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Processo n.º 1010/08
2ª Secção
Relator: Conselheiro João Cura Mariano
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
Relatório
No Tribunal Judicial de Lousada, foi o arguido A. condenado na pena de 70 dias
de multa, à razão diária de € 8,00, pela prática de um crime de ofensa à
integridade física por negligência, p.p. nos termos do artigo 148.º, n.º 1, do
Código Penal.
Inconformado com a decisão, dela interpôs recurso para o Tribunal da Relação do
Porto que, por acórdão proferido em 30-4-2008, negou provimento ao recurso.
O arguido arguiu a nulidade deste acórdão, a qual foi desatendida por novo
acórdão proferido em 24-9-2008, pelo Tribunal da Relação do Porto.
Este acórdão foi notificado ao mandatário do arguido, por carta registada
expedida em 25-9-2008.
Em 16-10-2008 o arguido apresentou no Tribunal da Relação do Porto requerimento
de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional nos seguintes termos:
“A. nos autos em epígrafe, não conformado com a Decisão que indefere a arguição
de nulidade, com fundamento na violação do preceituado no nº 5, do artº 32º, da
Constituição da República Portuguesa para fiscalização concreta da
constitucionalidade da norma contida no nº 4 do art. 356º, do Código de Processo
Penal, no sentido em que foi interpretada e aplicada pelo Tribunal, na parte
aqui sublinhada, que dispõe: – É permitida a leitura de declarações prestadas
perante o Juiz ou o Ministério Público se os declarantes não tiverem podido
comparecer por impossibilidade duradoira; de harmonia com o disposto na al. b),
do nº 1, do art. 70º da Lei do Tribunal Constitucional, vem interpor
RECURSO PARA O TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
Nos termos seguintes:
1 – Naquilo que tange ao sentido que foi dado pelo Tribunal ao aplicar a norma
contida naquela transcrita parte do nº 4, do artº. 356º, do Cód. Proc. Penal,
por violação do Fundamental Direito do arguido ao contraditório, foi
expressamente levantada a questão da inconstitucionalidade durante o processo;
2 – Desde logo, tendo-o sido no recurso interlocutório, depois reiterado no
recurso da Decisão final do mesmo Tribunal de 1ª Instância e por último na
arguição de nulidade do acórdão Relação do Porto.
3 – Nas respectivas motivações e resposta (ao Parecer do MP junto da Relação),
bem como na arguição da nulidade do Acórdão, foram cabalmente explanadas as
razões que levam o recorrente a entender que foi violado o preceituado contido
no nº 5, do artº 32º, da Constituição da República Portuguesa, ao ser
interpretada da forma como o foi aquela parte da norma do nº 4 do artº 356º do
C.P.P. – isto é, a noção de impossibilidade duradoira - quer pelo Tribunal de 1ª
Instância, quer pelo Tribunal da Relação.
4 – Tal como foi alegado naquelas motivações e resposta, no que toca este
Direito Fundamental do arguido, já o Mmº Juiz do Tribunal Judicial de Lousada ao
aplicar a norma do artº 356º, nº 4, do C.P.P., interpretou a expressão
impossibilidade duradoira com desprezo pelo nº 5º do artº 32 da C.R.P.
5 – Pois, da parte do Ministério Público (que indicou a testemunha e teve a
informação de que se tinha deslocado para França) não houve promoção de qualquer
diligência que viesse a assegurar a presença daquela testemunha na audiência de
julgamento, que teve várias sessões, alongando-se por mais de um mês;
6 – Para além da notificação na sua residência em Portugal, nunca tendo havido
promoção no sentido da realização de diligências pelas competentes Autoridades
para notificação no lugar onde passou a residir ocasionalmente a testemunha e,
também, nunca houve qualquer adiamento com base na falta desta testemunha, como
se encontra processualmente demonstrado.
7 – Não obstante, desde logo, sem mais, o Mmº Juiz deferiu a promoção do Exmº
Srº Magistrado do M.P., autorizando a leitura das declarações dessa testemunha,
B., prestadas em sede de inquérito, apesar da oposição do Arguido e da Demandada
Civil à mesma autorização de tal leitura.
8 – Salvo o respeito devido, ao interpretar aquela parte do nº 4 do artº 356º,
do C.P.P., o Tribunal da Comarca tomou o resultado daquela inércia do M.P.
(pois, não promoveu efectivamente a notificação para comparência), por
impossibilidade duradoira da testemunha, fazendo-o contra aquele Direito
Fundamental do arguido.
9 – Esta interpretação Judicial violadora do preceito Constitucional supra
citado, não foi modificada pelo Tribunal da Relação que, igualmente, interpretou
esse resultado de tal inércia do MP como sendo um caso de impossibilidade
duradoira.
10 – E, a mesma interpretação, também, não foi alterada em sede de arguição da
respectiva nulidade do Acórdão, mantendo-se a invocada inconstitucionalidade.
11 – No caso sub judice está em causa a consagração de direitos, valores e
princípios Constitucionais, mormente contidos no invocado artº 32º nº 5 e,
ainda, nos artºs, 13º nº 1, 16º, 18º, 20º nº 4 (este no que respeita ao direito
do arguido a uma decisão proferida mediante processo equitativo), que foram
violados pelo alcance que foi dado à citada parte da norma contida no nº 4 do
artº. 356º, do Código de Processo Penal, cuja inconstitucionalidade se suscita.
12 – O recorrente tem legitimidade para recorrer e verifica-se a exaustão ou
esgotamento dos recursos ordinários.
Pelo exposto,
Para que seja apreciada e decidida a inconstitucionalidade da invocada parte do
nº 4 do artº. 356º, do Código de Proc. Penal, em termos de alcance dado, no caso
concreto, ao conceito de impossibilidade duradoira estatuída nessa norma
jurídica.”
O Desembargador Relator não admitiu o recurso com os seguintes fundamentos:
“Estabelece o art. 75º nº 1 da Lei do Tribunal Constitucional que o prazo de
interposição do recurso para o Tribunal Constitucional é de 10 dias. O arguido
foi notificado do acórdão que indeferiu o requerimento em que arguiu a nulidade
no dia 25/9/08, data em que lhe foi enviada carta registada considerando-se
notificado no dia 29 do mesmo mês (27, sábado, 28, domingo). o requerimento de
interposição do recurso foi enviado e recebido neste tribunal no dia 16/10,
logo, fora de prazo.
Deste modo, por intempestivo, não admito o recurso interposto pelo arguido para
o Tribunal Constitucional”
O arguido reclamou desta decisão para o Tribunal Constitucional, com a seguinte
argumentação:
“1 – A douta Decisão ora reclamada consigna que: – “Estabelece o art. 75º, nº 1,
da Lei do Tribunal Constitucional que o prazo de interposição do recurso para o
Tribunal Constitucional é de 10 dias, o arguido foi notificado do acórdão que
indeferiu o requerimento em que argui a nulidade no dia 25/9/2008, data em que
lhe foi enviada carta registada, considerando-se notificado no dia 29 do mesmo
mês (...) o requerimento de interposição do recurso foi enviado e recebido neste
tribunal no dia 16/10. Logo fora de prazo”.
2 – É certo estipular o nº 1 daquele artº 75º ser de 10 dias o prazo para
interposição de recurso para o Tribunal Constitucional. Porém, o nº 2 do mesmo
artigo, na sua parte final, estabelece que: – “o prazo para recorrer para o
Tribunal Constitucional conta-se do momento em que se torna definitiva a decisão
que não admite recurso”.
3 – Assim sendo, em modesto entendimento, este recurso só poderia julgar-se
intempestivo se tivesse sido apresentado depois do 10º dia posterior ao trânsito
em julgado da decisão que já não admite recurso ordinário. O que não se
verifica, por isso, deve ser julgado interposto dentro do prazo legalmente
fixado.
Ademais,
II
Encontram-se preenchidos todos os requisitos previstos naquela citada Lei do
Tribunal Constitucional para o conhecimento e admissibilidade do interposto
recurso e o ora reclamante apresentou o seu requerimento de recurso – para a
invocada fiscalização concreta da constitucionalidade da norma contida naquele
citado nº 4 do art. 356º, do Código de Processo Penal, no sentido em que foi
interpretada e aplicada pelo Tribunal – como passa a transcrever:
1 - Naquilo que tange ao alcance que foi dado pelo Tribunal ao aplicar a norma
contida naquela transcrita parte do nº 4, do artº. 356º, do Cód. Proc. Penal,
por violação do Fundamental Direito do arguido ao contraditório, foi
expressamente levantada a questão da inconstitucionalidade durante o processo;
2 - Desde logo, tendo-o sido no recurso interlocutório, depois reiterado no
recurso a Decisão final do mesmo Tribunal de lª Instância e por último na
arguição de nulidade do acórdão da Relação do Porto.
3 - Nas respectivas motivações e resposta (ao Parecer do MP junto da Relação),
bem como na arguição da nulidade do Acórdão, foram cabalmente explanadas as
razões que levam o recorrente a entender que foi violado o preceituado contido
no nº 5, do artº 32º, da Constituição da República Portuguesa, ao ser
interpretada da forma como o foi aquela parte da norma do nº 4 do artº 356º do
C.P.P. – isto é, a noção de impossibilidade duradoira - quer pelo Tribunal de lª
Instância, quer pelo Tribunal da Relação.
4 – Tal como foi alegado naquelas motivações e resposta, no que toca este
Direito Fundamental do arguido, já o Mmº Juiz do Tribunal Judicial de Lousada ao
aplicar a norma do artº 356º, nº 4, do C.P.P., interpretou a expressão
impossibilidade duradoira com desprezo pelo nº 5 do artº 32 da C.R.P.
5 – Pois, da parte do Ministério Público (que indicou a testemunha e teve a
informação de que se tinha deslocado para França) não houve promoção de qualquer
diligência que viesse a assegurar a presença daquela testemunha na audiência de
julgamento, que teve várias sessões, alongando-se por mais de um mês;
6 – Para além da notificação na sua residência em Portugal, nunca tendo havido
promoção no sentido da realização de diligências pelas competentes Autoridades
para notificação no lugar onde passou a residir ocasionalmente a testemunha e,
também, nunca houve qualquer adiamento com base na falta desta testemunha, como
se encontra processualmente demonstrado.
7 – Não obstante, desde logo, sem mais, o Mmº Juiz deferiu a promoção do Exmº
Srº Magistrado do M.P., autorizando a leitura das declarações dessa testemunha,
B., prestadas em sede de inquérito, apesar da oposição do Arguido e da Demandada
Civil à mesma autorização de tal leitura.
8 – Salvo o respeito devido, ao interpretar aquela parte do nº 4 do artº 356º,
do C.P.P., o Tribunal da Comarca tomou o resultado daquela inércia do M.P.
(pois, não promoveu efectivamente a notificação para comparência), por
impossibilidade duradoira da testemunha, fazendo-o contra aquele Direito
Fundamental do arguido.
9 – Esta interpretação Judicial violadora do preceito Constitucional supra
citado, não foi modificada pelo Tribunal da Relação que, igualmente, interpretou
esse resultado de tal inércia do MP como sendo um caso de impossibilidade
duradoira.
10 – E, a mesma interpretação, também, não foi alterada em sede de arguição da
respectiva nulidade do Acórdão, mantendo-se a invocada inconstitucionalidade.
11 – No caso sub judice está em causa a consagração de direitos, valores e
princípios Constitucionais, mormente contidos no invocado artº 32º nº 5 e,
ainda, nos artºs, 13º nº 1, 16º, 18º, 20º nº 4 (este no que respeita ao direito
do arguido a uma decisão proferida mediante processo equitativo), que foram
violados pelo alcance que foi dado à citada parte da norma contida no nº 4 do
artº. 356º, do Código de Processo Penal, cuja inconstitucionalidade se suscita.
12 – O recorrente tem legitimidade para recorrer e verifica-se a exaustão ou
esgotamento dos recursos ordinários.”
O Ministério Público pronunciou-se pelo indeferimento da reclamação apresentada.
*
Fundamentação
O prazo de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional no âmbito da
fiscalização concreta é de 10 dias (artigo 75.º, n.º 1, da LTC).
Os recursos interpostos ao abrigo do disposto na alínea b), do n.º 1, do artigo
70.º, da LTC – como ocorreu no presente caso – apenas cabem das decisões que não
admitem recurso ordinário, por a lei o não prever ou por já haverem sido
esgotados todos os que no caso cabiam (artigo 70.º, n.º 2, da LTC). Entende-se
que se acham esgotados todos os recursos ordinários, nos termos do n.º 2, quando
tenha havido renúncia, haja decorrido o respectivo prazo sem a sua interposição
ou os recursos interpostos não possam ter seguimento por razões de ordem
processual (artigo 70.º, n.º 3,da LTC).
A decisão impugnada no recurso interposto para o Tribunal Constitucional pelos
reclamantes foi um acórdão do Tribunal da Relação que desatendeu uma arguição de
nulidade de acórdão anteriormente proferido.
Esta decisão não admitia recurso ordinário (artigo 400.º, n.º 1, e), do C.P.P.),
pelo que podia ser objecto de recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos
da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC.
Nestes casos, o prazo para interposição de recurso inicia-se com a notificação
da decisão recorrida (artigo 685.º, do C.P.C., aplicável ex vi do artigo 69.º,
da L.T.C.).
Só se os reclamantes tivessem interposto recurso ordinário e o mesmo não fosse
admitido, com fundamento em irrecorribilidade da decisão, é que o prazo para
recorrer para o Tribunal Constitucional se contava desde o momento em que se
tornasse definitiva a decisão que não admitisse o recurso (artigo 75.º, n.º 2,
da LTC). Contempla-se aqui a hipótese do recorrente estar convencido da
recorribilidade da decisão, permitindo-se-lhe que recorra ainda para o Tribunal
Constitucional após ter sido judicialmente declarada a impossibilidade de
existir recurso ordinário.
Ora, não tendo os Reclamantes interposto recurso ordinário do acórdão do
Tribunal da Relação, o prazo para interposição de recurso para o Tribunal
Constitucional é de 10 dias após a notificação que lhes foi feita da decisão
recorrida.
Tendo essa notificação ocorrido em 29-9-2008 e tendo os reclamantes apresentado
requerimento de recurso para o Tribunal Constitucional apenas em 16-10-08,
revela-se acertada a decisão reclamada que não admitiu o recurso interposto por
se revelar que o mesmo foi extemporâneo.
Pelas razões acima referidas deve ser indeferida a reclamação apresentada.
*
Decisão
Pelo exposto indefere-se a reclamação apresentada por A. do despacho que não
admitiu o recurso por eles interposto para o Tribunal Constitucional.
*
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta,
ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-lei n.º
303/98, de 7 de Outubro (artigo 7.º, do mesmo diploma).
X
Lisboa, 13 de Janeiro de 2009
João Cura Mariano
Mário José de Araújo Torres
Rui Manuel Moura Ramos