Imprimir acórdão
Processo n.º 865/08
2.ª Secção
Relator: Conselheiro João Cura Mariano
Acordam, em conferência, no Tribunal Constitucional
Relatório
A. e B. intentaram contra C., S.A., acção com processo ordinário (processo n.º
1850/06.0TVPRT, da 1º Secção da 9ª Vara Cível do Porto), pedindo a condenação da
Ré a pagar-lhes € 35.000 e € 25.000, respectivamente, acrescidos de juros de
mora.
Alegaram terem sofrido danos não patrimoniais causados por notícias publicadas
no “…”, de que a Ré é proprietária.
Após realização de audiência de julgamento foi proferida sentença em 20-08-2007
que julgou a acção parcialmente procedente, tendo condenado a Ré a pagar ao
Autor a quantia de € 25.000, acrescida de juros, absolvendo-a do demais
peticionado.
A Ré recorreu desta sentença para o Tribunal da Relação do Porto que, por
acórdão proferido em 29-1-2008, julgou improcedente o recurso.
A Ré recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça que, por acórdão proferido em
10-7-2008, negou provimento ao recurso.
A requerimento da Ré, o Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão proferido em
16-10-2008, aclarou o acórdão anteriormente proferido.
A Ré recorreu então para o Tribunal Constitucional, nos seguintes termos:
“C. SA., vem nos termos do disposto na al. b) do nº 1 do art 70º da LTC dele
interpor recurso para o Tribunal Constitucional nos termos e com os fundamentos
seguintes.
1. O presente recurso visa pedir e provocar uma apreciação de não conformidade
constitucional da interpretação e aplicação feitas pelo Tribunal recorrido das
normas constantes dos artigos 335º, 483º e 434º do CC à luz das normas e
princípios constitucionais do princípio da concordância prática em sede de
colisão do direito à informação e do direito ao bom nome, da liberdade de
expressão e de informação, e das normas e princípios previstos dos arts. 1º,
2º, 3º, 12º, 13º, 18º, 37º e 38º da CRP. Assim, o presente recurso é interposto
ao abrigo do disposto na al. b) do n 1 do art 70º da Lei do TC, tendo a questão
da inconstitucionalidade sido suscitada pelo menos a fls., nas alegações de
recurso para o STJ.
2. O recurso tem por objecto a apreciação da conformidade constitucional dos
referidos artigos da lei civil, em dimensões interpretativas que a Recorrente
considera terem sido perfilhadas pelo STJ e que constituíram a ratio decidendi
do acórdão recorrido.
As dimensões interpretativas constantes do acórdão recorrido, e questionadas
pela recorrente, com fundamento em violação das normas e princípios
constitucionais do principio da concordância prática em sede de colisão do
direito à informação e do direito ao bom nome, da liberdade de expressão e de
informação, e das normas e princípios previstos dos arts. 1º, 2º, 3º, 12º, 13º,
18º, 37º e 38º, da CRP, são as seguintes:
a) a consideração da verificação de todos os pressupostos da responsabilidade
civil extra contratual, mormente da ilicitude e da culpa, ainda que o causante
se mova dentro dos limites da liberdade de expressão e do direito à informação,
e por causa dele;
b) a desconsideração da inexistência de animus injuriandi, de divulgação de
facto que já era público como causas que, à luz da liberdade de informação,
tornam licita a ofensa ao bom nome;
c) a consideração de que a divulgação do nome de uma pessoa, arguida em
processo crime, é em si mesma uma conduta ilícita, sem justificação, excluindo
o concurso e efeitos de qualquer clausula de exclusão da ilicitude, mormente a
existência de colisão de direitos;
d) a consideração de que a mera invocação do segredo de justiça, ou da falta de
publicidade, torna automaticamente ilícita a divulgação do nome de pessoa que
está referenciada num processo criminal;
e) A consideração de que o exercício do direito constitucional à informação
fica, ou é, condicionado por um suposto direito potestativo do visado que,
opondo-se à publicidade do processo criminal, impede qualquer divulgação
informativa sobre os factos;
f) A consideração de que não existe exclusão da ilicitude nem justificação
quando
• O artigo jornalístico se contém dentro dos limites consentidos pela liberdade
de expressão e do direito à informação;
• Os factos são verdadeiros;
• O agente estava convencido de que o teor do que afirmou era verdadeiro e, em
boa fé, tinha razões para acreditar nisso;
• O agente não tinha qualquer razão para supor que os factos narrados poderiam
ser inexactos, falsos ou conter inverdades;
• O agente não tinha qualquer intenção de ofender;
• O agente apenas pretendeu levar ao conhecimento da opinião pública factos que
lhe pareceram fundamentais no exercício democrático da liberdade de expressão.
• O direito à informação obedeceu ao seu triplo limite: o valor socialmente
relevante da notícia; a moderação da forma de a veicular; e a verdade, medida
esta pela objectividade, pela seriedade das fontes, pela isenção e pela
imparcialidade do autor, evitando manipulações que a deontologia profissional
condena.”
Foi proferida em 18-11-2008 decisão sumária de não conhecimento do recurso
interposto, com a seguinte fundamentação:
“No sistema português de fiscalização de constitucionalidade, a competência
atribuída ao Tribunal Constitucional cinge‑se ao controlo da
inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões de desconformidade
constitucional imputada a normas jurídicas ou a interpretações normativas, e já
não das questões de inconstitucionalidade imputadas directamente a decisões
judiciais, em si mesmas consideradas. A distinção entre os casos em que a
inconstitucionalidade é imputada a interpretação normativa daqueles em que é
imputada directamente a decisão judicial radica em que na primeira hipótese é
discernível na decisão recorrida a adopção de um critério normativo, ao qual
depois se subsume o caso concreto em apreço, com carácter de generalidade, e,
por isso, susceptível de aplicação a outras situações, enquanto na segunda
hipótese está em causa a aplicação dos critérios normativos tidos por
relevantes às particularidades do caso concreto.
Por outro lado, tratando‑se de recurso interposto ao abrigo da alínea
b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC – como ocorre no presente caso –, a sua
admissibilidade depende da verificação cumulativa dos requisitos de a questão
de inconstitucionalidade haver sido suscitada «durante o processo», «de modo
processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão
recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (n.º 2 do artigo
72.º da LTC), e de a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio
decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionais pelo
recorrente. Aquele primeiro requisito (suscitação da questão de
inconstitucionalidade perante o tribunal recorrido, antes de proferida a
decisão impugnada) só se considera dispensável nas situações especiais em que,
por força de uma norma legal específica, o poder jurisdicional se não esgota
com a prolação da decisão recorrida, ou naquelas situações, de todo
excepcionais ou anómalas, em que o recorrente não dispôs de oportunidade
processual para suscitar a questão de constitucionalidade antes de proferida a
decisão recorrida ou em que, tendo essa oportunidade, não lhe era exigível que
suscitasse então a questão de constitucionalidade.
O acórdão recorrido apreciou um recurso de decisão do Tribunal da Relação do
Porto que havia confirmado sentença da 1ª instância, na qual a recorrente havia
sido condenada a pagar uma indemnização, por danos causados por notícia
publicada em periódico.
Tendo o recorrente questionado, além do mais, a ilicitude e o nexo de imputação
da sua conduta, o acórdão recorrido deduziu a seguinte argumentação para
sustentar a improcedência do recurso:
“Quanto à existência de ilícito no facto noticioso
À data da última notícia, o processo continuava ainda em segredo de justiça a
pedido dos A.A.
“Contudo, os factos relatados na noticia de 2003.12.15 já eram conhecidos, pois
que anunciados nas notícias anteriores de 2000 e 2002, e, o seu conteúdo, está
de acordo com o teor da acusação do M.° P.°.
Não pode portanto afirmar-se que houve nesta notícia violação directa do segredo
de justiça. Mas continuou a existir violação indirecta, uma vez que continuou a
difundir o que, embora já conhecido pela difusão das anteriores noticias,
continuava ainda em segredo de Justiça. Na verdade, ao aludir à acusação do M.°
P.° a Ré mostrou, insofismavelmente, que o conhecimento dos factos lhe adviera
do acesso ao processo ou a informações de quem a ele tinha ou tivera acesso.
Estando o processo em segredo de justiça, a Ré não poderia voltar a levar ao
conhecimento público ou a continuar a difundir aquilo a que só poderia ter
acesso através da violação do segredo.
É certo que a notícia em causa, imputando ao A. a qualidade de gestor da
empresa que colaborara a nível de prestação de serviços e onde se dizia que,
segundo a acusação do M.° P.°, estaria associada às fraudes, com margem de
lucros escandalosos, não era falsa nem se mostrava deformada, pois que
efectivamente o A. e a empresa que geria estava acusado nesses precisos termos.
De referir também que a matéria versada na notícia era de enorme relevância
social, pois dizia respeito a fraudes com dinheiros públicos, ou seja, dinheiros
de todos os contribuintes, sendo o montante das fraudes, segundo a acusação do
M.° P.°, de cerca de três centenas de milhares de contos.
Além disso, os factos não eram novos, pois a Ré já os havia relatado antes,
comportando-se agora, nesta última notícia, mais como uma câmara de ressonância
das primeiras.
Entendemos no entanto que na sua nobre função de informar, não havia razões
objectivas para associar ou continuar a associar o nome do A. à gestão corrente
da empresa onde, segundo a acusação do Ministério Público, se tinham detectado
as alegadas irregularidades ou fraudes.
Na verdade, as acusações em processo penal assentam em indícios, e não em
certezas, e, associar desde logo a uma notícia de fraudes o nome e profissão do
A. (inconfundível com qualquer outro nome profissional, pois cada profissional
da advocacia tem o seu nome irrepetível) como indiciado, acusado ou arguido, sem
que esteja sequer pronunciado, corresponde para a opinião pública a um
julgamento e condenação antecipado, lançando desde logo sobre ele um labéu sem
remissão que deixa feridas profundas que não mais cicatrizam, por mais remédios
que sobre elas se apliquem, ainda que mais tarde venham a ser ilibados por
ausência ou insuficiência de indícios ou provas, mesmo que sejam efectuados
desmentidos nos mesmos meios de comunicação social.
A notícia em causa obteria o mesmo objectivo junto da opinião pública sem que
fosse necessária a necessidade da revelação mórbida do inconfundível nome e
profissão da pessoa acusada, não atendendo a Ré que, nos termos constitucionais,
toda a pessoa se presume inocente antes da existência de condenação judicial
transitada em julgado, e que cabe em exclusivo aos tribunais a função de julgar
em nome do povo.
Antes da condenação, a Ré, mesmo sabendo quem estava acusado, estando o processo
em segredo de justiça, tinha a obrigação de evitar a divulgação do nome do A..
O dever e a liberdade de informar não precisava de identificar o A. pelo nome e
profissão desempenhada, expondo-o desde logo ao julgamento popular, sem conhecer
a força dos indícios em que assentava a acusação. Deveria, também por isso,
ceder perante o direito à honra e ao bom nome, tendo em conta que, quando se
reporta aos fundamentos da soberania da República, esta assenta, em primeiro
lugar, na dignidade da pessoa humana
Concluímos assim que, apesar da noticia versar sobre factos relevantes e ser
intrinsecamente verdadeira no conteúdo objectivamente expresso, houve, por um
lado, um ilícito na reiteração da notícia violadora do sigilo, mantendo-se, por
outro lado, um excesso desnecessário quanto à divulgada e repetida indicação do
nome da pessoa acusada e sua identificação profissional, que determinava com que
grande parte da opinião pública o julgasse logo como culpado ou condenado.
O valor da honorabilidade não foi preservado quando poderia e deveria sê-lo, sem
que com isso não ficasse prejudicada a divulgação da notícia.
Daí que, também por esse lado, a notícia em causa se tenha revelado, neste
segmento, como um acto ilícito.
Foram violados, portanto, ilicitamente, as disposições conjugadas dos arts. 1º,
25.º-1, 26.-1, 32.° da Constituição da República Portuguesa (versão de 2001,
aplicável então), art. 70.°-1 do CC., art. 12.° da Declaração Universal dos
Direitos do Homem, a Lei de Imprensa (arts. 3.° e 9.° da Lei 2/99, de 13/01), o
Estatuto dos Jornalistas (art. 8.º-3 e 14.°-c) da então Lei 1/99, de 13/01) e o
próprio Código Deontológico do Jornalista.
Quanto ao dolo ou culpa
Não se pode dizer que a notícia em causa tivesse como objectivo directo e
imediato ofender a honra e a consideração do A.
Os termos em que a notícia foi dada visava essencialmente chamar a atenção para
as fraudes com dinheiro dos contribuintes no seio do CICCOPN.
Está assim afastado o dolo directo.
No entanto, está verificado dolo eventual da Ré, na medida em que as instâncias
deram como provado que “a Ré sabia que a sua conduta iria necessariamente
provocar danos na esfera jurídica dos AA., afectando o seu bom nome, honra e
consideração e de modo evitável, e que a notícia valeria por si, sem necessidade
de identificação dos advogados arguidos ou da Empresa de prestação de serviços
“ (resposta ao quesito 19.0 da base instrutória).
Ora, para o exercício da liberdade de expressão, a Ré não resistiu à tentação de
associar a essas fraudes de dinheiros públicos o toque apimentado da denúncia de
fraudes com dinheiros públicos indicando como implicado nelas o nome do A.,
“pessoa amplamente conhecida nos meios sociais, advogado bem sucedido, com
estatuto de competência, prestígio, credibilidade e honorabilidade conquistado
ao longo dos anos, junto da sua clientela, bem como de colegas” (resposta ao
quesito 9.° da base instrutória), trazendo à lembrança dos leitores, - mais uma
vez, e sempre sem necessidade para notícia objectiva -, factos desonrosos que o
M.° P.° lhes atribuíra em fase ainda secreta do processo, quando os factos são
ainda considerados como meramente judiciários, ou seja, não validados por
pronúncia, nem muito menos considerados verificados ou considerados consistentes
por despacho transitado em julgado.
A relevância da notícia ficou portanto irremediavelmente maculada ao divulgar o
nome do A. como acusado, sem necessidade de o fazer, e sem atender ao risco de
a acusação não vir a ser recebida pela fragilidade dos imputados indícios,
sabendo que a simples notícia desse facto o iria lesar na sua honra e
respeitabilidade, ainda que não fosse essa a mais directa intenção do meio de
comunicação social em causa (…)…”.
No acórdão subsequente do Supremo Tribunal de Justiça que aclarou o inicialmente
proferido, acrescentou-se o seguinte:
“Na fundamentação foram indicadas logo as causas para a não divulgação do nome
do A.:
A primeira, porque estando o processo ainda em segredo de justiça, não se podia
revelar o que dele constava, mesmo que a montante já alguém tivesse efectuado
ilegalmente a revelação desse segredo.
A segunda, porque a notícia de existência de fraudes com o caso CICCOPN, mesmo
fora do âmbito de aplicação do segredo de justiça, podia perfeitamente ser dada
sem a ela associar desde logo o nome e a profissão do A., por na actividade em
causa ser único e inconfundível.
Na verdade, uma acusação não é uma pronúncia, muito menos uma condenação e o
simples facto de se revelar ou indicar na comunicação social que uma pessoa que
não exerça funções no Estado ou numa entidade pública para-estatal — como era o
caso é acusada num processo, transmite desde logo à opinião pública que se está
perante uma pessoa desonesta, criminosa, quando nessa fase processual se deve
ainda presumir a inocência da pessoa visada.
A expressão utilizada “inexistência de razões objectivas” para a divulgação dos
factos prende-se com a identificação concreta do nome e profissão do A., que o
tornavam imediatamente identificável, e não propriamente com o conteúdo do resto
da notícia, se, ressalvada sempre - quanto a esta parte - , a situação da não
violação do segredo.
O jornalismo de investigação é desejável, sendo uma forma sadia para o
funcionamento da democracia e a dissuasão para a prática de actos ou omissões
social ou criminalmente censuráveis, mas o jornalista deve conformar-se à lei
que nos rege, pelo que não podia invocar, sem violação do segredo de justiça,
dados obtidos em processos judiciais quando eles se encontram ainda na fase de
segredo de justiça ou eles lhe tenham sido fornecidos ilegalmente.
No caso o processo estava ainda em segredo de justiça, a requerimento do A.
Mesmo que não estivesse em segredo de justiça e o conhecimento dos factos fosse
fruto de jornalismo de investigação própria, não deveria mesmo assim o
jornalista indicar a identificação concreta e inconfundível das pessoas que
pensava ou lhe tivessem sido indicados como podendo estar envolvidas na indicada
fraude, pelas repercussões e danos irreparáveis que daí poderiam vir a resultar
para os visados, caso se não viessem a confirmar os dados avançados no que toca
ao envolvimento destes.
…
A referência à prescrição dos efeitos jurídicos das notícias de 2000 e 2002,
encerrou a virtualidade de a Ré poder ser condenada por elas.
No entanto, como na notícia actual voltou a visar-se o nome do A., na linha do
que já antes havia feito, a actuação da Ré reavivou junto do público, as
anteriores notícias.
Ora isso não corresponde à utilização de efeitos jurídicos das primeiras
notícias — indemnização por elas, cujo direito estava prescrito -, mas sim à
consideração, como circunstância a ter em conta na avaliação da culpa e fixação
da indemnização, pela reiterada e continuada ligação.
…
Entendemos que não havia necessidade alguma de incluir na notícia a
identificação concreta, inconfundível, do nome do A..
Se obtidas as informações por meios legítimos, a divulgação da notícia poderia
ser feita com o mesmo impacto, preservando a identificação concreta do visado.
Deveria ter havido o necessário respeito pela honra e presunção de inocência da
pessoa indicada.
Não é saudável a prática de jornalismo que lança para a fogueira da opinião
pública a imputação da prática ou a cumplicidade de ou em actos desonrosos a
alguém que se torna de imediato reconhecível, e cuja divulgação, produz
inevitavelmente danos na sua imagem e honorabilidade.
O efeito pode tornar-se devastador. Assaz perguntar-se:
- Que benefícios recolheu a opinião pública com a divulgação do nome do A. como
estando associado à indicada fraude?
- Em nosso entender, nenhum.
- Houve alguma mais valia para a comunidade, com a divulgação e identificação do
seu nome?
- A resposta é a mesma.
- E que repercussões teve?
- Um muito considerável dano na esfera jurídica do A., por actos pelos quais não
chegou sequer a ser pronunciado.
Se não é saudável essa actuação, deve qualificar-se como mórbida ou doentia a
preocupação do jornalista em tornar automática e perfeitamente identificado a
pessoa a quem atribuiu factos desonrosos nas notícias que dá.
…
A explicação para essa afirmação é simples:
Quanto mais se insistir numa notícia ligando factos desonrosos a uma determinado
pessoa, mais convicção fica firmada na opinião pública de que esses factos são
verdadeiros.”
As considerações acima transcritas dos dois acórdãos proferidos pelo Supremo
Tribunal de Justiça procuram fundamentar o juízo de ilicitude e de culpa da
conduta do Réu, na ponderação do conflito dos direitos de informação e da honra
na situação concreta.
Se é certo que o acórdão recorrido concluiu que perante as circunstâncias do
caso concreto a ofensa à honra do Autor não se encontrava justificada pelo
direito de informar que assistia à Ré, em nenhum passo da fundamentação desta
conclusão sustentou, como sua ratio decidendi, com carácter geral e abstracto,
qualquer uma das interpretações indicadas pela Ré como objecto do presente
recurso.
Além disso a Ré não cumpriu o requisito de suscitação das questões de
constitucionalidade propostas ao Tribunal Constitucional perante o tribunal
recorrido de modo adequado, isto é de forma a vincular esse tribunal ao seu
conhecimento.
Ora, encontrando-se o objecto do recurso de revista delimitado pelo conteúdo
das conclusões das alegações de recurso, verifica-se que nas conclusões das
alegações apresentadas perante o tribunal que emitiu a decisão recorrida apenas
se suscitou a inconstitucionalidade do resultado da decisão aí recorrida, não
tendo sido arguida a inconstitucionalidade de qualquer uma das interpretações
normativas, cuja fiscalização agora se pretende.
Estando ausentes dois requisitos essenciais ao conhecimento do recurso
interposto nos termos do artigo 70.º, n.º 1, b), da LTC – que as interpretações
normativas cuja fiscalização se pretende integrem a ratio decidendi da decisão
recorrida e que a sua inconstitucionalidade tenha sido suscitada
antecipadamente perante o tribunal recorrido – deve ser proferida decisão
sumária de não conhecimento, nos termos do artigo 78.º - A, n.º 1, da LTC.”
A recorrente apresentou reclamação para a conferência nos seguintes termos:
“1. O recurso para o TC foi interposto nos termos que se dão por reproduzidos.
2. O Senhor Conselheiro Relator decidiu não admitir, nos termos do nº 1 do artº
78º-A da LTC, o objecto do recurso, alegando, em síntese, que nas conclusões das
suas alegações de recorrente perante o STJ apenas suscitou a
inconstitucionalidade do resultado da decisão recorrida e não a
inconstitucionalidade de qualquer das interpretações normativas cuja
fiscalização agora pretende, e além disso (ou por causa disso) não cumpriu o
requisito de suscitação perante o tribunal recorrido de modo adequado.
3. Parece à recorrente que a decisão objecto da presente reclamação fez uma
leitura apressada do recurso.
4. Primeiro, a recorrente indicou concretamente, ou melhor, especificadamente,
quais foram as interpretações de normas jurídicas que, no decorrer do processo,
foram acusadas de inconstitucionais e, apesar disso, foram aplicadas na decisão
recorrida como ratio decidendi.
Basta reler o requerimento de interposição de recurso e requerimento de fls.
para se verificar que o recorrente suscitou perante este tribunal a impugnação
de interpretação feita de normas jurídicas da lei civil. Precisamente das
interpretações normativas feitas a partir dessas normas.
5. Segundo, a inconstitucionalidade dessas normas, foi levantada durante o
processo, conforme decorre da leitura dos autos.
É manifesto da leitura das alegações que a recorrente suscitou no processo
várias questões de inconstitucionalidade normativa, pois que quer na alegação de
recurso interposto para a Relação do Porto e para o STJ, quer no requerimento de
interposição do presente recurso, dirigiu a sua crítica (e recurso) à
interpretação que o Tribunal recorrido fizera de várias normas, em especial das
estipulações normativas retiradas da interpretação de normas que constituíram a
razão de decidir da decisão.
Repare-se no que se alegou nas alegações de revista:
“O princípio da concordância prática visa a procura da solução do conflito no
quadro da unidade da Constituição e da lei ordinária, tentando harmonizar os
preceitos divergentes. Ora, parece-nos que é inconstitucional a
(des)harmonização defendida na decisão recorrida, pois que tem por consequência
prática... a total e completa supressão de um dos dois direitos em concurso.
Na prática, a tese recorrida defende como única harmonização possível a...
desarmonia do sistema constitucional: comprime-se, até à supressão, a liberdade
de expressão e o direito à informação.
Solução que, obviamente, é inconstitucional.”
“O princípio da proporcionalidade destina-se a distribuir com o equilíbrio
possível os custos do conflito; exige-se que cada um dos valores constitucionais
se salvaguarde reciprocamente.
Assim, a solução do problema passa por comprimir o menos possível cada um dos
valores em causa, de acordo com o seu peso na situação.
O que se não faz na sentença recorrida.... O tribunal recorrido afirma um
primado (inconstitucional e ilegal) do direito ao bom nome e reputação sobre o
direito à liberdade de expressão e de informação.”
“A notícia tem por objecto actos públicos relativos a dinheiros públicos de uma
empresa.
Reconheçamos que o texto em causa se move naquilo que é o legítimo exercício da
liberdade de expressão e do direito à informação, constitucionalmente
garantidos á Recorrente.
Também aqui a Ré mais não faz do que se mover no âmbito da liberdade de
expressão e de informação, cumprindo e participando na função para a qual o
estado garante a existência de órgãos de informação: garantia de formação
democrática da opinião pública.”
“Por outro lado, a nossa lei fundamental tem subjacente a representação de que
esta expressão da liberdade de informação tem por destinatário cidadãos adultos
e conscientes que são chamados a tomar posição no debate de ideias numa
sociedade democrática e livre e, portanto, são eles próprios capazes de julgar e
avaliar o que seja uma afirmação como a dos autos.
Por outro lado, como recorda Costa Andrade, “deve reconhecer-se uma presunção de
licitude às ofensas típicas que resultem da discussão de questões de interesse
comunitário”, como acontece nos autos, sendo que o acórdão recorrido parte
precisamente da presunção inversa, leitura que a lei não consente.”
“O Recorrente agiu exclusivamente motivado pelo exercício do direito à
informação, e dentro dos limites desta.
Não é solução constitucionalmente defensável – cremos – que o direito ao bom
nome do Recorrido assim exercido possa (deva) precludir os direitos
constitucionais do Recorrente.
“A decisão recorrida infra-gradua o direito do Recorrente à sua liberdade de
expressão quando os arts. 2º, 3º, 18º, 37º e 38º da CRP não consentem qualquer
infra-graduação da mesma.
“É bem manifesta e evidente a exclusão de ilicitude, traduzida na violação não
justificada do direito (constitucional) à informação.
• O artigo contém-se dentro dos limites consentidos pela liberdade de expressão
e do direito à informação;
• Os factos são verdadeiros;
• O Recorrente estava, como está, convencido de que o teor do que afirmou era
verdadeiro e, em boa fé, tinha razões para acreditar nisso;
• O Recorrente não tinha qualquer razão para supor que os factos narrados
poderiam ser inexactos, falsos ou conter inverdades;
• O Recorrente não teve qualquer intenção de ofender o Recorrido com a
elaboração do artigo em causa;
• O Recorrente apenas pretendeu levar ao conhecimento da opinião pública factos
que lhe pareceram fundamentais no exercício democrático da liberdade de
expressão e de crítica ao comportamento de figuras políticas.”
“O princípio da concordância prática visa a procura da solução do conflito no
quadro da unidade da Constituição e da lei ordinária, tentando harmonizar os
preceitos divergentes. Ora, parece-nos que é inconstitucional a
(des)harmonização defendida no acórdão recorrido, pois que tem por consequência
prática... a total e completa supressão de um dos dois direitos em concurso.
Na prática a tese recorrida defende como única harmonização possível a...
desarmonia do sistema constitucional: comprime-se, até à supressão, a liberdade
de expressão e o direito à crítica livre e de opinião para defesa do direito ao
bom nome e reputação.
Solução que, obviamente, é inconstitucional.”
“O princípio da proporcionalidade destina-se a distribuir com o equilíbrio
possível os custos do conflito; exige-se que cada um dos valores constitucionais
se salvaguarde reciprocamente.
Assim, a solução do problema passa por comprimir o menos possível cada um dos
valores em causa, de acordo com o seu peso na situação.
O que se não faz no acórdão recorrido..., O tribunal recorrido afirma um primado
(inconstitucional e ilegal) do direito ao bom nome e reputação sobre o direito à
liberdade de expressão.
É esta interpretação que é feita do art. 31º, nº 2, al. b) do CP que é, a nosso
ver, inconstitucional.”
“A responsabilidade (civil) pressupõe o facto, a ilicitude, a imputação do facto
ao lesante, o dano e um nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Ora, a imputação considerada ofensiva da honra do Recorrido poder-se-á
justificar pelo direito à liberdade de expressão e informação, pela função
pública da imprensa, pela realização do interesse público legítimo? Pode.”
“Todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento, pela
palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar,
de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações – n.º 1,
do art. 37º, da CRPortuguesa.
É garantida a liberdade de imprensa que implica a liberdade de expressão e
criação dos jornalistas – al. a), do n.º 2, do art. 38.º, da CRPortuguesa.
A Lei de Imprensa formula idênticos princípios, ou valores (arts. 1º, 4º e 5º,
da Lei n.º 2/99, de 13/01).
“Importa saber como conjugar, em caso de conflito, estes dois direitos
fundamentais: o direito/dever de informação e o direito à honra e ao bom-nome.
Quer a Constituição, quer as leis ordinárias, não estabelecem qualquer regime
especial relativamente à ilicitude em matéria civil e, naturalmente, à
respectiva obrigação de indemnizar, quando ocorrer, por responsabilidade civil
extracontratual, limitando-se a remeter, expressa ou tacitamente, para os
princípios gerais e normas do Código Civil (arts. 37º, nº 4, da Constituição e,
24º, da Lei da Imprensa)
Será, pois, com base nas normas da sistemática civilística (designadamente arts.
70º, 483º, nº 1, 484º, 487º e 497º, nº 1, do CCiviI), que deve ser avaliada a
ilicitude (e, eventualmente, a culpa) como pressuposto da obrigação de
indemnizar fundamentada na responsabilidade civil extracontratual.”
“Se, por um lado, se reconhece ser direito fundamental dos jornalistas a
liberdade de criação, expressão e divulgação, a qual não está sujeita a
impedimentos ou discriminações, nem subordinada a qualquer forma de censura,
autorização, caução ou habilitação prévia e acesso às fontes (arts. 5º, 6º, 7º,
8º e 9º do Estatuto do Jornalista), certo é, também, constituir dever desses
profissionais respeitar os limites ao exercício da liberdade de imprensa nos
termos da Constituição e da Lei (citado art. 1º, nº 1, al. c), do mesmo
Estatuto).
O princípio norteador da informação jornalística deve ser o de causar o menor
mal possível, pelo que quando se ultrapassam os limites da necessidade ou quando
os processos são, de per si, injuriosos, a conduta é ilegítima.”
“O direito à informação comporta três limites: o valor socialmente relevante da
notícia; a moderação da forma de a veicular; e a verdade, medida esta pela
objectividade, pela seriedade das fontes, pela isenção e pela imparcialidade do
autor, evitando manipulações que a deontologia profissional, antes das leis do
Estado, condena.”
“Quando se refere a liberdade de informação, há que reportá-la a algo de
socialmente útil ou relevante. Nenhuma liberdade de comunicação justifica
notícias inverídicas, exigindo uma verdade pura, sem equívoco ou sem sombras.
Sendo os direitos de liberdade de informação e à honra e ao bom nome, de igual
hierarquia constitucional, o primeiro não pode, em princípio, atentar contra o
segundo, devendo procurar-se a harmonização ou concordância prática dos
interesses em jogo, por forma a atribuir a cada um deles a máxima eficácia
possível, em obediência ao princípio jurídico-constitucional da
proporcionalidade, vinculante em matéria de direitos fundamentais.”
“Nesta conflitualidade, sendo embora os dois direitos de igual hierarquia
constitucional, é indiscutível que o direito de liberdade de expressão e
informação, pelas restrições e limites a que está sujeito, não pode, ao menos em
princípio, atentar contra o bom nome e reputação de outrem, sem prejuízo, porém,
de em certos casos, ponderados os valores jurídicos em confronto, o princípio
da proporcionalidade conjugado com os ditames da necessidade e da adequação e
todo o circunstancialismo concorrente, tal direito poder prevalecer sobre o
direito ao bom nome e reputação.
Designadamente assim sucede nos casos em que estiver em causa um interesse
público que se sobreponha àqueles e a divulgação seja feita de forma a não
exceder o necessário a tal divulgação, sendo exigível que a informação veiculada
se cinja à estrita verdade dos factos.
Assim, o direito de expressão e informação exercido com respeito pela honra do
Recorrido e com a objectividade e a verdade que são características do jornal, e
que a lei exige, determina que as imputações putativamente ofensivas da honra do
Apelante estão justificadas pelo direito à liberdade de expressão e informação.”
“Em Conclusão,
L. Ainda que assim não fosse, a conduta da Ré Recorrente é licita e justificada.
A peça jornalística foi publicada no exercício do direito de informar.
M. Foi publicada nas páginas de um jornal exclusivamente por causa de uma
notícia em causa, e enquadrada na questão: um processo que existia relativo a
uma questão de descaminho de dinheiros públicos, onde se encontrava envolvida
como arguida uma empresa, “cuja gestão corrente estava a cargo do advogado A.”.
N. Existe claramente interesse público na divulgação dos factos, uma vez que se
trata de assunto relacionado com o descaminho de dinheiros públicos.
O. Por outro lado, a notícia é redigida em termos razoáveis, contidos, não
especulativos, sem o recurso a passagens especulativas, de forma absolutamente
moderada e não ofensiva.
P. Inexiste qualquer animus injuriandi por parte da Ré.
Q. Por outro lado a notícia faz uma afirmação que já era, ao tempo, do
conhecimento público desde 2000.
R. O relatado na notícia era e é absolutamente rigoroso e verdadeiro.
S. Como tal nos termos do artigo 483º e 484º do CC, que foram violados pela
sentença recorrida, deve ser considerado que a notícia dos autos está escrita de
forma moderada e adequada, sem animus injuriandi, dentro dos limites do
exercício da liberdade de expressão e de informação, movendo-se precisamente
dentro desses limites, estando por essa via justificada a conduta da Ré, e
existindo interesse público na divulgação dos factos.
Existindo, assim, ausência de culpa e de ilicitude.
AC. Ainda assim não fosse, a sua eventual violação não se poderia reflectir na
ilicitude da divulgação do nome do arguido. O exercício do direito
constitucional à informação não pode ficar, ou estar, condicionado por um
suposto direito potestativo do visado que, opondo-se à publicidade do processo
criminal, impedira qualquer divulgação informativa sobre os factos.
AD. Não faz qualquer sentido ético-jurídico que esteja na disponibilidade de uma
parte poder unilateralmente decretar a resolução da colisão de direitos de igual
dignidade constitucional (direito à informação e direito ao bom nome) quando a
CRP, ela própria, elege como único critério de superação desse conflito o
princípio da concordância prática e não, como aparece previsto no acórdão
recorrido, a vontade do visado.
AE. O princípio da concordância prática visa a procura da solução do conflito no
quadro da unidade da Constituição e da lei ordinária, tentando harmonizar os
preceitos divergentes. Ora, parece-nos que é inconstitucional a
(des)harmonização defendida na decisão recorrida, pois que tem por consequência
prática... a total e completa supressão de um dos dois direitos em concurso.
Solução que, obviamente, é inconstitucional.
AF. A margem de tolerância da invasão dos direitos de personalidade do Recorrido
é bem maior no que diz respeito à esfera de afirmações sobre os actos públicos
do A. que sobre os seus actos privados, sendo que o texto em causa se move
naquilo que é o legítimo exercício da liberdade de expressão e do direito à
informação, constitucionalmente garantidos à Recorrente.
AG. A decisão recorrida infra-gradua o direito do Recorrente à sua liberdade de
expressão quando os arts. 2º 3º, 18º, 37º e 38º da CRP não consentem qualquer
infra-graduação da mesma.
AH. É bem manifesta e evidente a exclusão de ilicitude, traduzida na violação
não justificada do direito (constitucional) à informação.
• O artigo contém-se dentro dos limites consentidos pela liberdade de expressão
e do direito à informação;
• Os factos são verdadeiros;
• O Recorrente estava, como está, convencido de que o teor do que afirmou era
verdadeiro e, em boa fé, tinha razões para acreditar nisso;
• O Recorrente não tinha qualquer razão para supor que os factos narrados
poderiam ser inexactos, falsos ou conter inverdades;
• O Recorrente não teve qualquer intenção de ofender o Recorrido com a
elaboração do artigo em causa;
• O Recorrente apenas pretendeu levar ao conhecimento da opinião pública factos
que lhe pareceram fundamentais no exercício democrático da liberdade de
expressão e de crítica ao comportamento de figuras políticas.
AI. A imputação considerada ofensiva da honra do Recorrido poder-se-á justificar
pelo direito à liberdade de expressão e informação, pela função pública da
imprensa, pela realização do interesse público legítimo? Pode.
AJ. O direito à informação obedeceu ao seu triplo limite: o valor socialmente
relevante da notícia; a moderação da forma de a veicular; e a verdade, medida
esta pela objectividade, pela seriedade das fontes, pela isenção e pela
imparcialidade do autor, evitando manipulações que a deontologia profissional
condena.
AN. Não estando verificados os pressupostos de que depende a obrigação de
indemnizar por responsabilidade civil extra-contratual, o tribunal “a quo”
interpretou incorrectamente o disposto no art. 483º, do CPCivil, violando, deste
modo, com tal interpretação, os artigos 1º, 12º e 13º, da CRPortuguesa.”
6. As questões levantadas durante o processo dizem essencialmente respeito à
leitura do regime do art. 483º e segs. do CC, concretamente à leitura que dele
foi feita pela decisão recorrida e aos limites que esta mesma decisão lhe traçou
por cotejo com outros direitos de igual ou superior dignidade e acolhimento
legal e constitucional.
Ao longo do processo o recorrente, para além de atacar a decisão em si, atacou a
interpretação que o tribunal recorrido havia feito do sentido, alcance e limites
dos arts. 483º e seguintes do CC, precisamente em função da interpretação que se
impõe a esta norma em função de algumas normas e princípios constitucionais.
Isto é.
Para além de um ataque à decisão em si – que, reconheça-se, merece à evidências
sérios e graves reparos –, o recorrente não deixou de levantar a questão de
constitucionalidade normativa: a decisão recorrida não traça limites ao regime
do artº 483º do CC o que a CRP (crê o recorrente) não consente.
Mais.
Ficou claro que a questão discutida – e trazida a recurso – dizia respeito à
inconstitucionalidade de uma interpretação normativa que veio a constituir ratio
decidendi da decisão: a interpretação do regime da colisão de direitos com
acolhimento constitucional, como o direito à crítica, liberdade de expressão, e
o direito ao bom nome vs honra e consideração.
7. Mais.
Não foi só discutido o resultado.
Discute-se a interpretação normativa, também no prisma do resultado da sua
aplicação, que se traduz na declinação de um direito constitucionalmente
garantido da recorrente.
8. Parece evidente à recorrente que haveria outras (e seguramente melhores)
formulações a usar no exercício proposto.
Mas, mesmo que exista alguma debilidade na escrita do Mandatário, e sem qualquer
generosidade interpretativa do Tribunal, é de reconhecer que nas palavras do
Mandatário da recorrente existe pelo menos um mínimo: ainda que de modo
imperfeitamente expresso, a recorrente peticionou uma inconstitucionalidade
normativa. Que este Tribunal de recurso deve conhecer.
9. É certo que o recorrente poderia ter dito de forma mais clara ao que vinha.
Mas na essência disse tudo.
10. Ainda que assim não fosse, a verdade é que, ainda assim, este tribunal de
recurso deveria conhecer a questão.
Nessas alegações de recurso, relativamente a algumas questões não tratadas na
sentença de 2ª Instância, o recorrente apenas poderia suscitar a questão da
inconstitucionalidade por antecipação, isto é, para a hipótese do STJ não vir a
dar provimento ao recurso, o que parece ao reclamante constituir ónus processual
não previsto na lei.
Com efeito, parece ónus significativamente oneroso da parte dever antecipar e
suscitar, por antecipação, todas as questões de constitucionalidade que possam
vir a suscitar-se por um acórdão que, por definição, ainda não foi proferido.
Esse acórdão pode, em tese, vir a suscitar as mais diversas (em natureza e
extensão) questões de constitucionalidade pois nele pode ser feita a aplicação
de quaisquer normas jurídicas, de qualquer natureza, cuja interpretação pode não
vir a ser feita de acordo com as normas e princípios constitucionais.
Ora, ao decidir como decidiu, o douto despacho de fls. onera processualmente os
ora reclamantes em termos tais que, na prática, fica vedado o recurso a esse
Alto Tribunal e, por essa via, fica precludida esta instância jurisdicional.
Pretende o ora reclamante suscitar esta questão perante V. Excelências, não só
porque tem convicção no direito que lhes assiste mas porque acredita que esse
Alto Tribunal não deixará de ponderar que, tendo o reclamante sido, quanto a
diversos aspectos, apenas confrontados com a interpretação da norma havida por
inconstitucional quando lhes foi notificado o acórdão da Relação de Lisboa, «não
lhes era exigido, no caso concreto, um qualquer juízo de prognose relativo à sua
aplicação, em termos de se antecipar ao proferimento da decisão, suscitando logo
a questão de inconstitucionalidade» (Ac. TC nº 61/92, de 11.2.1992, Acs. TC, 21,
p. 761).”
Respondeu o recorrido, pronunciando-se pelo indeferimento da reclamação
apresentada.
*
Fundamentação
A decisão reclamada não conheceu do recurso interposto com fundamento na não
verificação de dois requisitos essenciais do recurso interposto para o Tribunal
Constitucional ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, b), da LTC:
- as interpretações normativas cuja inconstitucionalidade se apontava no
requerimento de interposição de recurso não integraram a ratio decidendi do
acórdão recorrido.
- a inconstitucionalidade dessas interpretações não tinha sido suscitada pela
recorrente perante o Supremo Tribunal de Justiça de forma a vincular este
tribunal ao conhecimento dessa questão.
Na reclamação apresentada a reclamante apenas fundamenta a sua discordância
relativamente à verificação deste segundo fundamento, uma vez que relativamente
ao primeiro limita-se a dizer de forma vaga e genérica, sem qualquer
demonstração, que as interpretações questionadas integraram a ratio decidendi da
decisão recorrida.
Quanto ao requisito da suscitação adequada perante o tribunal recorrido da
questão de constitucionalidade que se pretende ver apreciada pelo Tribunal
Constitucional cumpre esclarecer o seguinte.
Esta suscitação só cumpre as exigências legais se tiver sido efectuada pelo
recorrente perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida de forma a
vincular este ao seu conhecimento, devendo para isso enunciar-se com precisão a
mesma questão de constitucionalidade que agora se pretende submeter ao veredicto
do Tribunal Constitucional.
Ora, da leitura das alegações de recurso apresentadas perante o Supremo Tribunal
de Justiça, nomeadamente das suas conclusões que delimitam o objecto de
conhecimento pelo tribunal de recurso, verifica-se que apenas se invocou a
inconstitucionalidade da prevalência dada pelo Tribunal da Relação ao direito ao
bom nome relativamente à liberdade de imprensa, o que se reconduz ao sentido da
decisão, não se enunciando qualquer interpretação normativa cuja
inconstitucionalidade se mostre invocada nessa peça processual.
Não se mostrando preenchidos os dois requisitos cuja falta se apontou na decisão
reclamada, deve a reclamação apresentada ser indeferida.
Decisão
Pelo exposto indefere-se a reclamação apresentada por C., S.A., da decisão
sumária proferida nestes autos em 18-11-2008.
*
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta,
ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, do D.L. n.º 303/98, de 7 de
Outubro (artigo 7º, do mesmo diploma).
Lisboa, 16 de Dezembro de 2008
João Cura Mariano
Mário Torres
Rui Manuel Moura Ramos