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Processo n.º 990/07
3ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I- Relatório
1. A. SA., notificada para proceder ao pagamento da quantia de € 919,50,
relativa à taxa de 2002 pelo “equipamento de abastecimento de combustíveis
líquidos”, sito na EN 375, Km 26,4, Praia das Maçãs, deduziu impugnação
judicial, invocando a inconstitucionalidade da norma do artigo 69.º, n.º 1,
ponto 1.1 do Regulamento e Tabelas de Taxas e Licenças do Município de Sintra ao
abrigo da qual o tributo foi liquidado.
2. Por sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, de 21 de Março de
2007, foi julgada procedente a impugnação, com os seguintes fundamentos:
«II – Fundamentação
a) Dos Factos
Dos elementos constantes dos autos, e com interesse para a decisão a proferir,
resulta provada a seguinte factualidade:
1 - Por ofício de 07/01/2002 foi dirigida à Impugnante notificação emitida pela
Câmara Municipal de Sintra, no sentido de aquela proceder ao pagamento da
quantia de € 919,50, correspondente à taxa do ano de 2002, relativa a um
equipamento de abastecimento de combustíveis líquidos, instalado na EN 375, Km
26,4, Praia das Maçãs, Colares, no Concelho de Sintra, cujo concessionário é
“B., S.A.” (cfr doc. de fls. 31 e 32, que aqui se dá por integralmente
reproduzido);
2 - De acordo com a notificação referida em 1., o montante liquidado reporta-se
à aplicação do nº 1.1 do artigo 69.º da Tabela de Taxas e Licenças do Município
de Sintra, “em virtude dos condicionamentos no plano do tráfego e
acessibilidades, da inerente degradação e utilização ambiental dos recursos
naturais (ar, águas e solos) e da consequente actividade de fiscalização
desenvolvida pelos serviços municipais competentes” (cfr. doc. de fls. 31 e 32,
que aqui se dá por integralmente reproduzido);
3 - A instalação a que se alude no ponto 1 encontra-se instalada em propriedade
privada (cfr. doc. de fls. 31 e 32, que aqui se dá por integralmente
reproduzido);
Dos factos não provados:
1 - Não resulta provado que um posto de venda de carburantes acarrete,
inevitavelmente, consequências a nível de utilização e aproveitamento de bens do
domínio público (artigo 24.º da contestação);
2 - Não resultam provadas as alegadas diligências de fiscalização e intervenção
efectuadas pelos serviços do Município (artigo 30.º da contestação);
3 - Não resulta provado que os montantes relativos à taxa liquidada se destinem
à protecção e melhoria do ambiente (conforme vem alegado, nomeadamente, nos
artigos 25.º, 28.º, e 31.º da contestação).
Motivação da decisão da matéria de facto:
A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos, não
impugnados, que constam dos autos, tudo conforme referido a propósito de cada
uma das alíneas do probatório.
b) Enquadramento jurídico
A Impugnante sustenta a procedência da presente impugnação, desde logo, na
inconstitucionalidade da taxa liquidada, por considerar que a mesma
consubstancia um verdadeiro imposto.
[Omitido agora]
Tendo presente o que vem vertido no douto acórdão transcrito e, bem assim a
matéria que resultou provada nestes autos, dúvidas não nos restam de que no caso
não se regista um dos elementos caracterizadores do conceito de taxa – a
contraprestação por parte da Câmara face ao pagamento do tributo por parte do
Munícipe.
Na realidade não se descortina porque forma é que a CMS possibilita a utilização
ao ora impugnante de qualquer bem semipúblico, nem tão pouco se vê que aquela
“venha a ser constituída numa situação obrigacional de assunção de maiores
encargos pelo levantamento do obstáculo jurídico”, como se refere no douto Ac.
do T.C nº 558/98, in DR, II série, de 11/11/98.
De facto, não é de desprezar a distinção entre postos de abastecimento de
combustíveis situados no domínio público e aqueles que se encontram instalados
em propriedade privada, pois, é nesta distinção que o Tribunal Constitucional
tem centrado a sua apreciação em situações análogas à que está em causa nos
presentes autos.
Assim foi entendido no acórdão n.º 515/00, publicado no Diário da República, II
Série, de 23/01/01, que apreciou a constitucionalidade da norma que estabelecia
a tributação de instalações abastecedoras de carburantes líquidos sitas na área
do Município de Sintra – a norma do n.º 5 do artigo 42º da Tabela de Taxas da
Câmara Municipal de Sintra entrada em vigor em 2 de Dezembro de 1989, a qual foi
julgada inconstitucional, por violação do disposto na alínea i) do n.º 1 do
artigo 168°, por se tratar, de equipamento totalmente instalado “em propriedade
particular, com abastecimento no interior da propriedade”, e ter-se entendido
que a referida taxa não tinha uma estrutura sinalagmática, não constituindo uma
contraprestação ou contrapartida e que, em consequência, o seu pagamento não
constitui uma taxa, mas antes um imposto.
Também a norma que serviu de base às liquidações referentes ao ano de 2001,
aliás com redacção igual à vigente para 2002, e aqui impugnada (ponto 1.1 do n.º
1 do artigo 67º da Tabela de Taxas e Licenças do município de Sintra para 2001)
foi já alvo de apreciação pelo Tribunal Constitucional, que no essencial
entendeu não considerar inconstitucional aquela norma quando incida sobre postos
de abastecimento de combustíveis instalados no domínio público. No que se refere
a instalações situadas em propriedade privada, manteve-se o entendimento
acolhido no Acórdão nº 515/00. (vide Acórdãos do T.C. n.ºs 113/2004 – do
Plenário, de 17/02/2004, 204/03 de 28/04/03, e 441/03 de 30/09/03, disponíveis
em www.tribunalconstitucional.pt).
Em conformidade com a jurisprudência constitucional, aquela diferença é
essencial, pois o tributo em causa aplica-se a todos os postos independentemente
da sua localização.
Assim, nos casos em que haja ocupação do domínio público, a previsão genérica da
norma permite sustentar que se trata de uma taxa. Pelo contrário, quando o posto
abastecedor de combustível se situar em propriedade privada, não se vislumbram
os elementos que caracterizam a taxa.
Aqui chegados há pois que concluir que a norma que estabelece o tributo em
discussão, não estabelece uma taxa, enquadra, antes, a previsão de um verdadeiro
imposto, sendo certo que se encontra prevista em diploma não emanado pela
Assembleia da República, existindo assim ilegalidade por desrespeito das regras
de reserva de lei formal (em matéria de criação de impostos e por atenção ao
teor dos arts. 103.º, nºs. 2 e 3 e 165.º, n.º 1, al. i), da Constituição da
República Portuguesa).
Ainda no mesmo sentido, e mais recentemente, se pronunciou o douto Acórdão do
TCA, de 4/5/04, no recurso nº 1272/03, ao concluir, em síntese, que “As quantias
exigidas ao particular a título de taxas por instalação de bombas de combustível
em domínio privado onde também os veículos são abastecidos, não podem ser
qualificadas de verdadeiras taxas, antes tais quantias tombam na categoria dos
impostos ou, eventualmente, de contribuições especiais”.
Não resta, pois, senão concluir pela procedência da impugnação, ficando
prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas.»
3. O Ministério Público interpôs recurso desta decisão para o Tribunal
Constitucional, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei nº 28/82,
de 15 de Novembro, com fundamento na recusa de aplicação da norma constante do
ponto 1.1 do n.º 1 do artigo 69.º do Regulamento e Tabelas de Taxas e Licenças
do Município de Sintra para 2002, com fundamento em inconstitucionalidade.
4. Admitido o recurso e notificadas as partes para alegações, apenas alegou o
Ministério Público, concluindo nos seguintes termos:
«1º Conforme jurisprudência maioritária deste Tribunal, não podem configurar-se
como “taxas” os tributos que sejam cobrados em função de uma mera utilização de
bens pertencentes exclusivamente a particulares, sem que tal envolva qualquer
ocupação ou utilização de bens públicos ou semi-públicos.
2º Nada obsta, porém, à imposição de taxas que sejam contrapartida adequada de
acções fiscalizadoras ou preventivas do município, no exercício de uma
actividade de polícia sobre tais instalações, quando susceptíveis de gerarem
riscos ambientais ou para bens públicos.
3º Porém – face à matéria de facto dada como provada na sentença recorrida –
impõe-se a conclusão que, no caso dos autos, a “causa” da tributação realizada
pelo município radica exclusivamente na referida utilização de bens
particulares, o que implica a aplicação da jurisprudência firmada no Acórdão nº
113/04, conduzindo a um juízo de inconstitucionalidade da norma regulamentar que
integra o objecto do presente recurso.»
Cumpre decidir:
II- Fundamentos
5. Está em causa no presente recurso a apreciação da constitucionalidade da
norma constante do ponto 1.1 do n.º 1 do artigo 69.º do Regulamento e Tabelas de
Taxas e Licenças, aprovado pela respectiva Câmara Municipal, em 6 de Novembro de
2001, e publicado na II Série do Diário da República, de 1 de Outubro de 2001,
em vigor no Município de Sintra, referente ao ano de 2002, que dispõe o
seguinte:
“Artigo 69.º
Equipamento de abastecimento de combustíveis líquidos
1 - Por cada um e por ano:
1.1. Em virtude dos condicionamentos no plano do tráfego e acessibilidades, da
inerente degradação e utilização ambiental dos recursos naturais (ar, águas e
solos) e da consequente actividade de fiscalização desenvolvida pelos serviços
municipais competentes……………….. 306,50
1.2. À taxa prevista no ponto 1.1. acresce, ainda, a seguinte taxação:
1.2.1. Instalados inteiramente na vida pública …………………… 715,10
1.2.2. Instalados na via pública, mas como depósito em propriedade privada
…………………………………………………………….... 459,80
1.2.3. Instalados em propriedade privada, mas com depósito na via pública
………………………………………………………………. 613,00
1.2.4. Instalados inteiramente em propriedade privada, mas abastecendo na via
pública …………………………………………………….. 153,50
2 - Sempre que o equipamento de abastecimento, referido no ponto anterior, tenha
mais de uma espécie de combustível será acrescido em 50% por cada espécie.”
A decisão recorrida, depois de analisar os elementos essenciais do conceito de
taxa, contrapondo-lhes os que integram o conceito de imposto e elegendo como
principal factor diferenciador destas duas realidades a existência ou não do
carácter sinalagmático ou de não unilateralidade do tributo (a taxa denota a
vertente do sinalagma, o imposto não), entendeu que uma circunstância afastava a
possibilidade de qualificar o tributo como taxa, a saber, “o facto de o posto de
abastecimento em causa se localizar em terrenos inteiramente privados, não
ocupando, nem utilizando, para o seu funcionamento quaisquer bens do domínio
público ou semipúblico, como se retira da notificação que o próprio Município
endereçou à impugnante (ponto 3. do probatório)”. E concluiu que, diferentemente
do que sucede nos casos em que haja ocupação do domínio público, em que a
previsão genérica da norma permite sustentar que se trata de uma taxa, quando o
posto abastecedor de combustíveis se situe em propriedade privada, não se
verificam os elementos que caracterizam a figura da “taxa”, por inexistência da
contraprestação por parte da Câmara face ao pagamento do tributo pelo munícipe,
configurando-se tal situação como um imposto, criado em desrespeito das regras
de reserva de lei formal decorrentes dos artigos 103.º, n.ºs 2 e 3, e 165.º, n.º
1, alínea i), da Constituição.
6. A questão em análise não é nova neste Tribunal.
Efectivamente, o Tribunal Constitucional já apreciou a constitucionalidade de
imposições análogas (aliás, do mesmo Município), em que estavam em causa normas
que impunham a cobrança de “taxas” a postos de abastecimento de combustíveis
totalmente localizados em propriedade privada, como no caso sub judice, tendo
decidido pela sua inconstitucionalidade. Decidiu assim nos acórdãos n.ºs
515/2000, 113/2004 (publicados no Diário da República, II Série,
respectivamente, de 23 de Janeiro de 2001 e de 31 de Março de 2004), 339/2004 e
536/2005, (todos estes arestos, bem como os demais citados, disponíveis em
http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/ ).
Os Acórdãos nºs 515/2000 e 113/2004, foram proferidos com referência ao artigo
42.º, n.º 5, da Tabela de Taxas e Licenças do Município de Sintra, aprovada em
20 de Outubro de 1989. Este último, tirado em plenário, decidiu a divergência
quanto aos juízos formulados pelo já referido Acórdão nº 515/2000, a cuja
fundamentação aderiu, e pelo Acórdão nº 329/2003 (Diário da República, II Série,
de 31 de Março de 2004) que entendera ter sido a taxa validamente instituída,
mesmo quanto a postos inteiramente situados em terrenos do domínio privado.
No acórdão n.º 536/2005 a norma apreciada foi já a do artigo 69.º, ponto 1.1., e
n.º 2, da Tabela de Taxas e Licenças do Município de Sintra, aprovada pela
respectiva Câmara Municipal, em 6 de Novembro de 2001, e publicada na II Série
do Diário da República, de 1 de Outubro de 2001. No essencial, a mesma norma que
agora está em apreciação, porque o n.º 2 do preceito contém um agravamento do
tributo em função da exploração de mais de uma espécie de combustível, o que é
irrelevante para o problema em causa.
7. Esta jurisprudência refere-se a postos de abastecimento totalmente situados
em terreno privado, circunstância que ocorre também quanto à liquidação anulada
pelo acórdão recorrido. Efectivamente, quando o posto de abastecimento, por
qualquer dos seus elementos, se serve de terrenos públicos, a questão coloca-se
em termos diferentes porque “o tributo devido resulta da utilização
individualizável do domínio público viário, estando nessa medida, preenchido o
núcleo essencial do conceito de taxa”, como se decidiu no acórdão n.º 20/2003
(Diário da República, II Série, de 28 de Fevereiro de 2003). [Cf. ainda, no
sentido da constitucionalidade de normas que prevêem a cobrança da taxa em
relação a postos situados em terrenos públicos, os acórdãos n.ºs 204/03 (Diário
da República, II Série, de 21 de Junho de 2004), e 441/03 (inédito)].
Da relevância de tal elemento – de o posto de abastecimento se situar, ou não,
inteiramente em propriedade privada e abastecendo, ou não, no seu interior – na
jurisprudência constitucional, dá conta o acórdão 441/03:
“Assim, segundo a decisão do citado Acórdão n.º 515/00 – e, portanto, para quem
a acompanhar –, na medida em que, na sua genérica previsão, ela se aplique a
equipamentos de abastecimento de combustíveis líquidos instalados inteiramente
em propriedade privada, e abastecendo no seu interior, tal norma será
inconstitucional. Diversamente, na medida em que, na mesma genérica previsão,
ela contemple equipamentos de abastecimento instalados na via pública, ela não
será inconstitucional como se decidiu no Acórdão n.º 204/03.
É que, ao contrário do que é – e também nesse caso foi – invocado, tal diferença
não é “irrelevante, já que o tributo em questão se aplica a todos os postos
independentemente da sua localização”. Nalguns casos, por existir uma ocupação
de espaço público, a genérica previsão da norma tem suporte bastante para se
configurar como taxa, e ser, por isso, conforme à Constituição. Noutros casos,
essa genérica previsão cobre situações em que – pelo menos, para quem não se
afaste da qualificação efectuada no citado Acórdão n.º 515/00 – não são
divisáveis os elementos constitutivos da taxa, pelo que, nessa medida, se reputa
desconforme à Constituição. A circunstância de existir ou não ocupação do espaço
público não pode, pois, considerar-se irrelevante.”
8. Tendo presente esta jurisprudência, importa decidir se o teor da norma em
causa nos autos, que diverge daquele que esteve na base da prolação das decisões
que deram origem ao acórdão n.º 113/2004, do Plenário, justifica solução
diferente.
Com efeito, esses acórdãos examinaram uma tributação dos equipamentos de
abastecimento de combustíveis líquidos no Município de Sintra que era construída
com a seguinte estrutura, com taxa decrescente (montantes omitidos):
1- Por cada um e por cada ano:
a) Instalados inteiramente na via pública …
b) Instalados na via pública, mas com depósito em propriedade privada…
c) Instalados em propriedade privada, mas com depósito na via pública…
d) Instalados inteiramente em propriedade privada, mas abastecendo na via
pública…
e) Inteiramente instalados em propriedade privada…
Com a nova Tabela de Taxas a estrutura de tributação foi alterada,
assumindo a norma um enunciado (acima transcrito) que sugere estarmos em
presença de um tributo ambiental em sentido amplo ou impróprio (numa arrumação
dicotómica dos tributos ambientais, os que visam uma finalidade reditícia, por
contraposição aos que prosseguem uma finalidade extrafiscal incentivante da
redução do efeito nocivo). Passou a incidir sobre os postos de abastecimento,
independentemente da utilização ou não de bens do domínio público, um tributo de
montante fixo e igual para todos, a que acresce uma taxação determinada em
função da utilização da via pública. Note-se que a “justificação” da sua
imposição é largamente coincidente com as razões pelas quais o acórdão n.º
329/2003 julgou não ser inconstitucional a anterior incidência da taxa sobre
postos totalmente instalados em terrenos do domínio privado.
Sobre estas diferenças pronunciou-se o acórdão n.º 536/2005 nos seguintes
termos:
«3. A questão que importa colocar é a de saber se a jurisprudência a que se fez
referência é de reiterar face ao concreto teor da norma desaplicada no caso dos
autos. Esta diverge em dois pontos daquelas que estiveram na base da prolação
das decisões referidas.
Por um lado, deixou de haver menção, numa alínea ou número autónomos, aos postos
instalados inteiramente em propriedade privada (conteúdo que constituía,
respectivamente, o nº 5 do artigo 42º da Tabela de 1989 e o ponto 1.5 do artigo
71º da Tabela aprovada em 1999). Porém, não oferece dúvidas, face ao teor da
notificação reproduzida (supra, ponto 2. do relatório) e ao confronto com as
previsões dos nºs 1.2.1 a 1.2.4 do artigo 69º da Tabela, que o ponto 1.1 do
preceito abrange os postos inteiramente instalados em propriedade privada. É
idêntico, pois, ao das normas anteriormente apreciadas pelo Tribunal
Constitucional, o âmbito de aplicação da que constitui objecto do presente
recurso.
Por outro lado, a norma contém um parágrafo justificativo da taxa fixada,
inexistente nas anteriores redacções e reproduzido, por transcrição, na
notificação às recorridas, com o seguinte teor: “Em virtude dos condicionamentos
no plano do tráfego e acessibilidades, da inerente degradação e utilização
ambiental dos recursos naturais (ar, água e solos) e da consequente actividade
de fiscalização desenvolvida pelos serviços municipais competentes”. Ora, será
de afastar a jurisprudência a que se fez referência face a esta alteração?
Concretamente, poder-se-á afirmar que a expressão de tal fundamento afasta a
apontada falta de sinalagma do tributo que, assim, o remeteria para a natureza
de imposto?
Desde já se adianta que, como bem sustenta o Ministério Público, a resposta a
esta pergunta terá que ser negativa. Na verdade, a inclusão, na previsão
normativa, de tal justificação não significa que o obrigado ao pagamento
beneficie da utilização dos serviços de repartição ou funcionários municipais
nem da remoção de qualquer obstáculo jurídico ao exercício da actividade em
causa; tão pouco significa que a imposição da taxa se funde numa ocupação do
domínio público ou num efectivo aproveitamento de bens de utilização pública
(Acórdão nº 515/00, supra citado). Tais circunstâncias permanecem não
demonstradas, em concreto, e nem sequer poderiam ficar demonstradas pela mera
alteração de redacção a que se fez referência.
No caso presente, em que a notificação para pagamento foi feita mediante
reprodução da norma em causa, não é possível concluir que, de forma efectiva e
em concreto, tenha havido por parte dos serviços municipais a prestação de
serviços de fiscalização ou qualquer alteração no plano do tráfego ou
acessibilidades.
O específico conteúdo da justificação contida na norma – designadamente no que
concerne à degradação e utilização ambiental dos recursos naturais – seria
susceptível de classificar o tributo entre as contribuições especiais,
designadamente na categoria de contribuições para maiores despesas: “aquelas em
que a prestação devida pelos particulares encontraria a sua razão de ser no
facto de estes ocasionarem com a sua actividade ou com coisas por eles possuídas
um acréscimo de despesas para as entidades públicas” (Acórdão nº 277/86, Diário
da República, II Série, de 17 de Dezembro de 1986). Simplesmente, a exploração
de tal possibilidade não reveste, para o problema que nos ocupa, relevo prático,
face à doutrina sedimentada de que tais contribuições merecem, do ponto de vista
jurídico-constitucional, tratamento idêntico ao dispensado aos impostos (assim,
para além do Acórdão já citado e autores ali referidos, cfr. Acórdão nº 205/87,
Diário da República, I Série, de 3 de Julho de 1987).
Importa, pois, não se vislumbrando razões para a afastar e afigurando-se a mesma
inteiramente transponível para a presente situação, reiterar a jurisprudência
acima referida, para cuja fundamentação se remete.»
9. Acompanha-se este entendimento. Aliás, no caso, estes fundamentos surgem com
evidência reforçada, pois o Tribunal deu como não provados os factos alegados
pela autoridade recorrida em ordem a demonstrar que o tributo corresponda a
consequências na utilização e aproveitamento de bens do domínio público e a
diligências de fiscalização e intervenção pelos serviços do Município.
É certo que nada obsta a que as taxas municipais cumpram finalidades de gestão
de tráfego ou ambientais, desde que o seu pressuposto de facto seja susceptível
de revelar o carácter sinalagmático do nexo entre a imposição e uma prestação
individualizável por parte do ente público, que o Tribunal sempre teve por
integrante do conceito constitucional de taxa no confronto com o imposto.
Refira-se, aliás, que o Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais, aprovado
pela Lei n.º 53-E/2006, de 29 de Dezembro, passou a contemplar essa
possibilidade (cfr. artigo 6.º).
Porém, na norma em apreciação, os elementos contidos no n.º 1.1. do artigo 69.º
da Tabela não são mais do que a mera declaração de finalidade ou justificação
geral do tributo, sem uma descrição que corresponda a qualquer uma das hipóteses
de imposição que, pela presença de contraprestação pública individualizável,
satisfaça o conceito de taxa. Como se disse no acórdão n.º 536/2005, “o
específico conteúdo da justificação contida na norma – designadamente no que
concerne à degradação e utilização ambiental dos recursos naturais – seria
susceptível de classificar o tributo entre as contribuições especiais,
designadamente na categoria de contribuições para maiores despesas: “aquelas em
que a prestação devida pelos particulares encontraria a sua razão de ser no
facto de estes ocasionarem com a sua actividade ou com coisas por eles possuídas
um acréscimo de despesas para as entidades públicas”. Mas estes tributos têm,
para o que agora nos interessa, a mesma exigência formal dos impostos, como o
acórdão também refere, não podendo ser criados por regulamento municipal.
Deste modo, o único elemento da norma susceptível de ser erigido em previsão do
pressuposto de facto do tributo é, afinal, a existência de um posto de
abastecimento de combustíveis líquidos. Pelo que só se afigura possível que a
imposição integre o conceito de taxa quando a exploração do posto implique, por
algum dos seus elementos, a utilização da via pública (cf. acórdão n.º
441/2003). Caímos, portanto, apesar da evolução do teor normativo, na situação
já analisada no acórdão n.º 113/2004 pelo Plenário do Tribunal.
Assim, impõe-se a conclusão que, no caso dos autos, como salientou o Ministério
Público, a “causa” da tributação radica exclusivamente na referida utilização de
bens particulares, o que permite a transposição da jurisprudência firmada no
acórdão nº 113/2004 e o consequente juízo de inconstitucionalidade da norma
regulamentar que integra o objecto do presente recurso.
III- Decisão
Pelo exposto, negando provimento ao recurso, decide-se:
a) Julgar inconstitucional a norma do artigo 69.º, ponto 1.1., da Tabela de
Taxas e Licenças do Município de Sintra, aprovada pela respectiva Câmara
Municipal, em 6 de Novembro de 2001, e publicada na II Série do Diário da
República, de 1 de Outubro de 2001, quando interpretada no sentido da sua
aplicação a posto de abastecimento instalado totalmente em terreno privado, por
violação do disposto na alínea i) do nº 1 do artigo 165.º da Constituição da
República Portuguesa;
b) Consequentemente, confirmar a decisão recorrida no que diz respeito ao
juízo de inconstitucionalidade.
Lisboa, 14 de Janeiro de 2009
Vítor Gomes
Carlos Fernandes Cadilha
Maria Lúcia Amaral
Ana Maria Guerra Martins (vencida, nos termos de
declaração anexa).
Gil Galvão (vencido conforme declaração
junta)
DECLARAÇÃO DE VOTO
Votei vencida por considerar que, ao contrário do que se concluiu no presente
acórdão, o tributo sub judice não pode ser qualificado como um imposto, devendo
antes ser qualificado como uma taxa. Assim sendo, não se verifica qualquer
violação do artigo 165º, nº 1, alínea i) da CRP.
Com efeito, em matéria ambiental, a distinção entre taxa e imposto
tradicionalmente assumida quer pela jurisprudência deste Tribunal quer pela
doutrina – e que aqui se não contesta – tem de ser interpretada à luz da
natureza do ramo do Direito em que se insere e dos princípios nele consignados,
designadamente, do princípio do poluidor-pagador. Tal como se disse no Acórdão
nº 329/03, de 7 de Julho de 2003 (publicado no DR II Série de 31 de Março de
2004)
«(…) não se pode olvidar que, para além de se não pôr em causa que, nas
situações agora em apreciação, de facto, não há, por banda dos particulares que
exploram as ditas instalações, uma ocupação de espaço do domínio público cuja
autorização se pode, sem grandes dúvidas, antever como a remoção de um obstáculo
jurídico, o que é certo é que um outro motivo se descortina para levar a
concluir que, mesmo nessas situações, existe uma actividade, diligência e
desencadeamento de serviços, a prosseguir pela administração autárquica e
necessariamente a decorrer em razão da existência daquelas instalações.
Na verdade, parece indubitável que instalações de abastecimento de
combustíveis líquidos constituem um factor de potencial desgaste ambiental e de
risco de uma vida humana sadia e ecologicamente equilibrada. E, mesmo no que
concerne a bombas de ar ou água, não deixam de existir factores incidentes sobre
o ambiente, como os derivados do ruído de compressores e de infiltrações ou
gasto inútil de um líquido essencial à vida e que, mais e mais, deve ser
preservado e racionalmente gerido.
Perante esses factores não pode, de todo, ser assumida uma postura
de indiferença, designadamente por parte da administração, sobre a qual até
impende um dever - constitucionalmente consagrado, aliás (parte final do nº do
artigo 66º da Lei Fundamental) - de defesa do ambiente.
Assim, para uma tal defesa, imposta pelo dever a que acima se
aludiu, torna-se evidente a necessidade de, num juízo de normalidade, ter de ser
levada a efeito toda uma corte de actividades, diligências e prestação de
serviços por parte da edilidade, e que, quanto a esses casos, não seria, nos
locais onde estão sediadas as instalações abastecedoras, prosseguida se não fora
a actividade dos particulares que, dela, retiram réditos económicos.
Ou seja, a utilidade económica que os recorrentes retiram da sua
actividade - mesmo que instalada em domínio privado e com abastecimento
realizado, igualmente, em propriedade privada – é feita, não só com um
correlativo dispêndio de recursos naturais, como constitui essa actividade um
factor de risco ambiental, que demanda a prossecução de serviços autárquicos com
vista a assegurar que daquela actividade não resultem danos que ponham em
perigo a vida humana sadia e ecologicamente equilibrada, analisando e
inspeccionando tais instalações, e, quiçá, realizando obras, serviços,
projectos, etc., para minorar o indicado factor.
Neste enquadramento, pode-se afirmar que há um desenvolvimento de
actividade sobre as instalações sobre que nos debruçamos e por via do qual pode
ser exigido, pelo município, uma contrapartida tal como as taxas neste
particular analisadas.
(…)
6. Finalmente, anote-se que - atingida que foi a conclusão de que os tributos
em causa, por representarem um «preço» (tomada esta asserção no sentido de uma
contrapartida), (…), quer das actividades, diligências ou serviços a prestar
pela edilidade e, consequentemente, não se poder deixar de surpreender uma
sinalagmaticidade na respectiva imposição.»
Assim, as actividades geradoras de impacto ambiental negativo, como é o caso da
actividade constante dos autos, exigem do município uma contrapartida de
prestação de serviços, nomeadamente, em matéria de prevenção de riscos, de
gestão de tráfego e de acessibilidades, de “limpeza” dos recursos naturais
(água, ar e solo) e de fiscalização que não podem deixar de fundamentar o
sinalagma que integra o conceito de taxa.
Lisboa, 14 de Janeiro de 2009
Ana Maria Guerra Martins
DECLARAÇÃO DE VOTO
Votei vencido, no essencial, por razões idênticas às constantes dos pontos 5.3 e
6. do Acórdão n.º 329/2003, que subscrevi. Na verdade, o presente Acórdão,
retomando jurisprudência dominante no Tribunal - a qual, a meu ver, revela uma
insensibilidade aos riscos ambientais e seus custos de difícil justificação – em
nada inquina, na minha opinião, aquelas razões.
Gil Galvão