assim evidente que o tribunal de recurso ponderou um outro fundamento que foi
determinante para a procedência dos recursos das rés e a improcedência do
recurso do autor.
Não compete ao Tribunal Constitucional, por outro lado, controlar o modo como a
matéria de facto foi apurada pelas instâncias ou as ilações de direito que delas
retirou o tribunal de recurso ou sequer controlar o mérito da decisão recorrida.
O Tribunal Constitucional não pode formular, por conseguinte, qualquer juízo
crítico quanto às considerações expendidas pelo tribunal recorrido e apenas tem
de acolher a solução jurídica adoptada como um dado processual.
Tendo em conta o carácter de instrumentalidade do recurso de
constitucionalidade, a consideração de um outro fundamento para o desfecho da
causa (não dependente da aplicação das normas que são arguidas de
inconstitucionalidade) gera necessariamente a inutilidade da lide e é também
razão bastante para que se não conheça do objecto do recurso.
Por tudo, nenhum motivo há para alterar o julgado.
III. Decisão
Nestes termos, acordam em indeferir a reclamação.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.
Lisboa, 11 de Fevereiro de 2009
Carlos Fernandes Cadilha
Maria Lúcia Amaral
Gil Galvão