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Processo n.º 763/08
3ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
Acordam, em conferência, na 3ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
Nos presentes autos de processo crime, em que foi pronunciado pela prática de um
crime de injúria agravada, A. veio arguir a nulidade da sentença da primeira
instância, por falta de notificação do defensor do arguido para a audiência de
julgamento.
Por acórdão de 16 de Dezembro de 2005, o Tribunal da Relação de Évora indeferiu
a nulidade, por considerar, em síntese, que a alegada falta de notificação do
defensor do arguido para a audiência de julgamento constituía mera
irregularidade que deveria ter sido invocada pelo interessado nos termos do
artigo 123° do Código do Processo Penal (CPP), acrescentando ainda que o poder
jurisdicional da Relação se encontrava esgotado quanto à matéria do recurso, nos
termos do artigo 666º, n.º 1, do Código de Proceso Civil.
A. recorreu então para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.°
1 do art.º 70º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, declarando pretender ver
apreciada a inconstitucionalidade das normas dos artigos 61.º, n.º 1, alínea d),
63.º, n.º 1, 64.º, n.º 1, alínea d), 66.º, n.° 1, 119.º, n.º 1, alínea c),
122.º, 410.º e 426.º todos do Código de Processo Penal, com a interpretação com
que foi aplicada na decisão recorrida, por tais normas violarem os artigos 13.º,
20º e 32.º, n.° 1, 2 e 3, da Constituição.
Por decisão sumária proferida ao abrigo do artigo 78º-A da LTC, entendeu-se ser
de não tomar conhecimento do recurso com os seguintes fundamentos:
Tendo o presente recurso de constitucionalidade sido interposto ao abrigo da
alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, constitui
seu pressuposto processual a suscitação, perante o tribunal recorrido e de modo
processualmente adequado, da questão da inconstitucionalidade da norma ou
interpretação normativa cuja conformidade constitucional se pretende que o
Tribunal Constitucional aprecie (cfr., ainda, o artigo 72º, n.º 2, da Lei do
Tribunal Constitucional).
Este pressuposto processual não se encontra, no presente caso, preenchido, pois
que perante o tribunal recorrido limitou-se o recorrente a censurar, sob o ponto
de vista da sua constitucionalidade, uma determinada interpretação de certos
preceitos do Código de Processo Penal, sem todavia explicitar qual era essa
interpretação, isto é, sem identificar o respectivo conteúdo.
Não suscitou assim o recorrente, perante esse tribunal, qualquer questão de
inconstitucionalidade de modo processualmente adequado, o que significa que não
pode conhecer-se do objecto do presente recurso, por falta de cumprimento do
ónus de suscitação a que se referem os artigos 70º, n.º 1, alínea b), e 72º, n.º
2, da Lei do Tribunal Constitucional.
A isto acresce que a decisão recorrida se limitou a aplicar a norma do artigo
123º do Código de Processo Penal e a do artigo 666º, n.º 1, do Código de
Processo Civil (ex vi do artigo 4º do Código de Processo Penal) e são outros os
preceitos legais que o recorrente identifica no requerimento de interposição do
recurso de constitucionalidade.
Ora, constituindo também pressuposto processual do presente recurso a aplicação,
na decisão recorrida, das normas que o recorrente submete à apreciação do
Tribunal Constitucional (cfr. o artigo 70º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal
Constitucional), conclui-se que, igualmente por este motivo, não é possível
conhecer do recurso.
É contra esta decisão que vem deduzida reclamação para a conferência, em que o
recorrente, reproduzindo tudo quanto consta da peça processual pela qual arguiu
a nulidade de sentença, e que foi já transcrito na decisão sumária, alega o
seguinte:
Por conseguinte, quando o arguido alega, que:
»Nos termos do n.° 1 do artigo 119º do Código de Processo Penal, constituem
nulidades insanáveis, que devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase do
processo, a ausência do arguido ou do seu defensor, nos casos em que a lei
exigir a respectiva comparência.
«Por força do art.° 64°. n.° 1. alínea b) é obrigatória a assistência do
defensor na audiência de julgamento.
«Logo. ao realizar-se a audiência de julgamento em 21/10/2002, sem a presença do
defensor do arguido. Dr. Luís Pontes, porque obrigatória, cometeu-se a nulidade
prevista na alínea c) do n.° 1 do artigo 119.° do CPP. Segundo José da Costa
Pimenta, Código de Processo Penal. Anotado. 2ª edição. pág. 217: 0 que constitui
nulidade absoluta (ou insanável) é a sua falta de comparência, quando
obrigatória (artigo 119.º al. c) — o que pressupõe, no rigor dos princípios, que
o defensor já esteja constituído ou nomeado e haja sido convocado para o acto,
ou o devesse ter sido “.
«O direito à escolha de defensor, a ser por ele assistido em todos os actos do
processo e a comunicar, mesmo em privado, com ele, encontra-se estabelecido nos
artigos 32°, n.° 2 da CRP e 61.º als. d) e e) do CPP.
«Segundo (Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da Republica.
Anotada, 4ª edição. pág. 204. O arguido tem o direito à escolha de defensor e
não apenas o direito a assistência de defensor. Tal direito justifica-se, com
base na ideia de que o arguido não é objecto de um acto estadual mas sujeito do
processo, com direito a organizar a sua própria defesa.
«O direito à assistência de um defensor abrange a hipótese de defensor oficioso.
designado pela juiz, no caso de o arguido não exercer o seu direito de escolha
(sublinhado nosso)
«Assim, o defensor só será designado pelo juiz no caso de o arguido não exercer
o direito de escolha.
«Só em caso do defensor do arguido, regularmente notificado, ter faltado à
audiência de julgamento. seria lícito ao tribunal, nomear outro defensor em sua
substituição.
«Tribunal da 1ª Instancia ao realizar a audiência de julgamento no dia 21
/10/2002, sem a comparência do defensor escolhido pelo arguido Dr. Luís Pontes
(porque não notificado) fez uma interpretação dos artigos 61°, n.° 1, alínea d):
64°, n.° 1, alínea b): 66°, n.° 1 e 330°, n.° 1 todos do Código de Processo
Penal violadora dos princípios consignados nos artigos 13°, 20.° e 32°. n°s. 1 e
3 da Constituição da Republica.
«Isto é, o Tribunal da 1ª Instancia ao decidir realizar a audiência de
julgamento sem a comparência do defensor do arguido, aplicou normas
inconstitucionais, na medida que fez uma interpretação dos artigos 61.º n.° 1,
alínea d): 64°. n.° 1. alínea b): 66°. n.° 1 e 330°. n.° 1 todos do Código de
Processo Penal, contrária aos princípios consignados nos artigos 13°, 20.° e
32.° da CRP.
«O valor das instituições mede-se pela sua utilidade e adequação aos fins que a
sua edificação visou alcançar. O Tribunal ao proferir o acórdão de fls. 915, sem
primeiro nomear defensor ao arguido, frustra aquela finalidade.
«Nos termos da alínea c) do artigo 119º do Código de Processo Penal a falta de
nomeação de defensor nos recursos, porque obrigatória, constitui nulidade
insanável, que deve ser oficiosamente declarada em qualquer fase do processo,
isto é, também em recurso.
«Segundo o artigo 122.° do Código de processo Penal, as nulidades tomam invalido
o acto em que se verificarem, bem como os que dependerem e aqueles puderem
afectar.
«Foram violados entre outros, os artigos 61, n.° 1. alínea e): 62°. 2; 63º; 64º,
n.° 1 alínea b); 66. n°1 e 119º, n.° alínea e) todos do Código de Processo
Penal e 13°, 20º e 32°, n°s 1 e 3 da Constituição da Republica.
Está, salvo o devido respeito por opinião contrária, a suscitar no processo, que
o tribunal ao realizar a audiência de julgamento em 21/10/2002, sem a presença
do defensor do arguido, Dr. Luís Pontes, porque obrigatória, cometeu-se a
nulidade prevista na alínea c) do n.° 1 do artigo 119.° do CPP.
Explicitando de seguida, qual a interpretação normativa prevista na alínea c) do
n.° 1 do artigo 119º do CPP e que pretendia ver apreciada constitucionalmente.
Fê-lo, por um lado, utilizando as palavras de José da Costa Pimenta, Código de
Processo Penal, Anotado, 2ª. edição, pág. 217, que refere: “O que constitui
nulidade absoluta (ou insanável) é a sua falta de comparência, quando
obrigatória (artigo 119.°, ai. c) — o que pressupõe, no rigor dos princípios,
que o defensor já esteja constituído ou nomeado e haja sido convocado para o
acto, ou o devesse ter sido”.
Por outro lado, os ensinamentos dos Professores Gomes Canotilho e Vital Moreira,
in Constituição da Republica, Anotada, 4. edição, pág. 204, que dizem: «O
arguido tem o direito à escolha de defensor e não apenas o direito a assistência
de defensor. Tal direito justifica-se, com base na ideia de que o arguido não é
objecto de um acto estadual mas sujeito do processo, com direito a organizar a
sua própria defesa.
O direito à assistência de um defensor abrange a hipótese de defensor oficioso,
designado pela juiz, no caso de o arguido não exercer o seu direito de escolha
(sublinhado nosso)
Assim, o defensor só será designado pelo juiz no caso de o arguido não exercer o
direito de escolha.
Só em caso do defensor do arguido, regularmente notificado, ter faltado à
audiência de julgamento, seria lícito ao tribunal, nomear outro defensor em sua
substituição.
O Tribunal da 1ª Instancia ao realizar a audiência de julgamento no dia
21710/2002, sem a comparência do defensor escolhido pelo arguido Dr. Luís Pontes
(porque não notificado) fez uma interpretação dos artigos 61°, n.° 1, alínea d);
64°, n.° 1, alínea b); 66°, n.° 1 e 330°, n.° 1 todos do Código de Processo
Penal violadora dos princípios consignados nos artigos 13°, 20.° e 32°, n°s. 1 e
3 da Constituição da Republica.
Isto é, o Tribunal da 1•S Instancia ao decidir realizar a audiência de
julgamento sem a comparência do defensor do arguido, aplicou normas
inconstitucionais, na medida que fez uma interpretação dos artigos 61°, n.° 1,
alínea d); 64°, n.° 1, alínea b); 66°, n.° 1 e 330°, n.° 1 todos do Código de
Processo Penal, contrária aos princípios consignados nos artigos 13°, 20.° e
32.° da CRP.
Salvo o devido respeito, não se venha dizer, que é ininteligível para o tribunal
recorrido a interpretação e alcance da norma prevista na alínea c) do n.° 1 do
artigo 119º do CPP, quando no seu acórdão de 16 de Dezembro de 2005 (a fls. 915
e segs.) é o mesmo Tribunal que decidiu que a nulidade suscitada pelo arguido
(nulidade da sentença por falta de notificação do defensor do arguido para a
audiência de julgamento), constitui uma mera irregularidade, nos termos do
artigo 123.° do Código de Processo Penal.
Repetimos: o valor das instituições mede-se pela sua utilidade e adequação aos
fins que a sua edificação visou alcançar. O Tribunal Constitucional como garante
dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, não pode, permitir atropelos
tão violadores como a dos presentes autos.
Pelas razões expostas, é nosso entendimento, que o Senhor Juiz Conselheiro
Relator ao decidir não tomar conhecimento do objecto do recurso, com o
fundamento que o recorrente não suscitou durante o processo qualquer questão de
constitucionalidade normativa, fez uma errónea aplicação da alínea b) do n.° 1
do artigo 70.° da LTC.
O Exmo Magistrado do Ministério Público pronunciou-se no sentido do
indeferimento da reclamação.
Cabe apreciar e decidir.
II. Fundamentação
A decisão sumária ora reclamada, emitindo pronúncia no sentido do não
conhecimento do objecto do recurso, baseou-se em dois diferentes fundamentos:
não ter sido suscitada, de modo processualmente adequado, perante o tribunal
recorrido, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa; não terem sido
aplicadas pela decisão recorrida as normas que o recorrente identifica no
requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade.
Como bem se vê do texto da reclamação para conferência, transcrito na sua parte
mais relevante na rubrica «Relatório», o reclamante limita-se a rebater o
primeiro desses fundamentos, dizendo que, em seu entendimento, foi adequadamente
suscitada a questão de inconstitucionalidade, abstendo-se de dirigir qualquer
critica quanto ao segundo fundamento, que se traduzia na ausência de um outro
pressuposto processual do recurso - a não aplicação pela decisão recorrida das
normas cuja inconstitucionalidade se pretendia que fossem apreciadas.
E é quanto basta para julgar improcedente a reclamação, visto que mesmo que
merecesse acolhimento a argumentação aduzida pelo reclamante quanto à existência
daquele primeiro pressuposto processual, sempre subsistiria um outro motivo para
manter a decisão de não conhecimento do objecto do recurso.
Em todo o caso, cabe referir que, no único aspecto que vem sindicado, a
reclamação é também manifestamente improcedente.
De facto, o reclamante limita-se a transcrever um extenso conjunto de
considerações jurídicas, utilizadas no recurso para o Tribunal da Relação, em
que alude a diferentes preceitos do Código de Processo Penal (aliás, não
correspondentes àqueles que foram efectivamente aplicados na decisão recorrida),
pretendendo que seja o Tribunal Constitucional a extrair de todo esse arrazoado
qual a interpretação ou interpretações normativas que poderiam constituir o
objecto do recurso, quando é certo que é ao recorrente que cabe identificar de
forma precisa a questão ou questões de constitucionalidade que considera deverem
ser apreciadas.
Não há, pois, motivo para alterar o julgado.
III. Decisão
Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, decide-se indeferir a reclamação.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.
Lisboa, 14 de Janeiro de 2009
Carlos Fernandes Cadilha
Maria Lúcia Amaral
Gil Galvão