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Processo nº 1011/07
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam na 1ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que são
recorrentes o Ministério Público e A. e é recorrido IEP – Instituto de Estradas
de Portugal, foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da
alínea a) do nº 1 do artigo 70º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo
do Tribunal Constitucional (LTC), do acórdão daquele Tribunal de 3 de Outubro de
2007.
2. A. demandou o Instituto de Estradas de Portugal, em acção proposta no
Tribunal do Trabalho de Coimbra em Maio de 2004, pedindo, entre o mais, que os
contratos designados por tarefas, contrato de trabalho a termo e contrato de
trabalho temporário, sucessivamente celebrados entre as partes desde 1 de Abril
de 2001, fossem declarados um contrato de trabalho subordinado; e que a Autora
fosse declarada trabalhadora do Réu, ao abrigo de contrato sem termo, desde esta
data.
Foi então proferida sentença que, para o que agora releva, declara que entre a
Autora e o Réu “vigora um contrato de trabalho sem termo, com efeitos reportados
a 1 de Abril de 2001, para o exercício pela mesma de funções de administrativa,
nas instalações sitas em Coimbra”, condenando o Réu a “reconhecer a existência
de um contrato de trabalho sem termo, entre as partes”.
3. Interposto recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, a sentença da
primeira instância foi integralmente confirmada. O Instituto de Estradas de
Portugal recorreu desta decisão para o Supremo Tribunal de Justiça que, pelo
acórdão recorrido, decidiu conceder parcialmente a revista e, “declarando nulo o
contrato de trabalho que vinculou as partes até 14 de Abril de 2004, absolver o
Réu do pedido de reintegração e do pagamento das importâncias reclamadas com
fundamento em despedimento ilícito”; e “manter a condenação do Réu no pagamento
à Autora da importância fixada nas instâncias, a título de compensação por não
gozo de férias e respectivo subsídio”.
Para o que agora cumpre apreciar e decidir, importa transcrever deste acórdão o
seguinte:
«2. As questões que vêm suscitadas nas conclusões da revista são as seguintes:
(…)
5. A inconstitucionalidade material, por violação do artigo 47.º, n.º 2, da CRP,
do artigo 44.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Setembro, interpretado
no sentido de, consentindo a aplicação dos Estatutos do Réu, permitir, por via
da conversão de contratos a termo em contratos sem termo, a admissão de
trabalhadores sem um procedimento prévio de recrutamento e selecção que garanta
o acesso em condições de liberdade e igualdade.
A questão foi examinada no supra mencionado Acórdão de 26 de Setembro de 2007,
numa perspectiva diferente daquela com que vinha sendo enfrentada por este
Supremo Tribunal, que, até então, se orientava no sentido de não se verificar a
inconstitucionalidade (…).
A nova perspectiva foi apresentada do seguinte modo:
[...]
Sobre a questão em apreço e abordando hipótese paralela à dos autos,
pronunciou-se o recente acórdão do Tribunal Constitucional n.º 409/2007, de
11.07.2007, proferido no Processo n.º 306/07 (em recurso do acórdão deste STJ,
de 7 de Fevereiro de 2007, na Revista n.º 2451/06, desta 4.ª Secção).
Aquele aresto, já publicado na Internet, no sítio www.tribunalconstitucional.pt
(…), de que se junta cópia, e cujo teor damos aqui por reproduzido, julgou
“inconstitucional, por violação do artigo 47.º, n.º 2, da Constituição da
República Portuguesa, a norma extraída da conjugação dos artigos 41.º, n.º 4, do
Decreto-Lei n.º 184/89, de 2 de Junho, 44.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 427/89,
de 7 de Dezembro, e 13.º dos Estatutos do Instituto para a Conservação e
Exploração da Rede Rodoviária (…), aprovados pelo Decreto-Lei n.º 237/99, de 25
de Junho, interpretados no sentido de permitirem a contratação de pessoal
sujeito ao regime jurídico do contrato individual de trabalho, designadamente na
parte em que permite a conversão de contratos de trabalho a termo em contratos
de trabalho sem termo, sem imposição de procedimento de recrutamento e selecção
dos candidatos à contratação que garanta o acesso em condições de liberdade e
igualdade”.
E nesse acórdão, que aderiu às considerações que, para hipóteses semelhantes,
tinham já sido seguidas por anteriores arestos do TC, a propósito de outros
institutos públicos (…), escreveu-se o seguinte, no que respeita à projecção do
aludido juízo de inconstitucionalidade na apreciação do caso concreto em apreço:
«Estas considerações são inteiramente transponíveis para o caso do presente
recurso, sendo inquestionável que o instituto em causa (…) está investido de
poderes de autoridade (cf., designadamente, o n.º 3 do artigo 5.º do Decreto-Lei
n.º 237/99), e não se vislumbra nenhuma razão válida, nomeadamente face à
especificidade das funções desempenhadas, para subtrair todo o seu pessoal, e
especificamente a categoria profissional da ora recorrida, à regra do concurso.
Não se ignora que, entre a matéria de facto provada, consta que “a autora foi
contratada na sequência de um processo de avaliação de currículo dos candidatos,
com entrevista de selecção” (...). No entanto, para além de o critério normativo
seguido no acórdão recorrido (e é sobre esse que há-de incidir o juízo de
inconstitucionalidade deste Tribunal) ter considerado de todo irrelevante a
existência, ou não, de procedimentos objectivos de selecção do pessoal a
contratar, o certo é que aquele facto provado é insuficiente (por nada revelar,
por exemplo, sobre a prévia publicitação da existência da vaga) para dar por
adquirido que o procedimento em concreto seguido tenha efectivamente garantido a
todos os potenciais candidatos o acesso ao cargo “em condições de liberdade e
igualdade”. Competirá, naturalmente, ao tribunal recorrido, ao proceder à
reformulação da sua decisão, e se tal lhe for processualmente permitido, apurar
se, em concreto, estas condições terão sido respeitadas, hipótese em que,
adoptando então – como lhe é lícito – critério normativo distinto do ora julgado
inconstitucional, não está à partida excluída a possibilidade de vir a julgar
não inconstitucional esse novo critério» (Fim de transcrição).
Do que se deixou dito resulta que o Tribunal Constitucional não julgou
inconstitucionais, em si mesmas, as normas dos art.os 41.º, n.º 4 do DL n.º
184/89 e 44.º, n.º 1 do DL n.º 427/89, na parte em que salvaguardam a existência
de regimes especiais – diversos do regime geral de emprego público –,
determinando a aplicação das respectivas disposições estatutárias ao pessoal dos
institutos públicos que revistam a natureza de serviço personalizado e se rejam
pelo regime do contrato individual de trabalho.
Nem julgou inconstitucional, em si mesma, a norma do art.º 13.º, n.º 1 dos
Estatutos do ICERR, aprovados pelo DL n.º 237/99, de 25.06, que dispôs que o
pessoal do ICERR está sujeito ao regime jurídico do contrato individual de
trabalho, com as especificidades previstas nesses estatutos e no diploma que os
aprovou.
Julgou sim e tão só inconstitucional a norma extraída da conjugação desses
preceitos, na interpretação segundo a qual seria permitida a contratação de
pessoal desse Instituto sujeito ao regime jurídico do contrato individual de
trabalho, designadamente na parte em que permite a conversão dos contratos de
trabalho a termo em contratos sem termo, sem imposição de recrutamento e
selecção dos candidatos à contratação que garanta o acesso em condições de
liberdade e igualdade.
E, como vimos, aceitou que os tribunais, ao emitirem o juízo de conversão de
tais contratos, abordem a questão da suficiência ou não, em concreto, dos
procedimentos objectivos de selecção do pessoal a contratar que, porventura,
tenham sido implementados na contratação levada a efeito e da consequente
constitucionalidade ou não do critério normativo adoptado, na interpretação
feita das normas sub judice.
[...]
Subscrevendo o juízo de inconstitucionalidade proferido no mencionado acórdão do
Tribunal Constitucional, haverá que reconhecer-se que ele tem projecção no caso
que nos ocupa, apesar de se registarem algumas diferenças entre as situações de
facto e as pretensões com base nelas formuladas, submetidas a juízo.
Na verdade, o que aqui se nos depara não é, em rigor, apenas, a conversão de um
contrato a termo em contrato por tempo indeterminado, por força da aplicação, na
sua plenitude, quer dizer sem restrições, do Regime Jurídico da Cessação do
Contrato Individual de Trabalho e da Celebração e Caducidade do Contrato de
Trabalho a Termo (LCCT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de
Fevereiro.
O quadro que se nos apresenta envolve, de harmonia com os factos declarados
provados, a prestação de actividade remunerada, sem qualquer hiato, durante 3
anos e 14 dias, ao abrigo, sucessivamente, por ordem cronológica, de dois
contratos denominados de “tarefa”, um intitulado contrato de trabalho a termo,
dois contratos denominados de “tarefa”, um contrato de trabalho temporário, e,
finalmente, sem qualquer contrato de trabalho, o que, na óptica da Autora,
sufragada pelas instâncias, consubstancia – face aos termos de subordinação em
que, sempre, se desenvolveu a execução do convencionado pelas partes – a
existência de uma relação laboral perene, com início reportado ao momento da
celebração do primeiro contrato.
Retira-se da exposição dos fundamentos do referido acórdão do Tribunal
Constitucional a conclusão de que o n.º 2 do artigo 47.º da CRP não permite que
uma lei ordinária consinta a contratação por institutos públicos, investidos de
poderes de autoridade – por isso que equiparáveis ao Estado –, de pessoal
sujeito ao regime jurídico do contrato individual de trabalho, sem precedência
de recrutamento e selecção dos candidatos à contratação que garanta o acesso em
condições de liberdade e igualdade.
Daí o juízo de inconstitucionalidade da interpretação do bloco constituído pelas
normas em causa – os artigos 41.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 184/89, 44.º, n.º
1, do Decreto-Lei n.º 427/89, e 13.º, n.º 1, dos Estatutos do ICERR – no sentido
de ser autorizada a contratação sem aquela garantia, em regra, tornada efectiva
por via de concurso ou procedimento equiparável.
Assim, tendo em atenção o disposto nos artigos 280.º, n.º 1 e 294.º do Código
Civil (…), nenhuma relação jurídica com a natureza de contrato de trabalho –
seja qual for a denominação que lhe tenha sido atribuída –, em que o Instituto
de Estradas de Portugal figure como empregador, será válida, se tiver sido
preterida, sem motivo excepcionalmente atendível, a prévia realização do
adequado procedimento.
No caso vertente, sabe-se que a Autora, tendo tido conhecimento de que o Réu
estava a admitir trabalhadores, havendo uma vaga para o sector das licenças,
apresentou o seu currículo, foi seleccionada para apresentar uma proposta para a
execução de determinados trabalhos, na sequência do que foi admitida, em 1 de
Abril de 2001, ao serviço do Réu (factos 1., 2. e 3.).
Estes factos não são suficientes para se considerar que houve um procedimento de
recrutamento e selecção de candidatos equiparável ao concurso, que pressupõe a
publicitação da existência da(s) vaga(a)s, de modo a permitir a candidatura de
todos os eventuais interessados, facto que não está demonstrado, nem foi alegado
– como não foi demonstrado, nem alegado o contrário.
Como se observou no supra referido Acórdão de 26 de Setembro de 2007, “estamos
perante aspecto de facto que, na presente acção, reveste natureza constitutiva e
cujo ónus da prova cabe, por isso, ao A., nos termos do art.º 342.º, n.º 1, do
Cód. Civil (diga-se que parece ter sido também o entendimento subjacente à
posição do Acórdão do TC que vem sendo abordado, como se deduz da passagem acima
transcrita sobre a projecção do juízo de inconstitucionalidade nele formulado ao
caso concreto aí abordado)”.
Não se sabendo se houve ou não o adequado procedimento, porque à Autora competia
alegar e provar o facto, a dúvida resolve-se contra ela, nos termos das
disposições combinadas dos artigos 342.º, n.º 1, do Código Civil e 516.º do CPC.
De tudo o exposto resulta que a relação estabelecida entre as partes, que se
iniciou em 1 de Abril de 2001, quando encarada como relação de trabalho
subordinado, tem de ser, considerada nula e como tal, em vista do disposto no
artigo 286.º do Código Civil, declarada, o mesmo sucedendo relativamente aos
dois posteriores “contratos de tarefa”.
Quanto aos contratos denominados de trabalho a termo e de trabalho temporário,
nunca poderiam ser convertidos em relação laboral duradoura, face ao assumido
juízo de inconstitucionalidade, no que toca à sua conversão.
Soçobra, por conseguinte, a pretensão da Autora de ver reconhecido um vínculo
laboral permanente e o Réu condenado, por despedimento ilícito, a reintegrá-la e
a pagar-lhe retribuições vencidas e vincendas até à data do trânsito em julgado
da sentença.
(…)
Já se viu que o vínculo que permaneceu entre 1 de Abril de 2001 e 14 de Abril de
2004 consubstancia um contrato de trabalho.
Esse contrato deve ser declarado nulo, por força do disposto nos artigos 280.º,
n.º 1, 286.º e 294.º do Código Civil».
4. O Ministério Público recorreu deste acórdão para o Tribunal Constitucional
requerendo a apreciação:
«das normas conjugadas dos artigos 41º, n° 4, do Decreto-Lei n° 184/89, de 2 de
Junho, 44°, n° 1, do Decreto-Lei n° 407/89, de 7 de Setembro e 13°, n° 1, dos
Estatutos do Instituto para a Conservação e Exploração da Rede Rodoviária
(ICERR), aprovado pelo Decreto-Lei n° 237/99, de 25 de Junho, “na interpretação
segundo a qual seria permitida a contratação de pessoal desse Instituto sujeito
ao regime jurídico do contrato individual de trabalho, designadamente na parte
em que permitem a conversão dos contratos de trabalho a termo em contratos sem
termo, sem imposição de recrutamento e selecção dos candidatos à contratação que
garanta o acesso em condições de liberdade e igualdade”, por violação do artigo
47°, n° 2, da Constituição».
A. também interpôs recurso desta decisão para o Tribunal Constitucional para
apreciação:
«das normas conjugadas dos artigos 44°, n.° 1 do Decreto – Lei n.° 407/89, de 7
de Setembro, 41.º, n.° 4 do Decreto – Lei n.° 184/89, de 2 de Junho e artigo
13°, n.° 1 dos Estatutos do ICERR, aprovados pelo Decreto – Lei n.° 237/99, de
25 de Junho, “na interpretação segundo a qual seria permitida a contratação de
pessoal desse Instituto sujeito ao regime jurídico do contrato individual de
trabalho, designadamente na parte em que permitem a conversão dos contratos de
trabalho a termo em contratos sem termo, sem imposição de recrutamento e
selecção dos candidatos à contratação que garanta o acesso em condições de
liberdade e igualdade”, por violação do artigo 47°, n.° 2 da Constituição, mas
também do artigo 13.° e artigo 53.° do mesmo diploma Constitucional».
5. Notificado para o efeito, o Ministério Público alegou, para o que agora
releva, o seguinte:
«(…) Note-se que o douto acórdão recorrido (p. 339) “subscreve” o juízo de
inconstitucionalidade formulado pelo Tribunal Constitucional no acórdão n°
409/07, considerando ter o mesmo inteira “projecção” no caso ora em apreciação.
Por sua vez, tal aresto aderiu à corrente jurisprudencial, já formada no
Tribunal Constitucional sobre a questão substancial em controvérsia (acórdãos
nos 61/04, 140/02 e 406/03).
De salientar que a única especificidade do caso dos autos se traduz em tal
orientação jurisprudencial ser estendida também aos contratos denominados de
“tarefa”, celebrados, a nível precário, com a entidade pública, investida em
poderes de autoridade, que surge como ré na presente acção.
Como ali se conclui, tal especificidade não impede que se adira à corrente
jurisprudencial, atrás citada, a qual deverá aplicar-se ao caso dos autos,
confirmando-se o juízo de inconstitucionalidade formulado no douto acórdão
recorrido.
2. Conclusão
Nestes termos e pelo exposto, conclui-se:
1º
Pelas razões constantes do acórdão n° 409/07, a cuja fundamentação inteiramente
se adere, é inconstitucional, por violação do disposto no artigo 47°, n° 2, da
Constituição da República Portuguesa, a interpretação normativa, extraída dos
artigos 41°, n° 4, do Decreto-Lei n°184/89, de 2 de Junho, 44°, n° 1 do
Decreto-Lei n° 427/89, de 7 de Dezembro e 13° dos Estatutos do ICERR, aprovados
pelo Decreto-Lei n° 237/99, de 25 de Junho, segundo a qual seria permitida a
contratação de pessoal sujeito ao regime jurídico do contrato individual de
trabalho, designadamente na parte em que se permite a conversão de contratos de
trabalho a termo, de contratos de trabalho temporário, ou de relações assentes
em contratos de tarefa em contratos de trabalho sem termo, sem que se demonstre
o cumprimento adequado de um procedimento de recrutamento e selecção dos
candidatos à contratação que garanta o acesso, em condições de liberdade e
igualdade, ao exercício de funções públicas em entidade investida em poderes de
autoridade.
2º
Termos em que deverá confirmar-se o juízo de inconstitucionalidade formulado
pela decisão recorrida».
6. Notificada para o efeito, a recorrente alegou no sentido de ser concedido
provimento ao recurso.
7. Notificado para contra-alegar, o recorrido sustentou, entre o mais, o
seguinte:
«I-
A Recorrente veio a interpor recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo
da alínea a) do nº. 1 do artigo 70º da Lei nº. 28/82, de 15/11.
No seu requerimento de interposição de recurso, ao abrigo da alínea a) do nº. 1
do artº. 70º., a recorrente explicitou esse recurso nos seguintes termos:
“O douto acórdão recorrido conclui que o contrato de trabalho que vinculou as
partes até 14 de Abril de 2004 é nulo, absolvendo o Réu do pedido de
reintegração e do pagamento das importâncias reclamadas com fundamento em
despedimento ilícito.
Com o entendimento de que a contratação da A. pelo R., estava sujeita, conforme
decidido pelo acórdão do Tribunal Constitucional citado (acórdão nº. 409/07, de
11 de Julho de 2007 – Processo nº. 306/07) a procedimento administrativo de
recrutamento e selecção que assegurasse a liberdade e igualdade de acesso.
E acrescenta que, sem tal procedimento a norma extraída da conjugação dos
artigos 41º, nº. 4 do Decreto-Lei nº. 184/89, 44º. nº. 1 do Decreto-Lei nº.
427/89, e 13º dos Estatutos do ICERR, torna-se inconstitucional o que dita que
indemonstrada a sua existência, seja inválida a conversão do contrato a termo
celebrado em contrato sem termo por falta de suporte normativo para tal
conversão.
(...)
Ora o tribunal recorrido recusou a aplicação das normas citadas, com fundamento
em inconstitucionalidade, posição com a qual a A. não concorda”.
E, mais à frente, no mesmo requerimento, diz a recorrente que:
“Por fim, a não aplicação do regime do contrato individual de trabalho ao caso
dos autos e das normas desaplicadas, com os fundamentos constantes do douto
acórdão recorrido viola, desde logo, o princípio da igualdade e previsto no
artigo 13º da Constituição da República Portuguesa, mas também o princípio da
garantia da segurança no emprego postulada no artigo 53º do mesmo diploma
constitucional.
O Tribunal efectuou uma errada interpretação da norma constitucional
entendendo-se que a interpretação da norma no sentido da sua
inconstitucionalidade ocasiona uma violação dos princípios da igualdade e da
garantia e segurança no emprego, sendo certo que, em caso de colisão de
princípio constitucionais igualmente consagrados na CRP, deve proceder-se a uma
harmonização/concordância prática por forma a assegurar a conteúdo útil de cada
um deles, atribuindo-se-lhe a máxima efectividade possível, sob pena de se
esvaziar um princípio constitucional em favor de outro”.
Posteriormente, a recorrente, em resposta a despacho para o efeito, veio dizer
que:
“1) Alínea a) do nº. 1 do artigo 70º da LCT:
A ora recorrente vem interpor recurso para o Tribunal Constitucional do douto
acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, em que foi recusada, com fundamento em
inconstitucionalidade, a aplicação das normas conjugadas dos artigos 41º, nº. 4
do Decreto-Lei nº. 407/89, de 7 de Setembro, 44º. nº. 1 do Decreto-Lei nº.
184/89, de 2 de Junho, e artigo 13º dos Estatutos do ICERR, aprovados pelo
Decreto-Lei nº. 237/99, de 25 de Junho, “na interpretação segundo o qual seria
permitida a contratação de pessoal desse Instituto sujeito ao regime jurídico do
contrato individual de trabalho, designadamente na parte em que permite a
conversão de contratos de trabalho a termo em contratos sem termo, sem imposição
de procedimento de recrutamento e selecção dos candidatos à contratação que
garanta o acesso em condições de liberdade e igualdade”, por violação do artigo
47º, nº. 2 da Constituição, mas também do artigo 13º e artigo 53º do mesmo
diploma constitucional”.
Ora, diz-se no do douto acórdão recorrido:
“Do que se deixou dito resulta que o Tribunal Constitucional não julgou
inconstitucional, em si mesma, as normas dos artºs 41º, nº 4 do DL nº. 184/89 e
44º, n º. 1 do DL nº. 427/89, na parte em que salvaguardam a existência de
regimes especiais – diversos do regime geral de emprego público –, determinando
a aplicação das respectivas disposições estatutárias ao pessoal dos institutos
públicos que revistam a natureza de serviço personalizado e se rejam pelo regime
do contrato individual de trabalho.
Nem julgou inconstitucional, em si mesma, a norma do artº. 13º, nº. 1 dos
Estatutos do ICERR, aprovados pelo DL n º. 237/99, de 25.06, que dispôs que o
pessoal do ICERR está sujeito ao regime jurídico do contrato individual de
trabalho, com as especificidades previstas nesses estatutos e no diploma que os
aprovou.
Julgou sim e tão só inconstitucional a norma extraída da conjugação desses
preceitos, na interpretação segundo a qual seria permitida a contratação de
pessoal desse Instituto sujeito ao regime jurídico do contrato individual de
trabalho, designadamente na parte em que permite a conversão dos contratos de
trabalho a termo em contratos sem termo, sem imposição de recrutamento e
selecção dos candidatos à contratação que garanta o acesso em condições de
liberdade e igualdade.
E, como vimos, aceitou que os tribunais, ao emitirem o juízo de conversão de
tais contratos, abordem a questão da suficiência ou não, em concreto, dos
procedimentos objectivos de selecção do pessoal a contratar que, porventura,
tenham implementados na contratação levada a efeito e da consequente
constitucionalidade ou não do critério normativo adoptado, na interpretação
feita das normas sub judice”.
Aliás, este é exactamente o mesmo entendimento (do referido acórdão nº. 409/07)
perfilhado no Ac. STJ, de 3/10/07, revista 177/07.
Nos termos da alínea a) do nº. 1 do citado artº. 70º, cabe recurso para o
Tribunal Constitucional das decisões “Que recusem a aplicação de qualquer norma,
com fundamento em inconstitucionalidade”.
Segundo a jurisprudência – uniforme, tanto quanto sabemos – do Tribunal
Constitucional, “Só se abre a via de recurso para o Tribunal Constitucional, com
base na recusa de aplicação de uma norma jurídica, se o tribunal “a quo” tiver
rejeitado, com fundamento na sua inconstitucionalidade, a aplicação ao caso
concreto do conteúdo ou do regime jurídico constante de uma determinada norma
jurídica.
De acordo com este entendimento, não são recorríveis para o Tribunal
Constitucional as “falsas” recusas de aplicação de normas jurídicas, isto é
aquelas em que o tribunal “a quo” se limitou a formular um juízo de
inconstitucionalidade de uma norma jurídica, sem afastar a aplicação da norma
que ele reputou de inconstitucional. Em tais casos, terá de concluir-se que não
se está perante uma verdadeira desaplicação ou recusa de aplicação de uma norma,
mas apenas perante um simples “obiter dictum” ou em face de uma simples opinião
“ad ostentationem” em matéria de inconstitucionalidade” (Ac. 350/92, BMJ, 421,
37).
Igualmente, tem entendido o Tribunal Constitucional que não existe recusa de
aplicação se o tribunal recorrido, de entre os sentidos possíveis de uma norma,
escolhe aquele que a não torne conflituosa com a Constituição, fazendo
interpretação da norma em conformidade com o Texto Fundamental. Só assim não
será se, porventura, a pretexto de interpretação conforme à Constituição, se
adoptar um sentido de todo em todo incomportável pela norma (vd. Ac. 425/89).
Ora, no caso do douto acórdão recorrido, e aderiu ao juízo de
inconstitucionalidade emitido pelo acórdão nº. 409/2007, da interpretação do
bloco constituídas pelas normas em causa, no sentido de ser autorizada a
contratação sem aquela garantia, em regra, tornada efectiva por via de concurso
ou procedimento equiparável.
Daí que o acórdão recorrido não recusou a aplicação daquelas normas, com
fundamento em inconstitucionalidade, não tendo recaído sobre qualquer uma das
normas em apreço qualquer juízo de inconstitucionalidade.
Mais ainda, o acórdão recorrido ao emitir o juízo de conversão do contrato,
abordou a questão da insuficiência, em concreto, dos procedimentos objectivos de
selecção do A. e da consequente inconstitucionalidade do critério normativo
adoptado.
Isto é, o acórdão recorrido formulou um juízo de inconstitucionalidade, baseada
numa certa interpretação, sem afastar a aplicação das normas (naquela mesma
interpretação) que reputou de inconstitucionais.
No caso concreto não foram aplicadas pela simples razão de que não se
verificaram os procedimentos de recrutamento e selecção dos candidatos à
contratação que garanta o acesso em condições de liberdade e igualdade.
E, o que aqui está em causa – bem demonstrado pela alegação do Recorrente sobre
o ónus de prova sobre a existência daqueles procedimentos – é uma questão de
direito ordinário: se foram ou não respeitados os procedimentos objectivos de
selecção do A. que tenham garantido aos potenciais candidatos o acesso ao cargo
em condições de igualdade e liberdade, e de quem era o ónus da prova sobre a
existência desses procedimentos.
Estas questões não cabem no âmbito do recurso de constitucionalidade.
Antes, tem de concluir-se que não se está perante uma “verdadeira desaplicação
ou recusa de aplicação de uma norma.
Isto é, o acórdão recorrido, de entre os sentidos possíveis de uma norma,
escolheu aquele que a não torne conflituosa com a Constituição, fazendo
interpretação da norma em conformidade com o Texto Fundamental.
Assim, e pelas razões expostas, a decisão do acórdão recorrido não configura uma
recusa de aplicação de uma(s) norma(s) jurídica(s) - com determinada
interpretação - com fundamento na sua inconstitucionalidade, pelo que tem de se
concluir pelo não conhecimento do recurso, interposto ao abrigo da alínea a) do
nº. 1 do artigo 70º da Lei 28/82.
(…)
Nestes termos e nos melhores de direito, deve:
- não se conhecer do objecto do recurso, porque a decisão do acórdão recorrido
não configura uma recusa de aplicação de uma norma jurídica com fundamento na
sua inconstitucionalidade;».
8. Notificados da questão prévia levantada nas contra-alegações do recorrido, os
recorrentes concluíram pelo conhecimento do objecto do recurso.
9. Por despacho da relatora, os recorrentes e o recorrido foram notificados, em
cumprimento do disposto no artigo 704º, nº 1, do Código de Processo Civil,
aplicável por força do artigo 69º da LTC, para, querendo, se pronunciarem sobre
a possibilidade de vir a ser proferida decisão de não conhecimento do objecto do
recurso:
«É configurável que o Tribunal venha a entender que o acórdão recorrido não
recusou a aplicação da norma indicada pelos recorrentes nos requerimentos
respectivos, o que obsta a que se possa dar como verificado um dos requisitos do
recurso interposto ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 70º da Lei de
Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC).
Do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça resulta que foi recusada a aplicação
dos artigos 41º, nº 4, do Decreto-Lei nº 184/89, de 2 de Junho, 44º, nº 1, do
Decreto-Lei nº 427/89, de 7 de Dezembro, e 13º, nº 1, dos Estatutos do Instituto
das Estradas de Portugal, quando interpretados no sentido de autorizarem o
estabelecimento de uma relação jurídica com a natureza de contrato de trabalho
sem um recrutamento e uma selecção dos candidatos à contratação que garanta o
acesso em condições de liberdade e igualdade, por violação do artigo 47º, nº 2,
da Constituição da República Portuguesa».
10. Respondeu apenas a recorrente:
«1. Conforme constado douto despacho proferido a fls., o Tribunal Constitucional
poderá entender que o acórdão recorrido não recusou a aplicação da norma
indicada pelos recorrentes, o que obsta a que se possa dar como verificado um
dos requisitos do recurso interposto ao abrigo da alínea a) do n.° 1 do artigo
70.° da Lei n.° 28/82.
2. O que se não aceita.
Com efeito, o douto acórdão recorrido recusou a aplicação dos artigos 41.°, n.°
4 do DL n.° 184/89, de 2 de Junho, 44.°, n.° 1 do DL n.° 427/89, de 7 de
Dezembro e artigo 13.°, n.° 1 dos Estatutos do IEP, quando interpretadas no
sentido de autorizarem o estabelecimento de uma relação jurídica com a natureza
de contrato de trabalho sem um recrutamento e uma selecção dos candidatos à
contratação que garanta o acesso em condições de liberdade e igualdade, por
violação do artigo 47.° n.° 2 da CRP.
Ou seja, o Tribunal recorrido não aplicou as normas em causa, com fundamento na
sua inconstitucionalidade (por violação do artigo 47°, n.° 2), uma vez que as
mesmas — caso fossem aplicadas — permitiriam a contratação da recorrente sem a
alegada precedência de recrutamento e selecção dos candidatos à contratação que
garantisse o acesso em condições de liberdade e igualdade.
Ou seja, se fossem aplicadas as normas em causa nos presentes autos, a
recorrente seria admitida como trabalhadora do recorrido, quer mediante a
conversão do contrato de trabalho a termo em contrato de trabalho sem termo por
ausência de motivo justificativo, quer através da celebração sucessiva de
contratos (designados por contrato a termo, contratos de prestação de serviços
sucessivas e contrato trabalho temporário) para o exercício da mesma função,
conforme decidido pelo Tribunal do Trabalho de Coimbra, independentemente da
verificação do procedimento prévio de recrutamento.
Tudo por força da aplicação do regime do contrato individual de trabalho.
Regime laboral privado para o qual as normas citadas remetem.
Assim, se as mesmas não fossem consideradas inconstitucionais e,
consequentemente, se fossem aplicadas ao caso sub judicie, a solução jurídica
seria, obviamente, outra.
Existe, efectivamente, uma recusa de aplicação das normas jurídicas indicadas
pela recorrente com fundamento na sua inconstitucionalidade.
O Tribunal Constitucional tem entendido que a recusa de aplicação de norma com
fundamento em inconstitucionalidade, para abrir via ao recurso previsto na
alínea a) do n.° 1 do artigo 70.° da LTC, tanto pode consistir numa recusa
explícita, como numa recusa implícita, e que são equiparáveis a recusas
determinadas decisões de aplicação da norma interpretada em conformidade com a
Constituição, “sempre que se esteja perante uma clara rejeição de certa
interpretação, mormente da interpretação literal ou «natural», com fundamento na
sua inconstitucionalidade” (José Manuel M. Cardoso da Costa, A Jurisdição
Constitucional em Portugal, 3.ª edição revista e actualizada, Coimbra, 2007, p.
73, nota 93).
Necessário é que o juízo de inconstitucionalidade (ou de desconformidade
constitucional) constitua uma verdadeira ratio decidendi da decisão recorrida,
como é o caso.
Pelo que, deverá ser conhecido o recurso interposto ao abrigo da alínea a) do
n.° 1 do artigo 70.° da Lei n.° 28/82».
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
1. Nos presentes autos, os recorrentes requerem a apreciação das normas
conjugadas dos artigos 41º, nº 4, do Decreto-Lei nº 184/89, de 2 de Junho, 44º,
nº 1, do Decreto-Lei nº 407/89, de 7 de Dezembro, e 13º, nº 1, dos Estatutos do
Instituto para a Conservação e Exploração da Rede Rodoviária (ICERR), aprovado
pelo Decreto-Lei nº 237/99, de 25 de Junho, na interpretação segundo a qual
seria permitida a contratação de pessoal desse Instituto sujeito ao regime
jurídico do contrato individual de trabalho, designadamente na parte em que
permitem a conversão dos contratos de trabalho a termo em contratos sem termo,
sem imposição de recrutamento e selecção dos candidatos à contratação que
garanta o acesso em condições de liberdade e igualdade.
Os recorrentes requerem a apreciação desta norma ao abrigo da alínea a) do nº 1
do artigo 70º da LTC, segundo a qual cabe recurso para o Tribunal Constitucional
das decisões dos tribunais que recusem a aplicação de qualquer norma com
fundamento na sua inconstitucionalidade.
2. Face ao teor do acórdão recorrido, é de concluir, contudo, pelo não
conhecimento do objecto do recurso interposto. Embora por razões distintas das
invocadas pelo recorrido, uma vez que o Tribunal Constitucional tem vindo a
entender que há recusa (implícita) de aplicação de uma norma, admitindo-se o
correspondente recurso, nos casos de interpretação em conformidade com a
Constituição em que há afastamento de outra possibilidade interpretativa,
mormente da interpretação literal ou «natural», com fundamento na sua
inconstitucionalidade, desde que este afastamento constitua a ratio decidendi da
decisão recorrida e não um mero obiter dictum (cf. Cardoso da Costa, A
Jurisdição Constitucional em Portugal, Almedina, 2007, p. 73, nota 93).
Com efeito, a norma indicada pelos recorrentes nos requerimentos respectivos não
coincide com a norma cuja aplicação foi recusada pela decisão recorrida.
Embora caiba ao recorrente definir o objecto do recurso no requerimento de
interposição (artigos 75º-A, nº 1, 76º, nº 2, e 78º-A, nºs 1 e 2, da LTC), a
decisão de constitucionalidade, em sede de fiscalização concreta, tem uma
“função instrumental”, ou seja, a decisão da questão de constitucionalidade tem
de “influir utilmente na decisão da questão de fundo” (Acórdão do Tribunal
Constitucional nº 169/92, Diário da República, II Série, de 18 de Setembro de
1992). Daí que constitua requisito do recurso de constitucionalidade interposto
a recusa de aplicação pelo tribunal recorrido, como ratio decidendi, da norma
cuja inconstitucionalidade pretende que o Tribunal aprecie.
Nos presentes autos, a norma cuja aplicação foi recusada, com fundamento em
violação do artigo 47º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa, é a que
se extrai dos artigos 41º, nº 4, do Decreto-Lei nº 184/89, de 2 de Junho, 44º,
nº 1, do Decreto-Lei nº 427/89, de 7 de Dezembro, e 13º, nº 1, dos Estatutos do
Instituto das Estradas de Portugal, quando interpretados no sentido de
autorizarem o estabelecimento de uma relação jurídica com a natureza de contrato
de trabalho sem um recrutamento e uma selecção dos candidatos à contratação que
garanta o acesso em condições de liberdade e igualdade.
O Supremo Tribunal de Justiça não deixa de salientar que o juízo de
inconstitucionalidade constante do Acórdão do Tribunal Constitucional nº
409/2007 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt), que incidiu sobre a
norma indicada pelos recorrentes, tem apenas projecção no caso em análise. Este
envolve também quer a prestação de actividade remunerada ao abrigo de contratos
de “tarefa” e de um contrato de trabalho temporário quer a prestação de
actividade remunerada sem qualquer contrato de trabalho. E daí a extensão dos
fundamentos daquele juízo de inconstitucionalidade à norma aplicável ao caso –
aos artigos 41º, nº 4, do Decreto-Lei nº 184/89, de 2 de Junho, 44º, nº 1, do
Decreto-Lei nº 427/89, de 7 de Dezembro, e 13º, nº 1, dos Estatutos do Instituto
das Estradas de Portugal, quando interpretados no sentido de autorizarem o
estabelecimento de uma relação jurídica com a natureza de contrato de trabalho
sem um recrutamento e uma selecção dos candidatos à contratação que garanta o
acesso em condições de liberdade e igualdade. E a consequência da nulidade do
contrato de trabalho que vinculou as partes entre 1 de Abril de 2001 e 14 de
Abril de 2004, por aplicação dos artigos 280º, nº 1, 286º e 294º do Código
Civil.
De resto, o Ministério Público dá-nos conta da não coincidência entre a norma
cuja apreciação foi requerida e a norma cuja aplicação foi recusada, quando
conclui, em sede de alegações, que, “pelas razões constantes do acórdão nº
409/07, a cuja fundamentação inteiramente se adere, é inconstitucional, por
violação do disposto no artigo 47º, nº 2, da Constituição da República
Portuguesa, a interpretação normativa, extraída dos artigos 41º, nº 4, do
Decreto-Lei nº 184/89, de 2 de Junho, 44º, nº 1 do Decreto-Lei nº 427/89, de 7
de Dezembro e 13º dos Estatutos do ICERR, aprovados pelo Decreto-Lei nº 237/99,
de 25 de Junho, segundo a qual seria permitida a contratação de pessoal sujeito
ao regime jurídico do contrato individual de trabalho, designadamente na parte
em que se permite a conversão de contratos de trabalho a termo, de contratos de
trabalho temporário, ou de relações assentes em contratos de tarefa em contratos
de trabalho sem termo, sem que se demonstre o cumprimento adequado de um
procedimento de recrutamento e selecção dos candidatos à contratação que garanta
o acesso, em condições de liberdade e igualdade, ao exercício de funções
públicas em entidade investida em poderes de autoridade” (itálico aditado). A
própria recorrente acaba por afirmar que “o douto acórdão recorrido recusou a
aplicação dos artigos 41.°, n.° 4 do DL n.° 184/89, de 2 de Junho, 44.°, n.° 1
do DL n.° 427/89, de 7 de Dezembro e artigo 13.°, n.° 1 dos Estatutos do IEP,
quando interpretadas no sentido de autorizarem o estabelecimento de uma relação
jurídica com a natureza de contrato de trabalho sem um recrutamento e uma
selecção dos candidatos à contratação que garanta o acesso em condições de
liberdade e igualdade, por violação do artigo 47.° n.° 2 da CRP”.
III. Decisão
Em face do exposto, decide-se não tomar conhecimento do objecto dos recursos.
Sem custas.
Lisboa, 28 de Janeiro de 2009
Maria João Antunes
Carlos Pamplona de Oliveira
José Borges Soeiro
Gil Galvão (voto a
decisão nos termos da declaração do Senhor Conselheiro Presidente)
Rui Manuel Moura Ramos. Com declaração.
DECLARAÇÃO DE VOTO
Subscrevi a decisão de não conhecimento do recurso, ainda que por uma razão
distinta da que consta da fundamentação em que ela se pretende basear. Na
verdade, no meu entendimento, a decisão recorrida (o acórdão do STJ de 3 de
Outubro de 2007) não contem qualquer recusa de aplicação de preceitos
normativos. Antes, reconhecendo a projecção no caso concreto de um anterior
juízo de inconstitucionalidade formulado pelo Tribunal Constitucional (no
acórdão nº 409/2007, de 11 de Fevereiro de 2007), considera nulas, nos termos
dos artigos 280º, nº 1 e 294º do Código Civil as relações jurídicas “com a
natureza de contrato de trabalho, (…), em que o Instituto de Estradas de
Portugal figure como empregador (…) [quando haja] sido preterida, sem motivo
excepcionalmente atendível, a prévia realização do adequado procedimento”. O
acórdão entendeu ser esta a consequência que decorria da leitura adequada do
texto constitucional, pelo que procedeu à indagação da existência in casu de um
procedimento de recrutamento e selecção de candidatos equiparável ao concurso.
E foi por entender, na esteira do acórdão do mesmo Supremo de 26 de Setembro de
2007, que estava em causa um facto constitutivo do direito da Autora que esta
não lograra alegar e provar, que o acórdão sob recurso, por aplicação do artigo
286º do Código Civil, declarou nula a relação de trabalho subordinado
estabelecida entre as partes.
Assentando a ratio decidendi da decisão recorrida numa interpretação do direito
ordinário (ainda que assente numa leitura da Constituição), em concreto do
regime da nulidade do contrato, não se verifica qualquer recusa de aplicação com
fundamento em inconstitucionalidade, pelo que não se encontra assim aberta a
via de recurso ao Tribunal Constitucional prevista na alínea a) do nº 1 do
artigo 70º da LTC.
Com este fundamento, não tomaria conhecimento do recurso.
Rui Manuel Moura Ramos