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Processo nº 651/2008
3ª Secção
Relatora: Conselheira Maria Lúcia Amaral
Acordam, em Conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
Relatório
1. Em 17 de Outubro de 2008 foi proferida decisão sumária de não conhecimento
do objecto do recurso, nos termos do n.º 1 do artigo 78.º-A da Lei n.º 28/82, de
15 de Novembro (Lei do Tribunal Constitucional).
2. Notificada desta decisão, A., S.A. veio reclamar para a conferência,
dizendo, em síntese, que o acórdão que indeferiu a aclaração pedida pela
sociedade A. (acórdão datado de 1 de Julho de 2008) alterou a fundamentação do
acórdão prolatado a 1 de Abril de 2008. Assim sendo, o Tribunal não deveria ter
valorado as explicações do Supremo Tribunal de Justiça para determinar a ratio
decidendi da decisão recorrida.
Sustenta ainda a reclamante que a ratio decidendi da decisão recorrida, não
tornando porém claro de que recorra efectivamente do acórdão de 1 de Abril de
2008, coincide com a questão de constitucionalidade suscitada e que, portanto,
uma decisão do Tribunal Constitucional a esse respeito mantém toda a utilidade.
O recorrido B. nada disse quanto à reclamação apresentada.
3. A decisão sumária ora posta em crise assentou nos seguintes fundamentos
essenciais:
A decisão do Tribunal Constitucional parte, desde logo, de uma análise dos
autos, em particular do pedido de aclaração e da decisão do Tribunal a quo de
que ora se recorre.
Ora, do cotejo dos autos verifica-se que a norma cuja inconstitucionalidade é
suscitada, na dimensão normativa invocada pela ora recorrente, não corresponde,
na verdade, à dimensão normativa aplicada no acórdão do Supremo Tribunal de
Justiça.
É que, conforme refere de forma particularmente clara aquele Supremo Tribunal, a
decisão de que ora se recorre não se baseou numa dimensão normativa dos artigos
668.º, n.º 1, alínea d), 715.º, n.º 2 e 3, 731.º, n.º 2, e 762.º, n.º 2 todos do
Código de Processo Civil, no sentido pugnado pela ora recorrente.
A ratio decidendi da decisão foi, ao invés, a de que (retranscreva-se):
(…) é evidente que o pedido subsidiário (nº 6 e 7), em qualquer dos sentidos
referidos pela reclamante, tinha necessariamente de improceder em decorrência
lógica do decidido quanto à questão principal, tal como a colocou a A., aqui
reclamante.
De resto, tal pedido, como é óbvio, obedece à mesma lógica que os pedidos
principais (nº 1 e 2), pelo que a sua autonomia é puramente aparente ou formal.
Verifica-se, pois, que a razão de decidir se prendeu não com a decisão, em
substituição do Tribunal da Relação de Lisboa, de pedidos que não haviam sido
por este anteriormente julgados (questão que enforma o objecto do presente
recurso e que se reconduz a um alegado tratamento diferenciado entre os pedidos
sob os números 4 e 5, que baixaram para decisão do Tribunal da Relação de
Lisboa, e os pedidos números 6 e 7 que não serão objecto de decisão do Tribunal
da Relação de Lisboa), mas antes com a consideração de que o juízo formulado
quanto aos pedidos 1, 2 e 3, e que se tornou definitivo, não possibilitaria a
tomada de posição por aquele tribunal quanto aos pedidos números 6 e 7. Com
efeito, à luz do entendimento do Tribunal a quo, o objecto dos pedidos n.º 6 e 7
obedece à mesma lógica dos pedidos n.º 1, 2 e 3, tendo, quanto a estes, uma
autonomia puramente aparente ou formal.
(…) quanto ao interesse em recorrer na sua dimensão subjectiva (relacionada,
portanto, com a legitimidade da recorrente), verifica-se a falta de identidade
das normas que enformam a ratio decidendi e o objecto do recurso de
constitucionalidade, nos termos em que se deixou já exposto. O mesmo sucede
quanto ao interesse em recorrer na sua dimensão objectiva conforme se deixará
agora desenvolvido.
(…)
Ou seja, a decisão a proferir pelo Tribunal Constitucional deve,
necessariamente, repercutir-se no julgamento do caso de onde emerge o recurso,
não sendo condição bastante a de que a decisão do Tribunal Constitucional venha
a revelar-se apenas útil para prevenir futuros litígios ou servir para os
decidir, no caso de eles virem a eclodir (veja-se, neste sentido, os Acórdãos do
Tribunal n.ºs 272/94, 324/94, e 490/99 disponíveis para consulta em
www.tribunalconstitucional.pt)
(…)
8. Pois bem, atentos novamente os autos, verifica-se que uma decisão do
Tribunal Constitucional que responda ao pedido formulado pela recorrente será,
sempre, inútil, porquanto na falta já mencionada de identidade entre o objecto
do pedido de recurso de constitucionalidade e a ratio decidendi da decisão
proferida pelo Tribunal a quo, e atendendo em concreto à matéria dos autos,
sempre se manterá inalterado o sentido da decisão a proferir pelo tribunal
recorrido.
Com efeito, a decisão a que o Tribunal Constitucional é chamado a proferir não
bule com a decisão tomada pelo Supremo Tribunal de Justiça que foi no sentido,
relembra-se, de que o conhecimento dos pedidos designados sob a numeração 6 e 7
era prejudicado pela premissa que permitiu o conhecimento dos pedidos designados
sob a numeração 1, 2 e 3. Por outras palavras, o Supremo Tribunal de Justiça
baseou a sua decisão tão só na consideração de que a revisão do plano datada de
17 de Junho de 1999, pura e simplesmente não se aplica ao crédito do B., S.A.
sobre a ora recorrente. Foi esta a premissa que permitiu ao Supremo Tribunal de
Justiça não conhecer dos pedidos 6 e 7 e não os mandar baixar ao Tribunal da
Relação de Lisboa.
Ora bem, o que a recorrente pretende é que o Tribunal da Relação de Lisboa venha
a conhecer dos pedidos 6 e 7. Naturalmente, que mais do que o conhecimento dos
pedidos, o que a recorrente pretende é que tal conhecimento seja a seu favor, no
sentido, portanto, da sua procedência. Ora, a procedência dos pedidos 6 e 7, à
luz do entendimento do Tribunal a quo e que não cabe ao Tribunal Constitucional
julgar, é obstaculizada, de forma inultrapassável, pela decisão do Tribunal a
quo quanto aos pedidos 1, 2 e 3 já definitivamente julgados.
Destarte, a decisão do Tribunal Constitucional no presente recurso não será
nunca adequada a produzir qualquer utilidade para a recorrente no que respeita a
tutela da sua posição jurídica no âmbito da acção principal.
9. Concluindo dir-se-á que, no presente recurso, faltam à recorrente a
legitimidade para interpor o presente recurso de constitucionalidade, por um
lado, e, por outro lado, o interesse em agir, na medida em que a decisão que o
Tribunal Constitucional é chamado a proferir não se repercute no processo em
causa.
4. Para decisão da presente reclamação interessam ainda as seguintes
ocorrências processuais:
a) O B. (recorrido) interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do
acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que julgou improcedente o recurso de
apelação interposto da decisão da 9ª Vara Cível de Lisboa, decisão esta
favorável ao ora reclamante;
b) Por acórdão de 1 de Abril de 2008, o Supremo Tribunal de Justiça veio revogar
o acórdão recorrido, na parte em que confirmava a sentença de 1ª instância,
julgou improcedentes os pedidos formulados pela sociedade A. sob os pontos 1.º,
2.º e 3.º do petitório inicial, bem como os pedidos subsidiários ampliados
(pontos 6.º e 7.º do petitório) e ordenou o reenvio do processo ao Tribunal da
Relação de Lisboa para aí se conhecerem os pedidos subsidiários (pontos 4.º e
5.º do petitório inicial) que foram tidos por prejudicados face à solução
adoptada na sentença da 1ª instância e confirmada pelo acórdão do Tribunal da
Relação de Lisboa;
c) Notificada deste acórdão, a sociedade A.(recorrente e ora reclamante) veio,
nos termos do que dispõem os artigos 668.º, n.º 1, alíneas c) e d), 669.º, n.º
1, alínea a), 716.º e 732.º do Código de Processo Civil, pedir a aclaração do
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1 de Abril de 2008. O pedido do
requerimento de aclaração/arguição de nulidades apresentado pela sociedade
A.veio formulado nos seguintes termos:
(requer-se):
1. A aclaração do Acórdão de 1 de Abril de 2008 no sentido de ser esclarecido se
o Supremo Tribunal de Justiça interpretou os pedidos subsidiários n.º 6 e 7 no
sentido de que os mesmos se reportavam (tal como os pedidos principais) à
insuficiência do valor das acções empenhadas à data de 17.6.1999 ou, pelo
contrário, no sentido de que tais pedidos subsidiários pressupõem o apuramento
da insuficiência do valor das acções empenhadas no momento em que tal apuramento
venha efectivamente a ter lugar.
2. Caso se confirme este segundo entendimento, que seja declarada a nulidade da
decisão na parte em que julgou improcedentes os pedidos subsidiários n.ºs 6 e 7,
nos termos do disposto no art. 688, n.º 1, alíneas c) e d), aplicáveis por força
dos artigos 732º e 716º, n.ºs 1 e2, todos do CPC.
Ainda neste requerimento, a sociedade A. suscita a seguinte questão:
V. Acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva (direito ao recurso)
48. Nos termos do disposto no art. 20° da Constituição da República Portuguesa
(“CRP”), a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais, direito
fundamental que se decompõe em diversas faculdades incluindo a de recorrer de
actos jurisdicionais.
49. Independentemente da existência e âmbito de uma garantia constitucional de
um duplo grau de jurisdição, defende a doutrina que «É possível ... fundar
constitucionalmente um genérico direito de recorrer das decisões
jurisdicionais.» - in Constituição Portuguesa Anotada, JORGE MIRANDA e RUI
MEDEIROS, Coimbra, 2005, Tomo 1, p. 202.
50. «As limitações ou restrições ao direito de recurso estão, por isso, sujeitas
aos limites constitucionais gerais e, de modo especial, aos princípios da
igualdade e da proporcionalidade, pelo que as diferenciações legais não podem
ser arbitrárias e as medidas restritivas do direito de recorrer não devem ser
excessivas» - idem.
51. Na hipótese em que o Supremo venha a esclarecer que interpretou os pedidos
subsidiários n.°s 6 e 7 no sentido de que os mesmos se reportavam à
insuficiência do valor das acções empenhadas no momento em que viesse a ocorrer
o seu apuramento – designadamente em momento A. – e não a 17.6.1999, e ainda
assim, manter a sua decisão, então esta decisão será não apenas nula, como
inconstitucional.
52. Nesta eventualidade, a parte da decisão que julgou improcedentes os pedidos
subsidiários (não apreciados em qualquer instância anterior) será nula, nos
termos já vistos, por contradição entre os fundamentos do Acórdão e a decisão e
por constituir pronúncia sobre questão de que o Supremo não podia tomar
conhecimento.
53. Caso, porém, o STJ entenda não proceder à requerida aclaração do Acórdão,
nem declare a nulidade do segmento decisório em que julgou improcedentes os
pedidos n.°s 6 e 7 – com a consequência de que os pedidos em questão, com o
sentido que a A. os formulou quando da ampliação dos pedidos principais,
acabarão por não ser apreciados em qualquer instância – tal decisão será
inconstitucional por violação do disposto no artigo 20º, n.°s 1, 4 e 5 da CRP.
54. Com efeito, qualquer interpretação dos artigos 668°, n.° 1, alínea d), 715°,
n.°s 2 e 3, 731°, n.° 2, e 762°, n.° 2, do Código de Processo Civil, no sentido
de que, perante quatro pedidos subsidiários (entre si, e postulando soluções de
direito distintas) sobre os quais nenhuma instância anterior se tenha
pronunciado, o Supremo Tribunal de Justiça se pode substituir ao Tribunal da
Relação quanto a alguns, julgando-os improcedentes, e, quanto aos restantes,
mandar baixar os autos à Relação para que esta os aprecie, sem assegurar às
partes, quanto a todos os pedidos, a possibilidade de recorrer, redunda em norma
materialmente inconstitucional por violação do artigo 20°, n.° 1, 4 e 5 da CRP,
inconstitucionalidade normativa que desde já se deixa arguida para os devidos
efeitos legais.
d) Sobre este pedido de aclaração/arguição de nulidades, recaiu o Acórdão do
Supremo Tribunal de Justiça de 1 de Julho de 2008 que veio indeferir a aclaração
requerida bem como as nulidades suscitadas.
e) Notificada deste acórdão, e não se conformando com ele, a sociedade
A.interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, recurso este que foi objecto
da decisão sumária sob reclamação.
Cumpre apreciar e decidir.
II
Fundamentos
5. A reclamante aventa, na sua reclamação, uma principal razão que, no seu
entender, determinaria que o Tribunal conhecesse do recurso de
constitucionalidade por si interposto.
A premissa em que assenta o principal argumento da reclamante é a seguinte: a
ratio decidendi da decisão recorrida não corresponde à ratio decidendi
identificada por este Tribunal na decisão sumária posta em crise.
Desta premissa conclui a ora reclamante que a ratio decidendi da decisão
recorrida (e que coincide, segundo diz, com a interpretação normativa posta em
crise no presente recurso) é tal que a decisão que o Tribunal é chamado agora a
proferir é útil no processo.
A reclamante alega, como se demonstrará, sem razão.
6. No requerimento de interposição de recurso, a ora reclamante identifica com
clareza que a decisão recorrida é o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1
de Julho de 2008.
Apontam neste sentido os seguintes passos do requerimento de recurso apresentado
junto do Tribunal:
1. O presente recurso vem interposto do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça,
de 1.7.2008, a fls. … dos autos, que julgou improcedentes as nulidades arguidas
pela Recorrente A. (excesso de pronúncia e contradição entre a fundamentação e a
decisão) em sede de aclaração de anterior acórdão, de 1.4.2008, a fls. …
(…)
34. A recorrente suscitou no primeiro momento processualmente oportuno, a saber
nos pontos 48 a 54 do seu requerimento de aclaração e arguição de nulidades de
18.4.2008, a supra referida inconstitucionalidade.
35. O STJ considerou, no seu acórdão de 1.7.2008 em resposta àquele
requerimento, que “não se verifica qualquer inconstitucionalidade por violação
da garantia de um grau de jurisdição”.
36. A inconstitucionalidade da norma supra citada resulta da violação dos
artigos 20º, n.º 1, 4 e 5, da CRP.
O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1 de Julho de 2008, relembra-se,
resulta de um pedido de aclaração de outro acórdão do mesmo tribunal e datado de
1 de Abril de 2008.
É certo que a reclamante refere tratar-se de um acórdão prolatado no seguimento
(em aclaração) de anterior acórdão de 1 de Abril de 2008. Todavia, esta
indicação não transfere a tónica do recurso de uma decisão para outra.
Aliás, não sendo o pedido de aclaração um recurso obrigatório, caso a reclamante
entendesse ser o acórdão proferido a 1 de Abril de 2008 a decisão recorrida,
teria interposto recurso autónomo desta decisão. O que não fez.
Em bom rigor, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1 de Julho de 2008 é,
porque resulta de um pedido de aclaração e de uma arguição de nulidades, uma
decisão incidental e complementar do acórdão objecto do pedido de aclaração (o
acórdão proferido a 1 de Abril de 2008). Todavia, esta especial natureza do
acórdão recorrido não impede que do mesmo se venha recorrer, como sucedeu nos
autos, de forma autónoma para o Tribunal.
Isso mesmo foi já decidido em acórdão recente desta secção
(Acórdão n.º 497/08, de 13 de Outubro, disponível para consulta em
www.tribunalconstitucional.pt). Neste acórdão disse o Tribunal que
(…) não é errado afirmar que as decisões que indefiram pedidos de aclaração,
reforma ou arguição de nulidade de outros acórdãos podem constituir objecto
autónomo de recurso para o Tribunal Constitucional quando decidam questões não
decididas pela decisão primária (e, desde logo, as respeitantes à estruturação
do próprio incidente de aclaração, reforma ou arguição de nulidade) ou
substituam (ainda que com adição de motivos) a fundamentação desta, na medida em
que nessa decisão apliquem ex novo normas cuja inconstitucionalidade haja sido
suscitada no incidente ou não pudesse razoavelmente tê-lo sido.
Conclui-se então que o acórdão recorrido é o acórdão do Supremo Tribunal de
Justiça de 1 de Julho de 2008.
7. Ora, nos pontos 1 a 57 da sua reclamação, a reclamante vem apontar aquela
que entende ser a ratio decidendi do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1
de Abril de 2008. Sendo certo que não é sobre esse acórdão que se dirige, nos
autos, o olhar do Tribunal.
Quer isto dizer que os esforços expendidos pela reclamante, porque pretendem, no
fundo, alterar o objecto do recurso, não têm o mérito de sustentar uma alteração
do sentido da posição do Tribunal. Tanto basta para que improceda a reclamação.
8. Vejamos, apesar de tudo, quais as linhas gerais da argumentação da ora
reclamante.
Na sua reclamação, argumenta a sociedade A. que o Tribunal, em seu entender
incorrectamente, valorou “explicações do STJ” que não correspondem à
“fundamentação que efectivamente subjaz ao acórdão principal do STJ”. Entende
ainda a reclamante A. que “o acórdão que indeferiu a aclaração pedida pela A.,
ao invés de esclarecer a decisão contestada, alterou, na verdade, a sua
fundamentação, aditando argumentos que não se encontram naquela e são, aliás,
desmentidos, pelo relatório daquele acórdão principal” (Fls. 2089 dos autos).
Como é fácil de ver, esta argumentação não procede.
São duas as razões que apontam nesse sentido: em primeiro lugar, e considerando
o objecto do recurso de constitucionalidade conforme delimitado pela reclamante
no seu requerimento de interposição de recurso, deve dizer-se que o Tribunal só
pode conhecer, em sede de recurso, de questões de constitucionalidade. A forma
como o tribunal a quo interpreta a legislação ordinária surge, para o Tribunal,
como um dado. Quer isto dizer que a questão de saber se o acórdão sob recurso
‘fundamenta’ mais do que ‘aclara’ não é, não pode ser, objecto de ponderação do
Tribunal.
Em segundo lugar, sempre se dirá que o pedido de aclaração do acórdão do Supremo
Tribunal de Justiça de 1 de Abril de 2008 traduz, necessariamente, que este
acórdão, no segmento decisório objecto do pedido de aclaração (e que enforma a
questão de constitucionalidade que o Tribunal vem chamado a conhecer) é, no
entendimento da sociedade A., obscuro ou ambíguo no que se refere à sua
fundamentação (artigo 669.º, n.º 1, alínea a) do Código de Processo Civil).
O que a sociedade A. agora sustenta é que, na verdade, a fundamentação do
acórdão cuja aclaração peticionou era clara. Tão clara que a ela deveria ter
recorrido o Tribunal Constitucional para determinar a ratio decidendi da decisão
recorrida a fim de averiguar do preenchimento dos pressupostos do recurso de
constitucionalidade quando interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo
70.º da Lei do Tribunal Constitucional.
Naturalmente, o Tribunal não pode aderir a esta tese. Com efeito, atendendo ao
teor do requerimento do recurso, bem como à conduta processual da ora
reclamante, mais não poderia o Tribunal fazer do que considerar, para efeitos de
determinação da ratio decidendi da decisão recorrida, a fundamentação expendida
pelo Supremo Tribunal de Justiça no acórdão de 1 de Julho de 2008.
9. E qual é, então, a ratio decidendi do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
de 1 de Julho de 2008?
Conforme se disse já na decisão sumária sob reclamação,
Ora, do cotejo dos autos verifica-se que a norma cuja inconstitucionalidade é
suscitada, na dimensão normativa invocada pela ora recorrente, não corresponde,
na verdade, à dimensão normativa aplicada no acórdão do Supremo Tribunal de
Justiça.
É que, conforme refere de forma particularmente clara aquele Supremo Tribunal, a
decisão de que ora se recorre não se baseou numa dimensão normativa dos artigos
668.º, n.º 1, alínea d), 715.º, n.º 2 e 3, 731.º, n.º 2, e 762.º, n.º 2 todos do
Código de Processo Civil, no sentido pugnado pela ora recorrente.
A ratio decidendi da decisão foi, ao invés, a de que (retranscreva-se):
(…) é evidente que o pedido subsidiário (nº 6 e 7), em qualquer dos sentidos
referidos pela reclamante, tinha necessariamente de improceder em decorrência
lógica do decidido quanto à questão principal, tal como a colocou a A., aqui
reclamante.
De resto, tal pedido, como é óbvio, obedece à mesma lógica que os pedidos
principais (nº 1 e 2), pelo que a sua autonomia é puramente aparente ou formal.
Verifica-se, pois, que a razão de decidir se prendeu não com a decisão, em
substituição do Tribunal da Relação de Lisboa, de pedidos que não haviam sido
por este anteriormente julgados (questão que enforma o objecto do presente
recurso e que se reconduz a um alegado tratamento diferenciado entre os pedidos
sob os números 4 e 5, que baixaram para decisão do Tribunal da Relação de
Lisboa, e os pedidos números 6 e 7 que não serão objecto de decisão do Tribunal
da Relação de Lisboa), mas antes com a consideração de que o juízo formulado
quanto aos pedidos 1, 2 e 3, e que se tornou definitivo, não possibilitaria a
tomada de posição por aquele tribunal quanto aos pedidos números 6 e 7. Com
efeito, à luz do entendimento do Tribunal a quo, o objecto dos pedidos n.º 6 e 7
obedece à mesma lógica dos pedidos n.º 1, 2 e 3, tendo, quanto a estes, uma
autonomia puramente aparente ou formal.
A reclamante não contesta, aliás, que esta seja a razão de decidir da decisão
recorrida (Cfr. pontos 14 a 17, 36 a 38 da sua reclamação maxime as partes aí
sublinhadas). O que a reclamante sustenta, no fundo, é que a ratio do acórdão
de 1 de Julho de 2008 não deveria, em seu entender e porque o Supremo Tribunal
de Justiça alegadamente violou os limites de uma decisão no âmbito de um pedido
de aclaração, ser a apontada na decisão sumária. A este respeito, e muito
simplesmente, só pode o Tribunal dizer que: não deveria ser, mas é.
10. Atendendo, pois, à ratio decidendi da decisão recorrida não pode o Tribunal
deixar de concluir, como o fez na decisão sumária sob reclamação, que não pode
conhecer do objecto do recurso: a ratio decidendi da decisão recorrida não
corresponde, como ficou demonstrado, à “norma” impugnada no respectivo
requerimento de interposição.
III
Decisão
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide indeferir a
presente reclamação, confirmando a decisão reclamada.
Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 11 de Fevereiro de 2009
Maria Lúcia Amaral
Carlos Fernandes Cadilha
Gil Galvão