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Processo n.º 827/08
2.ª Secção
Relator: Conselheiro João Cura Mariano
Acordam, em conferência, no Tribunal Constitucional
Relatório
No âmbito do processo penal comum, que iniciou os seus termos, sob o n.º
121/05.3 JDLSB, na 9.ª Vara Criminal de Lisboa, e que actualmente se encontra
redistribuído pela 4.ª Vara Criminal de Lisboa, foi proferido acórdão, em
primeira instância, que condenou, inter alia, os arguidos A. e B., em cúmulo
jurídico, respectivamente nas penas de 8 e 6 anos de prisão.
Na sequência de recursos interpostos pelos referidos arguidos tais condenações
viriam a ser integralmente confirmadas por acórdão do Tribunal da Relação de
Lisboa, proferido em 14 de Setembro de 2007.
Os arguidos em questão reagiram também contra esta decisão através da
interposição de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, que, mediante
acórdão proferido em 12 de Junho de 2008, manteve as respectivas condenações nos
termos anteriormente decididos.
Ambos os arguidos interpuseram então recurso de constitucionalidade desta última
decisão para o Tribunal Constitucional.
O arguido A. apresentou requerimento de interposição de recurso com o seguinte
teor:
“…A)
Consta da decisão recorrida:
“São as questões atinentes à omissão de pronúncia do acórdão recorrido (da
Relação) pois não se pronunciou sobre grande parte das conclusões formuladas
pelo recorrente o que determina o reenvio do processo ao Tribunal da Relação
para, em novo acórdão, conhecer de todas as questões submetidas à sua
apreciação; à violação pelo Tribunal da Relação, do artigo 412º n.º 3 do CPP
pois proferiu decisão sem convidar o recorrente ao aperfeiçoamento das suas
conclusões de forma a poder conhecer do objecto do recurso, – sendo
inconstitucional a interpretação que a Relação fez daquele preceito – o que
constitui nulidade (que agora é arguida) pois deixou de conhecer e decidir
sobre questões que podia e devia conhecer (artigo 379º n.º 1 do CPP) o que
acarreta a nulidade do julgamento realizado pela Relação; à existência do vício
previsto no artigo 410º n.º 2-a) do CPP: insuficiência para a decisão da matéria
de facto provada; à existência do vício previsto no artigo 410º n.º 2-c) do CPP;
erro notório na apreciação da prova; à nulidade do acórdão da Relação, ainda
por omissão de pronúncia (artigo 379º-l do CPP) pois não se pronunciou sobre a
nulidade das perícias feitas aos documentos constantes dos computadores.”
A interpretação acolhida pelo Tribunal “a quo” segundo a qual no caso de
recurso, quando o recorrente não cumpra o disposto no artigo 412º n.º 3 do CPP
pode ser proferida decisão, sem o convidar ao aperfeiçoamento das suas
conclusões de forma a poder conhecer do objecto do recurso, é inconstitucional
por violação do disposto no nº 1 do art. 32 da CRP.
B)
No recurso anteriormente interposto o ora recorrente, no seu art.7º suscitou e
arguiu a inconstitucionalidade do acórdão recorrido ao estribar a condenação do
recorrente com base num depoimento indirecto (art. 129º do CPP), em clara
directa e flagrante violação do princípio do contraditório, constitucionalmente
consagrado no art. 32 nº 5 da CRP.
Mais concretamente, no depoimento da testemunha C., que referiu ter conhecimento
da propriedade dos veículos automóveis, porque o D. lhe havia dito que eram do
A., e bem assim, do depoimento do Inspector E. que também ele lhe afirmou que os
veículos de Telheiras eram do A.,
Ora não tendo a 1ª instância decidido ao abrigo do disposto no nº 1 do artº 340
do CPP convocar o tal D., afim de infirmar/confirmar o depoimento da testemunha
jamais o mesmo poderia sustentar a condenação do recorrente,
Nem se diga, como faz o tribunal da relação, decisão mantida pelo tribunal “a
quo” que tal acto seria desnecessário, para além de afirmar que de modo algum as
declarações do D. foram tidas em consideração, pois resulta do texto da decisão
da 1ª instância precisamente o contrário.
Ora, tal depoimento configura ser prova ilegal/ilícita, por violar o disposto no
art. 129º do CPP e 32º nº 1 e 5º do CRP.
O n.º 5 do art.º 32º da CRP impõe a subordinação da audiência ao princípio do
contraditório; como dizem Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da
República Portuguesa Anotada, 3ª edição, pág. 206, este principio abrange “em
particular, o direito do arguido de intervir no processo e de se pronunciar e
contraditar todos os testemunhos, depoimentos ou outros elementos de prova ou
argumentos jurídicos trazidos ao processo, o que impõe designadamente que ele
seja o último a intervir no processo”.
Este principio garante as posições relativas entre as partes de um processo, por
forma a que qualquer delas não tenha menos direitos ou possibilidades de
actuação do que a parte contrária.
O direito de defesa implica também que se não prescinda da possibilidade de se
efectivar a sua intervenção processual de acordo com outra garantia essencial do
processo penal – o princípio do contraditório.
Sendo a essência deste princípio, como escreve Germano Marques da Silva, Curso
de Processo Penal, Vol. III, pg. 229, “...a dialéctica que se consubstancia no
poder que é dado à acusação e à defesa de aduzir as suas razões de facto e de
direito, de oferecer as suas provas, de controlar as provas contra si oferecidas
e de discretear sobre o resultado de uma e outras...”, releva aqui a assinalada
possibilidade de controlar as provas contra si oferecidas – ou, como se disse na
passagem atrás transcrita de Gomes Canotilho e Vital Moreira, de “contraditar
todos os testemunhos, depoimentos ou outros elementos de prova”.
Esta faculdade não se limita à possibilidade de um arguido procurar infirmar,
através de instâncias, ainda que feitas por interposição do juiz, o que uma
testemunha tiver dito; pode ter também lugar através do oferecimento e produção
de provas que ponham em dúvida ou destruam a versão dessa testemunha; mas o
contra-interrogatório, não sendo o único modo de contraditar prova contrária,
aparece como um meio que poderá ser, em concreto, o único possível e, de
qualquer modo, para tanto indispensável e sempre imprescindível.
A interpretação segundo a qual o depoimento prestado nestas condições pode ser,
como efectivamente foi, valorado é inconstitucional por violação do art. 32º nº
l e 5º do CRP.
C)
O douto acórdão de que se recorre considerou que as intercepções telefónicas
feitas nos presentes autos eram válidas não enfermando por isso de qualquer
vício, mormente ao que para o presente interessa, de qualquer
inconstitucionalidade.
Para o efeito interpretou o art. 188º nº 3 do CPP, no sentido de possibilitar a
desmagnetização das escutas telefónicas antes do arguido poder ter acesso às
mesmas, e sem que se possa ter pronunciado sobre a sua relevância, e ainda, na
medida em que a desmagnetização de tais escutas assumiam relevância própria para
esclarecer ou contextualizar o sentido das passagens seleccionadas pela acusação
e bem assim, requerer, também, cópias dos elementos referidos (art. 188º nº 5
CPP)
Ora tal interpretação viola o direito de defesa do arguido, consubstanciado,
inclusive nos arts. 11º nº 1 da Declaração Universal dos Direitos do Homem e do
art. 32º nº 1, 2 e 5 da CRP.
Consequentemente, deveriam ser declaradas inválidas as intercepções e todos os
actos que possam depender das mesmas, conforme os arts. 122º e 189º do CPP.
(versão anterior por ter sido nesse âmbito que a destruição das escutas foi
ordenada).
Por vários acórdãos proferidos por este tribunal foi declarada a
inconstitucionalidade da destruição das escutas, sem objecto de contraditório
por parte dos arguidos, ex vi, Acórdão nº 451/2007, Processo nº 457/2007 – 3ª
Secção e Acórdão 660/2006 de 28 de Novembro de 2006 e Acórdão 426/2005.
Razão pela qual o legislador, na alteração do Código do Processo Penal revogou o
art. 188 nº 3 que previa a possibilidade de destruição das mesmas, que
anteriormente se poderia considerar uma nulidade insanável.
Pelo que Vªs Exªs devem julgar inconstitucional, por violação das disposições
conjugadas dos artigos 32º, n.º 8 e 18º, n.º 2, da Constituição da República
Portuguesa, a norma constante do n.º 3 do artigo 188º quando interpretada no
sentido de possibilitar a desmagnetização das escutas telefónicas antes do
arguido poder ter acesso às mesmas…”.
Por seu turno, o arguido B. apresentou requerimento de interposição de recurso
com o seguinte teor:
«… 1 - Damos aqui por reproduzido o nosso requerimento/ reclamação do douto
despacho da Relação de Lisboa que não admitiu o recurso para o STJ em especial o
que consta de fls. 4, 5, 6 e 7 desse requerimento.
2 - Todo o direito penal português, e a C.R. Portuguesa, estabelecem como seus
princípios mais nobres, mais caracterizadores e inarredáveis tudo o que redunde
em benefício do arguido.
O artº 50º do C.Penal actualmente em vigor, traduz-se numa clara e evidente
hipótese de benefício para o arguido.
Ainda no Jornal de grande circulação, Correio da Manhã, de 3 de Outubro
corrente, a página 21, se encontra uma notícia de que o S.T.J. suspendeu a pena
a um abusador sexual com base em tal disposição.
Como o requerente não cometeu nenhum crime contra as pessoas, por maioria de
razão merece também usufruir de tal benefício, ainda que antecipadamente deva
baixar-se-lhe a pena em que foi condenado, para medida não superior a 5 anos.
Não procedendo dessa forma, a douta decisão, ora em recurso, feriu de
inconstitucionalidade, o citado artº 50º do C.Penal em vigor…”.
Foi proferida decisão sumária em 11-11-2008 de não conhecimento de ambos os
recursos, com a seguinte fundamentação:
“1. Pressupostos do recurso de constitucionalidade
No sistema português de fiscalização de constitucionalidade, a competência
atribuída ao Tribunal Constitucional cinge‑se ao controlo da
inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões de desconformidade
constitucional imputada a normas jurídicas ou a interpretações normativas, e já
não das questões de inconstitucionalidade imputadas directamente a decisões
judiciais, em si mesmas consideradas.
A distinção entre os casos em que a inconstitucionalidade é imputada a
interpretação normativa daqueles em que é imputada directamente a decisão
judicial radica em que na primeira hipótese é discernível na decisão recorrida
a adopção de um critério normativo (ao qual depois se subsume o caso concreto
em apreço), com carácter de generalidade, e, por isso, susceptível de
aplicação a outras situações, enquanto na segunda hipótese está em causa a
aplicação dos critérios normativos tidos por relevantes às particularidades do
caso concreto.
Por outro lado, tratando‑se de recurso interposto ao abrigo da alínea b), do n.º
1, do artigo 70.º, da LTC – como ocorre no presente caso –, a sua
admissibilidade depende da verificação cumulativa dos requisitos de a questão de
inconstitucionalidade haver sido suscitada «durante o processo», «de modo
processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão
recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (n.º 2, do artigo
72.º, da LTC), e de a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio
decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionais pelo
recorrente.
2. Do recurso de constitucionalidade interposto pelo arguido A.
2.1. Da questão da inconstitucionalidade da interpretação normativa do art.
412.º, n.º 3, do Código de Processo Penal
O recorrente pretende que seja fiscalizada a constitucionalidade material da
norma constante do art. 412.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, na
interpretação segundo a qual, não sendo cumpridas as especificações ali
previstas, o tribunal ad quem pode proferir decisão sem convidar previamente o
recorrente a aperfeiçoar as respectivas conclusões de forma a poder conhecer do
objecto do recurso.
Na óptica do recorrente, tal interpretação normativa, na medida em que impediu o
conhecimento da totalidade das questões suscitadas no recurso sobre matéria de
facto, viola o disposto n.º 1, do artigo 32.º, da Constituição, nomeadamente o
direito do arguido ao segundo grau de jurisdição em matéria de facto.
Assim configurada esta questão de inconstitucionalidade, importa afirmar, desde
já, que a mesma não pode ser conhecida, na medida em que a referida
interpretação normativa não foi adoptada como ratio decidendi pelo tribunal
recorrido.
Veja-se o que foi efectivamente expendido pelo Supremo Tribunal de Justiça, na
parte respeitante à questão controvertida do cumprimento do disposto no n.º 3,
do artigo 412.º do CPP:
“Da análise da motivação do recurso interposto pelo recorrente para o Tribunal
da Relação – supra transcrita – é manifesto que não cumpriu de forma rigorosa o
estatuído no citado artigo 412 do CPP.
E também é verdade que não foi convidado a suprir tal “deficiência”.
Todavia, apesar disso, o Tribunal da Relação aceitou o recurso e a motivação
apresentada, pelo que se deve entender que considerou aquela motivação
suficiente (embora sem observância escrupulosa do citado comando legal).
E, na sequência desse entendimento, conheceu das questões suscitadas pelo
recorrente.
Sendo assim, não há violação do artigo 417º-3 do CPP: o tribunal entendeu que a
motivação apresentada, satisfazia o citado artigo 412º, embora sem o rigor que
seria exigível.
E terá havido omissão de pronúncia?
Entendemos que não. Na verdade, analisando cuidadosamente o acórdão recorrido,
constata-se que o mesmo conheceu de todas as questões suscitadas pelo
recorrente, maxime nas conclusões apresentadas.
Na realidade, o acórdão recorrido apreciou a questão da eventual valoração do
depoimento indirecto, tendo concluído que a decisão não se alicerçara em nenhum
depoimento desse tipo (pelo que, obviamente, inexiste qualquer “efeito à
distância”, como alega o recorrente); apreciou a questão da nulidade das escutas
e das intercepções, tendo concluído que as mesmas se mostram conformes à lei;
apreciou as questões atinentes aos alegados vícios do artigo 410º do CPP,
concluindo que não se verificavam; apreciou a questão atinente á figura do crime
de burla de valor consideravelmente elevado; a questão das perícias efectuadas
aos computadores apreendidos, tendo-as considerado válidas (como o próprio
recorrente reconhece e refere a fls. 5659 destes autos); e a questão da
necessidade e oportunidade da realização de diligências de prova que o
recorrente entende que deveriam ter sido feitas e não foram (o principio da
investigação oficiosa no processo penal, decorrente dos artigos 323º-a) e
340º-1, do CPP tem os seus limites na lei e está condicionado pelo principio da
necessidade) sendo que o juízo de oportunidade de realização dessas diligências
de prova não vinculada, constitui questão de facto que não se subsume à previsão
do artigo 410º-2 e 3, do CPP e, por isso, não pode ser sindicada pelo tribunal
superior.
Ou seja: a Relação conheceu aprofundadamente das questões postas.
Inexiste, portanto, omissão de pronúncia.
Inexiste, portanto qualquer nulidade daí decorrente (cfr. artigo 379º- 1-c) e 3,
do CPP)…”
Resulta à saciedade do trecho da decisão recorrida acabado de transcrever que o
Supremo Tribunal de Justiça não aplicou a aludida interpretação normativa do n.º
3, do art. 412.º, do CPP, sobretudo na dimensão negativa atribuída pelo arguido
que se traduz no aproveitamento pelo tribunal de recurso das deficiências da
motivação para efeito de abstenção do conhecimento da totalidade das questões
suscitadas pelo recorrente sobre matéria de facto.
Na verdade, ao contrário do referido pelo recorrente, o acórdão recorrido
entendeu que apesar da falta de cumprimento do estatuído nas diferentes alíneas
do n.º 3, do artigo 412.º, do CPP, o Tribunal da Relação tinha conhecido de
todas as questões suscitadas pelo recorrente no recurso interposto para esse
Tribunal, não tendo relevado a inobservância daqueles requisitos.
Nos termos do disposto no artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da Constituição da
República Portuguesa (CRP), e no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC, cabe
recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que 'apliquem
norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo'.
Tem sido entendido que a norma é efectivamente aplicada quando a mesma constitui
a verdadeira ratio decidendi e não um mero obiter dictum da decisão recorrida.
E em conformidade com este controlo concreto ou incidental, afirma-se que o
recurso de constitucionalidade tem uma função meramente instrumental aferida
pela susceptibilidade de repercussão útil no processo concreto de que emerge,
não servindo, assim, para dirimir questões meramente teóricas ou académicas.
Uma vez que a aludida interpretação normativa não constituiu a verdadeira ratio
decidendi adoptada pelo Supremo Tribunal de Justiça, o presente recurso de
constitucionalidade não seria dotado de qualquer repercussão útil no processo
concreto de que emerge.
Não se mostrando satisfeito o aludido requisito específico do recurso de
constitucionalidade, o Tribunal Constitucional não pode conhecer do recurso
nesta parte, devendo ser proferida decisão sumária nesse sentido, nos termos do
artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC.
2.2. Da questão da inconstitucionalidade da interpretação normativa do art.
129.º do Código de Processo Penal
O recorrente pretende também que seja fiscalizada a constitucionalidade material
da norma constante do art. 129.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, na
interpretação segundo a qual o depoimento indirecto pode ser valorado como meio
de prova.
Na óptica do recorrente, tal interpretação normativa, na medida em que permitiu
que fossem valorados depoimentos de duas testemunhas resultantes do que ouviram
dizer a uma pessoa determinada que não foi chamada a depor em julgamento, viola
o disposto nos n.os 1 e 5, do artigo 32.º, da CRP, nomeadamente o princípio do
contraditório.
Assim configurada esta questão de inconstitucionalidade, importa afirmar, mais
uma vez, que a mesma não pode ser conhecida, na medida em que a referida
interpretação normativa também não foi adoptada como ratio decidendi pelo
tribunal recorrido.
Atente-se no que foi efectivamente decidido pelo Supremo Tribunal Justiça, na
parte respeitante à questão controvertida da valoração indevida dos depoimentos
indirectos:
“…Sustenta o recorrente a inconstitucionalidade do acórdão recorrido porque
estribou a condenação num depoimento indirecto e também por violação do
princípio “in dubio pro reo”.
Terá sido assim?
O depoimento indirecto a que o recorrente se refere é o da testemunha D..
[...]
Quanto a esta questão, concluímos, como o Exmº Magistrado do MºPº junto do
tribunal da Relação de Lisboa, que se trata de uma questão ficcionada, que não
tem qualquer correspondência na realidade dos autos.
Na verdade, analisando quer a matéria provada, quer a fundamentação da mesma,
não vemos (ao contrário do recorrente) que aquele – ou qualquer outro depoimento
indirecto – tenha servido de fundamento para a condenação do arguido/recorrente.
Tal como, aliás, também concluiu o acórdão recorrido quando apreciou tal
questão, dizendo expressamente: “...Aliás, neste aspecto, assume particular
relevância a alusão feita pelo mesmo ao facto de pretensamente se ter tido em
conta o depoimento indirecto da testemunha D., em sede de inquérito, a qual não
foi ouvida na audiência de julgamento, por exclusiva responsabilidade da Polícia
Judiciária e do Tribunal de Instrução Criminal.
Referindo, ainda, ele que todas as acusações e provas se baseiam no testemunho
inicial desse indivíduo que fez despontar a investigação e tem sido usado para
fazer prova em sede de julgamento contra o ora recorrente A.
Todavia, compulsado o acórdão em causa, não se vislumbra que, em parte alguma,
se tenha relevado o depoimento prestado, no inquérito, pelo já supra mencionado
D., conforme inequivocamente decorre do mero compulsar da respectiva
fundamentação da matéria de facto dada por provada.
Por outro lado, nem ao menos se consegue alcançar que a circunstância de tal
testemunha não ter sido ouvida em julgamento possa, de alguma forma, caber à
Polícia Judiciária ou ao Tribunal de Instrução Criminal.
E, muito menos, que tenha sido ela a fazer despoletar a investigação levada a
cabo, servindo, ainda, o seu testemunho inicial como base a todas as acusações e
meio de prova, em sede de julgamento, contra o arguido A.
Nesta conformidade, e depois de analisada toda a prova produzida, torna-se
manifestamente insustentável a pretensão de que se haja feito qualquer valoração
indevida de depoimentos indirectos, isto até pelo simples facto de que não se
nos afigura sequer que tenham ocorrido in casu.
O que, assim, obsta, mais uma vez, a que se tenha verificado a existência de
violação do já supra aludido princípio constitucional in dubio pro reo (cfr.
Art. 32º, n.º 2 da C.R.P.) ...'.
Não se verifica, portanto aplicação do artigo 129º do CPP nem violação do
princípio “in dubio pro reo”.
Tanto basta para que aquela questão não proceda.”
Como facilmente se alcança desta transcrição, o Supremo Tribunal de Justiça,
não só considerou que não tinha sido relevado qualquer depoimento indirecto,
como até referiu que se lhe afigurava que nenhum depoimento deste tipo tinha
sido prestado, pelo que não sustentou a interpretação normativa questionada.
Uma vez que a aludida interpretação normativa não serviu de todo como ratio
decidendi do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, o presente recurso de
constitucionalidade também não seria dotado de qualquer repercussão útil no
processo concreto de que emerge.
Não se mostrando, mais uma vez, satisfeito o aludido requisito específico do
recurso de constitucionalidade, o Tribunal Constitucional não pode conhecer do
recurso nesta parte, devendo ser proferida decisão sumária nesse sentido, nos
termos do art. 78.º-A, n.º 1, da LTC.
2.3. Da interpretação normativa do artigo 188.º, n.º 3, do Código de Processo
Penal (com a redacção anterior à Lei 48/2007, de 29 de Agosto)
Pretende ainda o Recorrente que o Tribunal Constitucional leve a cabo a
fiscalização concreta da constitucionalidade material da norma constante do n.º
3, do artigo 188.º, do Código de Processo Penal, com a redacção anterior à Lei
48/2007, de 29 de Agosto, na interpretação segundo a qual a desmagnetização das
escutas telefónicas pode ocorrer antes de o arguido poder ter acesso às mesmas.
Ora, importa referir, mais uma vez, que a referida interpretação normativa
também não foi adoptada pelo tribunal recorrido, uma vez que o mesmo, quanto a
esta matéria, se limitou a dizer:
“…Invalidade das intercepções e de todos os actos dependentes das mesmas e a
nulidade das escutas por poderem ser desmagnetizadas antes do arguido poder ter
acesso às mesmas e sem poder pronunciar-se sobre a sua relevância (o que
acarreta a inconstitucionalidade do artigo 188º-3 do CPP) e por existirem
transcrições de telefonemas de advogadas sem nada de relevante para a
investigação.
Não temos dúvidas em afirmar que, também neste aspecto, não assiste razão ao
recorrente.
(...)
Finalmente, não basta dizer que as gravações podem ser destruídas sem que o
arguido tenha acesso às mesmas. É que, no caso em apreço, não se mostra que isso
tenha efectivamente sucedido.
Daí que não se verifique a invocada inconstitucionalidade…”
Na verdade, quanto a esta matéria, e logo no plano dos factos respeitantes à
tramitação processual da recolha de prova através de escutas telefónicas, o
Supremo Tribunal de Justiça nem sequer considerou demonstrado que as gravações
das escutas telefónicas tivessem sido destruídas sem que o arguido tivesse tido
acesso às mesmas, pelo que não defendeu a legalidade desse procedimento.
Uma vez que interpretação normativa enunciada pelo Recorrente não constituiu
minimamente ratio decidendi da decisão do Supremo Tribunal de Justiça, o recurso
de constitucionalidade também não seria, nesta parte, dotado de qualquer
repercussão útil no processo concreto de que emerge.
Ainda que assim não fosse, o recurso sempre seria improcedente, nesta parte, na
medida em que, no acórdão n.º 70/2008 (publicado no Diário da República, 2.ª
Série, de 7 de Julho de 2008), o Plenário do Tribunal Constitucional decidiu
não julgar inconstitucional a norma do artigo 188.º, n.º 3, do Código de
Processo Penal, na redacção anterior à Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, quando
interpretada no sentido de que o juiz de instrução pode destruir o material
coligido através de escutas telefónicas, quando considerado não relevante, sem
que antes o arguido dele tenha conhecimento e possa pronunciar-se sobre o
eventual interesse para a sua defesa.”
2.4. Conclusão
Concluindo, o Tribunal Constitucional não pode apreciar nenhuma das questões de
inconstitucionalidade suscitadas pelo recorrente A., uma vez que nenhuma delas
constituía ratio decidendi da decisão recorrida, devendo ser proferida decisão
sumária nesse sentido, nos termos do artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC.
3. Do recurso de constitucionalidade interposto pelo arguido B.
Conforme já se avançou acima, o recorrente B. apresentou requerimento de
interposição de recurso para o Tribunal Constitucional com o seguinte teor:
“…
2 - Todo o direito penal português, e a C.R. Portuguesa, estabelecem
como seus princípios mais nobres, mais caracterizadores e inarredáveis tudo o
que redunde em benefício do arguido.
O artº 50º do C.Penal actualmente em vigor, traduz-se numa clara e
evidente hipótese de beneficio para o arguido.
Ainda no Jornal de grande circulação, Correio da Manhã, de 3 de
Outubro corrente, a página 21, se encontra uma notícia de que o S.T.J.
suspendeu a pena a um abusador sexual com base em tal disposição.
Como o requerente não cometeu nenhum crime contra as pessoas, por
maioria de razão merece também usufruir de tal benefício, ainda que
antecipadamente deva baixar-se-lhe a pena em que foi condenado, para medida não
superior a 5 anos.
Não procedendo dessa forma, a douta decisão, ora em recurso, feriu de
inconstitucionalidade, o citado artº 50º do C.Penal em vigor…”
O recorrente em questão foi condenado, em primeira instância, na pena única de
seis anos de prisão e, desde então, tem pugnado, nas várias instâncias de
recurso, pela aplicação da pena de suspensão de execução da prisão prevista no
artigo 50.º do Código Penal, na redacção introduzida pelo Decreto-lei n.º
59/2007, de 4 de Setembro.
Perante o Supremo Tribunal de Justiça, o recorrente tinha suscitado a questão de
inconstitucionalidade nos seguintes termos:
“…
a) A Constituição da República Portuguesa estabelece como excepcional e como
última “escolha”, a efectiva prisão.
b) Como se verifica por todas as disposições citadas e transcritas na sua
motivação e se alcança como bem revelado, pela simples leitura de toda a
legislação penal, inclusive e até, em especial, pela mais recente.
c) Deu-se como provado na 1ª Instância e na Relação de Lisboa que o recorrente
não sofrera quaisquer antecedentes criminais e, ainda, verificar-se a sua total
inserção social, familiar e laboral.
d) O recorrente já cumpriu quase 40 anos de vida, só esteve detido, durante
cerca de 3 meses (de 15.06.2005 a 23.09.2005) – nº 20 a fls. 2 do acórdão em
recurso.
e) Após o regresso à liberdade, tem-se dedicado ao trabalho sem quebras,
ressarciu dois dos ofendidos (fls. 5437 e 5438) e está a frequentar um curso
superior, tentando valorizar-se.
f) Já passaram 2 anos sobre o seu regresso à liberdade e não consta que o
recorrente tenha recaído em qualquer ilícito, por mais insignificante.
g) O regresso do recorrente à prisão seria, pois, de todo, além de
desnecessário, decerto que só lesivo da sua vida familiar, mulher e filhos e do
seu trabalho.
h) O douto acórdão em recurso, ao dar preferência à prisão efectiva, violou,
pois, directa e frontalmente, os artigos 16º, 17º, 18º e 28º da Constituição da
República Portuguesa e, pela respectiva interpretação e consequente aplicação,
feriu também de inconstitucionalidade, os artigos 5º, 70º, 71º nº 2, 72º nº 1 e
72º nº 2, todos do Código Penal…”
No recurso de constitucionalidade ora interposto para o Tribunal
Constitucional, o recorrente entende, mais limitadamente, que a decisão
recorrida feriu de inconstitucionalidade o art. 50.º do Código Penal em vigor
apenas e tão-só porque não reduziu a pena que lhe foi aplicada para medida não
superior a cinco anos de prisão para assim poder beneficiar da pena de suspensão
de execução da prisão.
Assim configurada a questão da inconstitucionalidade, mostra-se manifesto que o
recorrente imputa uma pretensa inconstitucionalidade à própria decisão
recorrida, sendo certo que o Supremo Tribunal de Justiça não chegou sequer a
aplicar qualquer norma constante do artigo 50.º, do Código Penal, em virtude de
ter decidido não reduzir a medida da pena única de prisão aplicada ao
recorrente.
Ora, as decisões jurisdicionais em si mesmas não podem ser objecto de controlo
da constitucionalidade pelo Tribunal Constitucional.
A fiscalização sucessiva concreta da constitucionalidade apenas pode ter lugar,
conforme já se deixou escrito acima, a propósito da aplicação jurisdicional
efectiva de uma norma jurídica.
Não se mostrando satisfeito o aludido requisito específico do recurso de
constitucionalidade, o Tribunal Constitucional não pode conhecer do presente
recurso, devendo ser proferida decisão sumária nesse sentido, nos termos do
artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC.”
O arguido A., reclamou para a conferência desta decisão, com os seguintes
fundamentos:
“Nos presentes autos o recorrente interpôs recurso do acórdão proferido pelo
STJ, no qual arguiu várias inconstitucionalidades, o que fez ao abrigo do artigo
70º, n.º 1 al. b) da Lei nº. 28/82, de 15 de Novembro com as alterações que lhe
introduziu a Lei nº. 13-A/98, de 26 de Fevereiro.
O Exmo. Sr. Conselheiro relator proferiu decisão sumária resumida nos moldes
seguintes:
“... Concluindo, o Tribunal Constitucional não pode apreciar nenhuma das
questões de inconstitucionalidade suscitadas pelo recorrente A., uma vez que
nenhuma delas constituía ratio decidendi da decisão recorrida, devendo ser
proferida decisão sumária nesse sentido, nos termos do artigo 78.º-A, n.º 1, da
LTC.”
O ora reclamante não pode concordar com tal argumentação dado que a mesma
carece, “in casu” de fundamento, conforme se alcança, facilmente, da análise da
motivação de recurso;
Senão vejamos, em resumo as diversas questões;
A)
A interpretação acolhida pelo Tribunal “a quo” segundo a qual no caso de
recurso, quando o recorrente não cumpra o disposto no artigo 412º n.º 3 do CPP
pode ser proferida decisão, sem o convidar ao aperfeiçoamento das suas
conclusões de forma a poder conhecer do objecto do recurso, é inconstitucional
por violação do disposto no nº 1 do art. 32 da CRP.
B)
A interpretação segundo o qual o depoimento prestado nestas condições pode ser,
como efectivamente foi, valorado e inconstitucional por violação do art. 32º nº
1 e 5º do CRP.
C)
O douto acórdão de que se recorre considerou que as intercepções telefónicas
feitas nos presentes autos eram válidas não enfermando por isso de qualquer
vício, mormente ao que para o presente interessa, de qualquer
inconstitucionalidade.
Para o efeito interpretou o art. 188º nº 3 do CPP, no sentido de possibilitar a
desmagnetização das escutas telefónicas antes do arguido poder ter acesso às
mesmas, e sem que se possa ter pronunciado sobre a sua relevância, e ainda, na
medida em que a desmagnetização de tais escutas assumiam relevância própria para
esclarecer ou contextualizar o sentido das passagens selecciona das pela
acusação e bem assim, requerer, também, cópias dos elementos referidos (art.
188º nº 5 CPP)
Ora tal interpretação viola o direito de defesa do arguido, consubstanciado,
inclusive nos arts. 11º nº 1 da Declaração Universal dos Direitos do Homem e do
art. 32º nº 1, 2 e 5 da CRP.
Terminou pugnando pela declaração de inconstitucionalidade, por violação das
disposições conjugadas dos artigos 32º, n.º 8 e 18º, n.º 2, da Constituição da
República Portuguesa, a norma constante do n.º 3 do artigo 188º quando
interpretada no sentido de possibilitar a desmagnetização das escutas
telefónicas antes do arguido poder ter acesso às mesmas.”
Logo o recorrente ora reclamante cumpriu todos os requisitos de interposição de
recurso para o TC, debruçando-se o mesmo sobre a ratio decidendi da decisão
recorrida, motivo pelo qual o objecto do recurso deveria ter sido conhecido e
não, proferida decisão sumária.”
O arguido B. reclamou também para a conferência, da mesma decisão sumária,
invocando o seguinte:
“Por requerimento de 07.10.08, o Recorrente interpôs para este Tribunal
Constitucional o competente recurso de constitucionalidade da interpretação
normativa efectuada pela decisão proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça, no
qual foi confirmada a decisão anteriormente proferida e que o condenou na pena
única de 6 anos de prisão.
Por decisão sumária proferida nos presentes autos em 11.11.08, decidiu-se não se
conhecer do recurso interposto por se considerar que não se mostra satisfeito o
requisito específico de constitucionalidade, sendo, em consequência, proferida
decisão nos termos do art.º 78.º-A, n.º 1, da LTC.
De acordo com a fundamentação expendida na decisão ora reclamada, no âmbito da
“... fiscalização da constitucionalidade, a competência atribuída ao Tribunal
Constitucional cinge-se ao controlo da inconstitucionalidade normativa, ou seja,
das questões de desconformidade constitucional imputada a normas jurídicas ou a
interpretações normativas, e já não das questões de inconstitucionalidade
imputadas directamente a decisões judiciais, em si mesmo consideradas.
…
tratando-se de recurso interposto ao abrigo da al. b) do n.º 1 do art.º 70.º, da
LTC, a sua admissibilidade depende da verificação cumulativa dos requisitos de a
questão de inconstitucionalidade haver sido suscitada «durante o processo», «de
modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão
recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (n.º 2 do art.º
72.º, da LTC), e de a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio
decidendi das dimensões normativas arguidas de inconstitucionais pelo
recorrente.”
Percorrendo a decisão proferida parece poder entender-se que o Ex.mo Juiz
Conselheiro que a proferiu considerou que no recurso de inconstitucionalidade
interposto pelo ora recorrente não se cumpriu este último requisito, porquanto,
como ali se refere, o recorrente “imputa uma pretensa inconstitucionalidade à
própria decisão recorrida” sendo que as decisões jurisdicionais não podem ser
elas próprias objecto de controlo da constitucionalidade pelo Tribunal
Constitucional”.
Mas, ressalvando o devido respeito, entendemos que não assiste razão ao Ex.mo
Juiz Conselheiro que proferiu a decisão reclamada pelas razões que se passam a
expor.
Nos termos do disposto no art.º 75.º-A, n.º 2 da LTC, sendo o recurso interposto
ao abrigo da al. b) do n.º 1 do art.º 70.º, do requerimento de interposição deve
constar a indicação da norma ou princípio constitucional ou legal que se
considera violado, bem como da peça processual em que o recorrente suscitou a
questão da inconstitucionalidade ou ilegalidade.
Por sua vez, nos termos do disposto no n.º 5 do mesmo normativo legal, se o
requerimento de interposição recurso não indicar algum dos elementos previstos
no presente artigo, o juiz convidará o requerente a prestar essa indicação no
prazo de 10 dias.
No caso concreto, o recorrente não indicou a peça processual em que suscitara
previamente a questão da inconstitucionalidade.
Tal omissão deveria, nos termos do disposto no n.º 5 do art.º 75.º-A da LTC, ter
determinado a notificação prévia do recorrente convidando-o a prestar aquela
indicação no prazo ali estabelecido, o que não se verificou.
Face ao exposto, o não cumprimento do disposto no n.º 5 do art.º 75.º-A da LTC,
só se pode aceitar caso o Ex.mo Juiz Conselheiro tenha compreendido
perfeitamente qual a peça processual em que a questão tinha sido suscitada, como
efectivamente compreendeu, porquanto na decisão de que se reclama, refere-se
expressamente que a questão já havia sido suscitada perante o Supremo Tribunal
de Justiça e os termos em que o foi, transcrevendo-se até as conclusões da
motivação do recurso então interposto.
Tal peça processual é, como se identifica na decisão reclamada, a motivação do
recurso perante o Supremo Tribunal de Justiça, na qual o recorrente suscitara a
questão da desconformidade constitucional da interpretação normativa efectuada
na decisão recorrida, das disposições conjugadas dos artigos 50.º, 70.º, 71.º
n.º 2, 72.º, n.º 1 e 72.º, n.º 2, todas do Código Penal, à luz do disposto nos
artigos 16.º, 17º, 18.º e 28.º da Constituição da República Portuguesa,
preceitos que considerou violados.
Questão que não foi apreciada por aquele Supremo Tribunal, ao menos na sua
formulação ali apresentada, o que suscitou a interposição de recurso para este
Tribunal Constitucional, para dela conhecer.
Como se infere do supra exposto, com o recurso interposto para este Tribunal
Constitucional, o recorrente não pretendeu que se apreciasse a
inconstitucionalidade da decisão recorrida, mas antes a desconformidade da
interpretação normativa efectuada por aquele Supremo Tribunal – na decisão que
proferiu –, dos dispositivos legais já ali referidos quando suscitou a questão
da inconstitucionalidade.
O recorrente concede que no requerimento de recurso pode não ter explicitado
devidamente, como efectivamente não o fez, todos os requisitos exigidos nos
termos do disposto no art.º 75.º-A, n.ºs 1 e 5 da LTC.
Contudo, salvo o merecido respeito, na dúvida – e porque estão em causa
direitos, liberdades e garantias do arguido – deveria este Tribunal
Constitucional ter determinado a notificação do recorrente para melhor
explicitar os fundamentos do seu pedido, cumprindo os requisitos exigidos pelo
disposto no artº 75.º-A, n.ºs 1 e 2 da LTC, e só após proferir decisão.
Ou, caso entendesse não ser necessária tal notificação, por ter compreendido o
alcance da questão de inconstitucionalidade suscitada – levada à motivação do
recurso interposto no Supremo Tribunal – tê-la apreciado na sua globalidade,
porquanto neste caso parece ser absolutamente claro que não se suscitou a
inconstitucionalidade da decisão mas sim da interpretação normativa ali
efectuada.”
O Magistrado do Ministério Público respondeu, pronunciando-se pelo indeferimento
das reclamações apresentadas.
*
Fundamentação
1. Da reclamação
apresentada pelo recorrente A.
A decisão reclamada não conheceu do recurso interposto por A., por ter entendido
que nenhuma das interpretações normativas questionadas integrava a ratio
decidendi do acórdão recorrido.
Na reclamação apresentada o recorrente limita-se a apontar as mesmas acusações
de inconstitucionalidade, dizendo, sem fundamentar, que o recurso por si
interposto incide sobre a ratio decidendi do acórdão recorrido.
Mas, como claramente se constata da leitura do acórdão recorrido, nomeadamente
dos excertos transcritos na decisão reclamada, o acórdão recorrido não assumiu
nenhuma das interpretações normativas que lhe foram imputadas pelo recorrente,
pelo que se revela correcta a decisão de não conhecer o recurso interposto por
A., devendo ser indeferida a reclamação apresentada por este.
2. Da reclamação apresentada por B.
A decisão reclamada não conheceu do recurso interposto por B., por ter entendido
que nele se questionava o sentido da própria decisão recorrida e não qualquer
interpretação normativa dotada de generalidade e abstracção suficiente para ser
aplicada noutros casos.
Na reclamação apresentada o recorrente defende que suscitou a interpretação
efectuada pelo tribunal recorrido de determinadas normas e não o sentido da
decisão.
Ora, conforme se constata da leitura do requerimento de interposição de recurso,
o recorrente imputa a inconstitucionalidade ao resultado da operação de
determinação da medida concreta da pena que lhe foi aplicada pelo tribunal
recorrido.
O recorrente limita-se, pois, a questionar a aplicação dos critérios normativos
tidos por relevantes às particularidades do caso concreto, o que, no nosso
sistema, como é sabido, não é susceptível de recurso para o Tribunal
Constitucional.
Revela-se, pois, correcta a decisão de não conhecer o recurso interposto por B.,
devendo ser indeferida a reclamação apresentada por este.
*
Decisão
Pelo exposto, indeferem-se as reclamações apresentadas por A. e B., da decisão
sumária proferida nestes autos em 11-11-2008.
*
Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça, para cada um dos
reclamantes, em 20 unidades de conta, ponderados os critérios referidos no
artigo 9.º, n.º 1, do D.L. n.º 303/98, de 7 de Outubro (artigo 7.º, do mesmo
diploma).
Lisboa, 13 de Janeiro de 2009
João Cura Mariano
Mário José de Araújo Torres
Rui Manuel Moura Ramos