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Processo n.º 1008/08
1.ª Secção
Relator: Conselheiro José Borges Soeiro
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. A. e Outro reclamam da decisão da Relação de Coimbra que indeferiu o seu
requerimento de recurso para este Tribunal ao abrigo do disposto no artigo 76.º,
n.º 4, da Lei do Tribunal Constitucional.
Vejamos os termos da Reclamação:
“21 - O prazo de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional só seria
de 10 dias a contar da notificação do acórdão do Tribunal da relação de Coimbra,
se os recorrentes tivessem recorrido imediatamente para o Tribunal
Constitucional, o que não aconteceu. Eles antes disso ainda interpuseram recurso
para o STJ, o qual não foi admitido com fundamento em irrecorribilidade da
decisão. Assim, o prazo que os recorrentes dispunham para recorrer para o
Tribunal Constitucional começou a contar do momento em que se tornou definitivo
o despacho do Tribunal da Relação que não admitiu o recurso para o STJ, e este
tornou-se definitivo depois de ter expirado o prazo para reclamar dele.
Decorridos 10 dias seguidos mais 3 dias úteis sobre a notificação da prolação do
despacho de não admissão do recurso para o STJ. NO RECURSO INTERPOSTO PARA O
TRIBUNAL CONSTUITUCIONAL OS RECORRENTES RESPEITARAM ESTE PRAZO, OU SEJA, O PRAZO
LEGAL, PELO QUE O RECURSO NÃO É EXTEMPORÂNEO.”
O despacho reclamado tem o seguinte teor:
“Notificados os recorrentes do despacho de fls. 383, que não admitiu o recurso
que haviam interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, vieram a fls. 400,
interpor recurso para o Tribunal Constitucional. Ora sendo de 10 dias o prazo de
interposição de recurso para o TRIBUNAL CONSTITUCIONAL, como dispõe o artigo
75.º da Lei 28/82, de 15 de Novembro, verifique-se que o recurso interposto é
extemporâneo.”
O requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade dispõe o
seguinte:
“A. e B., arguidos, recorrentes no processo acima identificado, inconformados
com o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, vem do mesmo
interpor recurso para o Tribunal Constitucional, com o fundamento previsto na
alínea i) segunda parte, do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15/11, com
as respectivas alterações e actualizações entretanto havidas – Lei de
Organização e Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional.”
2. O Exmo. Representante do Ministério Público junto deste Tribunal
pronunciou-se no sentido da tempestividade do recurso interposto. Sustenta, no
entanto, que o mesmo é inadmissível atenta a manifesta inaplicabilidade do
artigo 70.º, n.º 1, alínea i), da Lei do Tribunal Constitucional.
Notificados desse parecer, vieram os reclamantes dizer o seguinte:
“- Tem razão o senhor Procurador-Geral Adjunto quanto à questão da
tempestividade do recurso interposto para o Tribunal Constitucional, recurso
esse que ao contrário do que foi entendido pelo Tribunal da Relação de Coimbra,
é tempestivo. Igualmente, também assiste razão ao senhor Procurador quanto à
incorrecta indicação da alínea do artigo 70° da Lei do Tribunal Constitucional.
- Foi por lapso que os reclamantes indicaram a alínea i) porque na verdade a
questão da constitucionalidade que pretendem ver apreciada não se prende com
convenções internacionais mas sim com a violação de norma e princípio
constitucional consagrados no artigo 205°. n° 1 da Constituição da República
Portuguesa (dever legal e constitucional de fundamentação na forma prevista na
lei, das decisões dos tribunais), e com a errónea interpretação e não aplicação
do artigo 374.º, n.º 2, ou aplicação do mesmo em contravenção do 205° da CRP, c
em desconformidade com a interpretação constitucionalmente correcta e,
consequentemente, não aplicação do 379°, do Código de Processo Penal à sentença
proferida pelo 3° Juízo Criminal de Coimbra.
- Por conseguinte as alíneas que fundamentam a interposição do recurso são as
alíneas a), e b). (Aplicaram a norma do 374° à luz de um acórdão do TC que não
tem aplicação ao presente caso, desta forma tendo afastado a aplicação da
necessidade de fundamentação, aplicando a norma em causa numa interpretação que
já tinha sido alegada pelos recorrentes como sendo inconstitucional. Assim, em
causa estão as alíneas a) e b) do n° 1 do n° 1 do artigo 70, conforme os
reclamantes aqui tentam demonstrar da formas mais explícita que lhes é possível.
O que está em causa é a recusa de aplicação de normas, mormente do artigo 374°,
n° 2, do Código de Processo Penal que exigem a fundamentação constituída por
exame critico das provas, e fundamentação expressa. com fundamento de que essa
norma não corresponde à exigência constitucional, alegando que tal exigência não
á aquela que é constitucionalmente exigida, recusando aplicação de norma como se
a mesma não fosse a expressão do que é constitucionalmente exigido, mormente
quanto ao artigo 374° n° 2,
- Os reclamantes suscitaram a questão da inconstitucionalidade nas alegações de
recurso apresentadas no Tribunal da Relação de Coimbra. (tendo arguido.
inclusivamente, a nulidade da sentença por violação do dever constitucional de
fundamentação). Na verdade, a sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância
- 3° Juízo Criminal (não contém a fundamentação legalmente exigida segundo uma
correcta e constitucional interpretação e aplicação do art° 374, n° 2, viola de
forma inequívoca e frontal o artigo 205.º n.º 1 da CRP, e viola de forma frontal
o princípio constitucional do Dever Geral de Fundamentação (que é um dos pilares
de um Estado de Direito Democrático). E um dever subjacente às Decisões
Judiciais e aos Actos da Administração, e em especial quando se trate de
decisões desfavoráveis, precisamente para permitir ao visado, antes de mais,
perceber as razões justificativas da decisão, e, numa segunda fase, aceitá-la ou
impugnar, defender-se, podendo contra alegar razões em seu favor, O alcance do
dever de fundamentação é a base do direito num Estado Democrático, é o dar o
direito de cada um ter a sua opinião, concordar ou discordar, aceitar ou
impugnar. Sem fundamentação, nega-se automaticamente o direito de defesa. Uma
decisão judicial não é assim, porque sim. Se fosse deste modo o visado pela
decisão, discordando da mesma, só poderia responder, dizendo: não é assim,
porque não. Por conseguinte, o alcance do dever de fundamentação, consagrado na
CRP, é abrangente às decisões de todos os tribunais, e é do cumprimento do mesmo
que depende a concretização do Estado de Direito.
- O acórdão, na análise que faz da sentença, quanto à aludida questão da falta
de fundamentação legalmente exigida, vício do qual a sentença padece em
absoluto, e, por isso deve ser declarada nula com as legais consequências, o
Tribunal da Relação de Coimbra dá por verificado, por parte do 3° Juízo Criminal
de Coimbra, o cumprimento do artigo 374.º, n° 2, do CPP, quando na verdade se
este artigo mesmo se bastar com fundamentação implícita á inconstitucional
porque desconforme com o artigo 205° da CRP. Ou seja, o Tribunal da Relação de
Coimbra fez uma errónea interpretação e aplicação do artigo 374°, n° 2 do CPP,
(se entendermos que o aplica como o mesmo consistindo numa norma que não exige
fundamentação expressa com exame crítico expresso das provas, contendo
discriminadas as razões de concordância ou discordância da valoração de cada
meio de prova) ao entender que a selecção de passagens de depoimentos constitui
a fundamentação legalmente exigida para uma sentença, servindo de fundamentação
implícita para a sentença, e substituindo neste caso concreto o exame crítico
das provas. Consequentemente, este artigo foi aplicado em desconformidade com o
artigo 205° da CRP. Se o Tribunal da Relação de Coimbra tivesse aplicado o
artigo 205° ao caso concreto, ou tivesse aplicado o 374°, n° 2 do CPP, à luz do
205° da CRP, o resultado seria forçosamente a nulidade da sentença de primeira
instância porque esta é omissa de fundamentação legalmente exigida.
- O Tribunal da Relação de Coimbra até recusou a aplicação do próprio artigo
205°, alegando, ‘grosso modo’, (o que se respiga da análise do Acórdão) que o
mesmo no sentido de fundamentação expressa estaria desactualizado. E o artigo
374.º n° 2 foi afastado, ou então foi dado como não verificado por ter sido
interpretado de forma desconforme ao princípio e norma constitucional do artigo
205.º, embora tenham admitido que ‘que a fundamentação da sentença recorrida
pudesse ser mais pormenorizada’ alegando que a constituição não impõe um modelo
único de fundamentação, implicitamente com o fundamento de que este artigo.
- O acórdão da Relação Coimbra não aplicou a norma que prevê a nulidade da
sentença quando esta padece do vicio de ausência de fundamentação por ter feito
uma interpretação do artigo 374.º, n° 2, contrária ao 205°, (inconstitucional),
como se o artigo
374° se bastasse com excertos de depoimentos a servirem de fundamentação
(sabendo nós que o juiz terá escolhido os excertos que lhe pareceram aptos a
justificar a sua decisão, mas que não constitui qualquer exame crítico de provas
nem fundamentação legal.
- O Tribunal da Relação fez interpretação e aplicação inconstitucionais do
artigo 374°, n° 2 ao dá-lo por não verificado no caso concreto.
- Com esta resposta, esperam ter corrigido o lapso de indicação da alínea e
suprido a falta prevista no artigo 75°-A. n° 5 da Lei do Tribunal
Constitucional, reiterando o seu pedido de admissibilidade do recurso para o
Tribunal Constitucional.”
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
3. Assiste razão ao Reclamante na estrita medida em que o recurso se deve ter
por tempestivo. Com efeito, nos termos do artigo 75.º, n.º 2, da Lei do Tribunal
Constitucional, quando se verifica interposição de recurso ordinária que não
seja admitido com fundamento na irrecorribilidade da decisão o prazo de
interposição do recurso de constitucionalidade só começa correr a partir do
trânsito de tal decisão de não admissão do recurso. No caso concreto a decisão
de não admissão transitou em julgado em 25 de Setembro de 2008, pelo que a
interposição do recurso em 6 de Outubro seguinte ocorreu dentro do prazo de 10
dias estabelecido pelo artigo 75.º, n.º 1, da citada lei.
4. Não obstante a procedência da questão relativa à tempestividade do recurso
interposto, sempre subsistirá, no entanto, a impossibilidade de conhecimento do
recurso. Com efeito, este foi tentado interpor nos termos do artigo 70.º, n.º 1,
alínea i), 2.ª parte, da Lei do Tribunal Constitucional. Esta norma trata os
recursos de constitucionalidade relativos a decisões judiciais que recusem a
aplicação de norma constante de acto legislativo, com fundamento na sua
contrariedade com uma convenção internacional, ou a apliquem em conformidade com
o anteriormente decidido sobre a questão pelo Tribunal Constitucional.
Concretamente, nos autos, não se colocou qualquer problema de aplicação de norma
eventualmente contrária a uma convenção internacional em desconformidade com
jurisprudência constitucional anterior sobre tal questão, pelo que o recurso
interposto com este fundamento é inadmissível.
Relativamente ao invocado pelos reclamantes em resposta à sua notificação do
parecer do Ministério Público, sempre se diga que é no momento de dedução da
reclamação que é fixada a fundamentação de facto e de direito.
Não poderiam, assim, os reclamantes aproveitar a notificação que lhes foi feita,
com vista a assegurar o contraditório, após a promoção do Exmo. Procurador-Geral
Adjunto, para virem alterar a fundamentação jurídica dada à referida reclamação.
Não pode, pois, proceder a pretendida rectificação que não seria mais do que uma
manifesta alteração do objecto da mesma.
III – Decisão
5. Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam, em conferência, na 1.ª
secção do Tribunal Constitucional, indeferir a reclamação apresentada.
Custas pelos Reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) uc.
Lisboa, 10 de Fevereiro de 2009
José Borges Soeiro
Gil Galvão
Rui Manuel Moura Ramos