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Processo n.º 977/2008
Plenário
Relatora: Conselheira Maria Lúcia Amaral
Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional
I
Relatório
1. O Presidente da República requereu, nos termos do n.º 1 do artigo 278.º da
Constituição da República Portuguesa e dos artigos 51.º, n.º 1, e 57.º, n.º 1,
da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, que
o Tribunal Constitucional aprecie a conformidade com a Constituição da norma
constante da alínea a) do n.º 1 do artigo 112.º do Código do Trabalho, na
Revisão aprovada pelo Decreto n.º 255/X da Assembleia da República, recebido na
Presidência da República no dia 5 de Dezembro de 2008 para ser promulgado como
lei.
O pedido de fiscalização de constitucionalidade apresenta, em síntese, a
seguinte fundamentação:
– A norma prevista na alínea a) do n.º 1 do referido artigo 112.º dispõe sobre
a duração do período experimental nos contratos de trabalho por tempo
indeterminado e procede a um significativo alargamento da duração do período
experimental quanto aos trabalhadores indiferenciados;
– Esta norma é uma norma restritiva de direitos, liberdades e garantias, pois
quanto mais dilatado for o período experimental maior a precariedade da relação
jurídico-laboral e mais frágil a garantia na segurança do emprego;
– E a regra constante do n.º 1 do artigo 53.º da Constituição,
sistematicamente inserida no domínio dos “Direitos, liberdades e garantias dos
trabalhadores”, reconhece aos trabalhadores o direito à “segurança no emprego”,
dela resultando a garantia da “proibição dos despedimentos sem justa causa”;
– Atendendo à natureza do direito à segurança no emprego e à natureza
restritiva da norma em apreço, deve verificar-se se a restrição operada
respeita, nos termos do n.º 2 do artigo 18.º da Constituição, o princípio da
proporcionalidade, no contexto dos seus sub-princípios da adequação, necessidade
e, complementarmente, da razoabilidade;
– À luz do corolário da adequação, o aumento da duração do período
experimental para os trabalhadores indiferenciados (de 90 para 180 dias) suscita
dúvidas quanto à sua idoneidade para atingir o fim atribuído ao período
experimental (avaliação pelas partes do seu interesse na prossecução do vínculo
laboral). As dúvidas emergem, desde logo, do contexto histórico-jurídico do
período experimental (onde se enquadra a evolução do instituto entre nós e
elementos de Direito comparado);
– Assim, e por um lado, um trabalhador não carecerá do dobro do prazo em vigor
estipulado para o período experimental para aferir sobre a conveniência das
condições oferecidas pela empresa, tanto mais que pode rescindir o contrato a
todo o tempo, sem necessidade de justa causa, desde que observe o aviso prévio
exigido; por outro lado, no que respeita às profissões indiferenciadas, carentes
de qualquer especialização relevante, não parece líquido que o empregador
necessite, objectivamente, de meio ano para avaliar as qualidades profissionais
dos seus trabalhadores tendo em vista a celebração de um contrato de trabalho
por tempo indeterminado;
– A regra constante do n.º 4 do artigo 112.º não compensa o alargamento
operado pela norma em análise;
– O alargamento do período experimental para trabalhadores indiferenciados
parece não se harmonizar também com a medida de valor da necessidade, a qual,
nos termos textuais do n.º 2 do artigo 18.º da Constituição, impõe que a
restrição legal a um direito, liberdade ou garantia se afigure exigível ou mesmo
indispensável para salvaguardar outros direitos ou interesses
constitucionalmente protegidos;
– O alargamento do período experimental para os trabalhadores indiferenciados
não serve na mesma medida o trabalhador (que pode sempre rescindir o contrato
mediante aviso prévio) e a entidade empregadora (que só naquele período pode
rescindir o contrato sem justa causa e evitar vincular‑se a um contrato
indesejável);
– O aumento do período experimental para trabalhadores indiferenciados parece
não ser um meio necessário para permitir à entidade empregadora avaliar as
qualidades dos seus trabalhadores do regime geral, pelo que, a constituir uma
medida inidónea ou desnecessária, muito dificilmente poderá ter-se como exigível
ou indispensável para salvaguardar a sua autonomia contratual;
– Da ponderação entre o bem jurídico afectado pela restrição (o direito à
segurança no emprego e à garantia da proibição do despedimento sem justa causa -
artigo 53.º da Constituição) e a autonomia privada das partes e direito de
iniciativa privada (n.º 1 do artigo 26.º e n.º 1 do artigo 61.º, ambos da
Constituição) não resulta que o alargamento do período experimental para os
trabalhadores indiferenciados seja uma medida exigível;
– No contexto global do sistema, constata-se que a revisão do Código do
Trabalho – aprovada pelo Decreto n.º 255/X – implica um maior rigor e
onerosidade na celebração de contratos a termo, tornando mais limitada a
utilização desta forma de trabalho precário que tem sido convocada por vezes,
excessivamente, como modo de atenuar a alegada rigidez do sistema de cessação do
contrato do trabalho por tempo indeterminado;
– O alargamento do período experimental nos termos discutidos pode operar como
factor compensatório da maior dificuldade ou onerosidade de celebração de
contratos a termo certo;
– No entanto, a concordância prática entre dois direitos em tensão, como
efeito de restrições que o legislador possa determinar ao seu modo de exercício,
tem como limite a necessidade de as mesmas restrições não subverterem o
finalismo dos institutos jurídicos que lhes subjazem, nomeadamente, a teleologia
dos contratos a termo e do período experimental. No caso, não parece ser
possível operar uma concordância prática entre a salvaguarda do direito de
iniciativa privada e o sacrifício do direito à segurança no emprego;
– Independentemente do uso que tenha sido feito em relação à contratação a
termo certo, uma maior limitação do seu uso (como forma de recondução do seu
regime aos respectivos pressupostos legais e constitucionais) não pode ser
legitimamente compensada, por via indirecta, com o aumento de outra forma de
precariedade laboral, através de um expressivo alargamento do período
experimental, em violação do princípio da segurança no emprego constante do n.º
1 do artigo 53.º da Constituição;
– Assim, o período experimental dos contratos por termo indeterminado seria
convolado em nova forma de contratação a prazo pelo período de seis meses, com a
agravante de se tratar de um regime laboral cuja rescisão se encontra desprovida
de forma específica, direito a indemnização e justa causa para a sua resolução,
constituindo, ainda, um factor de agravamento da precariedade laboral, na medida
em que, contrariamente à contratação a prazo, não seria susceptível de
renovação;
– O direito à iniciativa privada exerce-se em conformidade com o interesse
público ao qual não será estranho o acréscimo da precariedade laboral;
– A consagração de um período experimental sem atender à distinção entre
trabalhadores indiferenciados e trabalhadores especializados suscita dúvidas
quanto a uma eventual violação do princípio da igualdade.
O Presidente da República conclui da seguinte forma:
33.º
Existem, em conclusão dúvidas sobre se, à luz da Jurisprudência do Tribunal
Constitucional (Acórdão n.º 54/91), a liberdade de conformação do legislador
para a fixação do período experimental na alínea a) do n.º 1 do artigo 112.º do
decreto não terá excedido, para o trabalho indiferenciado incluído no regime
geral, os limites constitucionais impostos pelo principio da proporcionalidade,
ao fixar um “período de tal forma prolongado que resulte desvirtuado o princípio
da segurança no emprego” mediante uma duração estendida por um tempo demasiado
longo que possa constituir uma “forma (…) de permitir o despedimento sem justa
causa”.
E requer o pedido de fiscalização de constitucionalidade nos seguintes termos:
34.º
Atenta a fundamentação das dúvidas de constitucionalidade expostas no presente
pedido, venho requerer ao Tribunal Constitucional que aprecie a conformidade da
norma da alínea a) do n.º 1 do artigo 112.º do Decreto n.º-255/X da Assembleia
da República, quando aplicada aos trabalhadores do regime geral que exercem
trabalho indiferenciado, com a norma do artigo 53.º da CRP, conjugada com o n.º
2 do artigo 18.º da CRP e com os n.ºs 1 e 2 do artigo 13.º da CRP.
35.º
Nos termos do n.º 8.º do artigo 278.º da CRP, fixo o encurtamento do prazo de
pronúncia do Tribunal Constitucional para quinze dias.
2. O requerimento deu entrada neste Tribunal no dia 12 de Dezembro de 2008 e o
pedido foi admitido na mesma data.
3. Notificado para o efeito previsto no artigo 54.º da Lei do Tribunal
Constitucional, o Presidente da Assembleia da República veio apresentar resposta
na qual oferece o merecimento dos autos.
4. Apresentado e discutido o memorando a que alude o artigo 58.º, n.º 2, da Lei
do Tribunal Constitucional, cumpre decidir de acordo com a orientação que então
se fixou.
II
Fundamentos
A)
A questão de constitucionalidade
5. O pedido apresentado ao Tribunal vem circunscrito – como se depreende do
relato atrás feito – à apreciação de uma única norma.
Pretende, com efeito, o requerente que o Tribunal se pronuncie, a título
preventivo, sobre o disposto na alínea a) do artigo 112.º do Código do Trabalho,
na Revisão aprovada pelo Decreto n.º 255/X da Assembleia da República.
Sob a epígrafe «Duração do período experimental», dispõe do seguinte modo o
referido n.º 1 do artigo 112.º:
1. No contrato de trabalho por tempo indeterminado, o período experimental tem
a seguinte duração:
a) 180 dias para a generalidade dos trabalhadores;
b) 240 dias para trabalhador que exerça cargo de direcção ou quadro superior.
A redacção do preceito visa alterar o disposto no artigo 107.º do Código do
Trabalho, aprovado pela Lei n.º 99/2003, e que vigora hoje com o seguinte teor:
Contratos por tempo indeterminado
Nos contratos por tempo indeterminado, o período experimental tem a seguinte
duração:
a) 90 dias para a generalidade dos trabalhadores;
b) 180 dias para os trabalhadores que exerçam cargos de complexidade técnica,
elevado grau de responsabilidade ou que pressuponham uma especial qualificação,
bem como os que desempenhem funções de confiança;
c) 240 dias para pessoal de direcção e quadros superiores.
Do confronto entre as duas disposições resulta claro que o Decreto n.º 255/X da
Assembleia pretende vir alterar, em certo sentido, o regime vigente de duração
do período experimental nos contratos de trabalho por tempo indeterminado. O
período de cento e oitenta dias, que, de acordo com a versão actual do Código,
vale apenas para aqueles contratos que forem celebrados com trabalhadores
especialmente qualificados (ou que exerçam cargos tecnicamente complexos, com
elevado grau de responsabilidade ou que pressuponham especiais funções de
confiança), passaria – de acordo com a nova redacção aprovada pelo Decreto – a
valer também para os contratos celebrados com trabalhadores indiferenciados, ou
sem especiais qualificações. É que aí onde antes se previa a existência de três
períodos de duração do período experimental (nos contratos de trabalho por tempo
indeterminado), a saber, 90 dias para a generalidade dos trabalhadores; 180 para
os trabalhadores especialmente qualificados e 240 para aqueles que exercessem
cargos de direcção, passaria doravante a prever-se, apenas, dois períodos,
«consumindo-se» o regime previsto para o trabalho qualificado no regime geral.
Daqui resultaria – e nisto se cifra o essencial da mudança legislativa que o
Decreto se propõe alcançar – um alargamento, para o dobro, da duração do período
experimental nos contratos de trabalho de duração indeterminada celebrados com
trabalhadores não qualificados, ou, conforme também se diz, integrantes do
regime geral.
Ora, é justamente este alargamento – o seu sentido e a sua medida – que concita
as dúvidas de constitucionalidade que o requerente suscita perante o Tribunal.
Na verdade, o que se invoca (com frequente apoio na jurisprudência
constitucional) pode ser, fundamentalmente, sintetizado como segue. Qualquer
alargamento do período de duração da «prova», ou da «fase de experiência» nos
contratos de trabalho – sobretudo, nos contratos de duração indeterminada –
redunda, diz-se, numa restrição a um direito, liberdade ou garantia, a saber, o
direito à segurança no emprego, consagrado no artigo 53.º da Constituição. Assim
sendo, diz‑se ainda, a restrição só será lícita se se conformar com as
exigências contidas no artigo 18.º da Constituição, mormente com o cumprimento
do princípio da proporcionalidade, inscrito na parte final do n.º 2 do referido
preceito. Desdobrando‑se tal princípio em exigências de adequação, necessidade e
razoabilidade – de acordo com a terminologia utilizada no pedido – não se vê,
finalmente, como é que um período de «experiência» de 180 dias pode ser tido,
quanto aos contratos do regime geral, como um período adequado, necessário ou
razoável.
Contesta-se, antes do mais, a adequação do tempo da experiência:
entende-se, com efeito, que nem um trabalhador indiferenciado carecerá «do dobro
do prazo em vigor para aferir sobre a conveniência das condições oferecidas pela
empresa» nem o empregador que com ele contrate precisará de «meio ano para
avaliar das [suas] qualidades profissionais» (n.ºs 13 a 24 do pedido).
Contesta-se, de seguida, a necessidade de um tal tempo, por se considerar que o
seu quantum não é exigível, nem indispensável, para a salvaguarda de outros
direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, nomeadamente para a
salvaguarda do direito de iniciativa económica privada, consagrado no artigo
61.º da Constituição (n.ºs 25 a 29 do pedido). Finalmente, parece contestar-se
também a razoabilidade do novo período de «experiência» por se concluir que, «no
contexto global do sistema» – e ainda de acordo com desideratos de concordância
prática entre a necessária protecção da segurança no emprego e a observância do
direito à livre iniciativa privada – devem as restrições [à segurança no
emprego] observar como limites a não subversão do «finalismo dos institutos que
lhes subjazem, nomeadamente, a teleologia dos contratos a termo e do período
experimental» (n.º 32 do pedido).
A certo passo (e como se afirmou já no relato inicial), sustenta-se
ainda que o novo regime aprovado pelo Decreto lesará, também, o princípio da
igualdade, fixado no artigo 13.º da Constituição, «quando conjugado» com a
exigência da proporcionalidade (n.º 24 do pedido).
6. Sendo esta a questão de constitucionalidade que o pedido coloca
ao Tribunal, importa, para a sua resolução, esclarecer se tem ou não razão o
requerente quando alega os motivos que atrás ficaram sintetizados.
Como tais motivos se fundam, antes do mais, na afirmação segundo a qual o
alargamento do tempo de duração do período experimental se cifra, pela sua
própria «natureza», numa restrição ao direito de segurança no emprego, importa
desde logo determinar se assim é. Tal depende da averiguação do conteúdo que, de
acordo com um acervo já firme de jurisprudência, se pode e deve conferir a tal
direito: por aqui, pois, se começará.
É impossível saber se a norma questionada contém efectivamente, como se
sustenta, uma restrição ao direito consagrado no artigo 53.º da Constituição se
se não proceder à caracterização dos elementos essenciais do regime do período
experimental, tal como ele tem sido consagrado – sobretudo nos hoje assim
chamados «contratos de trabalho por tempo indeterminado» – pelo ordenamento
infraconstitucional. Como só assim se poderá vir a determinar se existem (e que
natureza têm) os pontos de atinência de tal regime face ao conteúdo do direito
fundamental, por este tema se continuará. Finalmente, se se chegar à conclusão
que tais pontos de atinência existem, e que configuram, como alega o requerente,
uma restrição ao direito susceptível de convocar a necessária aplicação dos
limites das normas restritivas contidos no artigo 18.º da Constituição,
importará então averiguar se, in casu, foram ou não cumpridos tais limites. A
averiguação incidirá especialmente sobre o cumprimento das exigências da
proporcionalidade, que assume, aqui, particular relevo.
B)
Sobre a garantia da segurança no emprego
7. No elenco dos direitos, liberdades e garantias contam-se, desde a revisão de
1982, os direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores. A consagração,
feita no artigo 53.º, da garantia dos trabalhadores à segurança no emprego, com
a proibição dos despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou
ideológicos, «abre» o catálogo constitucional deste ‘tipo’ particular de
direitos fundamentais, que por se incluírem ainda no Título II da Parte I são
tidos, sistemicamente, como direitos de defesa ou direitos negativos.
A jurisprudência do Tribunal já se pronunciou suficientemente sobre o alcance
que tem, para a compreensão da unidade de sentido da categoria dos direitos,
liberdades e garantias, a inclusão nela dos direitos dos trabalhadores. Por
diversas vezes (e vejam‑se a este propósito, por exemplo, os Acórdãos n.ºs
372/91, 581/95 e 683/99, todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt)
disse o Tribunal que, ao prever a condição existencial da pessoa, do cidadão e
do trabalhador como critério para a modulação da titularidade dos direitos,
liberdades e garantias, a Constituição deixou claro que os direitos de defesa
que ela própria consagra não podem ser vistos apenas como direitos a abstenções
do Estado ou direitos referidos apenas ao Estado, pois que entre eles se incluem
ainda – particularmente no Capítulo referente aos direitos dos trabalhadores –
direitos que, incidindo nas relações entre cidadãos, terão uma especial
capacidade para «vincular entidades privadas», conforme diz a parte final do n.º
1 do artigo 18.º.
O ‘facto’ não pode deixar de estar relacionado com o princípio que vai inscrito
na parte final do artigo 2.º e na alínea d) do artigo 9.º da Constituição. Se se
partir da asserção segundo a qual o termo «trabalhadores», usado pelo texto
constitucional, inclui seguramente todos aqueles que prestam a outrem trabalho
subordinado – e se se entender também que «as relações de trabalho subordinado
se não configuram como verdadeiras relações entre iguais, ao jeito das que se
estabelecem no sistema civilístico dos contratos» (Acórdão n.º 581/95) –, então,
a intenção constitucional de proteger especialmente a condição existencial do
trabalhador enquanto titular de direitos, liberdades e garantias só pode relevar
de uma outra intenção mais funda, que é a que vai incluída no princípio da
realização da democracia económica, social e cultural e nas especiais tarefas do
Estado que dele decorrem [artigo 9.º, alínea d)]. Como se disse, ainda, no já
referido Acórdão n.º 681/95, a Constituição, ao proteger como protege o bem
jurídico «trabalho subordinado», pretende afinal garantir que «a validade dos
contratos [de trabalho dependa] não apenas do consentimento das partes no caso
particular, mas também do facto de que esse consentimento “se haja dado dentro
de um marco jurídico‑normativo que assegure que a autonomia de um dos indivíduos
não está subordinada à do outro.” (C. S. Nino, Ética y Derechos Humanos, Buenos
Aires, 1984, p. 178)».
É neste contexto que se deve determinar o sentido a atribuir ao direito
consagrado no artigo 53.º.
Como decorre de um acervo jurisprudencial já firmado – e vejam-se, para além dos
Acórdãos n.ºs 372/91, 581/95 e 683/99, já citados, ainda (e sempre a título de
exemplo), o n.º 148/87 (DR, II série, n.º 178, 5 de Agosto de 1987, p. 9674) e
n.ºs. 64/91, 373/91 e 306/2003, todos disponíveis em
www.tribunalconstitucional.pt) – a garantia da segurança no emprego, entendida
como direito, liberdade e garantia ou como direito de defesa, tem um conteúdo
que não pode ser dissociado do direito ao trabalho, consagrado no artigo 58.º da
Constituição. Enquanto direito social, direito a prestações estaduais ou direito
ao desenho e adopção de políticas públicas tendentes a promover o emprego, o
direito ao trabalho incluirá seguramente no seu âmbito estruturas subjectivas
várias, complexas e multifacetadas, que não cabe agora analisar. Certo parece
ser, porém, que entre elas se contará o direito a procurar emprego, como forma
de realização condigna de projectos pessoais de vida. Nessa medida, o bem
jurídico protegido por esta específica dimensão do direito consagrado no artigo
58.º não deixará de ser contíguo daquele outro que é protegido pela liberdade de
escolha de profissão, consagrada no artigo 47.º.
Ora, o direito à procura de emprego tem, na Constituição portuguesa, uma face ou
dimensão negativa, que é aquela que decorre do direito à não privação arbitrária
do emprego que se procurou e obteve. E é precisamente esta a primeira dimensão
da «garantia» que o artigo 53.º consagra. Quando aí se fixa, textualmente, a
proibição dos «despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou
ideológicos», o que se procura impedir é, em última instância, que as relações
de trabalho subordinado cessem por acção arbitrária, discriminatória ou
injustificada do empregador. O direito a não se ser privado arbitrariamente do
emprego que se obteve é assim, certamente, a primeira estrutura subjectiva que
se inclui no âmbito de protecção da norma contida do artigo 53.º da
Constituição. A primeira, que não a única.
Com efeito – e como ficou dito no Acórdão n.º 372/91 – «nada permite concluir
que o conteúdo normativo do artigo 53.º da Constituição se esgota na proibição
de despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos e ideológicos». A
formulação literal do preceito inclui a expressão segurança no emprego, que é
aquela que é garantida. Se a garantia se exaurisse na imposição constitucional –
endereçada desde logo ao legislador ordinário – de proibição dos despedimentos
acima mencionados, ter-se-ia que concluir que o constituinte se tinha expresso,
aqui, de forma ostensivamente redundante. Assim sendo, no âmbito de protecção da
norma contida no artigo 53.º está ainda incluída – e não pode deixar de estar –
uma outra «estrutura subjectiva», que pode ser genericamente tida como um
direito à possível estabilidade do emprego que se procurou e obteve. Tal implica
a necessária evitação, por parte do Estado em geral e do legislador em
particular, de situações injustificadas de precariedade de emprego.
8. A determinação rigorosa do que seja uma «situação injustificada de
precariedade de emprego», ou do que seja o direito à sua possível estabilidade,
não pode ser feita se se não tiver em conta o direito à livre iniciativa
económica privada, consagrada no artigo 61.º da Constituição. É que – e sobre a
ideia não parece haver dúvidas – «o necessário contraponto aos direitos
relativos ao trabalho, sem o qual não há emprego nem trabalhadores, é a
liberdade de empresa e a iniciativa privada» (assim mesmo, Bernardo Xavier, «A
Constituição Portuguesa como fonte do Direito do Trabalho», em Estudos de
Direito do Trabalho em Homenagem a Manuel Afonso Olea, Coimbra, 2004, p. 165). A
ideia, acrescente-se, é aliás reversível, já que a iniciativa privada se não
poderá também exercer sem trabalhadores e procura de emprego.
Como o Tribunal tem afirmado de forma reiterada (e veja-se, a este
propósito, a síntese feita pelo Acórdão n.º 187/2001, disponível em
www.tribunalconstitucional.pt), a inserção sistemática do artigo 61.º no Título
respeitante aos direitos e deveres económicos, sociais e culturais não exclui
que o direito que o seu n.º 1 consagra tenha uma certa dimensão de liberdade,
dimensão essa enfatizada, depois da revisão constitucional de 1997, com a
redacção actual da alínea c) do artigo 80.º. Com efeito, a observância do bem
jurídico que a liberdade de empresa visa proteger obriga a que, no contexto de
uma sociedade aberta e de uma economia de mercado, a produção e distribuição de
bens e serviços não sejam coisas vedadas à acção dos privados. Tal implica que
no âmbito de protecção da norma contida no n.º 1 do artigo 61.º se conte, não
apenas a liberdade de iniciativa de uma certa actividade económica, mas também –
e depois dela – a liberdade de organização e de ordenação dos meios
institucionais necessários para levar a cabo a actividade que se iniciou. No
entanto – e di-lo textualmente o preceito constitucional – estas duas liberdades
são exercidas «nos quadros definidos pela Constituição e pela lei, e tendo em
conta o interesse geral.»
Significa isto que, na conformação do exercício da liberdade de empresa –
sobretudo na sua segunda dimensão, atrás identificada, de liberdade de
organização dos meios institucionais necessários para levar a cabo uma certa
actividade económica –, não pode deixar o legislador ordinário de ter em conta
os vínculos que lhe são impostos pela garantia da segurança no emprego, tal como
ela vem definida no artigo 53.º. Tal vale essencialmente por dizer que, entre
nós, «[a] titularidade da empresa não envolve a propriedade e senhorio desta,
com o seu carácter absolutizante e excludente, mas está desde logo limitada:
gravam sobre a empresa outras posições jurídicas, direitos e expectativas dos
trabalhadores que o empregador/titular da mesma empresa deve juridicamente
respeitar.» (Bernardo Xavier, ob. cit., p. 177). Entre estas posições jurídicas
que «gravam sobre a empresa» contar-se-ão, desde logo, aquelas que a lei deve
definir, em função das duas injunções que lhe são endereçadas pela garantia
constitucional da segurança no emprego: a proibição da existência de
despedimentos arbitrários, primeira, e a necessária evitação de situações
injustificadas de precariedade de emprego, segunda.
Da necessária evitação de situações injustificadas de precariedade de emprego
decorre uma conclusão clara, salientada constantemente pela jurisprudência do
Tribunal. Como se disse, entre muitos outros, no Acórdão n.º 372/91, «o contrato
de trabalho sem prazo [é] o tipo de contrato que melhor assegura os interesses
do trabalhador e os fins sociais que a actividade laboral visa realizar».
Assim, e entre nós, o estabelecimento, entre trabalhadores e empregadores, de
relações de trabalho constituídas por contratos de duração indeterminada deve
ser a regra e a contratação a termo a excepção. Por isso prevê o direito vigente
que seja limitada a possibilidade de celebração de «contratos a termo», através
do recurso a elementos de constrição que não estão presentes no regime do
contrato de duração indeterminada. Como se sabe, a contratação a termo tem desde
logo exigências de motivação, que assentam no pressuposto de que se tratará aqui
de corresponder a necessidades não permanentes de trabalho (artigo 129.º do
Código do Trabalho, artigo 140.º na redacção aprovada pelo Decreto); a relação
dela emergente deve perdurar durante um período mínimo (artigo 142.º do Código,
artigo 148.º na nova redacção); o contrato deve observar uma certa forma (artigo
131.º, n.º 4 do Código e artigo 141.º, n.º 1, da nova redacção); em caso de
cessação do vínculo «por declaração do empregador» deve este último compensar o
trabalhador (artigo 388.º, n.º 2, do Código, artigo 344.º, n.º 2, da nova
redacção). A tudo isto acresce, ainda, a limitação decorrente do n.º 1 do artigo
132.º do Código (mantida, quanto ao essencial, no artigo 143.º da nova
redacção), segundo a qual, em regra, «[a] cessação, por motivo não imputável ao
trabalhador, de contrato de trabalho a termo impede nova admissão a termo para
o mesmo posto de trabalho, antes de decorrido um período de tempo equivalente a
um terço da duração do contrato, incluindo as suas renovações».
Não sendo este regime, seguramente, o único constitucionalmente possível, a
verdade é que a sua existência – e a distinção essencial que dele emerge quanto
à modelação dos contratos de trabalho por tempo indeterminado e a modelação dos
contratos a termo – concretiza a injunção decorrente do artigo 53.º da CRP. O
recurso ao vínculo precário da chamada «contratação a termo» não pode deixar de
ser, na ordem infraconstitucional, marcada pelo cunho da excepcionalidade: a
isso induz o dever, que impende sobre o legislador ordinário, de evitar
situações injustificadas de precariedade de emprego.
C)
O período experimental no contrato de trabalho
por tempo indeterminado
9. De acordo com o n.º 1 do artigo 105.º do Código do Trabalho, actualmente em
vigor, «[d]urante o período experimental, qualquer das partes pode denunciar o
contrato sem aviso prévio nem necessidade de invocação de justa causa, não
havendo direito a indemnização, salvo acordo escrito em contrário». Esta
formulação é, no essencial, mantida pelo n.º 1 do artigo 114.º do Código, na
versão aprovada pelo Decreto n.º 255/X da Assembleia.
A previsão legal de um período de «prova» ou de «experiência» – com as
consequências atrás identificadas –, coincidente com a fase inicial de execução
do contrato, corresponde a uma tradição de certo modo já sedimentada entre nós.
Com efeito, o termo «período experimental» foi pela primeira vez usado pelo
Decreto-Lei n.º 47 032, de 27 de Maio de 1966, onde se determinava (artigo 44.º)
que «[n]os contratos sem prazo haverá sempre um período experimental de dois
meses, salvo se outra coisa for convencionada por escrito.» Da determinação
decorriam já consequências quanto ao regime de cessação do contrato. É que se
presumia que o despedimento – por «iniciativa do trabalhador» ou «por iniciativa
da entidade patronal» – fora «feito, respectivamente, por causa das condições
desfavoráveis de trabalho ou por inaptidão para o serviço», caso ele ocorresse
durante o período experimental (artigo 109.º). A solução, assente evidentemente
em pressupostos constitucionais muito diversos dos nossos, correspondia
remotamente a um regime pela primeira vez ensaiado em 1937 (com a Lei n.º 1952),
em que, durante os primeiros dois meses de duração do contrato, podia o
trabalhador ser despedido com fundamento em presunção da sua ineptidão para o
serviço.
Foi, porém, a Lei da Cessação do Contrato de Trabalho, aprovada pelo Decreto‑Lei
n.º 64-A/89, que – depois de alterações sobrevindas em 1975 e 1976, agora de
recordação inútil – veio a fixar a regulação pós-constitucional do período da
«experiência». Aí se determinava já que, salvo acordo escrito em contrário,
qualquer das partes podia rescindir o contrato durante a sua fase inicial, sem
aviso prévio e sem necessidade de invocação de justa causa, não havendo lugar a
qualquer indemnização. O período da «prova» ou da «experiência» era então, para
os contratos de tempo indeterminado, de sessenta dias e, para os contratos a
termo, de trinta dias. Mais se previa que, no primeiro tipo de contratos e
relativamente a postos de trabalho com especial complexidade técnica ou grau de
responsabilidade, o «período experimental» pudesse ser alargado até seis meses.
Esta «tradição», assim sedimentada, foi sendo sempre acompanhada por uma certa
justificação quanto à necessidade da existência de um período de «prova» ou de
«experiência» (coincidente com a fase inicial de execução do contrato) sobretudo
nos contratos de trabalho de duração indeterminada. Retomando uma formulação
doutrinal corrente, já repetida pelo Tribunal no Acórdão n.º 64/91: «[o]
contrato de trabalho implica a constituição de uma relação jurídica duradoura e
que, tendencialmente, vai acompanhar o trabalhador durante toda a sua vida
profissional activa. Uma vez consubstanciada, vários esquemas tornam difícil a
sua cessação. Por isso, vários ordenamentos impõem ou admitem que, celebrado um
contrato de trabalho, decorra primeiro um período experimental que possibilite
às partes ponderar a viabilidade da situação laboral criada e a sua própria
vontade, agora já esclarecida por uma experiência real de trabalho.» (António
Menezes Cordeiro, Manual de Direito do Trabalho, Coimbra, 1991, p. 577). Assim,
o período experimental – sobretudo a partir de 1989, altura em que se fixa o seu
regime em harmonia com o quadro constitucional – passa a ser identificado como
um instituto que reúne quatro elementos essenciais: (i) integra naturalmente o
contrato, dado que, salvo convenção escrita em contrário, corresponderá à fase
inicial da sua execução; (ii) é temporalmente limitado; (iii) durante a sua
vigência, qualquer das partes pode fazer cessar o vínculo sem invocar motivo,
sem aviso prévio (como regra geral), e sem compensação ou indemnização; (iv) o
seu escopo é, apenas, a experimentação. O tempo de «prova» existe para que as
partes possam determinar – no quadro de uma relação jus-laboral já vivida – se a
projecção que fizeram quanto à conveniência da contratação se adequa às
condições efectivas em que se processa a prestação de trabalho.
É este instituto, com estas características e finalidades, que continua a ser
regulado pelo Código do Trabalho – tanto na formulação actualmente vigente
quanto na que é, agora, objecto de apreciação. No entanto, e apesar do seu
constante figurino, o que se tem substancialmente alterado – e alterado no
sentido «de um movimento constante de expansão» (assim, Júlio Gomes, «Do uso e
abuso do período experimental», em Revista de Direito e de Estudos Sociais, Ano
XXXXI, n.º 1/2, 2000, p. 49) – é o elemento tempo de duração da experiência. Na
verdade, de um período inicial de 60 dias para a generalidade dos trabalhadores
(com a possibilidade do seu alargamento até seis meses, para os cargos de
especial complexidade técnica ou grau de responsabilidade), previsto pela Lei de
1989, passou-se – com uma alteração intermédia introduzida em 1991 – para a
solução actualmente vigente. Como já se disse, e nos termos do artigo 107.º do
Código do Trabalho, de 2003, o período experimental é hoje, para a generalidade
dos trabalhadores, de 90 dias; de 180 dias para os trabalhadores com especial
qualificação (que exerçam cargos de complexidade técnica, elevado grau de
responsabilidade ou cujas funções pressuponham especiais relações de confiança)
e de 240 dias para pessoal de direcção ou quadros superiores. É ainda este
movimento geral de expansão que está agora em juízo. A nova redacção aprovada
pelo Decreto propõe-se, como já se sabe, aumentar para 180 dias o período de
«prova» dos trabalhadores não qualificados, ou integrantes do chamado «regime
geral».
10. Como o Tribunal já disse (Acórdão n.º 64/91), a existência de um período
experimental, assim configurado com os seus elementos essenciais, não merece
qualquer censura constitucional. A necessidade da «prova» – com todas as
consequências decorrentes, sobretudo para o trabalhador – inscreve-se na própria
teleologia do contrato de trabalho por tempo indeterminado, esse mesmo que, como
já se sabe, corresponde ao «paradigma» das relações juslaborais que se conformam
plenamente com o valor constitucional da segurança no emprego. É legítimo que se
entenda que relações como estas, longas e duradouras, necessitem – e em
princípio para benefício de ambas as partes – de uma via de respiração,
conferida pela previsão legal de um tempo durante o qual tanto trabalhador
quanto empregador se possam livremente desvincular de um compromisso que, no seu
entendimento, se não antevê viável. Há, no entanto, neste contexto, um problema
que não pode deixar de ser considerado.
Na verdade, uma das questões que mais se discute a propósito da figura do
período experimental é a de saber se, no seu escopo, se inscreve verdadeiramente
uma ideia simétrica de «bilateralidade». Disse-se atrás que o interesse na
existência da «prova», ou da experiência, é de ambas as partes no contrato: o
trabalhador tem interesse em conhecer o ambiente em que trabalha, e em
prognosticar a viabilidade de continuação de uma relação prolongada no tempo; o
empregador, por seu turno, tem interesse em conhecer as aptidões e
características pessoais e técnicas do trabalhador, a fim de antever, também
ele, as virtualidades de uma vinculação que se prolongará no tempo. Mas é
evidente que não tendo, no nosso direito, ambas as partes faculdades idênticas
quanto à possibilidade de, por vontade sua, fazer cessar o vínculo uma vez
passado o período da experiência – o trabalhador pode fazê-lo a qualquer momento
mediante aviso prévio e independentemente de justa causa (artigo 447.º do Código
de Trabalho; artigo 400.º na versão aprovada pelo Decreto), enquanto o
empregador só pode fazê-lo nos termos regulados pelos artigos 396.º a 439.º do
Código (artigos 338.º a 392.º na nova redacção) –, a existência do período
experimental tornar‑se‑á, em si mesma, especialmente interessante para este
último. Nesta medida, é sustentável que se alegue que qualquer aumento de
duração desse mesmo período se traduzirá em benefício para a entidade patronal e
em correspondente «compressão» dos interesses do trabalhador.
Assim sendo, parece claro (e assim o diz, também, o Acórdão n.º 64/91) que tal
período não pode deixar de ser limitado por lei. Por razões de defesa dos
interesses do trabalhador – e por razões decorrentes do princípio constitucional
da não precariedade injustificada do emprego – a duração da «experiência» tem
que ter, evidentemente, um limite máximo fixado pelo legislador. Este terá,
assim e em princípio, a liberdade de conformar o quantum da «prova», mas não a
liberdade de deixar de o conformar.
Tal conclusão não resolve, porém, um outro problema, que é o de saber se
semelhante liberdade de conformação legislativa – referente apenas à escolha do
tempo concreto de duração do período experimental – não deve, também ela, ser
limitada. E a resposta, já dada pelo Acórdão n.º 64/91, parece ser
inquestionavelmente positiva. Conforme então se disse, a duração do período
experimental «não pode ser fixada em período de tal forma prolongado que resulte
desvirtuado o princípio da segurança no emprego, como sucederá,
indiscutivelmente, nos casos em que a duração se estendesse por tempo tão longo
(dois ou três anos, por exemplo) que se teria de considerar estar-se perante uma
fixação fraudulenta, forma encapotada de permitir o despedimento sem justa
causa».
Assim postas as coisas, não parece que restem dúvidas quanto à
potencial natureza restritiva (e restritiva face ao direito, liberdade e
garantia consagrado no artigo 53.º da Constituição) de medidas legais que
alarguem o tempo de duração do período experimental. Com efeito, se se entender
por restrição a um direito toda a «acção ou omissão estatal que, eliminando,
reduzindo, comprimindo ou dificultando as possibilidades de acesso ao bem
jusfundamentalmente protegido […] ou enfraquecendo os deveres e obrigações, em
sentido lato, que dele resultem para o Estado, afecta desvantajosamente o
conteúdo de um direito fundamental» (Jorge Reis Novais, As Restrições aos
Direitos Fundamentais não expressamente autorizadas pela Constituição, Coimbra,
2003, p. 247), pode bem sustentar-se, por tudo quanto já se disse, que as
referidas medidas dificultam o acesso ao bem jusfundamentalmente protegido (a
segurança no emprego) e enfraquecem os deveres que dele resultam para o Estado.
Resta saber – porque é essa uma outra questão – se, in casu, o alargamento
efectuado pela norma contida na alínea a) do n.º 1 do artigo 112.º (na redacção
aprovada pelo Decreto da Assembleia) configura uma restrição constitucionalmente
ilícita, por implicar violação dos limites aos limites dos direitos que o artigo
18.º da Constituição consagra.
O problema, como já se sabe, prende-se particularmente com esse
especial limite às restrições que decorre da necessária observância do princípio
da proporcionalidade.
D)
O princípio da proporcionalidade
11. O que seja o conteúdo rigoroso da proporcionalidade, textualmente referida
na parte final do n.º 2 do artigo 18.º da Constituição, é questão
suficientemente tratada pela jurisprudência do Tribunal.
Com efeito, e como se disse, por exemplo, no Acórdão n.º 634/93 (referido também
no Acórdão n.º 187/2001), a ideia de proporção ou proibição do excesso – que, em
Estado de direito, vincula as acções de todos os poderes públicos – refere-se
fundamentalmente à necessidade de uma relação equilibrada entre meios e fins: as
acções estaduais não devem, para realizar os seus fins, empregar meios que se
cifrem, pelo seu peso, em encargos excessivos (e, portanto, não equilibrados)
para as pessoas a quem se destinem. Dizer isto é, no entanto, dizer pouco. Como
se escreveu no Acórdão n.º 187/2001 (ainda em desenvolvimento do Acórdão n.º
634/93):
o princípio da proporcionalidade desdobra-se em três subprincípios: princípio da
adequação (as medidas restritivas de direitos, liberdades e garantias devem
revelar-se como um meio para a prossecução dos fins visados, com salvaguarda de
outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos); princípio da
exigibilidade (essas medidas restritivas têm de ser exigidas para alcançar os
fins em vista, por o legislador não dispor de outros meios menos restritivos
para alcançar o mesmo desiderato); princípio da justa medida, ou
proporcionalidade em sentido estrito (não poderão adoptar-se medidas excessivas,
desproporcionadas para alcançar os fins pretendidos).
A esta definição geral dos três subprincípios (em que se desdobra
analiticamente o princípio da proporcionalidade) devem por agora ser
acrescentadas, apenas, três precisões. A primeira diz respeito ao conteúdo
exacto a conferir ao terceiro teste enunciado, comummente designado pela
jurisprudência e pela doutrina por proporcionalidade em sentido estrito ou
critério da justa medida. O que aqui se mede, na verdade, é a relação
concretamente existente entre a carga coactiva decorrente da medida adoptada e o
peso específico do ganho de interesse público que com tal medida se visa
alcançar. Ou, como se disse, ainda, no Acórdão n.º 187/2001, «[t]rata-se…de
exigir que a intervenção, nos seus efeitos restritivos ou lesivos, se encontre
numa relação “calibrada” – de justa medida – com os fins prosseguidos, o que
exige uma ponderação, graduação e correspondência dos efeitos e das medidas
possíveis».
A segunda precisão a acrescentar é relativa à ordem lógica de aplicação dos três
subprincípios, que se devem relacionar entre si segundo uma regra de precedência
do mais abstracto perante o mais concreto, ou mais próximo (pelo seu conteúdo)
da necessária avaliação das circunstâncias específicas do caso da vida que se
aprecia. Quer isto dizer, exactamente, o seguinte: o teste da proporcionalidade
inicia-se logicamente com o recurso ao subprincípio da adequação. Nele, apenas
se afere se um certo meio é, em abstracto e enquanto meio típico, idóneo ou apto
para a realização de um certo fim. A formulação de um juízo negativo acerca da
adequação prejudica logicamente a necessidade de aplicação dos outros testes. No
entanto, se se não concluir pela inadequação típica do meio ao fim, haverá em
seguida que recorrer ao exame da exigibilidade, também conhecido por necessidade
de escolha do meio mais benigno. É este um exame mais ‘fino’, ou mais próximo
das especificidades do caso concreto: através dele se avalia a existência – ou
inexistência –, na situação da vida, de várias possibilidades (igualmente
idóneas) para a realização do fim pretendido, de forma a que se saiba se, in
casu, foi escolhida, como devia, a possibilidade mais benigna ou menos onerosa
para os particulares. Caso se chegue à conclusão de que tal não sucedeu – o que
é sempre possível, já que pode haver medidas que, embora tidas por adequadas, se
não venham a revelar no entanto necessárias ou exigíveis –, fica logicamente
prejudicada a inevitabilidade de recurso ao último teste de proporcionalidade.
A terceira precisão a acrescentar relaciona-se com a particular dimensão que não
pode deixar de ter o juízo de proporcionalidade (na sua acepção ampla), quando
aplicado às decisões do legislador. Afirmou-se atrás que o princípio em causa
vale, em Estado de direito, para as acções de todos os poderes públicos. Quer
isto dizer que ele se aplicará tanto aos actos da função administrativa quanto
aos actos da função legislativa, pois que, em qualquer caso, não pode o Estado
(actuando através dos seus diferentes poderes) empregar meios que se revelem
inadequados, desnecessários ou não ‘proporcionais’ face aos fins que pretende
prosseguir. Certo é, porém, que o poder legislativo se distingue do poder
administrativo precisamente pela liberdade que tem para, no quadro da
Constituição, eleger as finalidades que hão-de orientar as suas escolhas: disto
mesmo aliás se fala, quando se fala em liberdade de conformação do legislador.
Daqui decorre que o juízo de invalidade de uma certa medida legislativa, com
fundamento em inobservância de qualquer um dos testes que compõem a
proporcionalidade, se há-de estribar sempre – como se disse no Acórdão n.º
187/2001 – em manifesto incumprimento, por parte do legislador, dos deveres que
sobre ele impendem por força do princípio constitucional da proibição do
excesso.
12. Sustenta o requerente que o alargamento do período experimental, nos
contratos de trabalho de tempo indeterminado, para os trabalhadores
indiferenciados, de 90 para 180 dias é, desde logo, medida legislativa
inadequada para a realização do fim que visa realizar, fim esse que se
consubstancia no próprio escopo da «prova» ou da «experiência». O período
experimental existe para que as partes possam vir a saber, de forma vivida, se o
que contrataram se adequa, ou não, ao que efectivamente existe; assim sendo –
diz-se – não é uma «prova» que dure seis meses (o dobro exacto do que durava até
agora) um meio tipicamente idóneo, ou apto, para que o trabalhador
indiferenciado conheça o meio em que trabalha, ou para que o empregador conheça
quem emprega.
Note-se, no entanto, que a demonstração de que certa medida legislativa é, pelo
seu conteúdo típico e abstractamente considerado, um instrumento inidóneo ou
inapto para a realização do fim que com ela se pretende alcançar exige uma
prova: em última instância, necessário é que se comprove que o meio usado se
revela em si mesmo como algo de inócuo, indiferente ou até negativo por
referência à obtenção aproximada dos efeitos pretendidos (neste sentido, Jorge
Reis Novais, Os Princípios Constitucionais Estruturantes da República
Portuguesa, Coimbra, 2004, p. 168). Ora – e diga-se desde já – nenhum dos
argumentos invocados pelo requerente parece sustentar semelhante prova.
Não a sustenta, desde logo, o argumento relativo ao direito comparado.
Com efeito, analisando o “contexto histórico-jurídico do período experimental à
luz do direito nacional e europeu”, vem o pedido dizer que a duração do período
experimental em Portugal se situa “ao nível das mais alargadas entre os
ordenamentos que nos são tradicionalmente próximos”, enunciando-se, a este
respeito, a duração da figura em Espanha, França e Itália.
O argumento comparativo deve no entanto ser utilizado com cautela.
A comparação, para ser frutuosa, não se pode cingir à análise de um instituto,
isoladamente tomado, sem que se tenha em conta o sistema mais vasto da regulação
em que se insere. Só se compara o que é comparável; e a verdade é que as figuras
do período experimental em outros ordenamentos – nomeadamente nos acima
mencionados –, por se inserirem em contextos de regime diversos dos nossos,
podem adquirir um sentido e uma relevância que não legitimam transponibilidades
automáticas para a «leitura» do sistema português.
É o que parece suceder, por exemplo, em França e Itália. Aí – onde, aliás, e ao
contrário do que sucede entre nós, a existência de período experimental depende
de convenção escrita das partes, não sendo, portanto, um elemento natural do
contrato –, a possibilidade da contratação a termo (se bem que mantendo a sua
natureza excepcional) é, nas suas causas justificativas, menos estrita do que em
Portugal. Nos termos do D. Lgs. n.º 368/2001, de 6 de Setembro, os contratos a
termo em Itália podem ser celebrados «a fronte di ragioni di carattere tecnico,
produttivo, organizzativo o sostitutivo» (assim, F. del Giudice/F. Mariani/F.
Izzo, Diritto del Lavoro, 13ª ed., Napoli, 2006, p. 344); e em França, a figura
do contrat nouvelles embauches (se bem que aplicável, apenas, às empresas com
menos de 20 trabalhadores), regida pela Ordonnance n.º 2005-893, de 2 de Agosto,
situa-se (segundo a doutrina) «[a] mi chemin entre le contrat a durée
indeterminée et le contrat a durée determinée (…) qui consiste à s’affranchir
pour une durée de deux ans des règles relatives à la rupture unilatérale du
contrat de travail.» (Laurence Boutitie, «Le contrat nouvelles embauches: un
contrat à durée indéterminée précaire», em Recueil Dalloz, n.º 40, 2005, p.
2777).
Perante este quadro, parece lógico concluir que assumem, inevitavelmente,
relevos diversos os regimes de período experimental nestes países, em comparação
com o nosso. Entre nós, dada a maior exigência quanto à modulação do contrato a
termo (veja-se supra, ponto 8), a previsão de um tempo de «prova» em contratos
de duração indeterminada adquire um significado que, sob o ponto de vista
sistémico, não tem equivalência nos ordenamentos atrás mencionados. Acresce que,
nesses mesmos ordenamentos, os tempos do período experimental – nos contratos de
duração indeterminada – não parecem diferir tão sensivelmente do regime vigente
entre nós (em Itália a duração máxima do patto di prova é de 6 meses, segundo o
art. 10.º da Legge n.º 604/1966; e em França prevêem-se périodes d’essai com
duração diferenciada: 2 meses para trabalhadores indiferenciados, renováveis até
4 meses; 3 meses para os trabalhadores especializados, renováveis até 6 meses; e
4 meses para os «quadros», renováveis até 8 meses. Em todos estes casos, a
renovação depende de convenção colectiva de trabalho, de acordo com artigo L
1221-19 do Code du Travail). O regime mais próximo do nosso parece ser, assim, o
do direito espanhol, em que, em todo o caso, a existência do período
experimental depende de acordo escrito entre as partes.
Por todos estes motivos, não parece que o recurso ao direito comparado contenha
argumentos que comprovem a inadequação da medida legislativa em juízo face ao
fim por ela prosseguido. E a verdade é que, para além dele, nem se vê que outras
razões haja que possam conter, de forma conclusiva, semelhante prova. Nada
parece legitimar a conclusão segundo a qual a solução contida na alínea a) do
n.º 1 do artigo 112.º da versão revista do Código é, em si mesma, um meio típico
inidóneo ou inapto para a consecução do fim que com ele se pretende realizar.
Afirmar que, passada determinada altura, um período de «prova» deixa de servir
para que as «partes» de um contrato «se conheçam» – transformando-se por isso (e
por mero decurso do tempo) num instrumento abstractamente inadequado para a
realização de um tal fim – equivale a sustentar um argumento que assenta sobre
premissas que permanecem indemonstráveis. Por isso, é ao Tribunal impossível dar
razão, quanto a este ponto, ao requerente.
13. Pode suceder que uma medida legislativa que não seja, em si mesma,
inadequada face à prossecução de certo fim se venha a revelar, para tanto, como
algo de desnecessário ou inexigível. Como atrás se disse, a ‘passagem’ pelo
primeiro teste da proporcionalidade não torna inútil, ou supérfluo, o exame que
o segundo teste dispensa.
Ora, é precisamente o recurso a este segundo teste – ao qual se atribui a
designação de «medida de valor da necessidade» – que a seguir se convoca.
A convocação surge agora acompanhada da ideia de concordância prática: a medida
de valor da necessidade – diz-se – deve aferir-se em função do que é
indispensável, ou exigível, para a salvaguarda de outros interesses ou bens
constitucionalmente protegidos. No caso (diz-se ainda) o outro bem ou interesse
que se pretende salvaguardar, e que deve concordar praticamente com o bem
«segurança no emprego», é o da livre iniciativa privada, consagrada – como já se
viu – no artigo 61.º da Constituição.
A bem dizer, a exigência de que uma medida restritiva de um direito satisfaça,
de forma equilibrada, o imperativo da concordância prática entre bens ou
interesses conflituantes (e de igual relevo constitucional) não vale, apenas,
para a densificação do conteúdo do segundo teste de proporcionalidade. Pelo
contrário. Contendo ela, afinal de contas, a corporização da própria ideia de
proporcionalidade, a inevitabilidade da sua presença faz-se sentir,
transversalmente, na aplicação de todos os subprincípios que integram o valor
constitucional em causa: isto mesmo se extrai, aliás, da parte final do n.º 2 do
artigo 18.º da Constituição, que determina que as restrições se devem limitar ao
necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente
protegidos.
Certo é, porém, que o teste da necessidade ou da exigibilidade obriga a que se
proceda a uma específica forma de ponderação, ou de avaliação, do modo pelo qual
a restrição legislativa de um direito procede à necessária realização da tarefa
de concordância prática entre bens ou interesses conflituantes. Já vimos em que
é que se traduz a especificidade. Do que se trata, aqui, é de averiguar se
existiam, no caso, meios alternativos para a realização do mesmo fim; se entre
esses meios havia, ou não, diferenças quanto ao grau da sua onerosidade para os
destinatários das medidas restritivas; e se, finalmente, se tinha ou não
escolhido, de entre eles, o meio mais benigno ou menos oneroso.
Para tanto, é necessário que, diferentemente do que ocorre a propósito do exame
da adequação, se desça neste momento à análise das especificidades do caso
concreto. É que importa agora averiguar o modo pelo qual, numa certa situação da
vida, o legislador ‘pesou’ diferentes bens ou interesses constitucionalmente
protegidos, e entre si conflituantes, de modo a restringir o direito que um
deles protege em benefício de outro, também constitucionalmente tutelado. Por
isso, é com alguma razão que se pede, neste passo, a verificação da forma pela
qual a norma questionada opera a concordância prática entre o direito à garantia
na segurança do emprego, por um lado, e o direito à iniciativa económica
privada, por outro: é que, e como já se viu (supra, ponto 10), qualquer
alargamento do tempo de período experimental pode, em princípio, operar em
benefício dos empregadores (e, portanto, em benefício do bem jurídico protegido
pelo direito consagrado no n.º 1 do artigo 61.º da CRP), com a consequente
compressão dos ‘interesses’ dos trabalhadores, e, portanto, do bem
especificamente tutelado pelo artigo 53.º.
No entanto – e este é o ponto fundamental – se assim será, em princípio, a
propósito de qualquer alargamento, a verdade é que, in casu, o aumento de
duração do período experimental não tem uma dimensão qualquer. O fim que a
alteração legislativa visa atingir tem como efeito a aplicação, apenas aos
trabalhadores indiferenciados, de um aumento do período experimental, aumento
esse em dobro face ao regime actualmente vigente, o que implica que o tempo de
experiência que lhes é destinado vem a coincidir – e a coincidir integralmente –
com aquele que vale, também, para os trabalhadores especializados. Como se sabe,
o prazo constante da norma questionada é o mesmo que o constante da alínea b) do
n.º 1 do artigo 107.º do Código do Trabalho hoje vigente, válido apenas para os
trabalhadores «que exerçam cargos de complexidade técnica, elevado grau de
responsabilidade ou que pressuponham uma especial qualificação, bem como para os
que desempenhem funções de confiança.» Como da redacção aprovada pelo Decreto
desaparece a menção especial de um tempo de «experiência» válido apenas para os
contratos celebrados com esta última categoria de trabalhadores – e como o tempo
de «prova» que antes lhes era destinado surge agora como tempo aplicável à
«generalidade dos trabalhadores» – nem outra conclusão se afigura possível. Para
os trabalhadores indiferenciados, a duração do período experimental é não só
aumentada em dobro, como alargada a um ponto tal que acaba por coincidir com o
tempo de «experiência» próprio dos trabalhadores qualificados.
Assim sendo, a questão que se coloca é a de saber se é necessário, ou exigível,
para o fim que a medida legislativa visa realizar – e que não pode ser outra que
não a de assegurar, para as duas partes no contrato de trabalho, um tempo
côngruo de duração da «prova» ou da «experiência» – um tal aumento [da duração
da experiência]. Será para tanto necessário, ou exigível, que, nos contratos de
duração indeterminada, os trabalhadores indiferenciados passem a ter um período
experimental não só coincidente com o dobro do tempo actualmente vigente, mas
ainda coincidente com o tempo de «prova» a que estão sujeitos os trabalhadores
especializados? Razões empíricas, e de imediata resposta, dizem que não. Pela
própria natureza das coisas, a «prova» será tanto menos exigente quanto menos
exigente for também, pela sua «qualidade» ou «especialização», o teor da
prestação de trabalho: prestações menos qualificadas poderão ser testadas ou
«experimentadas» (tanto por empregador quanto por trabalhador) em menos tempo do
que as outras, mais qualificadas.
A isto acresce que tendem precisamente a ser os trabalhadores sem especiais
qualificações, ou sem especial autonomia técnica, os mais carentes da protecção
do Direito, por serem também eles – pela sua ‘fungibilidade’ – os potencialmente
mais expostos a situações injustificadas de precariedade de emprego. Assim,
qualquer medida legislativa que lhes seja destinada, e que opere no sentido do
aumento da precariedade da sua situação laboral, não poderá deixar de se
traduzir numa significativa «compressão» do bem jurídico protegido pelo artigo
53.º da Constituição.
Ora, in casu, nenhum elemento existe, nos antecedentes legislativos, que
permita, por um lado, identificar uma insuficiência manifesta dos prazos
actualmente em vigor e, por outro, uma justificação para o alargamento de 90
para 180 dias do prazo de período experimental aplicável nos contratos de
trabalho dos trabalhadores indiferenciados. Tanto o Livro Verde sobre as
Relações Laborais (de Abril de 2006) quanto o Livro Branco das Relações Laborais
(de Dezembro de 2007) são omissos quanto a este ponto, tal como o é a
Justificação de Motivos da Proposta de Lei apresentada à Assembleia da
República. Por outro lado, no decurso dos trabalhos parlamentares, a questão foi
colocada com ênfase e sem resposta concludente: veja‑se, quanto a este ponto, e
para a discussão na generalidade, o Diário da Assembleia da República, I série,
n.º 2, de 19 de Setembro, e, para a discussão na especialidade, o DAR, n.º 18,
de 8 de Novembro: em ambas as ocasiões se discutiu a possibilidade de, com esta
‘medida legislativa’, se virem a esbater as fronteiras entre as figuras do
trabalho a termo, na sua duração mínima normal, e do período experimental nos
contratos de trabalho de tempo indeterminado.
Assim, não sendo patente a insuficiência dos prazos em vigor, e não se
encontrando nos antecedentes atrás citados qualquer justificação para a
alteração que o Decreto visa alcançar, tudo indica que a medida que se contém na
norma questionada – no que se refere aos trabalhadores indiferenciados – se não
compatibiliza com o teste da necessidade ou da exigibilidade, a que estão
subordinadas todas as normas infraconstitucionais que restrinjam direitos
fundamentais.
Com efeito, o eventual incremento marginal de eficácia que decorreria do
alargamento do período experimental não tem, por si só, virtualidade para
justificar que esse alargamento se faça de 90 para 180 dias para os
trabalhadores não especializados, equiparando-os para esse efeito aos
trabalhadores especializados. Por este motivo, há que concluir que o legislador
não protegeu como devia, face ao disposto nos artigos 53.º e 18.º, n.º 2, da
Constituição, os trabalhadores indiferenciados de situações injustificadas de
precariedade de emprego.
III
Decisão
Pelos motivos expostos, o Tribunal pronuncia-se pela inconstitucionalidade, por
violação do disposto nos artigos 53.º e 18.º, n.º 2, da Constituição, da norma
contida na alínea a) do n.º 1 do artigo 112.º do Código do Trabalho, na revisão
aprovada pelo Decreto n.º 255/X da Assembleia da República, quando aplicada aos
trabalhadores que exercem trabalho indiferenciado.
Lisboa, 23 de Dezembro de 2008
Maria Lúcia Amaral
Maria João Antunes
Carlos Pamplona de Oliveira
Gil Galvão
João Cura Mariano
Vítor Gomes
José Borges Soeiro
Joaquim de Sousa Ribeiro
Mário José de Araújo Torres
Benjamim Rodrigues
Carlos Fernandes Cadilha
Rui Manuel Moura Ramos
Tem voto de conformidade da Exma. Senhora Conselheira Ana Guerra Martins, que
não assina por não estar presente.
Maria Lúcia Amaral