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Processo n.º 798/08
3ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
Acordam, em conferência, na 3ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
A., Lda. veio recorrer para o Tribunal Constitucional do despacho do Presidente
do Supremo Tribunal de Justiça que, em sede de reclamação, não admitiu o recurso
de revista do acórdão da Relação que fixou o valor da indemnização em matéria de
expropriação.
O recurso tinha por objecto duas interpretações normativas: uma reportada aos
artigos 37º e 64º, n.º 2, do Código das Expropriações de 1991, que se prendia
com a proibição de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da
Relação que tinha fixado a indemnização expropriativa, a que a recorrente
imputara a violação do princípio constitucional da proibição de discriminação
negativa no acesso à justiça, contido nos artigos 13° e 20°, n°s 1 e 4, da
Constituição; outra referente aos artigos 46º, 47º e 48º do mesmo Código, que se
relacionava com a caracterização da decisão dos árbitros como a primeira decisão
jurisdicional quanto ao valor da justa indemnização, que a recorrente
considerava violar o direito de acesso à justiça e o princípio do contraditório.
Por decisão sumária proferida ao abrigo do disposto no artigo 78º-A da Lei do
Tribunal Constitucional, o relator entendeu ser de não tomar conhecimento do
objecto do recurso quanto à primeira interpretação normativa, por virtude de a
respectiva questão de constitucionalidade não ter sido suscitada de modo
processualmente adequado perante o tribunal recorrido, e, por outro lado,
decidiu não julgar inconstitucional a segunda interpretação normativa, por
remissão para os fundamentos constantes do acórdão do Tribunal Constitucional
n.º 259/97.
A recorrente vem agora reclamar para a conferência nos termos e com os seguintes
fundamentos:
1. A doutrina que se expressa no acórdão 259/97 deste Tribunal, quanto a ver-se
na decisão arbitral uma decisão jurisdicional, nomeadamente por constituir o
termo de um procedimento dotado do contraditório, não tem a menor hipótese de se
mostrar conforme à dimensão normativa-constitucional deste princípio — isto é,
salvo se este TC decretar que, afinal, o princípio do contraditório se basta,
com a mera formulação dos quesitos.
Com efeito, dando por reproduzido tudo quanto se exarou na peça perante o
tribunal a quo, transcrito na decisão ora reclamada, a arbitragem não passa de
uma perícia — à qual a lei atribui força de caso julgado.
2. Por outro lado, a tese do acórdão 259/97, melhor dizendo, a sua fundamentação
com base no alegado respeito, na arbitragem, pelo contraditório, foi
inteiramente calada pelo Acórdão 490/97 — o que é bem sintomático da
inconsistência daquela compreensão, não adoptada e dita aqui como «discutível».
3. Finalmente, a violação do princípio da igualdade entre recorrentes ao STJ, em
processo de expropriação, consoante se trate de agravo (sempre admitido, à luz
dos arts. 37° e 64°, n.º 2, do CE/91) ou de apelação sobre o direito fundamental
à justa indemnização (negado com base nas mesmas normas), se bem que possa não
ser, em si, uma autónoma “questão de inconstitucionalidade” - o que, contudo,
não se admite - tem, contudo, o valor de evidenciar a fragilidade que já o
acórdão 490/97 revela.
Com efeito, neste, acaba por assumir-se que é mais conforme à Constituição uma
melhor salvaguarda/tutela jurisdicional dos direitos fundamentais, através de
efectivo recurso — se bem que se julgue que da Constituição não resulte ter este
de “subir” até ao STJ. Porém, na medida em que assim se julgou, parece evidente
que para o TC, na apreciação desta matéria, não pode ser indiferente que a
interpretação impugnada no tribunal a quo tenha duas medidas: a que admite o
recurso até ao STJ em quaisquer questões e a mesma que o proíbe, porém,
tratando-se da matéria do direito fundamental à justa indemnização.
Ou seja, já não será constitucionalmente neutro, um sistema de recursos que os
admite até ao STJ como regra geral, mas o proíbe quanto a um direito fundamental
— e dai, julgar-se também superada, pelo menos pelo CE/91, ante a discriminação
negativa e injustificada, a doutrina do acórdão 490/97.
Cabe apreciar e decidir
II - Fundamentação
Importa começar por referir que, pela decisão sumária ora reclamada, decidiu-se
não tomar conhecimento do recurso quanto à interpretação normativa que se
reporta aos artigos 37º e 64º, n.º 2, do Código das Expropriações de 1991, em
virtude de a respectiva questão de constitucionalidade não ter sido suscitada de
modo processualmente adequado no decurso do processo, como exigem os artigos
70º, n.º 1, alínea b), e 72º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional.
Na presente reclamação, a recorrente não põe em causa a validade do fundamento
que determinou o não conhecimento do objecto do recurso e limitou-se a reafirmar
o entendimento de que a referida interpretação normativa viola o princípio da
igualdade.
Assim sendo, nada tendo sido alegado que possa pôr em crise o decidido, é de
considerar transitada a decisão de não conhecimento e, consequentemente,
prejudicada a pretendida apreciação da matéria de fundo.
Quanto à segunda questão de constitucionalidade, a reclamante mantém a sua
convicção de que a arbitragem realizada no âmbito do processo de expropriação é
um procedimento não dotado de contraditório, pelo que a decisão arbitral não
pode ser tida como uma decisão jurisdicional.
O acórdão n.º 259/97, para cuja fundamentação a decisão sumária remete, e que
foi entretanto sufragada pelos acórdãos n.ºs 465/97 e 158/98, já dá suficiente
resposta a essa questão, ao considerar que a fase da arbitragem não posterga o
princípio do contraditório, concebido como princípio da participação efectiva
das partes no desenvolvimento do litígio.
Sendo certo que o direito de acesso à justiça pressupõe um correcto
funcionamento das regras do contraditório, em termos de cada uma das partes
poder deduzir as suas razões de facto e de direito, a verdade é que a fixação do
valor da indemnização por arbitragem, em caso de expropriação litigiosa, já
prevê um afloramento desse princípio que é condizente com a própria natureza e
função do processo de arbitragem, permitindo que as partes, dentro de
determinado prazo a contar da designação dos àrbitros, possam apresentar «os
quesitos que entendam pertinentes para a fixação do valor dos bens objecto de
expropriação», aos quais os árbitros deverão responder de forma devidamente
fundamentada (cfr. artigos 46º, 47º, n.º 1, e 48º, n.º 3, do Código das
Expropriações).
Estando em causa apenas a fixação do valor dos bens expropriados, a participação
garantida por lei, por via da apresentação de quesitos, é já suficiente para
permitir a cada uma das partes suscitar as questões que poderão ter relevância
na defesa das suas respectivas posições processuais.
E a deficiente ponderação dos interesses em presença ou das questões suscitadas
é susceptível de ser analisada em sede de recurso (artigo 37º), o que não
significa que se torne constitucionalmente exigível um triplo grau de recurso,
como pretende a reclamante (por todos, o acórdão n.º 209/90).
Por outro lado, a circunstância de o acórdão n.º 490/97 ter silenciado qualquer
referência à questão do direito ao contraditório (ao analisar num outro
contexto, a constitucionalidade das normas dos artigos 37º, 51º e 64º, n.º 2, do
Código das Expropriações) não pode ser entendida, evidentemente, como
significando um tácito afastamento em relação à tese sufragada, nessa sede,
naquele outro aresto.
Os tribunais estão sujeitos ao dever de resolver todas as questões que as partes
tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja
prejudicada pela solução dada a outras, e desde que a tal não obstem quaisquer
razões de natureza processual que impeçam o conhecimento (artigo 660º do Código
de Processo Civil). Pelo que a não pronúncia sobre o princípio do contraditório
encontra justificação no simples facto de essa matéria não ter sido suscitada
como parâmetro de constitucionalidade, e, de nenhum modo, pode ser vista como
constituindo uma tomada de posição divergente em relação à anterior
jurisprudência constitucional.
Não há, assim, qualquer motivo para alterar o julgado.
III. Decisão
Termos em que se decide indeferir a reclamação e manter a decisão reclamada.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.
Lisboa, 11 de Fevereiro de 2009
Carlos Fernandes Cadilha
Maria Lúcia Amaral
il Galvão