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Processo n.º 960/08
2ª Secção
Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro
Acordam, em conferência, na 2ª secção do Tribunal Constitucional
I - Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos
do Supremo Tribunal de Justiça, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério
Público, o relator proferiu decisão sumária de não conhecimento do objecto do
recurso, com o seguinte teor:
«[…] 1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é
recorrente A. e recorrido o MINISTÉRIO PÚBLICO, foi interposto recurso de
constitucionalidade, nos seguintes termos:
“A., recorrente nos autos acima referenciados, não se conformando com a douta
decisão que lhe foi notificada, vem, com efeito suspensivo e subida nos próprios
autos, dela interpor recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo da alínea
b) do n.° 1 do art.° 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do
Tribunal Constitucional, por violação dos princípios constitucionais consagrados
no art.° 30.° n.° 4 da CRP.”
2. Não obstante as omissões de que padece o requerimento de interposição de
recurso, verifica-se, de forma evidente, que não estão reunidos os pressupostos
necessários ao conhecimento do objecto do recurso. O que torna inútil o convite
ao aperfeiçoamento daquele requerimento e justifica a prolação de decisão
sumária, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A da Lei da Organização,
Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC).
De facto, o recorrente não suscitou, no decurso do processo, perante o tribunal
recorrido, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa que possa agora
ser objecto de um recurso de constitucionalidade. Nas conclusões da motivação do
recurso que apresentou junto do Supremo Tribunal de Justiça, o recorrente
limitou-se a imputar a violação de preceitos constitucionais à decisão
condenatória recorrida, ou melhor, à pena por esta aplicada (cfr. conclusão 19.,
a fls. 592 dos autos).
Como a jurisprudência constitucional tem reiteradamente salientado, o recurso de
constitucionalidade só pode ter por objecto normas ou determinadas
interpretações normativas, e não a própria decisão judicial.
O incumprimento do ónus de suscitação que incumbia ao recorrente, nos termos do
n.º 2 do artigo 72.º da LTC, impede, só por si, o conhecimento do objecto do
recurso.
3. Pelo exposto, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, decide-se não
conhecer do objecto do recurso. [….]»
2. Notificado da decisão, o recorrente veio reclamar para a conferência, ao
abrigo do artigo 78.º-A, n.º 3, da LTC, com os seguintes fundamentos:
«[…] 1. Na referida decisão sumária referiu-se, em suma, que “não
obstante as omissões de que padece o requerimento de interposição de recurso,
verifica-se, de forma evidente, que não estão reunidos os pressupostos
necessários ao conhecimento do objecto do recurso”.
2. Ora, não tendo sido dirigido ao Recorrente qualquer convite de
aperfeiçoamento não dispõe esse Douto Tribunal, s.m.o., de elementos suficientes
para decidir como decidiu.
3. Pelo que deverá, antes de mais, ser dado cumprimento ao previsto nos n.°s 5 e
6 do art.° 75.°-A da LTC.
4. De qualquer forma, sempre se dirá que, com a pena aplicada ao arguido é
excessiva e consubstancia violação dos art.°s. 70.° e 71.° do C.P., pois a sua
determinação, deverá respeitar os critérios estabelecidos nos referidos artigos,
onde a culpa concreta é o máximo de condenação, cujas finalidades das penas,
baseando-se em medidas de prevenção geral e especial, visam a protecção dos bens
jurídicos, mas também a reintegração do agente na sociedade, a sua
re-socialização e reabilitação.
5. A interpretação das disposições acima referidas deverá ser feita tendo em
conta o disposto no art.° 30.° n.°4 da CRP e 65.° n.°1 do CP (“nenhuma pena
envolve como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis,
profissionais ou políticos”);
6. Com a referida pena, e porque o arguido é de Cabo Verde e não tem
significativas ligações a Portugal, interrompe-se por completo as suas relações
sócias, familiares e profissionais, contrariando-se, assim, o disposto nos
referidos art.° 30.° n.°4 da CRP e 65.° n.°1 do CP, uma vez que o arguido ficará
impossibilitado de melhorar a sua vida, e é a liberdade — o maior bem jurídico a
proteger — que lhe é tolhida.
7. O doseamento da pena arbitrado pelo Douto Tribunal a quo denuncia uma nítida
violação do princípio da proporcionalidade das penas.
8. Estão, assim, reunidas as condições de facto e de direito para uma efectiva
redução da pena, de modo a impedir a continuidade da reclusão do arguido — que
já cumpriu mais de dois anos de prisão preventiva -, tendo em conta a violação
dos princípios constitucionais acima referidos, (já suscitado durante o processo
— al. b), do n.° 1 do artigo 70.° da Lei do TC), na interpretação dada às normas
acima identificadas.
9. O recurso para Tribunal Constitucional, depois de esgotados todos os recursos
ordinários, é o único meio de recurso sempre que a interpretação/aplicação de
determinadas normas contrarie o disposto na CRP.
10. Foi o que ora fez o Recorrente, alegando a inconstitucionalidade motivada
pelo sentido em que foram aplicadas as referidas normas, de resto já suscitada,
nos vários recursos que apresentou.
11. Esgotados os recursos ordinários, o Recorrente apenas tem condições de ver
apreciada a inconstitucionalidade das normas interpretadas no sentido em que o
foram, por via do presente recurso,
Nestes termos e no mais de direito, deve a presente Reclamação ser atendida,
seguindo o recurso a sua normal tramitação, com o objectivo de ser apreciada a
inconstitucionalidade da interpretação dada às normas indicadas .»
3. O representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional
respondeu nos seguintes termos:
«1º
A presente reclamação é manifestamente improcedente
2º
Na verdade, a argumentação do reclamante − que confunde os planos das
deficiências formais do requerimento de interposição de recurso e da falta de
pressupostos processuais obviamente insuprível − em nada abala os fundamentos da
decisão reclamada, no que toca à evidente inverificação dos pressupostos do
recurso interposto.»
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
4. É manifesta a improcedência da presente reclamação.
Não obstante a falta de requisitos do requerimento de interposição do recurso
(que não é confundível com os pressupostos do próprio recurso) os elementos dos
autos revelam, sem margem para dúvidas, que não estão reunidos os pressupostos
necessários ao conhecimento do objecto do recurso.
É, por isso, inútil qualquer convite ao aperfeiçoamento do requerimento de
interposição do recurso.
Como se refere na decisão reclamada, o reclamante não suscitou, no decurso do
processo, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa idónea a
constituir objecto do recurso de constitucionalidade. Pois não imputou a
inconstitucionalidade a uma norma ou interpretação normativa, mas antes
questionou a própria decisão condenatória, ou seja, a decisão do tribunal
recorrido de aplicação do direito ao caso concreto.
Esta conclusão é confirmada pelo teor da presente reclamação, em cujos pontos 4.
a 8. o reclamante persiste em imputar o vício de inconstitucionalidade à própria
decisão condenatória (à medida da pena por esta aplicada).
Sendo o recurso de constitucionalidade estritamente normativo, é evidente que o
Tribunal Constitucional não pode conhecer do presente recurso.
Deve, por isso, manter-se a decisão sumária reclamada.
III. Decisão
Pelo exposto, acordam em indeferir a presente reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 13 de Janeiro de 2009
Joaquim de Sousa Ribeiro
Benjamim Rodrigues
Rui Manuel Moura Ramos