Imprimir acórdão
Processo n.º 905/08
1ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira
EM CONFERÊNCIA DA 1ª SECÇÃO ACORDAM NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
1. Em 8 de Outubro de 2008 foi proferido no 1º Juízo de competência
criminal da Comarca de Almada o seguinte despacho:
Inconformada com os despachos de folhas 342 e 375/376, que indeferiram o pedido
de dispensa de pagamento da taxa de justiça devida pela constituição como
assistente, veio A. interpor recurso dessas decisões para o Tribunal
Constitucional, nos termos constantes de folhas 454 a 456, fazendo-o ao abrigo
do artigo 70.º, nº 1, alínea b) da Lei do Tribunal Constitucional.
Para tanto invoca a inconstitucionalidade do artigo 2.º, nº 2 e 29º, n.º 2 do
Código das Custas Judiciais.
Cumpre apreciar a admissibilidade de recurso interposto, nos termos do
preceituado no artigo 76.º, n.º 1 da LTC.
Prescreve o artigo 70.º, n. 1, alínea b) da citada lei que “cabe recurso para o
Tribunal Constitucional, em secção, das decisões dos tribunais: (...) b) Que
apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o
processo.”
Todavia, o n.º 2 do referido artigo limita a admissibilidade de tais recursos às
decisões judiciais que não admitam recurso ordinário, por a lei o não prever ou
por já haverem sido esgotados todos os que no caso cabiam, salvo os destinados a
uniformização de jurisprudência.
Nos termos do n.º 4 desse mesmo artigo, acham-se esgotados todos os recursos
ordinários quando tenha havido renúncia, haja decorrido o respectivo prazo sem a
sua interposição ou os recursos interpostos não possam ter seguimento por razões
de ordem processual.
No caso em apreço, estava ao alcance da ora recorrente a interposição de recurso
ordinário para o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa das decisões que
indeferiram o seu pedido de dispensa de pagamento da taxa de justiça devida pela
constituição como assistente, nos termos do artigo 401.º, n.º 1 alínea d), 400º
(a contrario), do Código de Processo Penal.
Dessa forma, não é legalmente admissível o recurso instaurado pela demandante
civil para o Tribunal Constitucional, sem que antes tivesse esgotado as
possibilidades de impugnar os despachos visados, através de recurso ordinário,
para o Tribunal da Relação de Lisboa.
2. Inconformada, a recorrente reclama contra o transcrito despacho,
ao abrigo do n.º 4 do artigo 76.º da LTC, nos seguintes termos:
Refere o Mmo Juiz que “para tanto (a demandante civil/denunciante) invocou
a inconstitucionalidade dos art. 2.º e 29.º, n.º 2 do Código das Custas
Judiciais”.
Ora, o que a denunciante disse foi o seguinte:
“Veja-se que também se aplicam ao presente caso as normas do art. 2.º – n.º 2 e
art. 29.º – n.º 2, alínea f) do mesmo diploma legal/ CC Judiciais, na redacção
introduzida pelo DL 324/2003, de 27 de Dezembro”.
O que sucede é que embora o Decreto-Lei 324/2003 de 27.12 tenha eliminado do
art. 1.º do CCJ a excepção constante do seu anterior n.º 2, que preceituava
estarem os processos sujeitos a custas “salvo se forem isentos por lei”, os art.
2.º e 3.º continuam a prever situações de isenção subjectiva e objectiva.
Pretendeu estabelecer-se o princípio da igualdade do Estado e dos cidadãos no
pagamento de custas.
O Estado e os seus organismos gozavam de isenção nas acções, incidentes e
recursos.
Ora, sem prejuízo das acções em que o MP goza de legitimidade para as promover e
prosseguir em nome próprio, a reforma do CCJ veio terminar com o privilégio da
isenção do pagamento de custas pelo Estado – em sentido amplo, colocando-o, como
era devido, em pleno plano de igualdade perante os restantes cidadãos que
igualmente recorrem à justiça.
A adopção deste princípio conduz designadamente a uma maior moralização na
dedução de incidentes e interposição de recursos, alguns deles manifestamente
dilatórios ou caprichosos por parte do Estado (em sentido amplo) já que os
mesmos são tributados em custas.
1.ª Conclusão: os artº 2º e 3º do CCJ continuam a prever situações de isenção
subjectiva e objectiva:
A. Familiares de trabalhadores - art. 2.º/1/f CCJ;
B. Isenção de sinistrados – art. 2.º/1/e CCJ;
C. Redução da taxa de justiça – art. 14.º/d CCJ;
2.ª Conclusão: o art. 29.º, n.º 2 e 29.º , n.º 3, al. f) do CCJ consagra a
dispensa de pagamento prévio da taxa de justiça inicial e subsequente nas acções
cíveis declarativas processadas conjuntamente com a acção penal.
Aliás, em caso de acidente de trabalho, e por maioria de razão, se se trata de
acidente de trabalho mortal, há redução da taxa de justiça – art. 14.º/d CCJ,
fixando a redução a ½ da taxa de justiça.
E nos casos previstos de redução de taxa de justiça para ½ (art. 14.º do CCJ) é
apenas devida a taxa de justiça inicial.
Acresce que estão dispensadas do pagamento prévio de taxa de justiça inicial e
subsequente quaisquer cidadãos, associações ou fundações que sejam parte em
processos destinados à defesa de valores e bens constitucionalmente protegidos
(art. 2.º, n.º 1, alínea d) do CCJ, art. 29.º, n.º 1 alínea e) do CCJ e art.
52.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa), sendo que a denunciante
protege o direito à vida e a consequente indemnização pela privação da vida e do
apoio familiar, bem como dos danos de sofrimento pré-morte e morte.
Donde, desta conjugação de considerações retira-se a ilação de que a
denunciante/demandante civil não chamou à colação qualquer inconstitucionalidade
dos art. 2.º/2 e 29.º/2 do código das custas Judiciais, antes pelo contrário,
essas normas foram convocadas para reforçar a inconstitucionalidade da
interpretação dada à norma do art. 2.º/1/f do CC Judiciais, demonstrando, assim,
através de outras normas do mesmo ordenamento jurídico quão ilegal e
inconstitucional é negar apoio judiciário, isto é, a isenção subjectiva de
custas à denunciante/demandante civil, maxime com formalismos atávicos, que se
pensava já não existirem no nosso sistema judiciário.
4.º Depois, o Mmº Juiz entrou na apreciação da admissibilidade do recurso
interposto (art. 76.º n.º 1 da LTC) e apoiando-se no art. 70.º, n.º 4 da LTC
entendeu que, no caso em apreço, estava ao alcance da recorrente/reclamante a
interposição do recurso ordinário para o venerando Tribunal da Relação de Lisboa
das decisões que indeferiram o seu pedido de dispensa de pagamento da taxa de
justiça devida pela constituição da Assistente [art. 401.º/1/d/, 400 (a
contrario) do Código de Processo Penal] e, em consequência, sem a interposição
do questionado recurso ordinário, rejeitou o recurso interposto para o Venerando
Tribunal Constitucional de Lisboa, (arts. 70.º/1/b/2/ e 76.º/1/2/ da LTC),
condenando a denunciante nas custas do incidente (art. 16.º/1/ do CC Judiciais)
em 3 UC = 288,00 Euros!!!
Simplesmente, o questionado recurso ordinário não podia ter seguimento por
razões de ordem processual, precisamente porque estava impossibilitada
económico-financeiramente de autoliquidar a taxa de justiça devida pela
interposição do recurso motivado.
Na verdade, se a denunciante não conseguia pagar a taxa de justiça de
constituição de Assistente como é que ia autoliquidar a taxa de justiça que era
condição de seguimento de recurso motivado e concluído?!! (…).
O representante do Ministério Público no Tribunal Constitucional considera a
reclamação “manifestamente improcedente”.
Cumpre decidir.
3. Independentemente dos motivos invocados pela reclamante para justificar a não
interposição do recurso para a Relação de Lisboa que, no caso, cabia, o certo é
que a reclamante não esgotou efectivamente os recursos ordinários que podia
interpor antes de recorrer para o Tribunal Constitucional, assim incumprindo o
requisito fixado no artigo 70.º, n.º 2 e 4 da LTC.
É, por isso, irrepreensível o despacho que, com o mencionado fundamento, não
admitiu o recurso interposto para o Tribunal Constitucional.
Na verdade, a ordem jurídica fornece soluções que habilitariam a reclamante a
ultrapassar as dificuldades que invoca, designadamente através do instituto de
apoio judiciário e dos meios que este oferece para obtenção de justiça gratuita.
Tais dificuldades não serão, por isso, insuperáveis e, de qualquer modo, nunca
poderiam qualificar-se como 'razões de ordem processual' para, nos termos do
artigo 70º n.º 4 da LTC, permitir ao Tribunal julgar já esgotados todos os
recursos ordinários, conforme exige o aludido preceito.
É, assim, de manter o despacho reclamado.
4. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a reclamação,
mantendo a decisão de não admissão do recurso. Custas pela reclamante,
fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.
Lisboa, 10 de Dezembro de 2008.
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria João Antunes
Gil Galvão