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Processo n.º 936/08
3ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
Por acórdão de 26 de Junho de 2008, o Tribunal da Relação de Lisboa negou
provimento a um recurso que havia sido interposto por A. de uma sentença que,
entre o mais, o condenara pela prática de um crime de difamação agravada (cfr.
fls. 7 e seguintes).
Na sequência da arguição, pelo recorrente, da inexistência deste acórdão, o
Tribunal da Relação de Lisboa proferiria ainda, em 2 de Outubro de 2008, acórdão
decidindo “não deferir a tutela jurisdicional suscitada” e determinando a
imediata remessa dos autos à 1ª instância (cfr. fls. 36 e seguintes)
A. interpôs, a fls. 47, recurso para o Tribunal Constitucional, nos seguintes
termos:
“[…] não se conformando com o douto “acórdão” da Relação de Lisboa datado de
2008.10.02 – e sem prescindir de, em arguição autónoma, invocar a inexistência
jurídica do mesmo, bem como as respectivas nulidades insanáveis – vem dele
interpor recurso para o Tribunal Constitucional, recurso que sobe imediatamente,
nos próprios autos e com efeito suspensivo”.
O recurso para o Tribunal Constitucional não foi admitido, por despacho do
seguinte teor (cfr. fls. 6):
“O acórdão deste T.R.L., de 2008.06.26 (fls 460) – que negou provimento ao
recurso interposto, foi notificado, com cota de fls 467, por carta registada
expedida a 2008.06.27.
Sobre o requerido a fls 463 a 475, recaiu a decisão de fls 480 a 490, notificada
nos termos de fls. 497.
Ou seja, e em rigor, o recurso, ora interposto para o Tribunal Constitucional,
sem invocação de justo impedimento, afigura-se extemporâneo, nos termos do
artigo 75º, n.º 1, da L.T.C..
Na dúvida (sobre a natureza, e efeito do requerimento de fls 475), dir-se-á, em
todo o caso, que o recorrente, na indicada peça processual, e salvo o devido
respeito, não suscita qualquer inconstitucionalidade normativa (sem cumprimento
dos pressupostos essenciais do recurso) – cfr. Lei TC, artigo 20º, nº 1, 77º, nº
4, com menção ao artigo 75º-A, nº 5, e Ac. 450/2004, in
www.tribconstitucional.pt.
Nestes termos, não se admite o interposto recurso a fls. 493, o qual, de resto,
se não mostra, sequer, acompanhado da competente, motivação”.
Notificado do despacho que não lhe admitiu o recurso para o Tribunal
Constitucional, A. dele veio reclamar para este Tribunal, ao abrigo do disposto
no artigo 76º, n.º 4, e 77º da Lei do Tribunal Constitucional, pelos seguintes
fundamentos (cfr. fls. 1 e seguintes):
“[…]
1.º O ora «arguido» no processo em epígrafe — como em dezenas de outros
processos criminais, cíveis, administrativos contra ele desencadeados por
elementos jesuíticos que se conseguiram infiltrar numa agremiação que agora não
vem ao caso identificar apresentou, em 20 de Outubro de 2008, requerimento do
seguinte teor:
A., «arguido» no processo em epígrafe não se conformando com o douto «acórdão»
da Relação de Lisboa datado de 2008.10.02. – e sem prescindir de, em arguição
autónoma, invocar a jurisprudência jurídica do mesmo, bem como as respectivas
nulidades insanáveis vem dele interpor recurso para o Tribunal Constitucional,
recurso que sobe imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
Junta um documento.
Pede deferimento
2.° O Exmº Licenciado B. indeferiu-lhe tal requerimento de interposição de
recurso para o Tribunal Constitucional, com os seguintes fundamentos:
(1) intempestividade; (2) no requerimento de interposição de recurso, o
requerente “não suscita qualquer inconstitucionalidade normativa”; e (3) o
requerimento «não se mostra, sequer, acompanhado da, competente, motivação».
3º Ora, o Exm.° Licenciado B. equivocou. Na verdade, para afirmar que o
requerimento de interposição do recurso era «extemporâneo», o Exm.° Licenciado
assentou, como expressamente consignou no seu despacho, em dois pressupostos a
saber: (a) o recorrente pretende recorrer do «acórdão deste TRL, de «2008.06.26»
(b) a notificação relevante data de «2008.06.27», relativa àquele acórdão.
4º Porém, tanto o pressuposto referido em (a) como o pressuposto referido em (b)
não inexactos. Com efeito, como a simples leitura do requerimento de
interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, acima transcrito,
indica, o requerente pretende interpor recurso da decisão da Relação de Lisboa
com data «de 2008.10.02». Por outro lado, a notificação relevante é a que
notifica esta decisão de 2008.10.02, que ao arguido foi notificada por carta
registada com carimbo do correio de «06 OUT: 2008», conforme consta do documento
junto com o requerimento de interposição de recurso. Assim o recurso está em
tempo.
5º Quanto ao segundo fundamento de não admissão do recurso - no requerimento de
interposição de recurso, o requerente «não suscita qualquer
inconstitucionalidade normativa» - há equívoco manifesto do Exm.° Licenciado B..
Na verdade, saber se foi ou não suscitada inconstitucionalidade normativa é
entrar na questão da inconstitucionalidade, e essa matéria é da exclusiva
competência do Tribunal Constitucional, sendo que ainda não se mostra publicada
no Diário da República a nomeação do Exm.° Licenciado B. para exercer as funções
de Juiz Conselheiro do Tribunal Constitucional. (Aliás, se for considerado que o
requerimento não preenche os requisitos da lei, necessário se torna, notificar o
requerente, para o aperfeiçoar).
6º Quanto ao terceiro fundamento de não admissão do recurso - o requerimento
«não se mostra, sequer, acompanhado da, competente, motivação” — há igualmente
equívoco manifesto do Exm.° Licenciado B.. Na verdade as «alegações de recurso
são sempre produzidas no Tribunal Constitucional» (artigo 79°, n.° 1, da Lei n.°
28/82, de 15 de Novembro).
7º Em consequência, o recurso tem de ser admitido.
Nestes termos, requer a V. Ex.ma se digne ordenar a admissão do recurso
interposto da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, datada de 2008.10.02 e
notificada ao arguido por carta registada com carimbo do correio de 6 de Outubro
de 2008, recurso, esse, que o Exm.° Licenciado B. erradamente não admitiu.
[…]”.
O representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional respondeu
assim à reclamação deduzida pelo recorrente (cfr. fls. 54 v.º):
“A presente reclamação carece manifestamente de fundamento, já que se não mostra
obviamente suscitada qualquer questão de inconstitucionalidade normativa,
susceptível de constituir objecto idóneo de fiscalização concreta, cometida a
este Tribunal”.
Cumpre apreciar.
II. Fundamentação
Contra o despacho que não lhe admitiu o recurso de constitucionalidade, aduz o
reclamante, em síntese, os seguintes argumentos:
a) O requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade não era
extemporâneo, uma vez que o acórdão recorrido é o da Relação de Lisboa de 2 de
Outubro de 2008, e não o da mesma Relação de 26 de Junho de 2008;
b) O Tribunal Constitucional é o tribunal competente para apreciar se foi ou não
suscitada uma questão de inconstitucionalidade normativa;
c) Não cumprindo o requerimento de interposição do recurso de
constitucionalidade os requisitos legais, justificava-se convidar o recorrente a
aperfeiçoá-lo, não sendo caso de não admissão do recurso;
d) Com o requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, não
devem ser juntas as alegações respectivas, uma vez que estas são produzidas no
Tribunal Constitucional.
A argumentação do reclamante procede apenas parcialmente.
Da leitura do requerimento de interposição do presente recurso de
constitucionalidade, resulta que o acórdão recorrido é o de 2 de Outubro de
2008, o que significa que a respectiva tempestividade (regulada pelo artigo 75º
da Lei do Tribunal Constitucional e pelo disposto no Código de Processo Civil,
por remissão do artigo 69º daquela Lei) deve ser aferida face à notificação
deste acórdão, a qual ocorreu em 6 de Outubro, conforme documento de fls. 496.
Por outro lado, a incompletude desse requerimento pode justificar o convite ao
seu aperfeiçoamento, salvo quando se trate de acto processual inútil por ser
patente a falta de um pressuposto processual do recurso (cfr. o artigo 75º-A,
n.º 5, da Lei do Tribunal Constitucional).
Além de que a falta das alegações nunca obsta à admissão do recurso, uma vez que
as mesmas não são produzidas perante o tribunal recorrido, mas perante o
Tribunal Constitucional (cfr. o artigo 79º da Lei do Tribunal Constitucional).
Não é certo, porém, que o tribunal recorrido não possa verificar os pressupostos
processuais do recurso de constitucionalidade, designadamente, apurar se durante
o processo foi suscitada a questão da inconstitucionalidade da norma que
constitui o objecto do recurso, visto que é ao tribunal recorrido que cabe
emitir decisão sobre a admissão do recurso e, assim, apreciar a existência dos
requisitos formais a que se refere o artigo 75º-A, nº2 da LTC (cfr. o artigo
76º, n.º 1).
Em qualquer caso, independentemente da questão de saber se foi ou não suscitada
uma questão de constitucionalidade normativa, para que os elementos dos autos
não fornecem suficiente informação, a verdade é que, segundo o entendimento
jurisprudencial, devia o recorrente, na presente reclamação, ter identificado a
questão de constitucionalidade que pretendia ver apreciada pelo Tribunal
Constitucional, assim delimitando o objecto do recurso. E isto porque, nos
termos do artigo 77º, n.º 4, da Lei do Tribunal Constitucional, a decisão de
revogação do despacho de indeferimento faz caso julgado quanto à admissibilidade
do recurso, o que significa que todas as questões relativas à admissibilidade do
recurso devem ser resolvidas na reclamação.
Ora, não tendo o recorrente identificado, na reclamação, a questão de
constitucionalidade que pretende ver apreciada, mostra-se destituído de objecto
o presente recurso, o que obsta ao respectivo conhecimento.
Assim, ainda que com diferente fundamento, é de manter a decisão de não admissão
do recurso.
III. Decisão
Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, mantém-se a decisão de não admissão
do recurso.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.
Lisboa, 14 de Janeiro de 2009
Carlos Fernandes Cadilha
Maria Lúcia Amaral
Gil Galvão