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Processo n.º 915/08
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Mário Torres
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
1. Por despacho do Vice‑Presidente do Supremo Tribunal
de Justiça (STJ), de 23 de Setembro de 2008, foi indeferida reclamação deduzida
por A. e B. contra o despacho do Desembargador Relator do Tribunal da Relação de
Coimbra, de 24 de Junho de 2008, que não havia admitido recurso de agravo por
eles interposto para o STJ. O indeferimento da reclamação assentou na seguinte
fundamentação:
“I. Os réus A. e outra interpuseram recurso de agravo para este
Supremo Tribunal do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra que manteve o
despacho do Ex.mo Desembargador Relator que indeferira o requerimento por eles
apresentado no qual arguíram a nulidade processual do acórdão de fls. 177 e
seguintes, por violação do artigo 3.º, n.º 3, do CPC.
No despacho proferido em 24 de Junho de 2008 pelo Ex.mo
Desembargador Relator, foi referido que quer se entenda a decisão de que se
pretende recorrer como complemento do acórdão de fls. 177 e seguintes, quer como
decisão autónoma, o recurso não é admissível. No primeiro caso por do acórdão de
fls. 177 e seguintes ter sido interposto recurso para o STJ, que não foi
admitido, e, no segundo caso, por não se verificarem as situações previstas nos
n.ºs 2 e 3 do artigo 754.º do CPC.
Desse despacho reclamam os recorrentes, sustentando, além do mais,
que o recurso de agravo deve ser admitido, por o acórdão da Relação não ter sido
proferido sobre decisão da 1.ª instância; suscitam também a
inconstitucionalidade do artigo 754.º, n.º 2, 1.ª parte, do CPC, quando
interpretado no sentido de que não cabe agravo para o STJ de decisão‑surpresa
da Relação sobre questão processual, nunca antes suscitada no processo,
impeditiva da reponderação da decisão de fundo da 1.ª instância.
A parte contrária pugna pelo improvimento da reclamação.
II. Cumpre apreciar e decidir.
O acórdão questionado manteve o despacho do Ex.mo Desembargador
Relator que indeferira o requerimento apresentado pelos ora reclamantes a fls.
201, no qual arguíram a nulidade processual do acórdão de fls. 177 e seguintes,
por violação do artigo 3.º, n.º 3, do CPC.
Do acórdão de fls. 177 e seguintes já tinha sido interposto recurso
para o Supremo Tribunal de Justiça, que não fora admitido por despacho do Ex.mo
Desembargador Relator.
Deste despacho houve reclamação para o Presidente do Supremo
Tribunal de Justiça, que a indeferiu, e, posteriormente, recurso para o
Tribunal Constitucional. Significa isto que o acórdão sobre o qual recaiu o
referido requerimento de fls. 201 ainda não transitou em julgado.
Sucede, porém, que a situação em causa não é subsumível na previsão
da norma do artigo 754.º, n.º 2, 1.ª parte, do CPC, a contrario, por respeitar a
acórdão proferido sobre recurso vindo da 1.ª instância.
Quanto à inconstitucionalidade imputada ao artigo 754.º, n.º 2, 1.ª
parte, do CPC, refere‑se que a mesma não se verifica, por o direito à tutela
judicial efectiva, consagrado no artigo 20.º da CRP, se bastar, em princípio,
com uma instância única (cf., entre outros, o Acórdão do Tribunal Constitucional
n.º 261/2002, de 18 de Junho de 2002).
III. Pelo exposto, indefere‑se a presente reclamação.”
2. Notificados deste despacho, os reclamantes
apresentaram, em 9 de Outubro de 2008, endereçado ao Conselheiro Presidente do
STJ, requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, ao
abrigo das alíneas b) e g) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização,
Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º
28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26
de Fevereiro (LTC), referindo como decisões recorridas os acórdãos do Tribunal
da Relação de Coimbra, de 19 de Dezembro de 2007 e de 22 de Abril de 2008, os
despachos do Desembargador Relator dessa Relação, de 12 de Fevereiro de 2008 e
de 24 de Junho de 2008, e o despacho do Conselheiro Vice‑Presidente do STJ, de
23 de Setembro de 2008, acima transcrito, pretendendo ver apreciada a
inconstitucionalidade, por violação do artigo 20.º da Constituição da República
Portuguesa (CRP), da “interpretação dos artigos 664.º, 754.º e 3.º do CPC no
sentido de permitirem ao Tribunal da Relação proferir, sem prévia audição das
partes sobre os respectivos fundamentos de direito, decisão definitiva de
inadmissibilidade dum requerimento ou articulado superveniente, quando nem as
partes, em 1.ª ou em 2.ª instância, formularam qualquer dúvida sobre a sua
admissibilidade nem o tribunal de 1.ª instância conheceu oficiosamente essa
questão, tendo apenas julgado de mérito”.
3. Em 15 de Outubro de 2008, o Conselheiro
Vice‑Presidente do STJ proferiu o seguinte despacho:
“No respeitante ao recurso interposto para o Tribunal
Constitucional, através do requerimento de fls. 138 e seguintes, admite‑se o
mesmo, nos termos do disposto nos artigos 70.º, n.º 1, alínea b), 71.º, n.º 1,
72.º, n.º 2, 75.º, 75.º‑A, 76.º e 78.º, n.º 4, todos da Lei n.º 28/82, de 15 de
Novembro, actual redacção, para apreciação da inconstitucionalidade do artigo
754.º, n.º 2, do CPC, na interpretação normativa que lhe foi dada na decisão que
apreciou a reclamação.
Quanto à inconstitucionalidade imputada aos artigos 3.º e 664.º,
ambos do CPC, não nos compete pronunciar sobre a admissibilidade do recurso ora
interposto para o Tribunal Constitucional nesta parte, atento o disposto no
artigo 76.º, n.º 1, da LTC, mas sim ao Tribunal da Relação de Coimbra por ser à
sua decisão (e não à proferida aquando do conhecimento da reclamação do despacho
que não admitiu o recurso) que vem assacada a aplicação de normas consideradas
inconstitucionais.
Competirá aos recorrentes submeter oportunamente esta questão ao
referido tribunal, se assim o entenderem.”
4. Apresentaram então os reclamantes a seguinte
reclamação, endereçada ao Tribunal Constitucional:
“A. e outra, nos autos à margem contra C., tendo sido notificados do
douto despacho de 15 de Outubro de 2008 de S. Ex.ª o Venerando Conselheiro
Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, que admitiu o recurso constitucional,
mas considerando que o admitiu só em parte, pois considerou que «quanto à
inconstitucionalidade imputada aos artigos 3.º e 664.º, ambos do CPC, não nos
compete pronunciar sobre a admissibilidade do recurso ora interposto para o
Tribunal Constitucional nesta parte», vêm apresentar a seguinte
RECLAMAÇÃO
A)
1 – Proferido o acórdão de 19 de Dezembro de 2007, a parte arguiu
uma nulidade processual nele cometida ou praticada, consistente na violação do
princípio do contraditório e aplicação inconstitucional do artigo 3.º, n.º 3, do
CPC.
Tal nulidade processual e aplicação de norma inconstitucional não é
assacada à 1.ª instância (Torres Novas), que ali não foram praticadas.
O vício da nulidade processual e inconstitucionalidade foi gerado,
nasceu, teve origem apenas ali naquela decisão de 19 de Dezembro de 2007 da
Relação.
É, pois, certo que tal acórdão da Relação não foi proferido sobre
qualquer nulidade processual e inconstitucionalidade praticadas na 1.ª
instância em Torres Novas.
Da nulidade e da inconstitucionalidade cometidas por aquele acórdão
da Relação houve ali a respectiva arguição, que foi indeferida pelo relator.
Reclamou então a parte para a Conferência, reiterando a arguição de
nulidade processual e de inconstitucionalidade e pedindo que sobre o despacho
do relator recaísse acórdão.
Foi então proferido o acórdão de 22 de Abril de 2008, que indeferiu
as arguições de nulidade e inconstitucionalidade. É bom de ver que este acórdão
não foi proferido sobre decisão da 1.ª instância: tais arguições jamais foram
imputadas, claro está, à 1.ª instância e foram‑no apenas à Relação.
2 – Na sua reclamação para S. Ex.ª o Presidente do Supremo (do
despacho que não admitiu o agravo) os reclamantes disseram:
arguíram a nulidade processual (do acórdão de 19 de Dezembro de
2007) «desde logo suscitando – o que ora mantêm – que, não sendo reconhecida,
estaria a entender‑se e aplicar‑se o artigo 3.º, n.º 3, do CPC dum modo que o
colocaria em conflito com o direito constitucional, por violação do princípio
do contraditório.
Os reclamantes mantêm aqui – na presente reclamação para S. Ex.ª o
Presidente do Supremo – a afirmação de que a interpretação e aplicação do
artigo 3.º, n.º 3, fazem este conflituar, nos termos que indicaram, com o
direito constitucional.»
«4 – Os reclamantes mantêm que o acórdão de 19 de Dezembro de 2007
proferiu uma decisão‑supresa e que foi feita uma interpretação e aplicação da
norma do artigo 3.º, n.º 3, do CPC que põe esta em colisão com o direito
constitucional.
A fim de não alongarem a exposição da presente reclamação pedem
vénia a S. Ex.ª o Venerando Conselheiro Presidente do Supremo para aqui dar por
reproduzida a alegação da inconstitucionalidade como a suscitaram no
requerimento inicial de arguição de nulidade e mantiveram na conclusão da
reclamação para a Conferência.»
«Pedem a S. Ex.ª que considere o teor do requerimento de arguição de
nulidade e o teor da reclamação para a Conferência, dispensando os reclamantes
de aqui os verter e de assim avantajarem desnecessariamente estes autos (n.º
8).»
A questão da nulidade cometida no acórdão de 19 de Dezembro de 2007
vem, desde a primeira reacção dos recorrentes, decidida assim:
– essa nulidade não existiu;
– se tivesse existido, não podia ser apreciada em recurso porque
recurso não cabe.
Foi esta a posição do despacho de 12 de Fevereiro de 2008, que
indeferiu a nulidade; foi também a do acórdão de 22 de Abril de 2008, que
decidiu «manter o (esse) despacho reclamado» para a Conferência.
Foi também por isso que o recurso do acórdão de 22 de Abril de 2008
não foi admitido pelo despacho do Relator de 24 de Junho de 2008.
E foi essa questão que foi colocada na reclamação para S. Ex.ª o
Presidente do Supremo que, portanto, ao confirmar a não admissão do recurso,
necessariamente tomou a posição de não reconhecer a nulidade e a
inconstitucionalidade arguida e suscitada relativa aos artigos 3.º, n.º 3, e
664.º. Esta decisão, pressuposta ou implícita no douto despacho recorrido de 23
de Setembro de 2008, não poderá deixar de ser considerada.
Na verdade, a questão que esse despacho decidiu foi colocada assim:
cabe recurso de agravo para o STJ porque houve uma nulidade e
inconstitucionalidade cometidas pela Relação.
Ao decidir – aliás, salvo o muito devido respeito, mal – que «a
situação em causa» respeita «a acórdão proferido sobre recurso da 1.ª
instância», o despacho de 23 de Setembro de 2008 de S. Ex.ª o Presidente do
Supremo não avalia, explicitamente, mas devia ter avaliado, a questão suscitada
da inconstitucionalidade do artigo 3.º, n.º 3, do CPC.
Efectivamente, o que estava (está) em causa é uma decisão‑surpresa
relevando de aplicação de norma inconstitucional e para avaliação ou
consideração dessa matéria da nulidade de decisão‑surpresa, com fundamento em
inconstitucionalidade, o referido despacho tinha de ter considerado
explicitamente esta questão devidamente suscitada.
Mas não será porque o despacho do Presidente do Supremo não aprecia
expressamente, apenas implicitamente a indeferindo, a questão da
inconstitucionalidade do artigo 3.º, n.º 3, que a parte poderá ver vedado o
recurso de inconstitucionalidade.
O despacho decidiu que não ocorreu a nulidade – doutro modo tinha de
ter admitido o recurso – e ao ter assim decidido teve necessariamente de ter
pressuposta a improcedência da arguição de inconstitucionalidade do artigo 3.º,
n.º 3, decorrente de decisão‑surpresa.
Não poderá dizer‑se que, para não admitir o recurso, o despacho não
avaliou da regularidade da aplicação da norma do artigo 3.º, n.º 3; e ao não
ter reconhecido a nulidade – condição de não ter admitido o recurso – sancionou
o entendimento de não ter havido aplicação inconstitucional do artigo 3.º, n.º
3, do CPC.
Consequentemente, o recurso de constitucionalidade não poderá deixar
de ter abrangência a esta norma e à sua aplicação que foi causa da nulidade
cometida.
3 – Dizer que o acórdão de 22 de Abril de 2008 da Relação foi
proferido sobre decisão da 1.ª instância não faz, pois, qualquer sentido. O
acórdão de 22 de Abril de 2008 da Relação foi proferido sobre a arguição da
nulidade processual e inconstitucionalidade cometidas na Relação.
Deste acórdão entende a parte que cabe recurso para o Supremo. E o
objecto essencial deste recurso consiste exactamente em saber se a Relação
cometeu a nulidade e inconstitucionalidade arguidas ou não. O que se trata de
discutir no Supremo são precisamente essa nulidade e inconstitucionalidade.
Constitui notável equívoco a afirmação do despacho recorrido, de 23
de Setembro de 2008, de que o acórdão de 22 de Abril de 2008 foi proferido sobre
recurso vindo da 1.ª instância, sendo, pelo contrário, evidente que dele cabe
recurso ordinário que tem precisamente por objecto o conhecimento da
inconstitucionalidade, desta forma postergado pela omissão desse despacho que
devia tê‑la considerado, pois que devidamente colocada na reclamação que foi
apresentada e que o despacho indevidamente ignorou.
A boa interpretação e aplicação do artigo 754.º, n.º 2, ao caso dos
presentes autos depende precisamente da interpretação e aplicação e da
conformidade constitucional da norma do artigo 3.º, n.º 3, do CPC, cuja
verificação se toma necessária, doutro modo ficando inconsistente aquela
questão.
É por isso que os reclamantes não podem de modo nenhuma estar de
acordo em que o douto despacho de S. Ex.ª o Venerando Presidente do Supremo não
contém, ao menos implícita, uma decisão sobre a inconstitucionalidade do artigo
3.º, n.º 3. Pois se é este exactamente o cerne da arguida nulidade processual!
4 – Quando o despacho de 23 de Setembro de 2008, que não admitiu o
recurso, considera que não cabe agravo por certo entende que não foi cometida
nulidade – no acórdão de 19 de Dezembro de 2007 – e o artigo 3.º, n.º 3, não foi
ali aplicado em contradição com o direito constitucional.
É que se a nulidade é ali praticada, na elaboração da decisão
daquele acórdão de 19 de Dezembro de 2007, então o agravo cabia para o Supremo.
É patente que tal questão – não audiência da parte – foi ali originada, não
vindo, essa questão, da 1.ª instância. Por conseguinte, o referido despacho de
23 de Setembro de 2008 pressupõe uma interpretação dos artigos 3.º, n.º 3, e
664.º que releva de violação do direito de acesso à justiça, pois que não
permite um único recurso numa situação em que o Código, o legislador, entende
conferir o direito a um recurso.
É que da aplicação conjugada dos artigos 754.º, n.º 2, 664.º e 3.º,
n.º 3, do CPC veio a resultar ficar impedida a apreciação constitucional
precisamente da norma cuja aplicação constitucional originou a nulidade
processual cometida pela Relação.
Os recorrentes entendem assim que a apreciação da
constitucionalidade dos artigos 3.º, n.º 3, e 664.º do CPC não poderá deixar de
constituir objecto do presente recurso de constitucionalidade.
5 – A questão de inconstitucionalidade não poderá, no presente
recurso, ser desconjuntada espartilhada, como no despacho ora reclamado, quando
foi assim suscitada:
«Entendeu a Relação, não só que podia oficiosamente considerar, sem
discussão prévia entre as partes, a questão da admissibilidade do articulado (ou
requerimento) superveniente apresentado pelos réus, mas também que a decisão de
inadmissibilidade por ela proferida não é impugnável em recurso para o STJ. Com
isto, negou à parte vencida a possibilidade de, quer ex ante, quer ex post, pôr
em causa o entendimento da Relação, o que inequivocamente viola o princípio do
contraditório.
Entendeu assim:
– Que podia, ao abrigo do artigo 664.º do CPC, julgar oficiosamente
a questão levantada sem dar às partes a possibilidade de previamente sobre ela
se pronunciarem;
– Que, decidida a questão, o artigo 754.º do CPC impedia a parte
vencida de recorrer para o STJ.
Do jogo combinado destas duas interpretações envolvendo os artigos
3.º, n.º 3, 664.º e 754.º, n.º 2, resulta, pois, que o direito de os réus,
contra quem a decisão foi tomada, se pronunciarem sobre a questão levantada foi
inteiramente postergado.
A interpretação é inconstitucional.
Aliás, a inconstitucionalidade reside, fundamentalmente, em ignorar
a proibição da decisão‑surpresa, negando o direito à discussão ex ante, pelo que
o artigo 664.º do CPC tem sempre de ser conjugado com o artigo 3.º, n.º 3, do
CPC e o direito à audição das partes tem, como vimos, de ser sempre assegurado
previamente. Mas esta violação, que de qualquer modo se verificaria mesmo que se
concedesse seguidamente o direito ao recurso para o STJ, torna‑se mais grave,
porque definitiva, quando este recurso é negado. A violação perpetrada é
totalmente insustentável. Cfr. Parecer do Prof. Lebre de Freitas junto aos
autos.»
A questão constitucional assim suscitada não pode depois ser
restringida à apreciação apenas do artigo 754.º, n.º 2, 1.ª parte, separando‑a
da conjugação com os artigos 3.º, n.º 3, e 664.º e amputando assim a questão da
constitucionalidade como foi suscitada.
6 – Despacho de fls. 455, de 24 de Junho de 2008:
«A. e B. vêm, a fls. 280, interpor recurso da decisão de fls. 273 e
seguintes – douto acórdão de 22 de Abril de 2008 – que (confirmando o despacho
do relator de fls. 221 e seguinte) indeferiu a arguida nulidade processual (sic)
do acórdão de fls. 177 e seguintes – o acórdão de 19 de Dezembro de 2007 –, por
violação do disposto no artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.»
Indefere‑se.
O recurso para o Supremo foi interposto do acórdão que indeferiu a
‘nulidade por violação do disposto no artigo 3.º, n.º 3 do CPC’.
E foi este recurso do acórdão que S. Ex.ª o Presidente do Supremo
não admitiu, sendo certo que a inconstitucionalidade lhe foi suscitada, nos
mesmos precisos termos que à Conferência na Relação.
Foi aqui, neste último despacho de S. Ex.ª o Presidente do Supremo,
que ficou consolidada, consumida, definitivamente impedida a apreciação da
questão constitucional – cf. Acórdão n.º 378/94 do Tribunal Constitucional. É,
pois, desta decisão o recurso constitucional sobre as normas dos artigos 3.º,
n.º 3, 664.º e 754.º, n.º 2.
A norma do artigo 70.º, n.º 3, da LTC abrange as reclamações que
tenham obrigatoriamente de se pronunciar sobre norma aplicada simultaneamente
pela decisão recorrida e pelo despacho reclamado (Cons. Fernando Amândio
Ferreira, infra, B) I).
Para apreciar da admissibilidade ou não do agravo, o douto despacho
recorrido, de 23 de Setembro de 2008, teve, necessária e obrigatoriamente, de
considerar implicitamente a nulidade e inconstitucionalidade suscitadas
cometidas em 2.ª instância.
7 – Quando o despacho recorrido, de 23 de Setembro de 2008,
considera que «a situação não é subsumível na previsão da norma do artigo
754.º, n.º 2, 1.ª parte, do CPC, a contrario», está implicitamente a negar o
vício da decisão‑surpresa, praticada na Relação, resultante da aplicação
inconstitucional do artigo 3.º, n.º 3, que daria, no caso, lugar à admissão de
agravo.
Essa questão de constitucionalidade foi colocada na reclamação que,
assim decidida, contém implícito o juízo de não inconstitucionalidade da
decisão‑surpresa praticada pela Relação, ao decidir por uma questão nova nunca
antes suscitada e sem prévia audiência das partes que jamais a previram nem
discutiram.
Não poderá, pois, considerar‑se que o despacho de 23 de Setembro de
2008 se limitou a aplicar o artigo 754.º, n.º 2, 1.ª parte, sem que contenha
implícita uma pronúncia de não inconstitucionalidade do referido artigo 3.º, n.º
3, do CPC.
É este o entendimento dos recorrentes, pois todo o processado e a
arguição de inconstitucionalidade provém exactamente daí, da aplicação dessa
norma, que, em tais termos admitida, a coloca em colisão com as normas e
princípios constitucionais invocados na sucessivamente suscitada
inconstitucionalidade.
É absolutamente evidente que o acórdão de 19 de Dezembro de 2007
cometeu uma nulidade por ter proferido decisão‑surpresa numa aplicação da norma
do artigo 3.º, n.º 3, do CPC que a fere de inconstitucionalidade, aliás já
declarada noutro processo e referenciada na sucessiva suscitação de
inconstitucionalidade nestes autos.
Seria injusto que, perante o imediato e sempre continuado apelo ao
direito a um processo equitativo e ao direito constitucional, viesse a
concluir‑se pela manutenção da decisão assente na violação da Constituição. Os
direitos constitucionais fundamentais devem ser atendidos.
A decisão a impugnar para o Tribunal Constitucional é, pois, a de S.
Ex.ª. o Venerando Conselheiro Presidente do Supremo, de 23 de Setembro de 2008,
com a indicada abrangência aos artigos 3.º, n.º 3, 664.º e 754.º, n.º 2, 1.ª
parte.
B)
Mas se, por inverosímil hipótese, fosse considerado que a decisão a
impugnar é o acórdão de 22 de Abril de 2008, então, subsidiariamente, os
recorrentes pedem que os presentes autos de reclamação sejam remetidos ao
Tribunal da Relação de Coimbra para conhecimento, que requerem, pelo Venerando
Relator, do interposto recurso de constitucionalidade, na parte respeitante aos
artigos 3.º, n.º 3, e 664.º do CPC, que S. Ex.ª o Venerando Conselheiro
Presidente do STJ decidiu não conhecer, apreciando a esse propósito os motivos e
fundamentos do recurso de constitucionalidade interposto, que, em tal caso,
pedem vénia para dar por reproduzidos.
Será esta, em tal caso, a solução adequada já que:
I – Expõe o Cons. Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em
Processo Civil, 2008, págs 362‑363:
«os recursos (constitucionais) só cabem de decisões que não admitam
recurso ordinário, por a lei o não prever ou por já haverem sido esgotados todos
os que no caso cabiam, salvo os destinados a uniformização de jurisprudência
(artigo 70.º, n.º 2, da LTC).
(...)
A noção de recurso ordinário está aqui tomada em sentido amplo,
abrangendo, nos termos do n.º 3 do artigo 70.º da LTC, (...) as reclamações
para o tribunais superiores, nos casos de não admissão do recurso (artigo 688.º
do CPC), bem como as reclamações dos despachos dos relatores para a conferência
(artigo 700.º, n.º 3, do CPC).
Isto sem prejuízo de o recurso para o TC ser interposto da decisão
recorrida, se a reclamação for julgada infundada e não se tiver pronunciado
sobre a norma cuja inconstitucionalidade fora suscitada durante o processo de
que cuidou, em último lugar, aquela decisão. Então, uma vez julgada sem êxito a
reclamação, baixarão os autos, onde se encontre o requerimento de interposição
de recurso para o TC, ao tribunal inferior, para se pronunciar sobre a
admissibilidade desse recurso (artigo 76.º, n.º 1, da LTC).
Sendo as coisas assim, uma razão de economia processual impõe uma
interpretação restritiva da norma do n.º 3 do artigo 70.º da LTC, na parte em
que alude às reclamações para os tribunais superiores, para apenas abranger as
que tenham obrigatoriamente de se pronunciar sobre norma aplicada
simultaneamente pela decisão recorrida e pelo despacho reclamado, apesar de
arguida de inconstitucionalidade no processo. Se a norma arguida de
inconstitucionalidade apenas for aplicada na decisão recorrida, não se torna
obrigatória, em vista à viabilização do recurso para o TC, a reclamação para o
tribunal superior do despacho que não admite o recurso; diversamente, por
analogia com o que se dispõe nos n.ºs 2 e 4 do artigo 70.º da LTC, deve o
recorrente, na sequência do despacho de não admissão do recurso, e por se
considerarem esgotados os recursos ordinários, interpor directamente recurso
para o TC da decisão negativa de inconstitucionalidade, sem se socorrer da via
intermédia da reclamação para o tribunal superior, sendo o recurso interposto
no prazo do n.º 2 do artigo 75.º da LTC.»
II – No STJ, o relator, por despacho, julgou findo um recurso pelo
não conhecimento do seu objecto. O recorrente dirigiu então reclamação ao
Presidente do STJ, quando a devia ter dirigido para a conferência. Apesar
disso, a conferência julgou a reclamação que foi dirigida ao Presidente (Acórdão
de 15 de Maio de 2008, www.dgsi.pt, Proc. 08B017).
III – Igual solução foi adoptada no Acórdão do STJ, de 8 de Julho de
2003, www.dgsi.pt, Proc. 0252243:
«I – Tendo sido deduzida indevidamente reclamação para o Presidente
do Supremo Tribunal de Justiça de despacho do relator que não tomou
conhecimento do objecto do recurso, o tribunal poderá sanar oficiosamente o
erro da parte quanto ao procedimento utilizado, por aplicação do disposto no
artigo 265.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, convolando essa reclamação em
reclamação para a conferência.»
IV – Na Relação de Lisboa, o Relator não admitiu um recurso. Os
recorrentes reclamaram para a conferência, quando o meio adequado era a
reclamação para o Presidente do STJ. O acórdão do STJ, de 26 de Novembro de
1996, apreciando o caso, veio a decidir que:
«A indevida formulação da reclamação prevista no artigo 700.º, n.º
3, do CPC67, por ser caso da prevista no artigo 688.º do mesmo Código,
traduz‑se em simples irregularidade processual que pode e deve ser objecto de
rectificação por algum dos meios aludidos nos artigos 193.º ou 477.º, n.º 1, do
citado Código.»
Este acórdão ponderou que «a divergência quanto ao destinatário da
reclamação constitui simples irregularidade formal, susceptível de rectificação
oficiosa ou de convite à parte para o fazer ...».
Portanto, a reclamação não foi dirigida ao Presidente do STJ, mas
deve ser por este conhecida.
V – Na Relação do Porto, a parte, discordando de um despacho do juiz
relator, dele interpôs agravo, quando devia ter reclamado para a conferência.
Rejeitado ali (na Relação) o agravo, o STJ veio a revogar esta
decisão e ordenou que o requerimento de interposição do recurso (de agravo)
prossiga os trâmites legais da reclamação para a conferência, nos termos do
artigo 700.º, n.º 3, do CPC.
Entendeu que a norma do artigo 688.º, n.º 5, pode ser aplicada
analogicamente, por não ser de natureza excepcional (acórdão do STJ, de 29 de
Janeiro de 2008, www.dgsi.pt, Proc. 07A4443).
VI – O acórdão do STJ, de 2 de Abril de 2008, www.dgsi.pt, Proc.
0754650, decidiu que «I – A circunstância de a peça alegatória do recurso de
revista não vir formalmente endereçada aos Juízes do Supremo Tribunal de Justiça
– vinha encabeçada com a asserção ‘Venerandos Juízes Desembargadores do
Tribunal da Relação de Évora’ – não implica por si só o não conhecimento da
impugnação».
VII – Acórdão n.º 515/96 do Tribunal Constitucional:
Defere reclamação e ordena a remessa dos autos para ser proferido
despacho sobre o requerimento de interposição do recurso pela entidade
competente.
«I – A circunstância de a reclamação contra despacho de rejeição do
recurso de constitucionalidade ser dirigida ao Presidente do Tribunal
Constitucional e não ao próprio Tribunal não obsta à apreciação da mesma, visto
que aquela entidade representa o Tribunal e preside às sessões das respectivas
sessões.
II – De acordo com o previsto no n.º 1 do artigo 76.º da Lei do
Tribunal, compete ao tribunal que tiver proferido a decisão recorrida apreciar
a admissão do recurso de constitucionalidade; o Tribunal decidiu já, no Acórdão
n.º 3/96, que, proferido despacho de rejeição do recurso por juiz incompetente
em razão de matéria, devem os autos ser submetidos à entidade competente para
apreciação do requerimento de interposição, antes de ser apreciada a
reclamação.»
Relatado pelo Cons. Armindo Ribeiro Mendes, apreciou e decidiu a
seguinte situação, sumariamente descrita:
Um arguido interpôs recurso de inconstitucionalidade de decisão do
Presidente do Supremo.
Dirigiu e apresentou o requerimento de interposição ao Juiz da 10.ª
Vara Criminal de Lisboa, «sem prejuízo da correspondente subida ao Supremo
Tribunal de Justiça se tal for entendido de acordo com o artigo 76.º ainda da
mesma lei».
O Juiz da 10.ª Vara Criminal indeferiu o requerimento, com o
fundamento de não ter sido suscitada uma questão de constitucionalidade, nos
autos, pelo recorrente.
Contra este indeferimento do recurso de inconstitucionalidade reagiu
o recorrente por meio de reclamação dirigida ao Presidente do Supremo Tribunal
de Justiça.
Esta reclamação foi indeferida pelo Juiz da 10.ª Vara, por estar
dirigida ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça.
Requereu então o recorrente a rectificação, devendo considerar‑se a
reclamação dirigida ao Presidente do Tribunal Constitucional, mas o Juiz
indeferiu o requerimento por a considerar intempestiva e a reclamação ter de
ser dirigida ao Tribunal Constitucional (e não ao Presidente do Tribunal
Constitucional).
A Relação veio a revogar esta última decisão, ordenando a remessa da
reclamação ao Presidente do Tribunal Constitucional.
Aqui chegada a reclamação, o Acórdão decidiu que a circunstância de
a reclamação estar dirigida ao Presidente do Tribunal Constitucional, e não ao
próprio Tribunal, «não pode obviar à apreciação da reclamação» e, após
considerar que «é manifesto que a rejeição do recurso de constitucionalidade
foi determinada por magistrado incompetente em razão da matéria», determinou
«que os presentes autos de reclamação sejam remetidos ao Supremo Tribunal de
Justiça para serem submetidos ao Senhor Presidente desse Alto Tribunal para os
legais efeitos».
VIII – No Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 502/2003, um
requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade de decisão do
Presidente do STJ foi dirigido ao Tribunal Judicial de Olhão e por este
remetido ao Presidente do STJ, que o admitiu, vindo depois a ser alegado no
Tribunal Constitucional.
IX – No STJ, o recorrente interpôs recurso para o Tribunal
Constitucional, que não foi admitido pelo relator. Reclamou então para o
Presidente do STJ, quando o devia ter feito para o Tribunal Constitucional
(artigo 76.º, n.º 4, da LTC).
O Presidente do STJ não conheceu da reclamação, mas remeteu‑a para o
Tribunal Constitucional.
Apesar de não lhe estar dirigida, o Tribunal Constitucional conheceu
da reclamação (Acórdão n.º 587/2003, em www.dgsi.pt).
X – Acórdão do STJ, de 16 de Fevereiro de 2006 (www.dgsi.pt, Proc.
06B346):
«1. Por virtude do disposto nos artigos 199.º, n.º 1, 687.º, n.º 3,
2.ª parte, e 702.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil, o normativo do n.º
5 do artigo 688.º do mesmo diploma não se configura como excepcional, antes se
traduzindo na concretização de um princípio geral.
2. Inexiste, por isso, o obstáculo previsto no artigo 11.º do Código
Civil de aplicação analógica do disposto no artigo 688.º, n.º 5, do Código de
Processo Civil à situação em que a parte erra no meio processual de impugnação
do despacho do relator.
3. Se o impugnante interpuser recurso do despacho do relator da
Relação para o Supremo Tribunal de Justiça, em vez de reclamar dele para a
conferência, deve aquele magistrado mandar seguir o requerimento de
interposição do recurso sob a tramitação própria de reclamação para a
conferência.»
XI – Acórdão do STJ, de 6 de Julho de 2006 (www.dgsi.pt):
O despacho de aperfeiçoamento acentua o princípio da cooperação que,
hoje, é basilar no processo civil – artigos 266.º, 519.º, 519.º‑A, n.º 1, 535.º,
569.º, n.º 1, alínea a), 569.º, n.º 2, 612.º, n.º 1, 645.º, n.º 1, v. g.. A
omissão desse dever é sancionada (artigo 456.º, n.º 2, alínea c)).
Tem por objectivo a justa composição do litígio, de forma eficaz e
célere.
Por isso a lei processual admite, e incentiva, o aperfeiçoamento de
articulados (sem qualquer distinguo entre o corpo e a parte conclusiva ...).
Aliás, o n.º 2 do artigo 265.º do Código citado contém uma regra
geral que conduz à consagração do convite ao aperfeiçoamento.
XII – O acórdão do STJ, de 15 de Dezembro de 2005 (www.dgsi.pt),
declarou‑se incompetente em razão da hierarquia e ordenou a remessa dos autos à
Relação de Coimbra por ser a competente.
XIII – Também os Acórdãos do STJ, de 19 de Maio de 2005, 26 de
Fevereiro de 2004 e 30 de Março de 2000, entre outros, não tendo competência
para o conhecimento de determinadas matérias, remeteram para a Relação o seu
conhecimento.
XIV – «A prevalência do fundo sobre a forma é uma opção declarada no
Decreto‑Lei n.º 329‑A/95, de 12 de Dezembro. Segundo consta do preâmbulo, há
necessidade ‘de perspectivar o processo civil como um modelo de simplicidade e
de concisão, apto a funcionar como um instrumento, como meio de ser alcançada a
verdade material pela aplicação do direito substantivo, e não como um
estereótipo autista que a si próprio se contempla e impede que seja perseguida a
justiça …’» (Ronnie Preuss Duarte, Garantia de Acesso à Justiça – Os Direitos
Processuais Fundamentais, Coimbra Editora, 2007, pág. 73).
Assim, estando efectivamente admitida, porquanto necessária, uma
actividade interpretativa no papel da densificação dos direitos fundamentais
processuais, tem‑se como inequívoco que o intérprete deve pautar a sua actuação
por duas condicionantes, ambas apontadas por Canotilho, quais sejam: (1) a
procura de um resultado que seja constitucionalmente «justo», mediante a adopção
de um procedimento (método) racional e controlável e (2) a fundamentação também
de forma racional e controlável.
O relevante é proceder com o recorte do âmbito de protecção do
direito de acesso à justiça, identificando‑se das suas emanações e, logo em
seguida, repetir o método com cada uma destas irradiações, precisando
individualmente a esfera de protecção de cada um dos direitos fundamentais
procedimentais implícita ou explicitamente contemplados na Constituição (Idem,
pág. 134).
Uma interpretação da norma do n.º 1 do artigo 76.º da Lei do
Tribunal Constitucional que conduzisse, na situação dos presentes autos, à não
admissão do recurso, tendo por efeito a perda do direito fundamental ao recurso,
revelaria estar aquela norma em colisão com o disposto no artigo 280.º da
Constituição.
Nestes termos e nos mais de direito, deverá a presente reclamação
ser julgada procedente.”
5. O representante do Ministério Público no Tribunal
Constitucional emitiu o seguinte parecer:
“Incumbe ao recorrente o ónus de identificar claramente qual a
decisão que pretende impugnar perante este Tribunal Constitucional e endereçar o
respectivo requerimento de interposição ao órgão jurisdicional que a proferiu,
de modo a que este possa exercer, nos termos do artigo 76.º, n.º 1, da Lei n.º
28/82, o poder‑dever de admitir ou rejeitar tal recurso.
No caso dos autos, é patente que tal ónus não se mostra
adequadamente cumprido, já que o requerimento de interposição do recurso foi
dirigido ao Presidente do STJ – que havia dirimido a reclamação deduzida – e não
ao relator que, no Tribunal da Relação, teria procedido à pretendida aplicação
inconstitucional das normas, questionadas pelo recorrente: nestas
circunstâncias, não cabia evidentemente ao Presidente do Supremo admitir ou
rejeitar o recurso de constitucionalidade interposto, cabendo naturalmente tal
tarefa, por inteiro, ao relator do processo na Relação – e cumprindo
naturalmente ao recorrente suprir, por sua atempada iniciativa, o erro
originalmente cometido.
Não é, deste modo, passível de censura a decisão reclamada, que se
limita a considerar que – face ao citado artigo 76.º, n.º 1 – só o autor da
decisão recorrida dispõe de competência para apreciar o recurso reportado à
decisão por ele proferida.”
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
6. Na presente reclamação, apesar da sua prolixidade,
pode considerar‑se que os reclamantes pretendem contestar quer a parte do
despacho do Vice‑Presidente do STJ, de 15 de Outubro de 2008, que limitou o
âmbito do recurso (admitido) contra o seu despacho de 23 de Setembro de 2008 à
apreciação da questão da inconstitucionalidade da interpretação e aplicação
neste feita do artigo 754.º, n.º 2, do CPC, quer a parte daquele despacho que
considerou não caber ao seu autor, atento o disposto no artigo 76.º, n.º 1, da
LTC, pronunciar‑se sobre a admissibilidade do recurso interposto de decisões
proferidas no Tribunal da Relação de Lisboa, a propósito das quais foram
suscitadas as questões da inconstitucionalidade de determinadas interpretações
dos artigos 3.º e 664.º do CPC.
Mas em nenhuma dessas vertentes a reclamação merece
acolhimento.
Resulta claramente do artigo 76.º, n.º 1, da LTC, que é
ao tribunal que tiver proferido a decisão recorrida que cabe apreciar a admissão
do respectivo recurso para o Tribunal Constitucional, pelo que não compete
obviamente ao Presidente do STJ (ou ao seu Vice‑Presidente, actuando em sua
substituição ou por sua delegação) apreciar a admissibilidade de recursos de
constitucionalidade tendo por objecto diversas decisões (quer acórdãos, quer
despachos do Desembargador Relator) do Tribunal da Relação de Lisboa.
Por outro lado, é patente que, no despacho de 23 de
Setembro de 2008, a única norma aplicada, como ratio decidendi, pelo
Vice‑Presidente do STJ foi a do n.º 2 do artigo 754.º do CPC, no segmento em que
declara que “não é admitido recurso de acórdão da Relação sobre decisão da 1.ª
instância”. Apreciar a inconstitucionalidade desta norma quando aplicada a
situações em que o acórdão da Relação, apesar de proferido em recurso de decisão
da 1.ª instância, teria conhecido oficiosamente, com alegada violação do
princípio do contraditório, de pretensa “questão nova”, é questão que caberá no
âmbito do recurso admitido, sem necessidade de nele incluir as questões de
inconstitucionalidade reportadas às normas dos artigos 3.º, n.º 3, e 664.º do
CPC, as quais, por respeitarem directamente à procedência do recurso das
decisões da Relação, são estranhas à questão da admissibilidade deste recurso, e
só desta questão (da admissibilidade do recurso de agravo para o STJ) se ocupou
o despacho do Vice‑Presidente do STJ, de 23 de Setembro de 2008. As questões de
inconstitucionalidade reportadas aos artigos 3.º, n.º 3, e 664.º do CPC, na
interpretação e aplicação deles feita pelas decisões do Tribunal da Relação de
Lisboa, terão o seu lugar adequado de apreciação no âmbito do recurso que os
recorrentes venham a interpor dessas decisões para o Tribunal Constitucional,
através de requerimento endereçado ao tribunal que as proferiu, e que venha a
ser admitido, quer por esse tribunal (artigo 76.º, n.º 1, da LTC), quer pelo
Tribunal Constitucional.
Anote‑se, por último que, tendo sido proferido, em 21 de
Abril de 2008, pelo Presidente do STJ, despacho a indeferir reclamação contra o
despacho do Desembargador Relator do Tribunal da Relação de Coimbra, de 12 de
Fevereiro de 2008, que não admitira recurso de revista, daquele despacho
foi interposto, pelos ora reclamantes, recurso para o Tribunal Constitucional,
que foi admitido, por despacho de 10 de Julho de 2008, apenas para conhecimento
da questão de constitucionalidade reportada ao artigo 754.º, n.º 2, do CPC, mas
já não quanto às questões de constitucionalidade reportadas aos artigos 3.º e
664.º do mesmo Código, tendo sido deduzida reclamação, ao abrigo do artigo 76.º,
n.º 4, da LTC, quanto a esta última parte do referido despacho. Tal reclamação
foi indeferida pelo Acórdão n.º 508/2008, de 22 de Outubro de 2008, e o recurso
do despacho de 21 de Abril de 2008, na parte em que foi admitido, foi julgado
improcedente pela Decisão Sumária n.º 509/2008, de 12 de Novembro de 2008, que
reputou manifestamente infundada a questão da inconstitucionalidade, face aos
artigos 13.º e 20.º, n.ºs 1 e 4, da CRP, da norma do artigo 754.º, n.º 2, 1.ª
parte, do CPC (na redacção resultante do Decreto‑Lei n.º 375‑A/99, de 20 de
Setembro), interpretada no sentido de que não cabe recurso de agravo para o STJ
de decisão da Relação, proferida sobre recurso vindo da 1.ª instância, ainda que
tal decisão tenha conhecido oficiosamente de uma questão nova.
7. Em face do exposto, acordam em indeferir a presente
reclamação.
Custas pelos reclamantes, fixando‑se a taxa de justiça
em 20 (vinte) unidades de conta.
Remetam‑se, de imediato, cópias do presente acórdão ao
Supremo Tribunal de Justiça (cf. fls. 35‑38) e para junção ao Proc. n.º 950/2008
desta 2.ª Secção do Tribunal Constitucional.
Lisboa, 16 de Dezembro de 2008.
Mário José de Araújo Torres
João Cura Mariano
Rui Manuel Moura Ramos