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Processo n.º 926/08
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
A – Relatório
1 – A. reclama, ao abrigo do disposto no artigo 76.º, n.º 4, da Lei
n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão (LTC), do despacho proferido
no Tribunal da Relação do Porto que não lhe admitiu o recurso que interpôs para
o Tribunal Constitucional do acórdão proferido naquela instância.
2 – A reclamação decidenda vem abonada na seguinte argumentação:
“O Tribunal a quo entende que “O Recurso para o Tribunal Constitucional não é
admissível pois que a invocada inconstitucionalidade não existe.
Todavia, é a interpretação que o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto fez dos
preceitos invocados (artigo 70° e 71° do Código de Processo Penal) que gera o
vício da inconstitucionalidade que se invocou.
Se o recorrente não pudesse invocar as inconstitucionalidades resultantes da
interpretação e aplicação das normas feitas pelos Tribunais Superiores (Relação
ou Supremo Tribunal de Justiça) ficaria fora da alçada do Tribunal
Constitucional uma grande parte da fiscalização concreta da constitucionalidade
que cabe a esse alto tribunal.
Como é óbvio, também nesta particular questão o arguido/recorrente não podia
pressupor, intuir, que o Tribunal da Relação do Porto, agiria como agiu, e
interpretaria as normas do Código de Processo Penal e da própria Constituição
como interpretou e aplicou.
É com a prolação do Acórdão, e só nessa altura, que se tornam patentes os vícios
e manifesta a interpretação inconstitucional dada às normas, afrontando de
maneira gritante e inadmissível o Estado de Direito e processo Democrático,
pondo em causa princípios que deviam estar mais do que consolidados na ordem
jurídica portuguesa:
Assim sendo, o recorrente tem o Direito a ver apreciado o Recurso interposto
para o Tribunal Constitucional no sentido de controlar a constitucionalidade:
a) Ora, entendemos salvo melhor opinião que a interpretação e aplicação do
disposto nos arts. 70º e 71° pelo Insigne Tribunal da Relação do Porto, na
interpretação de que «... ao erguer a culpa — como critério principal de
determinação da pena — e a prevenção como critério secundário, o Tribunal «a
quo» não avalizou correctamente o art. 71 do CP, não cumprindo com o principio
constitucional da adequação e da proporcionalidade das penas, revelando-se justo
aplicar apenas uma pena concreta correspondente ao limite mínimo abstractamente
aplicável para aquele tipo de ilícito, especialmente atenuada.», violando o art.
32° nº 1 da Constituição;
A inconstitucionalidade resulta da interpretação dada pelo Tribunal de Recurso
às normas do artigo 70.° e 71.° do Código de Processo Penal.
É, pois, um vício que se regista somente no Acórdão que se pretende seja
analisado à luz das normas da Constituição.
Desta forma, tem o recorrente o direito a ver apreciado o Recurso interposto
para o Tribunal Constitucional”.
3 – Como resulta dos autos, o recurso fora interposto mediante
requerimento com o seguinte teor:
“A., arguido nos presentes autos, notificado do acórdão, VEM, ao abrigo
do disposto na alín. b) do n.°1 do art. 70º, da Lei do Tribunal Constitucional,
INTERPOR RECURSO, para o Digníssimo Tribunal Constitucional, nos termos e pelos
fundamentos seguintes termos:
O arguido foi condenado no 1° Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Maia, a 5
anos e 6 meses de prisão, como autor de um crime de Tráfico de Estupefacientes
agravado, do art. 21° do DL 15/93 de 22/01.
Inconformado interpôs recurso para o Digníssimo Tribunal da Relação do Porto,
por entender que a sua conduta preenche um crime de Tráfico de Menor Gravidade
(art. 25° DL 15/93), pois estamos perante um caso de mera detenção, não se tendo
provado mais nada, nomeadamente o lucro.
Por outro lado, atentas as suas condições pessoais, ter refeito a sua vida,
tendo o total apoio e rectaguarda da mãe, desejar ressocializar-se, deveria
ser-lhe aplicada uma pena mais leve, atenuada, próxima do seu mínimo legal, o
que satisfaria os fins de prevenção geral e especial, devendo ser suspensa na
sua execução, mostrando-se violados os art.s 70° e 71° do CP; 25° da Lei 15/93 e
32° da CRP.
Assim não entendeu o Digno Tribunal da Relação do Porto, que negou provimento ao
recurso.
Ora, entendemos salvo melhor opinião que a interpretação e aplicação do disposto
nos arts. 70º, 71° do CP, pelo Insigne Tribunal da Relação do Porto, na
interpretação de que «não registando o recorrente quaisquer antecedentes
criminais, sendo jovem e de condição social modesta», não se verifica suficiente
para acautelar as necessidades de prevenção especial e geral da medida de pena
que possa ser suspensa na sua execução, por haver na suspensão um juízo de
prognose mais favorável a esta, todos por violação do art. 32° da Constituição
da República Portuguesa, inconstitucionalidades essas invocadas previamente no
seu recurso do 1° Juízo Criminal da Maia para o Tribunal da Relação do Porto.
Com efeito, ao erguer a culpa – como critério principal de determinação da pena
– e a prevenção como critério secundário, o Tribunal «a quo» não avalizou
correctamente o art. 71° do CP, não cumprindo com o principio constitucional da
adequação e proporcionalidade das penas, revelando-se justo aplicar apenas uma
pena concreta correspondente ao limite mínimo abstractamente aplicável para
aquele tipo de ilícito, especialmente atenuada.
Violou assim também o douto acórdão recorrido o principio da proporcionalidade.
Pretende assim o recorrente a apreciação da constitucionalidade das normas
jurídicas em causa, por ambiguidade e falta de clareza dessas mesmas normas
jurídicas, por colidirem em função dessas debilidades com uma norma
constitucional”.
4 – Por seu turno, no despacho reclamado, sustentou-se:
“ (...) Por Acórdão desta Relação (cfr. fls, 3668 a 3695), de 24/09/08, foi
confirmado o Acórdão da 1ª instância que condenou o arguido, A. na pena de 5
anos e 6 meses de prisão, pela prática do crime de tráfico de estupefacientes,
p. e p. pelo art. 21°, do DL nº 15/93, de 22/01.
Notificado daquele Acórdão vem o arguido interpor recurso para o Tribunal
Constitucional, alegando o seguinte:
(...)
Ora, entendemos…que a interpretação e aplicação do disposto nos arts. 70°, 71°,
do CP, pelo Tribunal da Relação do Porto, na interpretação de que “não
registando o recorrente quaisquer antecedentes criminais, sendo jovem e de
condição social modesta”, não se verifica suficiente para acautelar as
necessidades de prevenção especial e geral da medida da pena que possa ser
suspensa na sua execução, por haver na suspensão um juízo de prognose mais
favorável a esta, todos por violação do art. 32° da Constituição da República
Portuguesa, inconstitucionalidades essas invocadas previamente no seu recurso do
1° Juízo Criminal da Maia para o Tribunal da Relação do Porto.
Com efeito, ao erguer a culpa — como critério principal de determinação da pena
— e a prevenção como critério secundário, o Tribunal “a quo” não avaliou
correctamente o art. 71°, do CP, não cumprindo com o princípio constitucional da
adequação e proporcionalidade das penas, revelando-se justo aplicar apenas uma
pena concreta correspondente ao limite mínimo abstractamente aplicável para
aquele tipo de ilícito, especialmente atenuada...
(...)
X
Salvo o devido respeito, entende-se que o recurso é manifestamente infundado.
Desde logo, é incorrecto dizer-se que o arguido-recorrente não regista quaisquer
antecedentes criminais; com efeito, deu-se como provado no Acórdão desta Relação
que o arguido tem antecedentes criminais, por prática de crimes de condução
ilegal, desobediência e furto (cfr. fundamentação — facto provado sob o nº 36).
Depois, o arguido não pode ser considerado jovem delinquente, com a valoração
que, ao que parece, se lhe pretende emprestar, subsumível ao art. 1°, nº 2, do
DL nº 401/82; com efeito, o arguido nasceu em 14/04/1980 e os factos
“sub-judice” foram praticados em 29/05/2005.
Finalmente, não se vislumbra em que medida a modesta condição social do arguido,
perspectivando a medida concreta da pena aplicada, possa ter ofendido o preceito
constitucional invocado.
O princípio da proporcionalidade, também denominado princípio da proibição do
excesso, é um princípio geral do Direito que, num sentido muito amplo, preconiza
o justo equilíbrio entre os interesses em conflito, obrigando o legislador, os
juízes e demais operadores do direito a ponderar os interesses em conflito para
em função dos valores subjacentes e os fins prosseguidos os resolver segundo
medida adequada.
O princípio da adequação significa que as sanções penais legalmente previstas
devem revelar-se adequadas para prossecução dos fins visados pela lei.
Ora, de forma liminar, não se descortina em que medida foram ofendidos tais
princípios, tendo também em mente a pretensa ofensa ao disposto no art. 32°, da
Constituição da República Portuguesa, tal como vem invocado.
O que parece perpassar do requerimento em causa é que o arguido não concorda com
a medida concreta da pena, nem como o decidido quanto à não suspensão da sua
execução; mas tal, a nosso ver, não se compagina com o presente recurso, em que
pretensamente se pretende a fiscalização concreta de determinadas normas penais.
Pelo exposto, decide-se indeferir à admissão do recurso para o Tribunal
Constitucional, por se entender o mesmo manifestamente infundado”.
5 – O representante do Ministério Público junto deste Tribunal,
considerando que “não se mostra suscitada no processo – nem no próprio
requerimento de interposição de recurso para este Tribunal – qualquer questão de
inconstitucionalidade normativa, susceptível de constituir objecto idóneo da
fiscalização concreta, cometida ao Tribunal Constitucional: o recorrente
limita-se a questionar a escolha e medida da pena efectivamente aplicada, face
às particularidades do caso concreto”, pugnou pelo indeferimento da reclamação.
6 – Notificado do teor deste parecer, veio o arguido responder-lhe
do seguinte modo:
“(...)
O arguido/recorrente não poderia arguir em momento anterior a
inconstitucionalidade ora invocada – pela simples razão de não poder prever que
a mesma se registaria em fase de Recurso!
É a interpretação que o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto fez dos
preceitos invocados (artigo 70º e 71º do Código de Processo Penal) que gera o
vício da inconstitucionalidade que se invocou.
Se o recorrente não pudesse invocar as inconstitucionalidades resultantes da
interpretação e aplicação das normas feitas pelos Tribunais Superiores (Relação
ou Supremo Tribunal de Justiça) ficaria fora da alçada do Tribunal
Constitucional uma grande parte da fiscalização concreta da constitucionalidade
que cabe a esse alto tribunal.
Como é óbvio, também nesta particular questão o arguido/recorrente não podia
pressupor, intuir, que o Tribunal da Relação do Porto agiria como agiu, e
interpretaria as normas do Código de Processo Penal e da própria Constituição
como interpretou e aplicou.
É com a prolação do Acórdão, e só nessa altura, que se tornam patentes os vícios
e manifesta a interpretação inconstitucional dada às normas, afrontando de
maneira gritante e inadmissível o Estado de Direito e processo Democrático,
pondo em causa princípios que deviam estar mais do que consolidados na ordem
jurídica portuguesa:
Assim sendo, o recorrente tem o Direito a ver apreciado o Recurso interposto
para o Tribunal Constitucional no sentido de controlar a constitucionalidade: a)
do art. 70º e 71º, do C.P.P., interpretado e aplicado pelo Supremo Tribunal de
Justiça no sentido de «... ao erguer a culpa – como critério principal de
determinação da pena – e a prevenção como critério secundário, o Tribunal «a
quo» não avalizou correctamente o art. 71 do CP, não cumprindo com o principio
constitucional da adequação e da proporcionalidade das penas, revelando-se justo
aplicar apenas uma pena concreta correspondente ao limite mínimo abstractamente
aplicável para aquele tipo de ilícito, especialmente atenuada.», violando o art.
32° nº 1 da Constituição;
A inconstitucionalidade resulta da interpretação dada pelo Tribunal de Recurso
às normas do artigo 70.º e 71º do Código de Processo Penal.
É, pois, um vício que se regista somente no Acórdão que se pretende seja
analisado à luz das normas da Constituição.
Desta forma, tem o recorrente o direito a ver apreciado o Recurso interposto
para o Tribunal Constitucional”.
B – Fundamentação
7.1 – Constitui requisito do recurso interposto ao abrigo do
disposto na alínea b) do n.º 1 do art.º 280º da Constituição da República
Portuguesa (CRP) e na alínea b) do n.º 1 do art.º 70º da Lei n.º 28/82, de 15 de
Novembro, em cuja categoria se insere o interposto pelo recorrente, e como
decorre dos mesmos preceitos, quando falam de aplicação de norma cuja
inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo, mas que encontra,
igualmente, tradução no n.º 2 do art.º 75º-A da LTC, que a questão de
inconstitucionalidade da norma efectivamente aplicada como ratio decidendi da
decisão recorrida tenha sido suscitada durante o processo.
O sentido deste conceito tem sido esclarecido, por várias vezes, por este
Tribunal Constitucional. Assim, por exemplo, no Acórdão n.º 352/94, publicado no
Diário da República II Série, de 6 de Setembro de 1994, disse-se que esse
requisito deve ser entendido “não num sentido meramente formal (tal que a
inconstitucionalidade pudesse ser suscitada até à extinção da instância)”, mas
“num sentido funcional”, de tal modo que essa invocação haverá de ter sido feita
em momento em que o tribunal a quo ainda pudesse conhecer da questão, “antes de
esgotado o poder jurisdicional do juiz sobre a matéria a que (a mesma questão de
constitucionalidade) respeita”.
Por seu lado, afirma-se, igualmente, no Acórdão n.º 560/94, publicado no Diário
da República II Série, de 10 de Janeiro de 1995, que «a exigência de um cabal
cumprimento do ónus de suscitação atempada - e processualmente adequada - da
questão de constitucionalidade não é [...] “uma mera questão de forma
secundária”. É uma exigência formal, sim, mas essencial para que o tribunal
recorrido deva pronunciar-se sobre a questão de constitucionalidade para o
Tribunal Constitucional, ao julgá-la em via de recurso, proceda ao reexame da
questão (e não a um primeiro julgamento de tal questão».
Neste domínio, há que acentuar que, nos processos de fiscalização concreta, a
intervenção do Tribunal Constitucional se limita ao reexame ou reapreciação da
questão de (in)constitucionalidade que o tribunal a quo apreciou ou devesse ter
apreciado (nesta linha de pensamento, podem ver-se, entre outros, o Acórdão n.º
155/95, publicado no Diário da República II Série, de 20 de Junho de 1995, e,
aceitando os termos dos arestos acabados de citar, o Acórdão n.º 192/2000,
publicado no mesmo jornal oficial, de 30 de Outubro de 2000 - e sobre o sentido
de tal requisito, José Manuel M. Cardoso da Costa, A jurisdição constitucional
em Portugal, 3.ª edição, revista e actualizada, pp. 40 e 72), razão pela qual as
partes, ao encararem ou equacionarem na defesa das suas posições a aplicação das
normas, não estão dispensadas de entrar em linha de conta com o facto de estas
poderem ser entendidas segundo sentidos divergentes e de os considerar na defesa
das suas posições, aí prevenindo a possibilidade da (in)validade da norma em
face da lei fundamental, impendendo sobre elas um dever de prudência técnica na
antevisão do direito plausível de ser aplicado e, nessa perspectiva, quanto à
sua conformidade constitucional.
Concretizando, ainda, aspectos do seu regime, cumpre acentuar que, sendo o
objecto do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade constituído
por normas jurídicas, que violem preceitos ou princípios constitucionais, não
pode sindicar-se, no recurso de constitucionalidade, a decisão judicial em si
própria, mesmo quando esta faça aplicação directa de preceitos ou princípios
constitucionais, quer no que importa à correcção, no plano do direito
infraconstitucional, da interpretação normativa a que a mesma chegou, quer no
que tange à forma como o critério normativo previamente determinado foi aplicado
às circunstâncias específicas do caso concreto (correcção do juízo subsuntivo).
Deste modo, é sempre forçoso que, no âmbito dos recursos interpostos
para o Tribunal Constitucional, se questione a (in)constitucionalidade de
normas, não sendo, assim, admissíveis os recursos que, ao jeito da
Verfassungsbeschwerde alemã ou do recurso de amparo espanhol, sindiquem, sub
species constitutionis, a concreta aplicação do direito efectuada pelos demais
tribunais, em termos de se assacar ao acto judicial de “aplicação” a violação
(directa) dos parâmetros jurídico-constitucionais. Ou seja, não cabe a este
Tribunal apurar e sindicar a bondade e o mérito do julgamento efectuado in
concreto pelo tribunal a quo. A intervenção do Tribunal Constitucional não
incide sobre a correcção jurídica do concreto julgamento, mas apenas sobre a
conformidade constitucional das normas aplicadas pela decisão recorrida, cabendo
ao recorrente, como se disse, nos recursos interpostos ao abrigo da alínea b) do
n.º 1 do artigo 70.º, o ónus de suscitar o problema de constitucionalidade
normativa num momento anterior ao da interposição de recurso para o Tribunal
Constitucional [cf. Acórdão n.º 199/88, publicado no Diário da República II
Série, de 28 de Março de 1989; Acórdão n.º 618/98, disponível em
www.tribunalconstitucional.pt, remetendo para jurisprudência anterior (por
exemplo, os Acórdãos nºs 178/95 - publicado no Diário da República II Série, de
21 de Junho de 1995 -, 521/95 e 1026/9, inéditos, e o Acórdão n.º 269/94,
publicado no Diário da República II Série, de 18 de Junho de 1994)].
A este propósito escreve Carlos Lopes do Rego («O objecto idóneo dos
recursos de fiscalização concreta de constitucionalidade: as interpretações
normativas sindicáveis pelo Tribunal Constitucional», in Jurisprudência
Constitucional, 3, p. 8) que “É, aliás, perceptível que, em numerosos casos –
embora sob a capa formal da invocação da inconstitucionalidade de certo preceito
legal tal como foi aplicado pela decisão recorrida – o que realmente se pretende
controverter é a concreta e casuística valoração pelo julgador das múltiplas e
específicas circunstâncias do caso sub judicio […]; a adequação e correcção do
juízo de valoração das provas e de fixação da matéria de facto provada na
sentença (…) ou a estrita qualificação jurídica dos factos relevantes para a
aplicação do direito […]».
7.2 – Postas estas considerações, importa, agora, projectar tais
criteria no caso sub judicio.
Ora, perscrutando os elementos disponíveis nos autos, constata-se
que o despacho reclamado não merece censura, sendo certo que o reclamante não só
não suscitou durante o processo qualquer questão de constitucionalidade
normativa, como, também, acabou por erigir o recurso de constitucionalidade em
torno de um objecto inidóneo, por ser, imediatamente, referido à decisão
recorrida, na valoração, aí projectada, quanto ao circunstancialismo
fáctico-jurídico que a determinou.
Vejamos.
Como resulta, claramente, dos autos, e contrariamente ao alegado no
requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, o
reclamante não suscitou, durante o processo, qualquer questão de
constitucionalidade normativa, tendo, apenas, impugnado a violação dos artigos
70.º e 71.º do Código Penal, na óptica da sua concreta aplicação à factualidade
valorada em juízo.
De facto, não se vislumbra no requerimento de interposição de
recurso qualquer referência susceptível de consubstanciar a menção a um objecto
idóneo do recurso de constitucionalidade, definido, como tal, em torno de um
critério normativo – por natureza – distanciado do momento de aplicação feita
pelo Tribunal a quo, sendo que o imputado vício de violação de lei não equivale
tout court à suscitação de uma questão de constitucionalidade normativa que, por
definição, se há-de ter por apartada da sindicância do acerto lógico-jurídico da
subsunção do caso em apreço à norma.
Tanto basta para julgar improcedente a reclamação.
Refira-se ainda, no entanto, que o reclamante na resposta ao parecer
do Ministério Público e tal como havia enunciado na reclamação, alegou que “o
arguido/recorrente não poderia arguir em momento anterior a
inconstitucionalidade ora invocada – pela simples razão de não poder prever que
a mesma se registaria em fase de Recurso”, razão pela qual sustenta que “o
recorrente tem o Direito a ver apreciado o Recurso interposto para o Tribunal
Constitucional no sentido de controlar a constitucionalidade: a) do art. 70º e
71º, do C.P.P., interpretado e aplicado pelo Supremo Tribunal de Justiça no
sentido de «... ao erguer a culpa – como critério principal de determinação da
pena – e a prevenção como critério secundário, o Tribunal «a quo» não avalizou
correctamente o art. 71 do CP, não cumprindo com o principio constitucional da
adequação e da proporcionalidade das penas, revelando-se justo aplicar apenas
uma pena concreta correspondente ao limite mínimo abstractamente aplicável para
aquele tipo de ilícito, especialmente atenuada.», violando o art. 32° nº 1 da
Constituição”.
Tais menções justificam duas observações.
A primeira para dar conta de que a “reformulação” formal da
definição do objecto do recurso não afasta o juízo supra formulado quanto à sua
inidoneidade, porquanto a controvertida questão de constitucionalidade não deixa
de se encontrar referida à aplicação do critério legal.
A segunda, para rebater a afirmação de impossibilidade de prévia
suscitação do problema da inconstitucionalidade, relembrando que o reclamante
afirmara expressis verbis, em momento anterior – aquando da interposição do
recurso –, que as “inconstitucionalidades [foram] invocadas previamente no seu
recurso do 1° Juízo Criminal da Maia para o Tribunal da Relação do Porto”.
E, quanto a esta questão particular, o certo é que, nem no recurso
interposto para a Relação, nem tão-pouco no recurso de constitucionalidade se
encontra suscitada a inconstitucionalidade de qualquer norma.
No entanto, independentemente disso, poderá referir-se, a título de
obiter dictum, que o acórdão do Tribunal da Relação não constitui qualquer
“decisão surpresa” em face do julgado anterior, nem aplica, também perante esse
juízo, qualquer norma numa dimensão imperscrutável sub species constitutionis,
como resulta, claramente, justificado em face dos fundamentos normativos aí
mobilizados, os quais se encontram, aliás, em sintonia com a decisão da 1.ª
Instância.
C – Decisão
8 – Destarte, atento o exposto, o Tribunal Constitucional decide
indeferir a presente reclamação.
Custas pelo Reclamante, com taxa de justiça fixada em 20 (vinte)
Ucs.
Lisboa, 23 de Dezembro de 2008
Benjamim Rodrigues
Joaquim de Sousa Ribeiro
Rui Manuel Moura Ramos