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Processo n.º 817/08
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
A - Relatório
1 – A. reclama para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do
art. 78º.-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão, da
decisão sumária proferida pelo relator, no Tribunal Constitucional, que decidiu
não conhecer do recurso de constitucionalidade.
2 – Fundamentando a sua reclamação, alega o reclamante:
«1º
O MMº Juiz Conselheiro/Relator proferiu a fls. __ dos autos, douta decisão onde
decidiu pelo não conhecimento do Recurso por parte deste Tribunal superior.
2º
O fundamento em que assentou a decisão de rejeição do recurso do MMº Senhor Juiz
relator, foi a não invocação da inconstitucionalidade antes da “reclamação”
apresentada pela Recorrente ao Presidente do Tribunal da relação do Porto de
fls. __ dos autos.
3º
Nos presentes autos, o Recorrente recorreu da decisão proferida pelo Tribunal
Judicial de 1.ª Instância para o Tribunal Superior consagrando o direito ao
Recurso, que cada cidadão e em especial os cidadãos que são partes num processo
judicial, têm.
4º
Aquela rejeição pelos fundamentos invocados para a mesma e porque nem estes, nem
aquela, foram objecto de prévia comunicação ao Recorrente por forma a que sobre
uma e outra coisa pudesse pronunciar-se, constitui para o Recorrente uma decisão
surpreendente e até imprevisível, ou seja, uma verdadeira decisão “surpresa”.
5º
Mesmo a considerar-se que não existe qualquer dever de “audiência prévia” para a
eventual aplicação do art. 420º do C.P. Penal.
6º
Na medida em que aquela ideia subjacente à rejeição quase liminar do recurso,
traduz uma violação do principio, também com assento constitucional do Direito
ao recurso.
Ora,
7º
O recorrente foi surpreendido quer com a decisão de “manifestamente
improcedente” proclamada pelo Tribunal da Relação do Porto.
8º
Quer com a respectiva e elevada condenação em “multa” de 6 UCs (5. 576,00) a que
foi sujeito.
9º
Consequentemente só na Reclamação apresentada fls. __ dos autos pelo recorrente,
pode o mesmo pronunciar-se e desse modo suscitar a questão da
constitucionalidade da norma que fundamentou tal rejeição.
10º
Ou seja, não podia o Recorrente colocar ao Tribunal “a quo” a questão da
constitucionalidade – por não lhe ser exigível a antecipação de tal solução –
rejeição do recurso e condenação em elevada taxa de justiça – dado a mesma ser
obviamente surpreendente e inesperada (para o recorrente).
11º
Sendo-lhe por isso licito suscitá-la nos termos em que o fez, ou seja, no
momento processual imediatamente posterior e através da dedução da Reclamação
apresentada contra aquela decisão que lhe rejeitou o Recurso interposto e o
condenou em elevada taxa de justiça.
12º
Pois, repete-se, a rejeição do recurso, por manifesta improcedência, não era
solução que podia ser antecipadamente prevista pelo Recorrente.
13º
Dá que, não podia o recorrente ter suscitado o problema de constitucionalidade
da dita norma para momento anterior.
Por outro lado,
14º
A multa aplicada pelo Tribunal da Relação, configura a aplicação de pesada
sanção a quem se atrever a discordar de uma decisão judicial tomada em primeira
instância...
15º
Também aí, não foi o recorrente ouvido da intenção do Tribunal de 2ª. Instância
da intenção em condena-lo no pagamento de uma tão avultada sanção.
16º
Também essa decisão foi “surpreendente” para o Recorrente.
17º
Sabe o recorrente que o sentido funcional que o Tribunal Constitucional tem
atribuído à exigência legal de suscitar a inconstitucionalidade durante o
processo, tem em vista dar oportunidade ao tribunal recorrido de se pronunciar
sobre a questão de modo que o Tribunal constitucional venha a decidir em
“segunda instância”.
18º
Devendo, portanto, em princípio, a questão de constitucionalidade ser suscitada
antes de esgotado o poder jurisdicional do tribunal recorrido.
19º
Ora, e salvo o devido respeito, foi isto exactamente o que o recorrente fez.
20º
Como supra se evidenciou e os autos demonstram o recorrente logo após ter sido
confrontado com a surpreendente decisão que lhe rejeitou o Recurso interposto
nas condições supra explanadas e que os autos bem demonstram,
21º
Apresentou a devida Reclamação – o que é o meio processual próprio para nas
circunstâncias reagir em primeira linha contra aquela rejeição de Recurso por
banda do Tribunal da Relação do Porto – onde fundamentou e explicou os
fundamentos da sua inconformidade com o douto despacho reclamado e onde pela
primeira vez se tornou necessário e oportuno invocar a dita
inconstitucionalidade.
22º
Daí que, salvo o devido respeito, cumpriu, atempadamente e quando a questão de
Direito se colocou, os pressupostos bastantes e suficientes à interposição do
Recurso – ao qual tem inalienável direito – para este colendo Tribunal – arts.
70º n.º 1 al. b) e g), 72º n.º 2 e 75º da Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro na sua
actual redacção.
23º
Não pode por isso, nos presentes autos, salvo o devido e merecido respeito,
fazer-se recair sobre a parte (o Recorrente), o ónus de suscitar uma questão de
constitucionalidade normativa “antes” que essa questão surja.
24º
Tanto basta como supra se afirmou e aqui se repete para dar como verificado o
requisito constante do n.º 2 do art. 72º da citada Lei 28/82 de 15 de Novembro.
Sem prescindir,
25º
Mesmo que assim não fosse convém atender que existem casos excepcionais,
particulares, em que o Recorrente não tenha tido oportunidade para suscitar a
questão de constitucionalidade, e tal Recurso de constitucionalidade é
admissível, sem que sobre tal questão tenha havido uma anterior decisão do
Tribunal “a quo” – “vide gratiae” neste sentido os Acs. n.º 232/94, Acs. do
Tribunal Constitucional, vol. 27º, pág. 1119, Ac. n.º 43/99/T. Const. D.R. – II
Série pág. 4494, Ac. n.º 559/98, Acs. do Tribunal Constitucional, Ac. n.º
74/2000, de 10 de Fevereiro, in BMJ, n.º 490, Março 2000.
26º
Ou dito de outro modo: no caso sub judice, considerando que a decisão do
Tribunal da Relação configurou uma decisão “surpresa” (para o Recorrente), o
Recorrente tanto poderia (ou só poderia) invocar a questão da
inconstitucionalidade na reclamação apresentada, como fez, ou no requerimento de
interposição do Recurso para o Tribunal Constitucional.
27º
Por tudo isto, e sendo de um ou de outro modo, entende o Recorrente que a douta
decisão reclamada deverá ser reformada e, ou, alterada por forma a que seja
determinado a admissão do recurso interposto para este Tribunal Constitucional
nos termos do disposto no art. 76º, 77º e 78º da dita Lei nº 28/82 de 15 de
Novembro.
NESTES TERMOS E COM O DOUTO SUPRIMENTO DE V. EXAS. VENERANDOS JUÍZES
CONSELHEIROS, SE REQUER SEJA DADO PROVIMENTO À PRESENTE RECLAMAÇÃO,
REFORMANDO-SE E, OU, REVOGANDO-SE A DOUTA DECISÃO RECLAMADA, SUBSTITUINDO-SE TAL
DOUTO DESPACHO POR OUTRO QUE DETERMINE A ADMISSÃO DO RECURSO INTERPOSTO
ORDENANDO-SE A IMEDIATA SUBIDA DO MESMO, COM TODAS AS DEVIDAS E LEGAIS
CONSEQUÊNCIAS.».
3 – O Procurador-Geral Adjunto respondeu dizendo ser a “reclamação
manifestamente improcedente”, por “a argumentação do reclamante em nada abala[r]
os fundamentos da decisão reclamada, no que toca è evidente inverificação dos
pressupostos do recurso”.
4 – A decisão reclamada tem o seguinte teor:
«1 – A., melhor identificado nos autos, invocando o disposto na
alínea b) do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual
versão (LTC), recorre para o Tribunal Constitucional pretendendo ver sindicada a
constitucionalidade da norma tirada do disposto nos n.ºs 1 e 4 do artigo 420.º
do Código de Processo Penal, quando interpretadas no sentido de optar pela
rejeição do recurso, por manifesta improcedência, e consequentemente condenação
em sanção pecuniária, sem a prévia audição do interessado em termos deste poder
alegar o que tiver por conveniente, sobre uma anunciada e previsível
condenação”.
2 – Com interesse para o caso sub judicio há a relatar:
2.1 – Por Acórdão de 16 de Abril de 2008, o Tribunal da Relação do
Porto julgou o recurso interposto pelo arguido, ora recorrente, “manifestamente
improcedente” nos termos do disposto no artigo 420.º, n.º 1, do Código de
Processo Penal (CPP), fazendo acrescer à taxa de justiça devida a sanção
prevista no n.º 4 da referida norma, a qual se fixou em 6 Ucs.
2.2 – Notificado desse aresto, o recorrente deduziu a reclamação de
fls. 459 e ss, requerendo ao Tribunal da Relação que:
“A) Seja conhecido e declarado o supra mencionado vício consistente na
contradição insanável entre a fundamentação e a decisão e, em consequência
proceder-se à reforma da douta decisão, a qual deverá ser substituída por outra
que, julgando o Recurso procedente – pelos motivos invocados – conduza à
absolvição do Recorrente, com todas as devidas e legais consequências;
B) Seja conhecida e declarada a inconstitucionalidade do regime
instituído nas ditas normas dos n.ºs 1 e 4 do artigo 420.º do Código de Processo
Penal, quando interpretadas no sentido de optar pela rejeição do recurso, por
manifesta improcedência, e consequente condenação em sanção pecuniária, sem a
prévia audição do interessado em termos deste poder alegar o que tiver por
conveniente sobre tal intenção do Tribunal e previsível condenação, por violação
dos Princípios do Direito ao Recurso, do Contraditório, ou o denominado due
process of law, o princípio da proibição da indefesa o qual está contido no
direito de Acesso à Justiça e aos Tribunais, consagrados nos arts. 2.º e 20.º da
CRP”.
2.3 – Tal reclamação foi indeferida por aresto de 25 de Junho de
2008.
2.4 – Na sequência, foi interposto, nos termos supra referidos, o
presente recurso de constitucionalidade, o qual, por integrar uma situação
abrangida pelo teor da norma do artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, e atento o
disposto no artigo 76.º, n.º 3, do mesmo diploma, passará a ser decidido nos
seguintes termos.
3.1 – Vem o presente recurso interposto ao abrigo da alínea b) do
artigo 70.º, n.º 1, da LTC.
Para poder conhecer-se deste tipo de recurso, torna-se necessário, a mais do
esgotamento dos recursos ordinários e de que a norma impugnada tenha sido
aplicada como ratio decidendi pelo tribunal recorrido, que a
inconstitucionalidade desta tenha sido suscitada durante o processo. E este
requisito deve ser entendido, segundo a jurisprudência constante deste Tribunal
(veja-se, por exemplo, o Acórdão n.º 352/94, in Diário da República II Série, de
6 de Setembro de 1994), “não num sentido meramente formal (tal que a
inconstitucionalidade pudesse ser suscitada até à extinção da instância)”, mas
“num sentido funcional”, de tal modo “que essa invocação haverá de ter sido
feita em momento em que o tribunal a quo ainda pudesse conhecer da questão”,
“antes de esgotado o poder jurisdicional do juiz sobre a matéria a que (a mesma
questão de constitucionalidade) respeita”, por ser este o sentido que é exigido
pelo facto de a intervenção do Tribunal Constitucional se efectuar em via de
recurso, para reapreciação ou reexame, portanto, de uma questão que o tribunal
recorrido pudesse e devesse ter apreciado (ver ainda, por exemplo, o Acórdão n.º
560/94, Diário da República, II, de 10 de Janeiro de 1995, e ainda o Acórdão n.º
155/95, in Diário da República II Série, de 20 de Junho de 1995).
É por isso que se entende que não constituem já momentos processualmente idóneos
aqueles que são abrangidos pelos incidentes de arguição de nulidades, pedidos de
aclaração e de reforma, dado terem por escopo não a obtenção de decisão com
aplicação da norma, mas a sua anulação, esclarecimento ou modificação, com base
em questão nova sobre a qual o tribunal não se poderia ter pronunciado (cf.,
entre outros, os acórdãos n.º 496/99, publicado no Diário da República II Série,
de 17 de Julho de 1996, e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 33º vol., p. 663;
n.º 374/00, publicado no Diário da República II Série, de 13 de Julho de 2000,
BMJ 499º, p. 77, e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 47º vol., p.713; n.º
674/99, publicado no Diário da República II Série, de 25 de Fevereiro de 2000,
BMJ 492º, p. 62, e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 45º vol., p. 559; n.º
155/00, publicado no Diário da República II Série, de 9 de Outubro de 2000, e
Acórdãos do Tribunal Constitucional, 46º vol., p. 821, e n.º 364/00, inédito).
Por outro lado, é pacífica a jurisprudência deste Tribunal no sentido de não se
impor que o recorrente suscite, durante o processo, a questão de
constitucionalidade normativa que pretende ver apreciada pelo Tribunal
Constitucional, quando a aplicação da norma (ou de uma sua interpretação) em
causa seja imprevisível, ou seja, quando a decisão recorrida se configure como
uma decisão-surpresa.
Contudo, como se afirmou no Acórdão n.º 186/03, disponível em
www.tribunalconstitucional.pt, tal “não é seguramente o caso em que a decisão
aplica uma norma com um sentido que desde logo emerge da própria letra do
preceito que a contém, como também a situação em que um tal sentido é acolhido
por jurisprudência pacífica ou maioritária”.
Dito de outro modo, não pode considerar-se insólita ou surpreendente uma
decisão que, mediante uma interpretação declarativa do texto legal, faça
aplicação de uma norma potencial e previsivelmente mobilizável para a resolução
do caso concreto, porquanto instituinte de um possível desfecho para uma
determinada controvérsia.
E isto porque, ao encararem ou equacionarem na defesa das suas posições a
aplicação das normas, as partes não estão dispensadas de entrar em linha de
conta com o facto de estas poderem ser entendidas segundo sentidos divergentes e
de os considerar na defesa das suas posições, aí prevenindo a possibilidade da
(in)validade da norma em face da lei fundamental.
Digamos, então, que as partes têm um dever de prudência técnica na antevisão do
direito plausível de ser aplicado e, nessa perspectiva, quanto à sua
conformidade constitucional.
Por outro lado, tem este Tribunal estabelecido que «“Suscitar a
inconstitucionalidade de uma norma jurídica é fazê-lo de modo tal que o tribunal
perante o qual a questão é colocada saiba que tem uma questão de
constitucionalidade determinada para decidir. Isto reclama, obviamente, que
(...) tal se faça de modo claro e perceptível, identificando a norma (ou um
segmento dela ou uma dada interpretação da mesma) que (no entender de quem
suscita essa questão) viola a Constituição; e reclama, bem assim, que se aponte
o porquê dessa incompatibilidade com a lei fundamental, indicando, ao menos, a
norma ou princípio constitucional infringido.” Impugnar a constitucionalidade de
uma norma implica, pois, imputar a desconformidade com a Constituição não ao
acto de aplicação do Direito – concretizado num acto de administração ou numa
decisão dos tribunais – mas à própria norma, ou, quando muito, à norma numa
determinada interpretação que enformou tal acto ou decisão (cf. Acórdãos nºs
37/97, 680/96, 663/96 e 18/96, este publicado no Diário da República, II Série,
de 15-05-1996). [§] É certo que não existem fórmulas sacramentais para
formulação dos pedidos, nem sequer para suscitação da questão de
constitucionalidade. [§] Esta tem, porém, de ocorrer de forma que deixe claro
que se põe em causa a conformidade à Constituição de uma norma ou de uma sua
interpretação (...)” – cf. o Acórdão n.º 618/98, disponível em
www.tribunalconstitucional.pt, e os acórdãos para os quais remete.
Semelhantes exigências decorrem do facto deste Tribunal, por mor das suas
particulares competências cognitivas e dos poderes que lhe estão consignados ex
constitutionis, não poder assumir-se como uma instância de amparo, não sendo,
assim, admissíveis os recursos que, ao jeito da Verfassungsbeschwerde alemã ou
do recurso de amparo espanhol, sindiquem, sub species constitutionis, a concreta
aplicação do direito efectuada pelos demais tribunais, em termos de se assacar
ao acto judicial de “aplicação” a violação (directa) dos parâmetros
jurídico-constitucionais.
Ou seja, não cabe a este Tribunal apurar e sindicar a bondade e o mérito do
julgamento efectuado in concreto pelo tribunal a quo, havendo que distinguir,
para efeitos de definição do objecto do recurso de constitucionalidade, as
situações em que se controverte a concreta decisão, considerada como resultado
de um momento de aplicação dos preceitos legais – a isso se reconduzindo as
situações em que “embora sob a capa formal da invocação da inconstitucionalidade
de certo preceito legal tal como foi aplicado pela decisão recorrida – o que
realmente se pretende controverter é a concreta e casuística valoração pelo
julgador das múltiplas e específicas circunstâncias do caso sub judicio (…);
[designadamente] a adequação e correcção do juízo de valoração das provas e
fixação da matéria de facto provada na sentença (...) ou a estrita qualificação
jurídica dos factos relevantes para a aplicação do direito […];” (cf. CARLOS
LOPES DO REGO, «O objecto idóneo dos recursos de fiscalização concreta de
constitucionalidade: as interpretações normativas sindicáveis pelo Tribunal
Constitucional», in Jurisprudência Constitucional, n.º 3, p. 8) –, daquelas em
que está essencialmente em causa o momento normativo da concreta realização do
direito, traçado pela determinação do critério jurídico à luz do qual deve ser
valorado o problema, escapando ao controlo do Tribunal a qualificação e a
valoração da matéria de facto que com aquele momento converge no juízo
decisório.
Nestes termos, considerar se está em causa a constitucionalidade de um critério
normativo ou a correcção do juízo decisório na qualificação fáctico-jurídica que
o possibilitou não será, de certo, um problema que se resolva pela estrita
consideração da semântica que o enuncia, outrossim, e principaliter, pelo tipo
de controlo que o Tribunal Constitucional é chamado a realizar, conhecendo das
questões que contendam, num plano intensivo-vertical, com a validade do critério
normativo aplicado, e, por falta de legitimidade, não tomando conhecimento das
que se refiram, num plano extensivo-horizontal, à correcção do juízo aplicativo
na recondução de uma questão de facto à norma tida por aplicável em face da
determinada relevância jurídica do caso.
3.2 – Projectando os referidos critérios no caso sub judicio, e
começando por fazer referência ao cumprimento deste último requisito
explicitado, denota-se que a requerida sindicância, em sede de juízo de
inconstitucionalidade, vai, essencialmente, dirigida à decisão judicial, no que
se tange ao juízo subsuntivo das circunstâncias específicas do caso nela
efectuado ao quadro normativo vigente, e não, directamente, ao critério
normativo enunciado no artigo 420.º do Código de Processo Penal.
De facto, a pretensão impugnatória do recorrente não se dirige
directamente contra a referida norma, mas sim contra a aplicação que da mesma
foi feita, traduzida na circunstância de a Relação ter ajuizado o recurso como
“manifestamente improcedente”, e, decorrentemente, de haver tirado a conclusão
de o “rejeitar”.
Mas, mesmo que, assim, não se entendesse e se considerasse estar-se perante uma
questão de constitucionalidade normativa, não podia o recorrente ter-se por
dispensado do ónus de suscitar a constitucionalidade da norma do artigo 420.º,
n.os 1 e 4, do Código de Processo Penal, interpretadas no sentido de dispensarem
a prévia audição do recorrente.
De facto, não pode olvidar-se que a rejeição do recurso, por manifesta
improcedência, se configurava, nos termos da lei processual, como uma das
possíveis vias de decisão do problema concreto, pelo que, em face da
susceptibilidade do Tribunal da Relação fazer aplicação do artigo 420.º do
Código de Processo Penal, devia e podia o recorrente ter antecipado a suscitação
do problema de constitucionalidade para um momento anterior ao da prolação da
decisão final de mérito, colocando o Tribunal a quo perante o dever de
fiscalizar a constitucionalidade do regime legal antes de o aplicar.
Valendo este raciocínio para a previsão que possibilita a rejeição do
recurso em conferência, o mesmo pode dizer-se da aplicação do preceituado no n.º
4 da norma sindicanda, uma vez que a mobilização desta norma se prefigura, nos
termos legais, como uma consequência do julgamento de rejeição do recurso.
Deste modo, cabia ao recorrente, em face do entendimento que perfilha,
ter confrontado o Tribunal a quo com a invalidade sub species constitutionis do
regime legal aplicável, e, consequentemente, com a necessidade – no seu
entendimento, constitucionalmente imposta – de o Tribunal notificar as partes
para se pronunciarem sobre a previsível aplicação do artigo 420.º do Código de
Processo Penal.
O que sai reforçado, na esteira do que se disse, pelo facto do Tribunal
da Relação ter mobilizado o artigo 420.º do Código de Processo Penal em estrita
correspondência com o seu sentido textual, que, como é sabido, não impõe
qualquer dever de “audição prévia”, donde não poder considerar-se “imprevisível”
ou “insólita” a sua aplicação declarativa.
4 – Destarte, atento o exposto, o Tribunal Constitucional decide não
tomar conhecimento do objecto do recurso.
Custas pelo Recorrente com taxa de justiça que se fixa em 8 (oito)
Ucs».
B – Fundamentação
5 – Como decorre da decisão reclamada, a primeira razão, nela
aventada, para não conhecer do recurso de constitucionalidade foi a de que o
recorrente sindicava a constitucionalidade da decisão em si própria e não a da
norma aplicada.
O incumprimento do ónus de adequada suscitação da questão de
constitucionalidade mostra-se, aí, expressamente, assumido, só como uma outra
razão alternativa para a solução do não conhecimento do recurso de
constitucionalidade.
Ora, o reclamante, apenas, contesta a correcção deste segundo
fundamento da decisão sumária, deixando incólume aqueloutro.
Sendo esse juízo, aqui, de repetir, impõe-se, desde logo, o
indeferimento da reclamação.
De qualquer jeito, não se vê que as considerações tecidas pela
reclamante consigam abalar, de forma concludente, a bondade da fundamentação
espraiada a propósito do pressuposto processual do ónus de adequada suscitação
da questão de constitucionalidade, sendo certo, até, que a decisão sumária as
antecipou.
C – Decisão
6 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional
decide indeferir a reclamação.
Custas pelo reclamante com taxa de justiça que se fixa em 20 UCs.
Lisboa, 18 de Dezembro de 2008
Benjamim Rodrigues
Joaquim de Sousa Ribeiro
Rui Manuel Moura Ramos