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Processo n.º 688/08
2ª Secção
Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
1. Notificado do Acórdão n.º 608/2008, de 10.12.2008, no qual foi
decidido indeferir a reclamação que interpusera da decisão sumária de não
conhecimento do objecto do recurso, o reclamante A. veio pedir a sua reforma,
nos termos seguintes:
«[…] 1. Nos termos do art. 69 da Lei n.° 28/82, de 15/11, à tramitação do
recurso neste Tribunal são subsidiariamente aplicáveis as normas do Código de
Processo Civil, em especial as respeitantes ao recurso de apelação.
2. Ora, de harmonia com o disposto no art. 669-1 do referido Código, pode
qualquer das partes requerer ao Tribunal que proferiu a sentença o
esclarecimento de alguma obscuridade ou ambiguidade que ela contenha — alínea a)
- bem como, ainda, a sua reforma quanto a custas — alínea b).
E o n.° 2 do mesmo normativo permite ainda, nos termos da alínea b), que seja
requerida a reforma da sentença quando constem do processo “elementos que, só
por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida e que o Juiz, por
lapso manifesto, não tenha tomado em consideração.”
3. Ora, no douto acórdão que decidiu não conhecer do recurso interposto por
falta de pressupostos da sua admissibilidade, escreveu-se o seguinte:
“O reclamante não suscitou as questões de constitucionalidade no momento
processualmente adequado, ou seja, antes da prolação do acórdão recorrido, assim
impossibilitando o Tribunal de sobre elas se pronunciar”.
4. Todavia, a verdade é que já na sua alegação de recurso para a Relação do
Porto, e de novo para o Supremo Tribunal de Justiça, o ora requerente havia
expressamente suscitado a questão da violação do principio constitucional “in
dúbio pro reo”, expressamente consagrado no n.º 2 do art. 32 da nossa
Constituição Política − o que de novo reiterou no pedido de aclaração formulado
ao acórdão daquele Tribunal.
E fizera-o em termos que se afiguram indiscutivelmente claros, ao invocar a
violação daquele princípio constitucional pelas instâncias, na medida em que não
atribuíram relevo, para efeito de retirar a punibilidade à tentativa, ao facto
de o Tribunal não ter conseguido apurar as razões que terão levado o arguido a
desistir de consumar a violação que foi considerada provada que havia tentado, o
que correspondeu à aplicação do art. 24-1 do Código Penal com uma interpretação
que, do ponto de vista do recorrente, viola claramente o referido princípio
constitucional (acolhido no referido art. 32.º/1 da CRP), visto se dever
entender que quando o agente desiste de prosseguir a tentativa e não chega a
consumar o crime, sem que o Tribunal tenha podido determinar se essa desistência
foi voluntária ou não, o referido principio constitucional impõe que essa dúvida
beneficie o arguido, já que a mesma impõe, no seu entendimento, que um arguido
deva ser beneficiado pela dúvida sobre qualquer elemento que o possa prejudicar
e, consequentemente, que a tentativa deixe de ser punível, nos termos da
previsão daquele n.° 1 do art. 24 do Cód. Penal.
Assim, não obstante o ter feito de novo no pedido de aclaração do acórdão do STJ
— o que foi entendido extemporâneo para todos os fundamentos invocados — já o
havia feito antes, na pendência do processo, tendo possibilitado assim que o
Tribunal “a quo” se pronunciasse sobre tal questão de constitucionalidade.
5. Face ao exposto, e salvo o muito e devido respeito, afigura-se-lhe que só por
lapso manifesto o douto acórdão aclarando tenha rejeitado o conhecimento desse
fundamento do recurso com o fundamento de que tal questão só teria sido
suscitada, extemporaneamente, no pedido de aclaração dirigido ao STJ, quando,
indiscutivelmente, dos autos constam elementos que, por si só, revelam a
inexactidão de tal afirmação, e que só por lapso manifesto não terão sido
tomados em consideração.
Consequentemente, e ao abrigo do citado art. 669-2b) do Cód. de Proc. Civil,
vem, sem embargo do muito e devido respeito, requerer a reforma, nesse segmento,
do douto acórdão proferido, no sentido de decidir passar a conhecer do referido
fundamento do recurso.
6. Vem, ainda, requerer a reforma da mesma douta decisão quanto a custas, nos
termos do art. 669-lb) do mesmo diploma legal, com os seguintes fundamentos:
6.1. A decisão do Exmo. Senhor Relator de que o ora requerente reclamou para a
conferência condenou-o em custas, tendo fixado a taxa de justiça em 7 unidades
de conta.
6.2. Por sua vez, o douto Acórdão proferido pela conferência mediante a
reclamação do ora requerente veio também a condená-lo em custas, fixando a taxa
de justiça em 20 UC.
6.3. Ora, no caso presente, o Tribunal limitou-se a confirmar a decisão tomada
pelo Exmo. Relator que considerou ser “manifesto” inexistir fundamento para o
recurso, não tendo por isso desenvolvido sequer argumentação minuciosa, nem
adicional, para justificar tal tomada de posição.
6.4. Assim, a condenação do requerente agora nesta enorme quantia, depois
daquele montante (a soma perfaz já 27 UC!) afigura-se claramente excessiva,
assumindo uma natureza marcadamente punitiva, desajustada quer em face do
trabalho que originou a esse douto Tribunal, em proporção de cuja complexidade
ela deveria ser graduada, quer porque os fundamentos e a argumentação expendida,
pese embora a discordância do Tribunal relativamente à sua justeza, são de molde
a que não se possa considerar que o requerente se limitou a lançar mão de um
expediente meramente dilatório.
Seguramente que V. Exas. não deixarão de compreender que alguém que é condenado
por factos que terão ocorrido quando tinha apenas 18 anos de idade,
relativamente aos quais sempre protestou a sua inocência, e se vê, mais de nove
anos depois, período durante o qual tem revelado uma integração social e um
comportamento que as próprias decisões judiciais expressamente reconhecem, com a
vida completamente estragada, pela imposição do cumprimento de uma pena que
considera injusta, mantenha até ao fim a esperança de que, lutando até ao fim
pela sua razão por todos os meios lícitos que o ordenamento legal lhe confere,
venha a conseguir ainda que lhe seja feita justiça.
6.5. Acresce que o recorrente tem muito graves dificuldades económicas — em
razão das quais, aliás, lhe foi concedido o beneficio do apoio judiciário,
embora em modalidade que apenas lhe facilita o pagamento das custas em
prestações — e a exigência de um valor daquela ordem, por se ter limitado a
exercer um direito legal que estava convicto de lhe assistir, constitui (ainda
por cima a acrescer à pena e à indemnização civil em que foi condenado,
agravando de forma incomportável a sua precária situação económica) um ónus
completamente insuportável.
6.6. Daí que, com todo o devido respeito, venha requerer a reforma da condenação
quanto a custas, de modo que a taxa de justiça seja fixada em montante
correspondente ou próximo do seu mínimo legal.»
2. O representante do Ministério Público junto deste Tribunal respondeu da
seguinte forma:
«1º
O incidente pós-decisório suscitado carece manifestamente de
fundamento.
2°
Assim, a decisão reclamada é perfeitamente clara e insusceptível de
dúvida quanto ao que nela se decidiu, no que respeita ao incumprimento pelo
recorrente do ónus de suscitação adequada de uma questão de
inconstitucionalidade normativa, pelo que nada há a aclarar.
3º
Por outro lado, o valor da condenação em custas está em plena
conformidade com os preceitos legais em vigor e corresponde inteiramente aos
critérios que a jurisprudência deste Tribunal Constitucional vem seguindo em
casos idênticos, pelo que improcede o pedido de reforma deduzido.»
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
3. O requerente pede a reforma do Acórdão n.º 608/2008 na parte em que decidiu −
confirmando a decisão sumária reclamada − não conhecer do objecto do recurso,
por considerar não verificados os respectivos pressupostos.
Para fundamentar a sua pretensão, o requerente afirma que o referido acórdão
cometeu um lapso manifesto ao afirmar que a questão de constitucionalidade só
teria sido suscitado no pedido de aclaração dirigido ao Supremo Tribunal de
Justiça, quando, na verdade, tal questão tinha sido suscitada pelo recorrente
logo nas alegações de recurso para o Tribunal da Relação do Porto e, de novo, no
recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.
Não assiste qualquer razão ao requerente, sendo certo que o presente pedido de
reforma em nada contraria a conclusão a que se chegou no Acórdão n.º 608/2008
quanto à falta de suscitação, no momento processualmente adequado, das questões
de constitucionalidade.
Lê-se no citado Acórdão:
«Nas conclusões da motivação do recurso que interpôs junto do Supremo Tribunal
de Justiça, que, como é sabido, delimitam o objecto do recurso, não há qualquer
referência expressa a tais questões. Contrariamente ao afirmado na reclamação,
na conclusão XI de tal motivação (fls. 1355), o reclamante não questionou
qualquer dimensão normativa do artigo 24.º do Código Penal, pondo-a em confronto
com a Constituição. O que equivale a dizer que não suscitou uma questão de
inconstitucionalidade susceptível de ser apreciada em recurso de fiscalização
concreta.
Além disso, o pedido de aclaração do acórdão daquele Supremo Tribunal já não é o
momento processualmente oportuno para suscitar questões de constitucionalidade,
sendo certo que, no caso, não se verifica qualquer situação excepcional que
pudesse justificar essa suscitação tardia.»
Mais uma vez se reafirma que o ora requerente, no decurso do processo,
nomeadamente, no âmbito das alegações de recurso, não suscitou a
inconstitucionalidade do artigo 24.º, n.º 1, do Código Penal , nem de qualquer
outra norma ou interpretação normativa, limitando-se a imputar, à própria
decisão recorrida, a violação do princípio in dubio pro reo.
Como é evidente, esta alegação não corresponde à suscitação de uma questão de
inconstitucionalidade normativa, única que constitui objecto idóneo do recurso
de fiscalização concreta da constitucionalidade.
Termos em que improcede, nesta parte, o pedido de reforma.
4. O requerente pede, ainda, a reforma do Acórdão n.º 608/2008, na parte em que
o condenou em custas.
Como refere o representante do Ministério Público, o valor da condenação em
custas está em plena conformidade com os preceitos legais em vigor e corresponde
inteiramente aos critérios que a jurisprudência deste Tribunal Constitucional
vem seguindo em casos idênticos.
Nos termos do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de Outubro (alterado
pelo Decreto-Lei n.º 91/2008, de 2 de Junho), a taxa de justiça nas reclamações,
incluindo as de decisões sumárias, «é fixada entre 5 UC e 50 UC». E nos termos
do n.º 1 do artigo 9.º do mesmo diploma, «a taxa de justiça é fixada tendo em
atenção a complexidade e a natureza do processo, a relevância dos interesses em
causa e a actividade contumaz do vencido.»
No Acórdão n.º 608/2008 a taxa de justiça foi fixada em 20 UC, montante que
resulta de uma ponderação dos factores referidos no citado artigo 9.º,
situando-se abaixo da média dos limites mínimo e máximo da taxa aplicável. Além
disso, corresponde à jurisprudência uniforme e reiterada deste Tribunal.
Não se vislumbram, por isso, motivos para alterar a decisão de condenação em
custas.
4. Pelo exposto, acordam em indeferir o pedido de reforma do Acórdão n.º
608/2008.
Custas pelo requerente, levando-se em conta o benefício de apoio judiciário
documentado nos autos, fixando-se a taxa de justiça em 15 (quinze) unidades de
conta.
Lisboa, 11 de Fevereiro de 2009
Joaquim de Sousa Ribeiro
Benjamim Rodrigues
Rui Manuel Moura Ramos