Imprimir acórdão
Processo n.º 871/08
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
A – Relatório
1 – A., melhor identificado nos autos, reclama, ao abrigo do
disposto no artigo 76.º, n.º 4, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua
actual redacção (LTC), do despacho do Juiz Desembargador relator do Tribunal da
Relação do Porto que não admitiu o recurso de constitucionalidade interposto de
acórdão proferido naquela instância por não ter sido suscitada nos autos a
inconstitucionalidade de qualquer norma (fls. 92 v).
2 – A reclamação tem o seguinte teor:
“(...)
Por despacho de fls. 494, notificado ao arguido em 18.06.08, não foi admitido o
recurso por este interposto para o Tribunal Constitucional com fundamento no
facto de alegadamente em nenhum momento ter sido suscitada nos autos a
inconstitucionalidade de qualquer norma.
Ora, conforme resulta dos articulados produzidos nos autos pelo arguido,
verifica-se que logo nas alegações de Recurso da sentença proferida em primeira
instância, foi suscitada a questão da inconstitucionalidade do entendimento
perfilhado relativamente à interpretação do artigo 287° do C.P.P e invocada a
violação do disposto no artigo 32° da Constituição da República Portuguesa.
(confrontar artigo IV e ss das alegações e conclusão nº 2).
Tendo o Tribunal da Relação do Porto no Acórdão que proferiu na sequência do
recurso apresentado pelo arguido concluído pela improcedência da nulidade
invocada e inexistência de ofensa da lei ordinária e constitucional.
Entendimento esse, que com todo o respeito, não mereceu a concordância do
arguido, daí a razão do recurso interposto tempestivamente para o Tribunal
Constitucional.
Logo, salvo melhor opinião, não se pode concluir que nunca foi invocada nos
autos a inconstitucionalidade de qualquer norma porquanto tal questão,
designadamente a violação do disposto no artigo 32° da C.R.P, foi suscitada nos
autos antes da interposição do presente recurso.
Por outro lado, o recurso apresentado pelo arguido visa a fiscalização concreta
da constitucionalidade do entendimento perfilhado pelo Tribunal da Relação do
Porto, quanto aos artigos 40º, 43°, 50°, 51°, 70° e 71° do Código Penal,
porquanto tal interpretação, em nossa modesta opinião, é ostensivamente
contrária ao consagrado na Lei Fundamental.
Na óptica do ora recorrente, com o devido respeito, a interpretação que o
Tribunal da Relação do Porto fez dos aludidos preceitos legais peca por ser uma
interpretação restritiva e contrária ao espírito que levou o legislador a
consagrar tais normativos, violando o disposto na nossa Constituição,
designadamente no artigo 13°, 18° e 27° da C.R.P..
O que só poderia ser invocado pelo arguido após lhe ter sido notificado e depois
de analisada a douta fundamentação constante do Acórdão proferido pela Relação
do Porto.
Não podendo deixar de se realçar que a decisão recorrida não teve minimamente em
consideração não só os argumentos aduzidos pelo arguido como a própria posição
do Ministério Público e do Sr. Procurador Geral Adjunto junto da Relação do
Porto, que também se pronunciaram pela procedência parcial do recurso no que
tange à suspensão da execução da pena de prisão.
Tendo igualmente, em nossa modesta opinião, sido ignorada a tendência consagrada
nas alterações introduzidas no Código Penal pela Lei nº 59/2007 de 04.09 com o
intuito de promover a reintegração social dos condenados, designadamente com a
previsão de novas penas substitutivas da pena de prisão e de onde resultou o
alargamento das já existentes.
Nomeadamente, não se pronunciou a douta decisão recorrida quanto à aplicação do
disposto no artigo 44° do Código Penal, que expressamente prevê a possibilidade
de uma pena de prisão não superior a um ano (como é o caso dos autos) poder ser
executada em regime de permanência na habitação.
Com efeito, as condições de vida do arguido, o seu esforço por obter uma plena
integração na sociedade e o seu actual bom comportamento cívico (argumento
aduzido e sustentado por factos concretos) mostram inequivocamente que seria
suficiente para manter afastado o arguido da prática de qualquer tipo de crime a
aplicação de uma pena detentiva mas com a sua execução suspensa por determinado
período em conjugação com a aplicação de determinados deveres de conduta.
Todos estes factores face à filosofia dominante do actual Código Penal deveriam,
in casu, ter sido levados em linha de conta na determinação da medida concreta
da pena, o que efectivamente não aconteceu e o que contraria os direitos
constitucionalmente consagrados do arguido, o que apenas poderia ser invocado
após conhecimento do Acórdão recorrido e nunca antes, até porque as alterações
do Código Penal e de Processo Penal são posteriores à data da interposição do
recurso para a Relação.
Daí que a aplicação das disposições previstas na actual redacção do Código Penal
designadamente o disposto nos artigos 40º, 43°, 44º, 50°, 51°, 70° e 71º,
evitando o cumprimento efectivo de uma pena de prisão de um ano em
Estabelecimento prisional, seja do ponto de vista de prevenção geral e especial,
benéfico para a sua reinserção social e para afastar o arguido da criminalidade,
situação que injustificadamente não foi contemplada.
A reacção penal encontrada faz-nos concluir que a interpretação feita dos
artigos 40°, 43º, 44°, 70° e 71° do Código Penal e a opção por não aplicação do
disposto nos artigos 50° e 51° do mesmo diploma legal se cingiu à prossecução da
finalidade de protecção de bens jurídicos ofendidos pela actuação do arguido,
olvidando ostensivamente a finalidade da reintegração e ressocialização do
agente prevaricador.
Já que mal se compreenderia que face aos argumentos aduzidos e perante as
posições vertidas nos autos pelo Ministério Público e face ao comportamento do
arguido posterior aos factos, os Ilustres Senhores Juízes Desembargadores,
autores do aresto ora recorrido, pretendessem prosseguir tal finalidade,
aplicando a um cidadão activo e inserido no mercado de trabalho uma pena de
prisão efectiva de um ano, que irá certamente marcar negativamente as
possibilidades de reintegração do arguido na sociedade e afectar todos os que de
si dependem, designadamente os seus filhos menores e os trabalhadores que
actualmente se encontram ao seu serviço.
É consabido que a uma pena, qualquer que ela seja, não lhe basta ter uma função
meramente retributiva; outrossim, à aplicação de uma pena, deve presidir sempre
a ideia de recuperar e reinserir o condenado.
É esta, salvo melhor opinião, a única interpretação consentânea com o espírito
do legislador e o texto vertido nos aludidos normativos e com a Constituição.
Face ao supra exposto, é convicção do recorrente que a interpretação feita dos
artigos 40º, 43º, 50°, 51°, 70° e 71° do Código Penal, está subjacente à
aplicação de uma pena de prisão efectiva de que o arguido foi alvo, decorre de
uma interpretação restritiva daqueles preceitos legais.
Interpretação essa que se considera, com o devido respeito, inadmissível porque
manifestamente conflituante com o disposto na nossa Lei Fundamental e com os
nossos Princípios Constitucionais.
Acresce que, do teor do Acórdão recorrido pode concluir-se que se não tivesse no
passado o recorrente sido condenado pela prática de crimes de emissão de cheques
sem provisão (resultantes da emissão de cheques pré-datados que hoje nem merecem
tutela penal), poderia ter um tratamento substancialmente diferente, o que, não
sendo um factor que o arguido possa apagar apesar de ter já cumprido todas as
penas daí decorrentes e se encontrar hoje plenamente integrado na comunidade,
revela, em nosso modesto entender, uma clara violação do principio da igualdade,
estando pois em causa o disposto no artigo 13° da Constituição.
Em conclusão:
Conforme resulta do supra alegado o arguido contrariamente ao que consta do
douta despacho de não admissão do recurso para o Tribunal Constitucional já
havia suscitado nos autos a inconstitucionalidade da decisão recorrida por
violação do disposto no artigo 32° da C.R.P. bem como o recurso por si
apresentado visa a fiscalização concreta da constitucionalidade do entendimento
perfilhado pelo Tribunal da Relação do Porto, quanto aos artigos 40°, 43°, 50º,
51º, 70° e 71° do Código Penal, porquanto tal interpretação, em nossa modesta
opinião, é ostensivamente contrária ao consagrado na Lei Fundamental, já que na
óptica recorrente, como devido respeito, a interpretação que o Tribunal da
Relação do Porto fez dos aludidos preceitos legais peca por ser uma
interpretação restritiva e contrária ao espírito que levou o legislador a
consagrar tais normativos, violando o disposto na nossa Constituição,
designadamente no artigo 13°, 18° e 27° da C.R.P.
3 – O Representante do Ministério Público junto deste Tribunal
pugnou pelo seu indeferimento por considerar que:
“Nem no âmbito do recurso de fiscalização concreta que interpôs, nem na
presente reclamação, trata o reclamante de delinear, em termos inteligíveis, uma
questão de inconstitucionalidade normativa, susceptível de integrar objecto
idóneo do controlo da constitucionalidade cometido a este Tribunal – o que
naturalmente dita a manifesta improcedência da reclamação deduzida”.
B – Fundamentação
4 – Constitui requisito do recurso interposto ao abrigo do disposto na alínea b)
do n.º 1 do art.º 280º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e na alínea
b) do n.º 1 do art.º 70º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, em cuja categoria
se insere o interposto pelo recorrente, e como decorre dos mesmos preceitos,
quando falam de aplicação de norma cuja inconstitucionalidade haja sido
suscitada durante o processo, mas que encontra, igualmente, tradução no n.º 2 do
art.º 75º-A da LTC, que a questão de inconstitucionalidade da norma
efectivamente aplicada como ratio decidendi da decisão recorrida tenha sido
suscitada durante o processo.
O sentido deste conceito tem sido esclarecido, por várias vezes, por este
Tribunal Constitucional. Assim, por exemplo, no Acórdão n.º 352/94, publicado no
Diário da República II Série, de 6 de Setembro de 1994, disse-se que esse
requisito deve ser entendido “não num sentido meramente formal (tal que a
inconstitucionalidade pudesse ser suscitada até à extinção da instância)”, mas
“num sentido funcional”, de tal modo que essa invocação haverá de ter sido feita
em momento em que o tribunal a quo ainda pudesse conhecer da questão, “antes de
esgotado o poder jurisdicional do juiz sobre a matéria a que (a mesma questão de
constitucionalidade) respeita”.
Por seu lado, afirma-se, igualmente, no Acórdão n.º 560/94, publicado no Diário
da República II Série, de 10 de Janeiro de 1995, que «a exigência de um cabal
cumprimento do ónus de suscitação atempada - e processualmente adequada - da
questão de constitucionalidade não é [...] “uma mera questão de forma
secundária”. É uma exigência formal, sim, mas essencial para que o tribunal
recorrido deva pronunciar-se sobre a questão de constitucionalidade para o
Tribunal Constitucional, ao julgá-la em via de recurso, proceda ao reexame da
questão (e não a um primeiro julgamento de tal questão».
Neste domínio, há que acentuar que, nos processos de fiscalização concreta, a
intervenção do Tribunal Constitucional se limita ao reexame ou reapreciação da
questão de (in)constitucionalidade que o tribunal a quo apreciou ou devesse ter
apreciado (nesta linha de pensamento, podem ver-se, entre outros, o Acórdão n.º
155/95, publicado no Diário da República II Série, de 20 de Junho de 1995, e,
aceitando os termos dos arestos acabados de citar, o Acórdão n.º 192/2000,
publicado no mesmo jornal oficial, de 30 de Outubro de 2000 - e sobre o sentido
de tal requisito, José Manuel M. Cardoso da Costa, A jurisdição constitucional
em Portugal, 3.ª edição, revista e actualizada, pp. 40 e 72).
Usando os termos do Acórdão n.º 192/2000 dir-se-á, ainda, que “quem pretenda
recorrer para o Tribunal Constitucional com fundamento na aplicação de uma norma
que reputa inconstitucional tem, porém, a oportunidade de suscitar a questão de
constitucionalidade perante o tribunal recorrido, antes de proferido o acórdão
da conferência de que recorre...”.
E é claro que não poderá deixar de entender-se que o recorrente tem essa
oportunidade quando a apreensão do sentido com que a norma é aplicada numa
decisão posteriormente proferida poderá/deverá ser perscrutado no(s)
articulado(s) processual(ais) funcionalmente previsto(s) para discretear
juridicamente sobre as questões cuja resolução essa decisão tem de ditar, por
antecedentemente colocadas, e em que aquele sentido, cuja constitucionalidade se
poderá questionar, se apresenta como sendo um dos plausíveis a ser aplicados
pelo juiz.
Ao encararem ou equacionarem na defesa das suas posições a aplicação das normas,
as partes não estão dispensadas de entrar em linha de conta com o facto de estas
poderem ser entendidas segundo sentidos divergentes e de os considerar na defesa
das suas posições, aí prevenindo a possibilidade da (in)validade da norma em
face da lei fundamental.
Digamos que as partes têm um dever de prudência técnica na antevisão do direito
plausível de ser aplicado e, nessa perspectiva, quanto à sua conformidade
constitucional, sendo certo que tal doutrina apenas sofre restrições, como se
salientou naquele Acórdão n.º 354/94, em situações excepcionais ou anómalas, nas
quais o interessado não dispôs de oportunidade processual para suscitar a
questão de constitucionalidade antes proferida ou não era exigível que o
fizesse, designadamente por o tribunal a quo ter efectuado uma aplicação de todo
insólita e imprevisível.
Concretizando, ainda, aspectos do seu regime, cumpre acentuar que, sendo o
objecto do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade constituído
por normas jurídicas, que violem preceitos ou princípios constitucionais, não
pode sindicar-se, no recurso de constitucionalidade, a decisão judicial em si
própria, mesmo quando esta faça aplicação directa de preceitos ou princípios
constitucionais, quer no que importa à correcção, no plano do direito
infraconstitucional, da interpretação normativa a que a mesma chegou, quer no
que tange à forma como o critério normativo previamente determinado foi aplicado
às circunstâncias específicas do caso concreto (correcção do juízo subsuntivo).
Deste modo, é sempre forçoso que, no âmbito dos recursos interpostos
para o Tribunal Constitucional, se questione a (in)constitucionalidade de
normas, não sendo, assim, admissíveis os recursos que, ao jeito da
Verfassungsbeschwerde alemã ou do recurso de amparo espanhol, sindiquem, sub
species constitutionis, a concreta aplicação do direito efectuada pelos demais
tribunais, em termos de se assacar ao acto judicial de “aplicação” a violação
(directa) dos parâmetros jurídico-constitucionais. Ou seja, não cabe a este
Tribunal apurar e sindicar a bondade e o mérito do julgamento efectuado in
concreto pelo tribunal a quo. A intervenção do Tribunal Constitucional não
incide sobre a correcção jurídica do concreto julgamento, mas apenas sobre a
conformidade constitucional das normas aplicadas pela decisão recorrida, cabendo
ao recorrente, como se disse, nos recursos interpostos ao abrigo da alínea b) do
n.º 1 do artigo 70.º, o ónus de suscitar o problema de constitucionalidade
normativa num momento anterior ao da interposição de recurso para o Tribunal
Constitucional [cf. Acórdão n.º 199/88, publicado no Diário da República II
Série, de 28 de Março de 1989; Acórdão n.º 618/98, disponível em
www.tribunalconstitucional.pt, remetendo para jurisprudência anterior (por
exemplo, os Acórdãos nºs 178/95 - publicado no Diário da República II Série, de
21 de Junho de 1995 -, 521/95 e 1026/9, inéditos, e o Acórdão n.º 269/94,
publicado no Diário da República II Série, de 18 de Junho de 1994)].
Finalmente, deve referir-se que decorre, ainda, dos referidos
preceitos que a questão de inconstitucionalidade tenha de ser suscitada em
termos adequados, claros e perceptíveis, durante o processo, de modo que o
tribunal a quo, ainda, possa conhecer dela antes de esgotado o poder
jurisdicional do juiz sobre tal matéria e que desse ónus de suscitar,
adequadamente, a questão de inconstitucionalidade, em termos do tribunal a quo
ficar obrigado ao seu conhecimento decorre a exigência de se dever confrontar a
norma sindicanda com os parâmetros constitucionais que se têm por violados, só
assim se possibilitando uma razoável intervenção dos tribunais no domínio da
fiscalização da constitucionalidade dos actos normativos.
É evidente a razão de ser deste entendimento: o que se visa é que o
tribunal recorrido seja colocado perante a questão da validade da norma que
convoca como fundamento da decisão recorrida e que o Tribunal Constitucional,
que conhece da questão por via de recurso, não assuma uma posição de
substituição à instância recorrida, de conhecimento da questão de
constitucionalidade, fora da via de recurso.
É, por isso, que se entende que não constituem já momentos,
processualmente, idóneos aqueles que são abrangidos pelos incidentes de arguição
de nulidades, pedidos de aclaração e de reforma, dado terem por escopo não a
obtenção de decisão com aplicação da norma, mas a sua anulação, esclarecimento
ou modificação, com base em questão nova sobre a qual o tribunal não se poderia
ter pronunciado (cf., entre outros, os acórdãos n.º 496/99, publicado no Diário
da República II Série, de 17 de Julho de 1996, e Acórdãos do Tribunal
Constitucional, 33º vol., p. 663; n.º 374/00, publicado no Diário da República
II Série, de 13 de Julho de 2000, BMJ 499º, p. 77, e Acórdãos do Tribunal
Constitucional, 47º vol., p.713; n.º 674/99, publicado no Diário da República II
Série, de 25 de Fevereiro de 2000, BMJ 492º, p. 62, e Acórdãos do Tribunal
Constitucional, 45º vol., p.559; n.º 155/00, publicado no Diário da República II
Série, de 9 de Outubro de 2000, e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 46º vol.,
p. 821, e n.º 364/00, inédito).
Por outro lado, importa reconhecer que não basta que se indique a
norma que se tem por inconstitucional, sendo, antes, necessário que se
problematize a questão de validade constitucional da norma (dimensão normativa)
através da alegação de um juízo de antítese entre a norma/dimensão normativa e
o(s) parâmetro(s) constitucional(ais), indicando-se, pelo menos, as normas ou
princípios constitucionais que a norma sindicanda viola ou afronta.
5 – Postas estas considerações, importa agora projectar tais
criteria no caso sub judicio.
Ora, perscrutando os elementos disponíveis nos autos, constata-se
que o despacho reclamado não merece censura, sendo certo que o reclamante não só
não suscitou durante o processo qualquer questão de constitucionalidade
normativa, como, também, acabou por erigir o recurso de constitucionalidade em
torno de um objecto inidóneo, por ser imediatamente referido à decisão
recorrida, na valoração aí projectada quanto ao circunstancialismo
fáctico-jurídico que a determinou.
Vejamos.
No requerimento de interposição de recurso, deixou o ora reclamante
consignado:
“(...)
1°
O presente recurso visa a fiscalização concreta da constitucionalidade do
entendimento perfilhado pelo Tribunal da Relação do Porto, quanto aos artigos
40°, 43°, 50°, 51°, 70° e 71° do Código Penal e ainda do 287° do Código do
Processo Penal, porquanto tal interpretação é ostensivamente contrária ao
consagrado na Lei Fundamental.
2°
Na óptica do ora recorrente, com o devido respeito, a interpretação que o
Tribunal da Relação do Porto fez dos aludidos preceitos legais peca por ser uma
interpretação restritiva e contrária ao espírito que levou o legislador a
consagrar tais normativos.
3º
Não podendo deixar de se realçar que a decisão recorrida não teve minimamente em
consideração não só os argumentos aduzidos pelo arguido como a própria posição
do Ministério Público e do Sr. Procurador Geral Adjunto junto da Relação do
Porto, que ambos se pronunciaram pela procedência parcial do recurso no que
tange à suspensão da execução da pena de prisão.
4º
Tendo igualmente, em nossa modesta opinião, sido ignorada a tendência consagrada
nas alterações introduzidas no Código Penal pela Lei nº 59/2007 de 04.09 com o
intuito de promover a reintegração social dos condenados, designadamente com a
previsão de novas penas substitutivas da pena de prisão e de onde resultou o
alargamento das já existentes.
5°
Nomeadamente, não se pronunciou a douta decisão recorrida quanto à aplicação do
disposto no artigo 44° do Código Penal, que expressamente prevê a possibilidade
de uma pena de prisão não superior a um ano (como é o caso dos autos) poder ser
executada em regime de permanência na habitação.
6°
Com efeito, as condições de vida do arguido, o seu esforço por obter uma plena
integração na sociedade e o seu actual bom comportamento cívico (argumento
aduzido e sustentado por factos concretos) mostram inequivocamente que seria
suficiente para manter afastado o arguido da prática de qualquer tipo de crime a
aplicação de uma pena detentiva mas com a sua execução suspensa por determinado
período em conjugação com a aplicação de determinados deveres de conduta.
7º
Todos estes factores face à actual filosofia dominante do actual Código Penal
deveriam, in casu, ter sido levados em linha de conta na determinação da medida
concreta da pena, o que efectivamente não aconteceu.
8°
Sendo que, salvo melhor opinião, não se verifica qualquer elemento objecto e
irrefutável de que uma pena de prisão efectiva a cumprir em estabelecimento
prisional possa ser a única forma de cumprimento de pena que realize de modo
adequado e suficiente as finalidades da punição. Pelo contrário.
9º
Um outro tipo de pena, nomeadamente a sua suspensão condicionada a determinados
deveres de conduta, seria não só mais aconselhável para a ressocilalização do
arguido como até para os próprios ofendidos no processo, que mais facilmente
seriam ressarcidos dos prejuízos por si invocados.
10º
Sendo que, o Douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto
estranhamente não teve em consideração o bom comportamento do arguido desde a
data da prática dos factos objecto dos presentes autos (2003), o que corresponde
a um período de mais de quatro anos.
11º
Com efeito, não existe qualquer elemento objectivo e factual que permita
concluir que o arguido A. desde 2003 tenha praticado qualquer facto susceptível
de censura criminal, pelo contrário, verifica-se que a partir de 1995 e até 2003
não foi imputado ao arguido qualquer facto ilícito, sendo que a referência que
no Acórdão se faz relativamente ao processo 54/00 diz respeito a factos do
período supra referido (1992-1995) e à necessidade de efectivação de um cúmulo
jurídico das penas anteriormente aplicadas.
12°
Sendo que, salvo melhor opinião, o seu passado criminal não pode ser o elemento
decisivo e fundamental para impedir que se efectue um juízo de prognose
favorável á suspensão da pena que lhe foi aplicada nos presentes autos,
porquanto entre 1995 e 2003 o arguido não praticou qualquer crime e de igual
modo não teve qualquer actuação criminosa entre 2003 e 2007.
13°
É que, o arguido já pagou pelos erros que cometeu no passado e cumpriu pena
pelos crimes em que foi condenado.
14°
Não podendo inclusivamente deixar de se realçar que a grande maioria desses
crimes resultou da emissão de cheques pré-datados que quando apresentados a
pagamento, em função das condições adversas que afectaram a actividade comercial
do arguido, não foram pagos como se previa aquando da emissão e entrega dos
cheques aos respectivos portadores.
15°
Mais não cuidou o douto Acórdão de avaliar que o registo criminal do arguido
resultou de um período determinado da sua vida, entre 1992 e 1995, em que a sua
actividade comercial não correu bem.
16°
Ora, é sabido que naquele período, a emissão de cheques pré-datados dava origem
a procedimento criminal contra o seu subscritor, o que levou à sua condenação
pelos crimes de emissão de cheque sem provisão e burla.
17°
Factos esses que se fossem hoje apreciados não levariam a qualquer condenação do
arguido face à lei hoje vigente, designadamente ao disposto no Decreto-lei nº
316/97.
18°
Não foi pois efectuada uma correcta avaliação dos antecedentes criminais do
arguido e não se tomou em consideração que a sua suposta “actividade criminosa”
dizia respeito a um período muito concreto de sua vida (1992-1995) motivado pelo
facto da sua actividade comercial ter corrido mal e não ter tido hipóteses de
pagar tempestivamente os cheques que emitiu antecipadamente.
19°
Mais, não se teve em consideração que o arguido actualmente se encontra
devidamente inserido na sociedade e tem actividade comercial lícita e honesta
possuindo ao seu serviço vinte e três trabalhadores.
20°
Não deveriam pois os antecedentes criminais do arguido ter pesado de forma
decisiva e concreta para manter a sua condenação com aplicação de pena de prisão
efectiva, até porque as circunstancias em que o mesmo foi julgado noutros
processo e condenado não têm qualquer relação com o tipo de crime que lhe é
imputado nos presentes autos.
21°
Logo, existiam razões sérias e objectivas para crer que uma atenuação da pena
conjugada com a aplicação de determinados deveres de conduta seriam vantajosos
para a reinserção social do arguido e suficientes para as finalidades de
prevenção geral e especial, o que, salvo melhor opinião, foi indevidamente
contrariado e de forma pelo menos insuficientemente fundamentada pelo Douto
Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto.
22°
Daí que a aplicação das disposições previstas na actual redacção do Código
Penal, designadamente o disposto nos artigos 40°, 43°, 44°, 50°, 51°, 70° e 71°,
evitando o cumprimento efectivo de uma pena de prisão de um ano em
Estabelecimento prisional, seja do ponto de vista de prevenção geral e especial,
benéfico para a sua reinserção social e para afastar o arguido da criminalidade,
situação que injustificadamente não foi contemplada.
23°
Depois de ter cumprido a sua pena, o arguido passou a ser uma pessoa
trabalhadora e um contribuinte activo.
24°
O arguido conseguiu à custa do seu trabalho superar todas as adversidades, pagou
os seus erros e conseguiu ressurgir a sua actividade comercial, sendo hoje
sócio-gerente das seguintes firmas:
B., Lda., pessoa colectiva nº ……, sociedade por quotas com sede na …., freguesia
e concelho de Rio Maio, com a matricula nº 566 com o capital social de
€210.416,73, onde o arguido é titular de uma quota correspondente a 90% do
capital.
C. Lda., pessoa colectiva nº ……, sociedade por quotas com sede na Rua …. nº …na
Figueira da Foz, com o capital social de €50.000,00, onde o arguido é titular de
uma quota correspondente a 70% do capital social, tendo os rendimentos que
declarou, conforme se prova pelos documentos que se anexam.
25°
A aplicação de uma pena de prisão efectiva, revela-se manifestamente desadequada
e desproporcionada aos factos em julgamento, sendo contraproducente para a
integração do arguido na comunidade, onde hoje se encontra plenamente integrado.
26°
Com efeito, o arguido actualmente exerce a actividade comercial no domínio do
sector de transporte e transformação de carnes, sendo que é dos seus rendimentos
que é sustentada o seu agregado familiar composto pela companheira e pelos seus
hoje sete filhos menores, que em tudo dependem do arguido, tendo o mais novo
nascido em 21 de Fevereiro de 2007. (conf. doc. anexo)
27°
A aplicação de uma pena de prisão efectiva ao arguido teria certamente como
consequência a ruína da sua actividade comercial, indo fomentar o desemprego de
terceiros e resultaria em última análise na criação de graves dificuldades à
subsistência do seu agregado familiar.
28°
Situação gravosa que poderia ser evitada com a aplicação de uma pena que não só
respeitasse as exigências de prevenção impostas por lei mas de igual modo
contribuísse para a preservação da paz jurídica comunitária e ainda para a
reparação dos lesados, sendo que, as disposições legais supra invocadas
possibilitam com a sua aplicação ponderada e fundamentada obter tal resultado.
29°
A reacção penal encontrada faz-nos supor que a interpretação feita dos artigos
40º, 43º, 44º, 70° e 71° do Código Penal e a opção por não aplicação do disposto
nos artigos 50° e 51° do mesmo diploma legal se cingiu à prossecução da
finalidade de protecção de bens jurídicos ofendidos pela actuação do arguido,
olvidando ostensivamente a finalidade da reintegração e ressocialização do
agente prevaricador.
30º
Já que mal se compreenderia que face aos argumentos aduzidos e perante as
posições vertidas nos autos pelo Ministério Público e face ao comportamento do
arguido posterior aos factos, os Ilustres Senhores Juízes Desembargadores,
autores do aresto ora recorrido, pretendessem prosseguir tal finalidade,
aplicando a um cidadão activo e inserido no mercado de trabalho uma pena de
prisão efectiva de um ano, que irá certamente marcar negativamente as
possibilidades de reintegração do arguido na sociedade e afectar todos os que de
si dependem, designadamente os seus filhos menores e os trabalhadores que
actualmente se encontram ao seu serviço.
31°
É consabido que a uma pena, qualquer que ela seja, não lhe basta ter uma função
meramente retributiva; outrossim, à aplicação de uma pena, deve presidir sempre
a ideia de recuperar e reinserir o condenado.
32°
É esta, salvo melhor opinião, a única interpretação consentânea com o espírito
do legislador e o texto vertido nos aludidos normativos.
33°
Ora, não podemos deixar de realçar que depois de ter cumprido a pena em que foi
condenado, o arguido efectuou um esforço considerável no sentido de se tornar
produtivo e socialmente inserido, tendo, à custa do seu trabalho, gerado postos
de trabalho para terceiros, até mesmo depois do julgamento em 1ª instância no
presente processo, exercendo actividade comercial útil e licita, sendo a fonte
de rendimentos do seu agregado familiar, tendo hoje igualmente actividade no
âmbito do comércio de carne de porco preto, possuindo um novo estabelecimento
sito na Estrada de Mira, Armazém nº 3 na Figueira da Foz (conf. doc. anexo).
34°
Como tal não se vislumbra qualquer utilidade na aplicação de uma pena de prisão
efectiva, porquanto tal não toma em consideração todas as circunstâncias que
face ao supra aduzido lhe deveriam ser favoráveis, designadamente a sua conduta
posterior aos factos, as suas condições pessoais e a sua integração no mercado
de trabalho não visando assim a reintegração do agente na sociedade.
35°
Face ao supra exposto, é convicção do recorrente que a interpretação feita dos
artigos 40°, 43°, 50°, 51°, 70° e 71° do Código Penal, está subjacente à
aplicação de uma pena de prisão efectiva de que o jovem arguido foi alvo,
decorre de uma interpretação restritiva daqueles preceitos legais.
36°
Interpretação essa que se considera, com o devido respeito, inadmissível porque
manifestamente conflituante com o disposto na nossa Lei Fundamental e com os
nossos Princípios Constitucionais.
37°
Acresce que, as considerações tecidas relativamente à personalidade e
comportamento do arguido, com vista a afastar a aplicabilidade de uma pena que
não de prisão efectiva em estabelecimento prisional, com a referência excessiva
ao seu registo criminal e não tendo em conta que tal registo resulta de um
período especifico da vida do arguido (sendo que muitos dos factos pelos quais
foi condenado nem sequer hoje têm tutela e relevância penal), revela uma clara
pré-convicção de que a pena de prisão poderia “acentar” bem ao arguido,
independentemente dos argumentos aduzidos no recursos apresentados e da
apreciação dos factos invocados.
38°
Levando a crer o recorrente que se não tivesse no passado sido condenado pela
prática de crimes de emissão de cheques sem provisão (resultantes da emissão de
cheques pré-datados), poderia ter um tratamento substancialmente diferente, o
que, não sendo um factor que o arguido possa apagar apesar de ter já cumprido
todas as penas daí decorrentes e se encontrar hoje plenamente integrado na
comunidade, revela, em nosso modesto entender, uma clara violação do principio
da igualdade, estando pois em causa o disposto no artigo 13° da Constituição.
39°
Por último, não poderá deixar de se fazer referência a uma questão formal que em
nosso modesto entender afectou indevidamente o resultado do processo.
40°
Conforme o arguido oportunamente comunicou nos autos, o mesmo nunca foi ouvido
na fase de inquérito, nunca lhe tendo sido dado a hipótese de verter nos autos a
sua versão dos factos e assim impedir a formulação de uma acusação por ele
considerada inadequada e injusta, porquanto sempre foi indevidamente notificado
para moradas que nunca deu no processo e que apenas resultam da indicação
errónea efectuada na queixa crime contra si apresentada, que se tratava de um
endereço onde o arguido já não vivia há mais de vinte anos.
41°
De igual modo, o arguido nunca foi notificado do despacho de acusação nos termos
e para os efeitos do disposto nos artigos 287° e ss do C.P.Penal, sendo certo
que constavam dos autos os elementos necessários para que se pudesse
tempestivamente ter procedido às necessárias notificações.
42°
Ficou assim o arguido indevidamente impossibilitado de exercer um direito legal
e constitucionalmente garantido, que era o de ser ouvido no âmbito do inquérito
e de requerer a abertura de instrução com vista a obter o imediato arquivamento
dos autos.
43°
É certo que como refere o douto acórdão recorrido se verificaram momentos
processuais posteriores em que o arguido tendo recebido outras notificações nada
requereu e que apenas depois de ser conduzido a julgamento veio via fax arguir a
preterição do seu direito de defesa, o que mereceu despacho de indeferimento.
44°
Porém, a verdade é que nesses momentos processuais o arguido não foi acompanhado
por mandatário judicial por si constituído nem nunca foi contactado nem
aconselhado juridicamente por qualquer defensor oficioso, pelo que, face à
deficiência dos seus conhecimentos jurídicos não pode agir correctamente na
defesa dos seus direitos.
45°
Porém, tal circunstância não significa que no decurso do processo não se tenha
verificando uma violação ao disposto no artigo 287° do C.P.P e artigo 32° da
Constituição da República Portuguesa, o que terá na realidade e de forma
efectiva impedido o arguido (ainda que com a sua conivência por omissão) de
exercer de forma correcta os seus direitos processuais.
46°
Tal circunstância, salvo melhor opinião e total respeito por decisão em
contrário, afigura-se, em nossa modesta opinião, uma nulidade processual
insanável, pelo que, deveriam ser anulados todos os actos processuais
subsequentes ao acto em falta.
Em conclusão:
Entende-se pois que face aos argumentos aduzidos, não se verifica qualquer
fundamento, quer de facto quer de direito, para aplicar ao arguido uma pena de
prisão efectiva de um ano em estabelecimento prisional, já que tal pena não se
revela a mais adequada às finalidades da punição, não tem em atenção os
interesses dos ofendidos e constitui um sério obstáculo à manutenção da sua
integração na comunidade, pondo igualmente em risco todos os que de si dependem
(designadamente o agregado familiar e os trabalhadores), entendendo-se que o
douto acórdão recorrido, entre outros, não teve em devida consideração as
disposições constantes dos artigos 13°, 18°, 27°e 32° da Constituição (...)”.
Na reclamação, considera-se que a questão de constitucionalidade do
“entendimento perfilhado relativamente à interpretação do artigo 287.º do Código
de Processo Penal” foi suscitada nas alegações para a Relação e que quanto ao
“entendimento perfilhado pelo Tribunal da Relação do Porto, quanto aos artigos
40.º, 43.º, 50.º, 51.º, 70.º e 71.º do Código Penal”, tal interpretação, apodada
de “restritiva”, apenas poderia ser equacionada “depois de analisada a
fundamentação constante do Acórdão proferido pela Relação do Porto”.
Começando pela primeira questão, é patente que não foi suscitada,
nos termos supra explicitados, qualquer questão de constitucionalidade
susceptível de integrar a esfera de competência cognitiva deste Tribunal
Constitucional.
Na verdade, no recurso interposto para o Tribunal da Relação, o ora
reclamante apenas sustentou quanto a tal matéria que:
“1 - O presente processo sofre de nulidade insanável, porquanto o arguido foi
indevidamente impossibilitado de exercer um direito legal e constitucionalmente
garantido, que era o de ser ouvido no âmbito do inquérito e essencialmente de
poder requerer abertura de instrução.
2 — Verificando-se uma clara violação ao disposto no artigo 287° do Código do
Processo Penal e artigo 32° da Constituição da República Portuguesa.
3 — Devendo ser anulados todos os actos processos subsequentes ao acto em falta,
devendo o arguido ser notificado nos termos e para os efeitos do disposto no
artigo 287° do C.P.P., com as legais consequências”.
Como bem se vê, não se encontra, aqui, suscitada qualquer questão de
constitucionalidade normativa, aportada na norma do artigo 287.º do Código de
Processo Penal, equacionando-se, outrossim, a própria violação dessa norma e do
disposto no artigo 32.º da Constituição, em face das circunstâncias concretas
que o reclamante configurou e que, de resto, foram afastadas pela decisão
recorrida.
Por outro lado, quanto ao “entendimento perfilhado pelo Tribunal da Relação do
Porto, quanto aos artigos 40.º, 43.º, 50.º, 51.º, 70.º e 71.º do Código Penal”,
maxime quanto à suspensão da execução da pena de prisão, cumpre observar que o
Acórdão do Tribunal da Relação se abonou na fundamentação constante da decisão
da 1.ª instância, que o reclamante controverteu em recurso sem que tivesse aí
suscitado qualquer questão de constitucionalidade.
Não se vislumbra, pois, perante tal realidade que o caso sub judicio seja
susceptível de configurar uma daquelas hipóteses excepcionais de impossibilidade
de suscitação prévia da questão de constitucionalidade, sendo manifesta a igual
identidade discursivo-argumentativa que subjaz às decisões proferidas nas
instâncias.
Ademais, cumpre recordar que o ora reclamante, como se atesta pelo teor das
conclusões 13.ª a 17.ª do recurso para a Relação, ao controverter a decisão
recorrida podia, perfeitamente, ter equacionado o problema da bondade
constitucional dos fundamentos normativos aí invocados.
Confirma-se, pois, a fundamentação constante do despacho reclamado.
Contudo, não pode, também, ignorar-se que, em rigor, as referidas questões de
constitucionalidade, tal como o reclamante as delimitou, não se revestiam de
carácter normativo, porquanto se referiam apenas à aplicação dos preceitos
referidos – que se teve por ilegal e inconstitucional – em face das
especificidades fácticas do concreto problema decidendo, não sendo perceptível,
para além da impugnação do decidido, a definição de qualquer critério normativo
apartado da valoração dessas circunstâncias, sendo manifesto que no presente
caso concreto, embora sob a invocação formal de certos preceitos legais, é a
decisão em si que se considera inconstitucional (proposição sustentada
inclusivamente pelo teor da “conclusão” constante da presente reclamação),
pretendendo-se obter nesta sede a sua reponderação com base numa diversa
valoração do caso concreto que este Tribunal está impedido de realizar.
C – Decisão
6 – Destarte, atento o exposto, o Tribunal Constitucional decide
indeferir a presente reclamação.
Custas pelo reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 20
(vinte) Ucs.
Lisboa, 18 de Dezembro de 2008
Benjamim Rodrigues
Joaquim de Sousa Ribeiro
Rui Manuel Moura Ramos