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Processo n.º 3/09
3ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
A., preso preventivamente à ordem do processo n.º 4910/08.9TDLSB, requereu ao
Procurador da República junto do Departamento Central de Investigação e Acção
Penal que, ao abrigo do artigo 86º, n.º s 4 e 5, do Código de Processo Penal,
determinasse “imediatamente o levantamento do segredo de justiça imposto nos
autos, permitindo a sua consulta integral pelo arguido […], ou quando assim não
o entenda, a sua remessa ao Meritíssimo Juiz de Instrução, para decisão”, pelos
seguintes fundamentos (cfr. fls. 12 e seguintes):
“1º O requerente foi detido no passado dia 19 de Novembro, tendo sido ordenada a
sua prisão preventiva na sequência do interrogatório judicial efectuado.
2º Porque não se conforma com tal decisão, dela pretende interpôr recurso que
deverá subir imediatamente e em separado nos termos dos arts. 407°, nº 2, al.
e), e 406°, n.° 2, do Código de Processo Penal, cabendo exclusivamente ao
recorrente o ónus da sua instrução, sem prejuízo do disposto no art.° 414°, n.°
6, do mesmo Código.
3º Para tanto, é absolutamente indispensável a consulta dos autos, a qual
solicitou verbalmente mas lhe foi recusada, após o que dirigiu a V. Exa.
requerimento no mesmo sentido que deu entrada em 24 de Novembro.
4º Atendendo ao tempo já decorrido desde que se viu privado da sua liberdade e
ao curto prazo de que dispõe para recorrer da decisão judicial, motivando e
instruindo os autos com as peças que considere necessárias,
5º E porque qualquer atraso ou impedimento pode prejudicar irremediavelmente o
seu inalienável direito a impugnar a decisão que lhe aplicou aquela medida de
coacção de prisão preventiva, com conhecimento de causa e em tempo útil,
6.° Direito que se encontra assegurado pelas disposições conjugadas dos arts.
32°, n.° 1, e 20°, n.° 5, da Constituição da República Portuguesa,
7° E que sempre deverá prevalecer sobre o segredo de justiça em hipóteses
conflituantes, como poderá ser o caso,
8º Qualquer aplicação ou interpretação concreta do disposto no art.° 86°, nºs 2,
3 e 5 do Cód. Proc. Penal, bem como do art.° 407°, n.° 2, al. c), que impeça ou
limite o conhecimento dos autos pelo arguido,em ordem a seleccionar as peças que
considere úteis à instrução do recurso, ou que simplesmente protele o momento da
sua subida,
9º Viola frontalmente o disposto nos referidos arts. 32°, n.° 1, e 20°, n.° 5,
da Constituição da República Portuguesa,
10.° Pois embora a constitucionalização do segredo de justiça prevista no art.°
20°, n.° 3, da Constituição possa justificar a restrição pela lei ordinária do
conhecimento do processo por parte de interessados, não deve servir para
contradizer o exercido dos direitos de defesa (cfr. Gomes Canotilho e Vital
Moreira, Const. Rep. Port. Anot., 4.ª ed., , pág. 414 e Ac. Trib. Cons. n.°
121/97 ali citado; no mesmo sentido, o Ac. Trib. Cons. n.° 417/2003, in D.R. 2ª.
série, n.° 83 de 7 de Abril de 2004).
11º Não obstante, o arguido foi agora notificado do despacho de V. Exa. em que
apenas é autorizada a consulta “de todos os documentos utilizados e exibidos em
sede do interrogatório judicial”. -
12.° Salvo o devido respeito, desses já o arguido tomou conhecimento e de outros
foi mesmo notificado, tendo-lhe sido fornecidas as devidas cópias,
13º Tornando inútil e pouco compreensível a autorização concedida,
14.º Tanto mais que, relativamente ao arguido e pelas razões referidas, não se
está nem pode estar aqui perante alguma das excepções à publicidade do processo
previstas na lei a que alude o art.° 86°, n.° 1, do Cód. Proc. Penal, com
expressa cominação de nulidade”.
O Ministério Público pronunciou-se sobre este requerimento nos seguintes termos
(cfr. fls. 15 e seguinte):
“[…]
Em primeiro lugar, entendemos que não se mostra adequado invocar o art. 86°-5,
porquanto o mesmo se reporta ao próprio regime que vigora nos autos, aplicável a
todos os intervenientes, implicando a sua substituição por um regime de
publicidade, tal como definida no art. 86°-6 do mesmo Código, manifestamente
desadequado aos presentes autos, afigurando-se que nem sequer seja o pretendido
pelo requerente, uma vez que permitiria o acesso do mesmo ao público em geral.
Em segundo lugar, o que o requerente pretende é o acesso aos autos para preparar
a sua defesa, tal como se encontra definido no art. 89°-l do Cód. Processo
Penal.
Ora, preparar a defesa significa tomar conhecimento dos documentos e demais
elementos de prova que foram invocados para imputar a prática de factos ao
arguido.
Aliás, na sustentação da medida de coacção aplicada ao arguido não podem mesmo
ser invocados outros meios de prova, já existentes à data, que não aqueles
exibidos ao arguido no seu interrogatório conforme art. 141°-4 d) do Cód.
Processo Penal.
A pretensão de conhecimento da totalidade dos autos contende com a identificação
de outros temas de prova estranhos ao arguido ou com factos que ainda nem sequer
lhe foram imputados, para além de colocar em causa toda a investigação e mesmo
fazer perigar a paz merecida por outros participantes processuais.
Oferecemos para consulta todos os elementos de prova de onde resulta de forma
concludente a referência ao arguido, despacho de folhas 624 e seguinte, sendo
certo que são os que, directa ou indirectamente, foram invocados no decurso do
interrogatório.
A pretensão de conhecer a totalidade do processo, se bem que compreensível, é
ilegítima face aos interesses da defesa, indo além das suas necessidades, até
porque estão em causa outros factos e outras pessoas para além dos já referidos
nos autos e imputados ao arguido.
Pelo exposto, manifestamos a nossa oposição à consulta a todos os elementos
constantes dos autos, pelo que, nos termos do art. 89°-2 do Cód. Processo Penal,
determinamos que sejam os autos presentes ao Exmo Sr. Juiz de Instrução para
apreciação e decisão”.
Sobre o mencionado requerimento do arguido recaiu o seguinte despacho do Juiz de
Instrução Criminal do Tribunal Central de Instrução Criminal (cfr. fls. 17 e
seguinte):
“Vem o arguido A., a douto punho, nos termos e com os fundamentos do
requerimento que ora faz fls. 658 a 660, que aqui se dá por integralmente
reproduzido, requerer ao titular da acção penal, o imediato levantamento do
segredo de justiça imposto nos autos permitindo a sua consulta integral pelo
arguido.
O M.° P.° opõe-se à consulta de todos os elementos constantes dos autos, nos
termos e com os fundamentos constantes da douta promoção de fls. 715/716, que
aqui se dá por integralmente requerida.
Cumpre decidir:
Dispõe o n.° 1 do art.° 89.º do CPP, que: “Durante o inquérito, o arguido, o
assistente, o ofendido, o lesado e o responsável civil podem consultar, mediante
requerimento, o processo ou elementos dele constantes, bem como obter os
correspondentes extractos, cópias ou certidões, salvo quando, tratando-se de
processo que se encontre em segredo de justiça, o Ministério Público a isso se
opuser por considerar, fundamentadamente, que pode prejudicar a investigação ou
os direitos dos participantes processuais ou das vitimas.
O n.° 2 do citado preceito legal dispõe que: “Se o Ministério Público se opuser
à consulta ou à obtenção dos elementos previstos no número anterior, o
requerimento é presente ao juiz, que decide por despacho irrecorrível”.
Nos presentes autos, o M.° P.° determinou a aplicação aos presentes autos; do
segredo de justiça, tendo tal decisão sido validada pelo JIC, por despacho
proferido no passado dia 19 do corrente mês de Novembro.
Assim, vigorando nos presentes autos o regime do segredo de justiça concordando
inteiramente com a fundamentação aduzida pelo M.° P°, na douta promoção que
antecede, que aqui se dá, mais uma vez por reproduzida, indefere-se a consulta
integral do processo, pelo arguido, bem como o requerido levantamento do segredo
de justiça.
Sem embargo e, conforme já disponibilizado pelo detentor da acção penal, o
arguido A., terá acesso, para sua defesa, aos elementos constantes dos autos
onde resulta de forma concludente a referência ao arguido, conforme despacho de
fls. 624 e seguinte e que foram os invocados, directa ou indirectamente no
decurso do primeiro interrogatório. […]”.
A. interpôs recurso deste despacho para o Tribunal Constitucional, nos
seguintes termos (cfr. fls. 19):
“[…] notificado do aliás douto Despacho proferido por V. Exa. que, nos termos do
artigo 86°, nº 5 do Código de Processo Penal, confirmou a recusa pelo Ministério
Público do levantamento do segredo de justiça vigente nos autos, indeferindo em
definitivo o pedido da sua consulta integral formulado pelo Arguido, assim
impedindo e limitando o acesso a elementos contidos nos autos, com vista a
instruir o recurso de impugnação da decisão que lhe aplicou a medida de coacção
de prisão preventiva, cuja selecção e eventual relevância cabe exclusivamente ao
Arguido Recorrente (sem prejuízo do disposto no artigo 414°, n. ° 6, do C.P.P.),
desta forma aplicando e interpretando expressa e concretamente o disposto no
artigo 86°, n.°s 2, 3 e 5 do C.P.P. em termos que violam directamente o disposto
nos artigos 32°, nº 1, 20°, nº 5 e 18º. n.° 1 da Constituição da República
Portuguesa, como aliás violaria qualquer interpretação ou aplicação do artigo
407°, n.° 2, alínea e), do referido Código que protelasse a subida do recurso,
questões cautelar e preventivamente suscitadas pelo Arguido já no seu
requerimento agora indeferido pelo Despacho de V. Exa., dele vem interpor
recurso directo para o Tribunal Constitucional, ao abrigo dos artigos 70°, nº 1,
alínea b) e n.° 2, 71°, n.° 1 e 2, 75°, n.° 1, 75°-A, n. 1 e 2 da Lei n.° 28/82,
de 15 de Novembro, com fundamento na violação dos aludidos artigos 18°, nº. 1,
20°, n.° 5, e 32°, n.° 1, todos da Constituição da República Portuguesa, para
subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo, nos termos do
artigo 78°, n.° 4 da referida Lei n° 28/82”.
O recurso de constitucionalidade não foi admitido, por despacho do Juiz de
Instrução Criminal do Tribunal Central de Instrução Criminal, do seguinte teor
(cfr. fls. 20 e seguinte):
“A douto punho, a defesa do arguido A. apresentou neste TCIC requerimento de
interposição de recurso para o Tribunal Constitucional da decisão de fls. 723 e
seguintes, na qual o JIC recusou o acesso a todos os elementos constantes dos
autos, àquele arguido, permitindo apenas a consulta dos elementos que se
reportam a actos alegadamente praticados pelo arguido e com os quais foi
confrontado em sede de primeiro interrogatório judicial, a final do qual lhe foi
aplicada a medida de coacção de prisão preventiva.
O arguido veio pedir tal acesso, alegando que pretende recorrer de tal decisão
impositiva da medida de coacção que lhe foi imposta por despacho de 21/11/08.
Conforme se alcança de fls. 723, a decisão de recusa do acesso a todos os
elementos constantes dos autos que, aliás, se encontram em segredo de justiça,
foi tomada com base em interpretação dos n°s 1 e 2 do art.° 89.° do CPP, sendo
que, é a própria Lei Processual Penal que estatui que tal decisão é
irrecorrível, razão pela qual passa a redundância dela não cabe qualquer recurso
ordinário.
Daí que, a defesa pretenda interpor recurso para o Tribunal Constitucional com
base no disposto no art.° 70.° - 1 e 2 b) da Lei 28/82, de 15 de Novembro,
invocando a inconstitucionalidade da recusa do acesso integral aos autos.
Neste requerimento ora apresentado, a mesma defesa vem referir que invocou em
devido tempo a inconstitucionalidade de tal recusa de acesso integral já no seu
requerimento a fls. 658 e seguintes.
Ora, a verdade é que, nesse requerimento, a defesa de A., veio efectivamente
alegar a inconstitucionalidade das normas dos art.°s 86.° n.°s 2, 3 e 5 e do
art° 407.° n.° 2 c) ambos do CPP acaso fossem interpretadas como impedindo o
acesso total aos autos pelo arguido.
Só que, a decisão recorrida não se fundamentou em qualquer interpretação de tais
preceitos, mas sim, e apenas no art.° 89.° n.°s 1 e 2 do CPP.
Foi só sobre este inciso que despacho emitiu uma interpretação, aliás, começando
por ser literal, para depois fazer apelo na hermenêutica jurídica alcançável aos
restantes princípios de interpretação das leis.
Somos assim a considerar que, não está em causa na decisão recorrida uma norma
cuja inconstitucionalidade tivesse já sido suscitada durante o processo como se
encontra plasmado ser requisito habilitante para se poder lançar mão do disposto
no art.° 70.° n.° 1 al. b) da Lei 28/82, de 15 de Novembro.
Não podemos pois, neste quadro, admitir o recurso agora interposto, pois na
nossa decisão, não fizemos referência a qualquer norma cuja constitucionalidade
a defesa do Sr. A. tenha previamente suscitado nos autos.
À luz do disposto no art.° 76.° n.°s 1 e 2 da Lei 28/82, de 15 de Novembro, não
admitimos o recurso.
Tudo, sem prejuízo de eventual reclamação que caiba, para o Venerável Tribunal
Constitucional, à luz do inciso do n.° 4 do art.° 76º precedentemente citado”
Notificado do despacho que não lhe admitiu o recurso de constitucionalidade, A.
dele reclamou para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto nos artigos
76º, n.º 4, 77º, n.º 1, e 78º-A, n.º 3, todos da Lei do Tribunal Constitucional,
nos seguintes termos:
“1º Por decisão proferida em 21/11/08, na sequência do interrogatório judicial
efectuado, foi decretada a prisão preventiva do ora reclamante.
2.° Por não se conformar com tal decisão e dela pretender interpor recurso, o
ora reclamante, em 24/11/08, requereu ao Exmo. Procurador da República titular
do inquérito que lhe fosse facultada a consulta dos autos.
3º Por despacho, datado de 25/11/2008, o Exmo, Procurador apenas facultou a
consulta “ao abrigo do art. 89° n.°1 do C. P. P., de todos os documentos
utilizados e exibidos em sede de interrogatório judicial”, justificando tal
decisão no regime do segredo de justiça.
4° Por considerar que o regime do segredo de justiça estatuído no art. 86°, n.°s
2, 3 e 5 do C.P.P. não pode prevalecer sobre o exercício dos direitos de defesa
do arguido preso preventivamente, o ora reclamante deu entrada, em 26/11/2008,
de novo requerimento dirigido ao Exmo. Procurador, solicitando o levantamento do
segredo e a respectiva consulta integral dos autos, ou, quando assim não fosse
entendido, a remessa para competente decisão judicial.
5º Decisão judicial que veio efectivamente a ser proferida em 27/11/2008,
indeferindo o pedido de consulta integral do processo ao ora reclamante.
6º Por ser essa decisão judicial legalmente insusceptível de recurso ordinário,
o ora reclamante interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, o qual, pelo
despacho objecto da presente reclamação, não foi admitido.
7º Tendo sido aí entendido que “a decisão recorrida não se fundamentou em
qualquer interpretação dos arts. 86°, n.°s 2, 3 e 5 e do art. 407°, n.°2, al. c)
do C.P.P. mas sim e apenas do art. 89°, nº. 1 e 2 do mesmo Código“.
8º Só que, salvo o devido respeito, não é assim, pois a proibição da consulta
dos autos pelo arguido preso — que, sublinhe-se, pretende defender-se das
imputações que lhe são feitas e que motivam a manutenção da prisão — pressupõe
necessariamente uma prevalência do eventual prejuízo para a investigação ou dos
direitos dos vários participantes processuais sobre o direito à defesa.
9º Ou seja, o que está em causa não é a forma como o titular da acção penal se
pode opor à consulta dos autos, prevista no art. 89.° do C.P.P., mas sim o
próprio regime do segredo de justiça estatuído no art. 86°.
10.º E que, em qualquer caso e na interpretação acolhida, impede o cabal
exercício da defesa em nome da eficácia da investigação.
11.° Prevendo já que essa poderia vir a ser a interpretação do Tribunal, o ora
reclamante, logo no requerimento entrado em 26/21/08, arguiu a
inconstitucionalidade do regime de segredo imposto nos autos, quando entendido
em termos que pudessem prejudicar a livre interposição e motivação do recurso e
o cabal exercício da sua defesa, enquanto arguido preso preventivamente,
12.° Invocando expressamente e além do mais que “qualquer aplicação ou
interpretação concreta do disposto no art. 86. n.°s 2, 3 e 5 do C. P. P., bem
como do art. 407°, n.º 2, al. c) que impeça ou limite o conhecimento dos autos
pelo arguido, em ordem o seleccionar as peças que considere úteis à instrução do
recurso, ou que simplesmente protele o momento da sua subida, viola frontalmente
o disposto nos arts. 32º, nº 1 e 20.°, nº 5 da Constituição da República
Portuguesa”.
13.° Esta era, então, uma invocação puramente preventiva e cautelar, antecipando
a eventualidade de lhe ser recusada a consulta integral dos autos, essencial à
selecção dos elementos que, em seu entender, se mostrassem úteis à motivação e
instrução do recurso do despacho que determinou a sua prisão preventiva,
14.° Como de facto veio a suceder em 27/11/08, com um despacho judicial
insusceptível de recurso ordinário, no qual o Exmo. Juiz de Instrução Criminal,
para além de transcrever o disposto no art. 89°, nºs 1 e 2 do C.P.P., fundamenta
expressamente a sua decisão nos seguintes termos:
“Assim, vigorando nos autos o regime do segredo de justiça e concordando
inteiramente com a fundamentação aduzida pelo M° P.° (...) indefere-se a
consulta integral do processo pelo arguido bem como o requerido levantamento do
segredo de justiça”.
15.º De passagem, cabe aqui referir que o ora reclamante não pretendeu nunca,
nem pretende agora, o puro e simples levantamento do segredo de justiça, como
aliás nota o próprio M.° Pº na promoção de fls. 715, mas apenas o levantamento
do segredo internamente e relativamente ao próprio requerente que a ele
permaneceria vinculado.
16.° Mas o que verdadeiramente interessa agora ao reclamante é salientar que, ao
contrário do afirmado no despacho reclamado, a recusa do acesso aos autos se
fundamentou expressamente “no regime do segredo de justiça” que vigora nos
presentes autos, e não apenas numa interpretação do disposto no art. 89.º, nºs 1
e 2 do C.P.P.
17.º Ora, é precisamente este “regime do segredo de justiça”, previsto e
regulado no art. 86°, nºs 2, 3 e 5 do C.P.P., que o reclamante havia considerado
violar directamente o disposto nos arts. 32°, n.° 1, 20°, n.° 5 e 1 8.° da
Constituição da República Portuguesa, se interpretado e aplicado concretamente,
como veio a ser, em termos de impedir a consulta integral dos autos pelo
arguido, requerida com vista a instruir o recurso de impugnação da decisão que o
colocou em situação de prisão preventiva.
18.ºDe resto, os fundamentos ou a razão de ser da proibição do acesso aos autos
são exactamente os mesmos, quer se invoque o disposto no art. 89°. n.° 1, quer
se invoque o disposto no art. 86.º, n.° 2 e 3, do C.P.P.: prejuízo para a
investigação ou para os direitos dos sujeitos processuais,
19.° Pelo que, não pode dizer-se, como no despacho reclamado, que “não está em
causa na decisão recorrida uma norma cuja inconstitucionalidade tivesse já sido
suscitada durante o processo”; pelo contrário, foi essa mesma norma, na
interpretação acolhida, que foi posta em causa,
20.° Estando, por isso, preenchido o requisito previsto no art. 70.°, n.°1, al.
b) da Lei n.° 28/82, de 15 de Novembro, para a admissibilidade do recurso.
21.° Parafraseando o recente e lapidar Acórdão do Tribunal Constitucional n.°
428/2008, de 12 de Agosto, “está em causa o acesso do arguido a elementos
constantes do processo que sejam necessários para a adequada defesa dos seus
direito designadamente para contrariar ou impugnar a aplicação de medidas de
coacção, hipótese em que a jurisprudência deste Tribunal tem considerado não ser
oponível o segredo de justiça, mesmo durante o decurso normal do inquérito”.
22.° É esta a questão que está posta e foi esta a questão suscitada, antes mesmo
de proferida a decisão recorrida: a não admissão do recurso, estando o arguido
preso, traduz-se substancialmente na violação dos mais elementares princípios em
que o Estado de Direito se alicerça, dos quais o M.° Pº deve ser o primeiro
defensor e o Juiz o último garante,
23.º Tanto mais que se ignora e em momento algum foi invocada a existência nos
autos de elementos conflituantes com os direitos de defesa do arguido,
designadamente respeitantes à reserva da vida privada de terceiros.
Em Conclusão:
A) A decisão objecto de recurso para o Tribunal Constitucional fundamentou-se no
regime de segredo de justiça vigente nos autos;
B) Este regime, previsto no art. 86°, n.°s 2 e 3 do C.P.P. é inaplicável ao
arguido preso que pretende a consulta integral dos autos para seleccionar
elementos que, segundo o seu critério, sejam úteis para instruir o recurso de
impugnação da decisão que determinou a sua prisão preventiva, por violar o
disposto nos arts. 32°, n.° 1, 20º, n.° 5, e 18.° da Constituição da República
Portuguesa;
C) Esta questão foi suscitada cautelarmente pelo reclamante, antes de proferido
o despacho que indeferiu aquela consulta;
D) Pelo que se encontra preenchido o requisito de aplicação de norma cu)a
inconstitucionalidade foi suscitada durante o processo, em conformidade com o
art. 70°, n.° 1, al. b), da Lei n.° 28/82, de 15 de Novembro;
E) Devendo, em consequência, ser dado provimento à presente reclamação e
admitido o recurso interposto pelo arguido, ora reclamante“.
O representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional respondeu
à reclamação, sustentando o seguinte (cfr. fls. 28 v.º e seguinte):
“A presente reclamação é manifestamente improcedente.
Na verdade, confrontado com a decisão reproduzida a fls 17 dos autos, em que –
por expressa referência e aplicação do preceituado no artº 89º, nº 1, do CPP –
se delimitou o âmbito do acesso aos autos pelo arguido, com vista à preparação
da sua defesa, relativamente à medida de coacção que lhe foi aplicada, interpôs
o arguido o recurso de fiscalização concreta de fls 19, em que controverte uma
diferente “base normativa”, suscitando a inconstitucionalidade de uma
interpretação assente nos arts. 86º, nºs 2, 3 e 5, e 407º, nº 2, alínea c) do
CPP.
A “norma” escolhida pelo recorrente como objecto do recurso – e que é
naturalmente, identificado, em primeira linha, pela especificação dos preceitos
legais que constituem “fonte” ou “base normativa” da interpretação ou dimensão
normativa questionada pelo recorrente – não coincide manifestamente com a norma
que constituí efectiva “ratio decidendi” da decisão impugnada, o que, só por si,
inviabiliza o recurso interposto”.
Cumpre apreciar.
II. Fundamentação
Tendo o presente recurso sido interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do
artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, constitui seu pressuposto
processual, entre outros, a aplicação, na decisão recorrida, da norma ou
interpretação normativa cuja conformidade constitucional se pretende que o
Tribunal Constitucional aprecie.
Decorre do requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade que o
objecto do presente recurso é constituído por uma interpretação normativa, que o
recorrente não explicita mas que reporta ao artigo 86º, n.º s 2, 3 e 5, do
Código de Processo Penal.
Já da presente reclamação, resulta que o objecto do recurso de
constitucionalidade é definido, ora como integrando o regime do artigo 86º, n.º
s 2 e 3, do Código de Processo Penal, enquanto aplicável ao “arguido preso que
pretende a consulta integral dos autos para seleccionar elementos que, segundo o
seu critério, sejam úteis para instruir o recurso de impugnação da decisão que
determinou a sua prisão preventiva” (cfr. fls. 6, conclusão B)).
Admitindo que o objecto do recurso se encontra, na sequência da presente
reclamação, e apesar da flutuação terminológica desta, suficientemente
delimitado (o que, não ocorrendo, determinaria a impossibilidade do seu
conhecimento), cumpre aferir se a decisão recorrida aplicou a interpretação
normativa que vem identificado.
A resposta não pode deixar de ser negativa.
Na verdade, não só a decisão recorrida expressamente menciona o artigo 89º, n.º
s 1 e 2, do Código de Processo Penal como o preceito legal ao abrigo do qual a
própria decisão foi proferida, como também não tratou da questão de saber se o
processo devia ou não estar sujeito a segredo de justiça, mas apenas a de saber
se o arguido podia consultar todos os elementos dos autos para preparar a sua
defesa: ora, a esta questão responde o artigo 89º, n.º s 1 e 2 do Código de
Processo Penal e não o artigo 86º, n.º s 2 e 3, do mesmo Código, não sendo tal
conclusão contrariada pela circunstância de o artigo 89º, n.º 1, ao aludir à
eventualidade de o processo se encontrar em segredo de justiça, pressupor que o
decretamento deste regime pode influir no regime da consulta do processo.
Não tendo a decisão recorrida aplicado o artigo 86º, n.º s 2 e 3, do Código de
Processo Penal, mas sim o artigo 89º, n.º s 1 e 2, do mesmo Código, há que
concluir também que a interpretação normativa censurada pelo recorrente e que
constitui o objecto do presente recurso não foi aplicada. E é assim porque, como
refere o Ministério Público na resposta à reclamação, essa interpretação é
identificada, em primeira linha, pelos preceitos legais a que se reporta e que
constituem a respectiva fonte.
Não tendo a interpretação normativa que constitui o objecto do presente sido
aplicada na decisão recorrida, não pode dele conhecer-se, por não se mostrar
preenchido um dos seus pressupostos processuais.
III. Decisão
Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, desatende-se a presente reclamação,
mantendo-se a decisão reclamada que não admitiu o recurso de
constitucionalidade.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.
Lisboa, 14 de Janeiro de 2009
Carlos Fernandes Cadilha
Maria Lúcia Amaral
Gil Galvão